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ISBN 978-85-60944-12-5 versão

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Educação integral e/ou jornada ampliada no ensino fundamental: uma leitura psicanalítica

 

 

Inês Maria M Zanforlin Pires de Almeida; Rosalina Rodrigues de Oliveira

Universidade de Brasília/Faculdade de Educação

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta, de forma preliminar, elementos para análise e discussão acerca da pesquisa Educação integral / educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira, desenvolvida por um grupo de universidades públicas federais a partir de demanda da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação (SECAD/MEC), por meio de sua Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania, tendo como objetivo mapear a existência de experiências (projetos/políticas) de ampliação da jornada escolar, vinculadas a sistemas, redes e/ou instituições públicas de Ensino Fundamental. O ponto de partida inscreve-se para além dessa pesquisa realizada em âmbito nacional, ou seja, avança na elaboração de análises e reflexões fundamentadas nos saberes do aporte psicanalítico.

Palavras-chave: Educação Integral, Psicanálise e Educação.


 

 

INTRODUÇÃO

A ampliação do tempo de permanência dos alunos nas escolas, em especial das primeiras séries do Ensino Fundamental, em nosso país, tem desafiado historicamente as políticas públicas e a elaboração de propostas pedagógicas. Oportuno ressaltar que a Constituição Federal (art. 208, art. 227 e art. 228) assegura a obrigatoriedade do Ensino Fundamental e gratuito, e a Lei nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina a obrigatoriedade do Ensino Fundamental gratuito e o aumento progressivo da jornada escolar para o regime de tempo integral (artigos 34 e 87), "in verbis": "a jornada escolar no Ensino Fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola" [...] § 2º.

A partir do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), várias ações têm sido implementadas pelo MEC, no sentido de viabilizar políticas públicas efetivas, articuladas e permanentes na área educacional, com o fito de superar desafios históricos de acesso, permanência e aprendizagem em todos os níveis e modalidades de ensino. Em relação às questões que envolvem a jornada ampliada e a educação integral de crianças e jovens na escola pública, o PDE apresentou o Programa Mais Educação e, no sentido de viabilizá-las, o FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

 

EDUCAÇÃO INTEGRAL: marcos históricos

Atualmente muito se fala em educação de tempo integral, como se fosse uma nova teoria pedagógica ou mais uma inovação teórico-metodológica. Na verdade, o programa de escolas de tempo integral tem suas raízes históricas no ideário pedagógico proposto por Anísio Teixeira. Ainda que em outro espaço e tempo históricos, deparamo-nos com um conceito de Educação Integral em torno do qual não há consenso, pois tanto pode ser pensado em termos de integralização dos conteúdos quanto na dimensão temporal (permanência dos alunos na escola).

No Brasil, desde o início do século passado, tem-se apresentado como uma proposta de reestruturação do sistema de ensino mais associada à concepção de uma escola de tempo integral. Nesse sentido, segundo as reflexões de Pereira W. (2008) sobre As Raízes Pragmatistas da Educação no Distrito Federal, as inovações propostas para o sistema de educação pública da nova capital, delineadas por Anísio Teixeira no "Plano de Construções Escolares de Brasília", preconiza-se uma escola de experiência e de vida, de tempo integral, fundada nos princípios do trabalho, participação, autonomia, liberdade e democracia. Pioneiro do movimento da Escola Nova, ao realizar seus estudos de pós-graduação nos Estados Unidos, forjou seu pensamento educacional e tornou-se fiel seguidor da filosofia pragmatista de Dewey.

A mesma autora lembra que Anísio Teixeira, na década de cinqüenta, formulou conceitos fundamentais e inovadores para o campo educacional. Dentre outros aspectos, vislumbrou uma nova escola pública estruturada por debates epistemológicos, um sistema de ensino organizado e planejado de acordo com os princípios da escola progressiva, podendo o educador refletir de forma dialética sobre o seu fazer pedagógico, ultrapassando as diversas formas de interdisciplinaridade e a complexidade da ciência à época, acreditando numa escola pública de ensino mútuo de qualidade.

Neste sentido, acentuou a importância de que tanto os alunos como os professores, sejam eles do ensino elementar, médio ou superior, permaneçam na instituição escolar em tempo integral, considerando que somente com alunos e professores interagindo em tempo integral seria possível formar esses trabalhadores de nível médio, ou prepará-los para o ensino superior, sejam eles técnicos ou cientistas. (TEIXEIRA, 1976)

Quando da ocupação do cargo de Secretário de Educação do Estado da Bahia, Anísio Teixeira desenvolveu, no Centro Educacional Carneiro Ribeiro, uma proposta educacional que, posteriormente, em Brasília, seria chamada Escola Parque. Por meio do Decreto de Nº 3.763, de 1º de fevereiro de 1932, as escolas "laboratórios", isto é, as escolas experimentais, tinham como princípio básico formular um processo de aprendizagem composto de várias atividades a partir do interesse do aluno, postulando um processo integral, dinâmico, ativo que vislumbrava a integração entre aluno, professor e objeto do conhecimento.

Na atualidade, discutir Educação Integral pressupõe também responder aos novos desafios da Educação que, necessariamente deve considerar questões contemporâneas como Direitos Humanos e Cidadania, aliadas à melhoria da qualidade de ensino e à preparação das novas gerações com respeito à diversidade e democracia.

Chaves (2002) aponta que a discussão acerca da educação de tempo integral é retomada nos dias atuais no sentido da maior permanência do aluno na escola. Do ponto de vista da autora, a qualidade do ensino-aprendizagem está intimamente ligada, por um lado, pela quantidade do tempo diário de escolarização, e, por outro, vislumbra-se que a escola ofereça algo mais, para além do aprender a ler, escrever e contar. Neste sentido, ampliar a função da escola confere a essa instituição um papel social e cultural de atendimento às novas exigências sociais de uma sociedade moderna e democrática.

Então, pensar a educação de tempo integral à luz da Psicanálise é pensar também o problema educativo em toda a sua amplitude e complexidade que nos remete a uma gama de imensas possibilidades.

 

EDUCAÇÃO INTEGRAL: possíveis contribuições da Psicanálise

A estreita relação entre Psicanálise e Educação tem uma história tecida desde os primeiros textos de Freud e se estende aos dias atuais através de inúmeras pesquisas versando sobre o tema, seja do ponto de vista psicanalítico ou educacional.

Inicialmente é bom não esquecermos que a permanência do educando num turno de oito a nove horas diárias, inevitavelmente obriga o enfrentamento de problemas das mais variadas naturezas. A título de exemplo, citamos a rotina estressante. Trata-se de enfrentar questões que transcendem a atividade ensino-aprendizagem. "Além de exclusivamente ser cuidador ou nutriz, o mestre é aquele que permite, através de si, transformar a necessidade do animal humano em demanda do sujeito", conforme Pereira M. (2008, p. 98). Em outras palavras, a atitude do adulto instala uma significação, exatamente naquele lugar onde antes só se presentificava a indiferença orgânica.

É preciso, então, construir um tipo de professor que ressignifique o seu "cardápio", encontre alternativas mais atraentes de ensinar, de modo que o aluno possa "digerir" as informações de forma prazerosa. Como lembra Meirieu (1998), o verdadeiro mestre é aquele que, com o tom de maestria, é capaz de suscitar o desejo sem secretar o tédio.

Acompanhando mais de perto essas reflexões, talvez seja possível pensarmos uma educação despojada de idealizações, referendada pela marca da impossibilidade, calcada muito mais no campo da incerteza e da não garantia de um saber todo, completo, no qual o erro e o não saber não fazem parte do processo constitutivo do ser, que na verdade é sempre um "falta-a-ser". Trata-se, portanto, de pensar o sujeito educando de um outro lugar. Neste sentido, pensar neste outro lugar é deslocar o homem da sua postura discursiva monótona, pensado e admitido dentro de uma objetividade extremamente racional, para um outro lugar no qual a subjetividade é ratificada, entendida como a essência que nos funda; em outras palavras é admitir o inacabamento da obra humana. Trata-se de compreender que essa objetividade pura, separada da subjetividade, é da ordem do impossível, e, nesse sentido, é preciso desconfiar da verdade, sabendo-se que ela jamais se inscreve toda como lembra Pereira M. (2008).

Vale a pena ressaltar que esse processo de assumir o lugar de oposição às normas e regras estabelecidas por uma sociedade, com seus sistemas e conjunto de prescrições, gera certo desconforto; portanto, talvez seja este o caminho mais viável para espreitar o impossível na educação, pois desmistifica justamente essa perfeita ilusão do humano ter consciência de si mesmo e de seus atos.

A partir desse princípio, recorremos ao arcabouço teórico freudiano que nos adverte que o sujeito pensado pela Psicanálise não responde aos preceitos de um ego extremamente focado na sua própria consciência, mas por um sujeito constituído pelo conflito das leis próprias do inconsciente que o descentra e descarta qualquer ilusão de obter um saber de si através das vias e da ótica da razão. A Psicanálise revela um sujeito que não tem consciência de si e muito menos dos seus desejos, apresentando-o como um vir-a-ser ante si, melhor dizendo, alguém que não é senhor do seu próprio destino.

Em outras palavras, para a educação em geral e quiçá a educação integral, Freud parece lançar uma luz acerca do ponto de equilíbrio da educação, no sentido de anunciar a relevância da singularidade do educando... estabelece que toda criança tem seu "ponto".

 

De que ponto Freud está falando?

Segundo tal indicação freudiana, talvez pudéssemos pensar que esse é o centro da questão da educação; o fato de encontrar o ponto de encontro do aluno com o conhecimento a partir da sua singularidade sob as tramas de um saber também singular.

Assim, é preciso questionar os modelos de ações pedagógicas com soluções miraculosas que viriam do mundo externo através de fórmulas experimentadas ou imaginadas por outrem, negando o que se passa na dimensão inconsciente no ato de aprender. No processo de "transmissão" nunca sabemos o que as palavras que utilizamos significam realmente para os alunos; seus efeitos podem se esconder atrás de sua servilidade aparente, uma vez que invariavelmente a transmissão atravessa as fronteiras do processo de informar, e assenta-se no horizonte dos vários inconscientes que constituem os protagonistas dessa história a ser construída.

Do ponto de vista de Gallo (2002), uma educação integral se faz relevante nos dias atuais, para que as escolas reflitam sobre um novo paradigma de educação e possam abandonar o modelo até então hegemônico de transmissão de informações. Que seja uma educação intelectual pautada no dinamismo, na curiosidade, na construção da liberdade; uma formação que resgate a autonomia do sujeito, muitas vezes perdida no meio da expressiva preocupação conteudista, forte herança cartesiana; buscar uma educação intelectual voltada para o processo não para o produto, processo educativo que seja capaz de atender aos desejos humanos de uma sociedade e de uma cultura, onde as mudanças ocorrem muito rapidamente.

Neste sentido Meirieu (1998, p. 35), acrescenta "é preciso creditar às pedagogas do 'endógeno' a evidência incontestável de que só há saber pelo caminho que leva a ele e de que só há conhecimento na apropriação de que dele faz o sujeito". Inevitavelmente a consciência do outro sempre escapa aos olhos do educador, a transmissão jamais pode se situar no prolongamento do desejo e controle do discente, do que ele é e do que pensa.

De acordo com o pensamento de Meirieu, a dificuldade maior das ações pedagógicas programadas é assumirem a historicidade do aprender, e, mais ainda que uma história, jamais possui um desenvolvimento linear e uma distribuição igualitária de conhecimentos, mas sim um movimento tortuoso e calcado na dialética. Observa-se que existem tensões e diferenças, a história nunca é escrita a priori, não se repete e, mais ainda, não temos certeza de sairmos dela totalmente ilesos.

Seguindo por essa linha, a aprendizagem é uma história que coloca diante de cada um o seu saber que precisa ser reconstruído, uma história complexa onde sujeitos se confrontam sob as tramas do processo transferencial, ou seja, um vínculo, onde aluno e professor, sob a égide dos seus inconscientes, lidam com suas estruturas cognitivas admitindo que cada sujeito tem acesso ao saber de maneira singular, construída no percurso de sua história pessoal.

 

Psicanálise e Educação Integral

À luz da Psicanálise talvez seja possível pensar na criação de um novo sentido de comunidade escolar. É provável que haja certa omissão discente, transformando-se num "sintoma social" que acomete grande parte do alunado das escolas, sejam públicas ou privadas, sintoma que para Pereira M. (2008), não passa de um dissenso na relação professor-aluno.

Na verdade, ao assumir o conceito de dissenso na relação pedagógica, talvez seja possível questionar o impacto do declínio docente e sua estreita ligação com a crise de autoridade. Como pensa Pereira M. (2008), essa crise possui raízes históricas e remontam à crise do mundo atual, de natureza essencialmente política. Parece, segundo o autor, que houve um esvaziamento de todas as autoridades tradicionais, especialmente na educação, cujo equivalente seria a imposição de condutas padronizadas pelos professores, um abuso de poder diante da visão do aluno ideal. Esse conflito é sinalizado por um arranjo pedagógico ideal onde métodos e técnicas pedagógicas são da ordem do previsível e programável, sem direito a falha, ao ponto de não se arriscarem e admitirem o não saber; os educadores são treinados pelas diretrizes da pedagogia clássica a assumirem o direito de ter respostas prontas e infalíveis para todas as indagações advindas da sociedade.

Diante de tais concepções, importante destacar que a concretização do resgate da autoridade docente dependerá, em muito, da formação dos professores. Não no sentido de puramente "restaurar" essa autoridade, pois de acordo com Arendt (2007), a qualificação, por mais eficiente que seja jamais constrói autoridade.

Nesse sentido, se por um lado não se discute a importância desses elementos embutidos em toda demanda educativa dentro da estrutura formal da educação, de outro lado é preciso ressaltar que o Ministério de Educação (MEC), através do "Programa Mais Educação" tem gerado expectativas de novas ações educativas evidenciando a importância do trabalho intelectual coletivo através do projeto de educação integral.

Como premissa dessa realização, inscreve-se o reconhecimento de que a operação de surgimento do sujeito do desejo na criança, que o introduz em uma aprendizagem, é o desejo de saber e a vontade de conhecer, como escreve Meirieu (1998).

É a partir dessa visão freudiana do desejo que talvez possamos pensar a importância da Psicanálise na leitura da educação de tempo integral, posto que o sujeito da Psicanálise é um sujeito histórico, desmedido dos modos de socialização impostos pela pós-modernidade, que afinal vem possibilitar questionamentos sobre o desejo do aluno.

Ora, se é o desejo a mola propulsora da fundação da subjetividade, consideramos válido questionar como fica o desejo do aluno dentro das propostas de uma educação com uma concepção temporal diferenciada. A escola estará atendendo o desejo de quem? O desejo é inconsciente, da ordem do incontrolável, inapreensível e jamais satisfeito. Assim sendo, Lajonquière (1999, p. 170) adverte, sobre o desconhecimento acerca do desejo: "o saber sobre o desejo não deixa de ser o saber não-sabido do desejo, ou seja, um saber recalcado". Portanto, se o desejo é da ordem do não sabido, não há fórmula para fazer brotar o desejo nas crianças; não há receitas, não há métodos que dêem conta de fabricar realidades psíquicas sujeitas à lei do desejo. O importante é o adulto reconhecer essa demanda e não fazer da criança ou adolescente o seu objeto de gozo.

As escolas parecem querer ocupar o tempo das crianças, porém a organização do sistema educacional tem-se mostrado inadequada para recebê-las. Existe uma cultura específica da criança e do adolescente, e diante dos novos pressupostos da educação de tempo integral e/ou jornada ampliada, é preciso discutir a importância dessa cultura específica, da sensibilidade, da inteligência do corpo, da espontaneidade, que por vezes é adormecida através de muito tempo de escolaridade.

Pensamos que a educação de tempo integral implica sistematização do cotidiano da criança. Mesmo as escolas "ditas" mais avançadas por vezes encontram-se defasadas em relação às descobertas mais recentes da ciência.

Neste sentido, é preciso que, diante dessa proposta atentemos para que o professor não se aprisione no autoritarismo dos programas acabados que pressupõem a subordinação do aluno. A bem da verdade, de modo geral o adulto já interfere no desejo da criança, uma vez sendo essa um ser precário, independentemente do que diga, da expressão do seu desejo, o adulto escolhe por ela o que é essencial para sua constituição. "Escolhe a língua, os valores, os estudos nos quais e pelos quais a criança será educada" conforme lembra Meirieu (2002, p.129). Em síntese, o adulto decide, chancela a entrada da criança em um mundo, arbitrariamente, independente do que ela diga; um mundo que é essencialmente do adulto, e, que o assume com uma autoridade cujo fundamento a criança não pode julgar, posto que ainda não foi educada.

Pressupõe-se, nessa matriz de pensamento, à luz da Psicanálise que, por um lado, a escola tem mesmo a função de formar o cidadão, instrumentalizá-lo, preparando-o para sua inserção na cultura, deve preparar a criança pela autoridade da transmissão cultural, para o acesso à cidadania, por meio do conhecimento; por outro lado, precisa se preocupar em como proceder, como ser simultaneamente o agente e seu agenciador. Em outras palavras, como pela autoridade do mestre pode transmitir o mundo e a cultura à criança, formando e protegendo a sua subjetividade. Isso significa pensar como aquele que pretende respeitar o sujeito na criança, e possa propor assimilação de conteúdos culturais, de forma a esclarecer e enriquecer suas relações e invocar uma liberdade – tornar-se sujeito sem tirá-lo da sua condição de ser desejante.

Como seria pensar dessa forma, se, como alerta Meirieu (2002, p. 130), "àquele que pretende respeitar o sujeito livre na criança em desenvolvimento, é preciso lembrar sempre que ele não pode eliminar definitivamente da educação todo comportamento autoritário, arbitrário e, com certeza, toda violência". Estamos diante de posições antagônicas que se entrelaçam de modo permanente na ação pedagógica. E, nesse sentido, a literatura psicanalítica sugere que o educador transfira sua autoridade da relação direta para a organização de situações compartilhadas, de modo que a liberdade da criança seja simultaneamente destituída e respeitada .

Isto posto, a leitura da Psicanálise acerca da escola de tempo integral e/ou jornada ampliada possibilita pensarmos grandes rupturas, diante da posição cartesiana em ignorar o desejo, pois se assume como um saber que pretende questionar efetivamente os limites da razão, ao interpretar a singularidade do sujeito em confronto com as normas societárias rígidas.

Ora, efetuar uma relação sistemática, convidar a criança ao exercício da razão, conduzindo-a a ter escolhas significativas, racionais, não significa a subordinação, tampouco reproduzir as desigualdades sócio-culturais sustentadas por um ensino sistemático. Meirieu (2005, p. 114) afirma que "mesmo um aluno bem-preparado e com pleno domínio dos pré-requisitos, não fica indiferente a um novo objeto de saber". Cabe destacar ainda que, para esse autor, toda nova aprendizagem mexe com a curiosidade, com o desejo, e por que não com a inibição e com a inquietude? O conhecimento nasce do emaranhado de lembranças, fantasias, conotações singulares e aleatórias de cada história individual, e essencialmente dos desafios pessoais que envolvem a relação com os pais, cuidadores e professores.

Assim, o que se passa na atividade pedagógica parece fugir ao controle de qualquer definição, e não pode ser descrito em termos de dispositivo ou de tecnologia, conforme Meirieu (1998). Desse modo, pode-se deduzir que existem processos inconscientes, inexplicáveis que permeiam a ação educativa, que mobilizam o aluno, que o introduzem em uma aprendizagem e o fazem assumir as dificuldades e os desafios. Talvez uma grande contribuição do professor seja a sua renúncia em ter o controle do desejo de outrem.

 

À guisa de conclusão

O desafio que se coloca para os educadores, com a proposta da educação de tempo integral e/ou jornada ampliada é fundamentalmente encontrar o equilíbrio entre as exigências científicas de uma escola de experiência de tempo integral, seja no sentido de integralização dos conteúdos ou na dimensão temporal, e, ao mesmo tempo, não perder essa experiência da singularidade educativa que somente o respeito pelo desejo do aluno pode nos oferecer.

Assim, retomando Meirieu (2002), para quem tudo o que as crianças aprendem é extraído das profundezas de seu ser interior, ou seja, a convicção de que no instante em que agimos é o outro que age e apenas ele, uma vez que apenas ele pode decidir seu destino, é esta, essencialmente, a finalidade de toda educação (entendendo que a educação está inserida na irreversibilidade do tempo e na singularidade das situações individuais). E, nós, educadores, devemos agir sobre os dispositivos para deixar o outro agir, em si mesmo, no lugar que ele decidir ocupar; encontrar a coragem de passar ao ato; saber-se impotente sobre o desejo do outro para recobrar um poder sobre os dispositivos que lhe permitem afirmar-se como sujeito desejante.

Enfim, lembramos das relações que Castoriadis (1982) chamou atenção, sobre a prática da palavra que não pode ser reduzida a uma mera técnica tanto na educação quanto na Psicanálise. A educação tem que ser encarada como uma verdadeira Paidéia, começa com o nascimento e termina com a morte, não se restringe à educação formal escolar e, poderíamos acrescentar muito menos à educação integral.

Subscrevemos as colocações de Koltai (2006); durante o Seminário Nacional Tecendo Redes pela Educação Integral, realizado no Memorial da América Latina, em São Paulo, SP, a Psicanalista e Doutora em Psicologia lembra que: "torna-se urgente trabalhar no sentido da autonomia para que o aluno aumente sua capacidade de julgamento. Não julgamento do próximo, mas seu próprio pensamento. E que ele assuma seu próprio julgamento". Talvez a maior responsabilidade da educação integral seja mesmo a de possibilitar um claro redirecionamento para a construção da cidadania, cujos objetivos, enquanto civilização, devem ser claros e explícitos: redução da violência a suas formas aceitáveis; não humilhação do outro, especialmente os mais fracos; formação da capacidade crítica e o respeito ao exame crítico; no direito universal e, principalmente, no princípio de reconhecimento do outro, condição que a diversidade cultural implique no reconhecimento da universalidade dos valores da civilização.

Muitas questões perpassam a proposta da educação de tempo integral e/ou jornada ampliada. Iniciamos uma discussão que carece de aprofundamento para que tentemos repensar alguns dos impasses – dentre outros, a questão da escola como espaço de subjetivação. Afinal, na Psicanálise a subjetividade inscreve-se no registro do social, está sempre aberta para o outro... individual e social.

Enfim, é possível reconhecer que a Psicanálise tem inegáveis contribuições para as análises e reflexões sobre a proposta de Educação Integral e/ou Jornada Ampliada pois afinal Educação e Psicanálise são espaços de criação democráticos.

 

REFERÊNCIAS

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GALLO, Silvio. A educação integral numa perspectiva anarquista In: Educação brasileira e(m) tempo integral. Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho; Ana Villela Cavaliere (orgs.) Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

KOLTAI, Caterina. Leonor Macedo. EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO : Memorial lotado pela Educação Integral... In: Seminário Nacional Tecendo Redes pela Educação Integral, Memorial da América Latina, Auditório Simon Bolívar. 8, 2006, São Paulo, SP. Artigo (on line), Educação e Participação. Disponível: www.educacaoeparticipacao.org.br/modules/news/article.php . Acesso em 15 de março de 20009.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Infância e ilusão (psico) pedagógica: escritos de Psicanálise e educação/Leandro de Lajonquière. Petrópolis, RJ : Vozes,1999.

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