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ISBN 978-85-60944-12-5 versão

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Queixa escolar e subjetividade: por diagnóstico que vá além da suposta dicotomia entre o conceitual e o "psicológico"

 

 

Leandro Alves Rodrigues dos Santos

Psicólogo, psicanalista, docente e supervisor no Centro Universitário de Santo André (UNI-A/Anhanguera), doutorando em Psicologia (IP-USP), membro do Fórum do Campo Lacaniano (FCL-SP) E-MAIL: leandro.psi@uol.com.br

 

 


RESUMO

Aborda e problematiza uma questão específica da dificuldade no diagnóstico da queixa escolar, discutindo uma suposta dicotomia entre dois pontos; por um lado os aspectos ditos mais cognitivos da aprendizagem, revelados em lacunas conceituais que subjazem, muitas vezes um encaminhamento questionável para algum serviço especializado, como mostram inúmeras pesquisas sobre fracasso escolar e, por outro lado, os aspectos mais "psicológicos", também muitas vezes fruto de imaginarizações igualmente questionáveis. O objetivo central deste trabalho é lançar um olhar sobre a dificuldade do profissional nesse cenário, incluindo o mal-estar na condução do processo, as estratégias de atuação e as reflexões advindas de um posicionamento mais crítico e menos ingênuo. A experiência do autor em um serviço escola de um curso de Psicologia supervisionando um núcleo atravessado pelo referencial psicanalítico será a base para as narrativas de acolhimento da queixa escolar numa proposta que tem em conta levar em consideração o social e o individual, expondo algumas tentativas de enfrentamento desse difícil fenômeno e sua necessária desmistificação.

Palavras-chave: Psicanálise e educação; queixa escolar; diagnóstico.


 

 

Uma das dificuldades mais significativas no campo da queixa escolar refere-se ao diagnóstico inicial, momento no qual o profissional se vê confrontado com uma questão muito específica, a difícil tarefa de circunscrever as possíveis origens do problema de aprendizagem imputado a uma criança, como encontramos nos múltiplos encaminhamentos efetuados por escolas ou postos de saúde. Uma pergunta sempre paira no ar: a dificuldade se deve a aspectos mais ligados à afetividade, da ordem da subjetividade e seus complexos liames, portanto terreno propício para uma investigação que se orienta pela teoria psicanalítica ou se deve a aspectos mais conceituais, advindos de falhas ou lacunas no processo de ensino e aprendizagem? Mas, há ainda uma terceira e complicada opção; pode ser também uma intrincada mistura de ambas, para intranqüilidade do profissional responsável pelo processo de investigação.

Portanto, estamos lidando com tópicos, problemáticas e obstáculos que podem ser percebidos por muitos ângulos, nos quais o raciocínio mais cartesiano, de causa e efeito logicamente articulados, não ajuda muito, sob o risco de pensarmos e agirmos de maneira excessivamente reducionista. O objetivo deste trabalho é oferecer alguma contribuição nesta temática, nas complexas dificuldades encontradas no diagnóstico dos chamados problemas de aprendizagem; uma tentativa de colaborar para o aprofundamento das discussões nesse campo, problematizando pontos e visando fazer avançar as pesquisas que abordam essa delicada temática da queixa escolar, fenômeno que nunca se exaure, com desdobramentos e conseqüências quase sempre muito sérios e não só para a criança, mas também para todos os envolvidos na questão.

Vale frisar que a reposta esperada do especialista tem um peso significativo, sendo quase sempre tomada como algo conclusivo, tornada ilusoriamente real pelos laudos, usualmente recheados de dados relativos a testes psicométricos e termos técnicos que parecem dar consistência a um mal-estar que irrompe num ponto particular deste processo tão valorizado pelo social. Para os interessados nesse fenômeno, a questão nuclear que se põe nesse momento é saber de onde vem essa dificuldade, como tratá-la e, se possível, eliminá-la; a materialização de um sonho dos adultos que cercam a criança.

Mas, entre os sonhos e a realidade, há uma distância considerável, e nesse patamar devemos nos concentrar, especialmente se quisermos ousar inventar algo diferente das soluções encontradas até agora, muitas delas ligadas a uma simplória culpabilização da criança e seu psiquismo ou também da família "desestruturada", que supostamente "traumatizaria" a criança impedindo-a de se desenvolver cognitivamente. Cabe sempre lembrar também outra saída simplista, que consiste em imputar genericamente a escolarização oferecida à criança, responsabilizando os professores, o modelo de escola, o ensino público e suas vicissitudes ou ainda o ensino privado e sua lógica produtivista, como se, por isso, tudo se resolvesse satisfatoriamente. A dificuldade persiste mesmo assim, portanto tentar avançar nessa problemática parece ser necessário e até mesmo desafiante.

E um bom passo nesse avanço seria problematizar a suposta dicotomia entre os dois aspectos, que chamaremos aqui de "psicológico" e de "conceitual", com as devidas aspas. Não devemos nos esquecer do poder e da influência que certo discurso medicalizante teve e ainda tem no imaginário daqueles que participam do cotidiano escolar, fator que forneceu, de certa maneira, pseudo-explicações para os obstáculos que ocorriam no processo de ensino e aprendizagem. Grosseiramente, a lógica seria pensar, analogamente, o fluir do processo de ensino e aprendizagem como algo teoricamente saudável, próximo do que a Medicina chama de homeostase e, por que não dizer, a dificuldade de aprendizagem como um problema nessa lógica, tornando-se então um distúrbio que deve ser tratado, curado e eliminado ou, a remissão de um sintoma, como diriam os manuais clássicos da ciência médica.

As pesquisas mais clássicas sobre fracasso escolar já demonstraram, por varias vias e com fartura de argumentos, que os problemas de aprendizagem, quando bem investigados, demonstram que as explicações mais simplistas não satisfazem nem tampouco colaboram para uma solução do problema, até mesmo porque talvez não seja da ordem do resolver, de um furor incontrolável de intervir, tratar e eliminar esses distúrbios de aprendizagem que atrapalham a ordem escolar.

Portanto, a partir desse alerta, propomos agora lançar um olhar a um ângulo específico dessa questão multifacetada, naquilo que chamamos anteriormente de uma suposta dicotomia entre os dois pontos, o subjetivo e o conceitual.

E, para tanto, partiremos de uma experiência pessoal, no papel de supervisor em um núcleo de formação de uma Clínica de Saúde, num serviço escola de um curso de Psicologia e, portanto, lidando diretamente com a questão da queixa escolar e tendo contato com esta dimensão cotidianamente, devido principalmente ao grande afluxo de pessoas que chegam às portas da instituição em busca de atendimento psicológico para a já citada queixa escolar. (SANTOS, 2007)

O referido núcleo segue uma lógica própria, pois parte desde o acolhimento inicial às crianças, que não passam necessariamente por uma triagem formal, mas sim acabam sendo direcionadas já pelas secretárias da Clínica de Saúde quando estas recebem qualquer tipo de pedido que esteja conectado com as questões ditas escolares, representadas usualmente por problemas de aprendizagem ou comportamento; quase sempre das escolas públicas e de postos de saúde da região, numa lista de espera que sempre cresce e nunca diminui, semestre após semestre.

O atendimento detém uma singularidade, pois é, de maneira simultânea, feito por dois estagiários, no mesmo horário e em salas separadas, um deles com a criança e outro com os pais, sendo que, vale dizer, mais comumente temos a mãe. No telefonema inicial ao responsável pela criança, este dado não é citado, apenas pede-se que tragam a criança e, na sala de espera, os dois estagiários se apresentam e ali se separam; cada qual acompanhando criança e mãe para as salas de atendimento da clínica escola da instituição. É importante destacar que isso já faz parte da estratégia, pois não se trata de fazer uma anamnese clássica, com a mãe falando com a criança no colo ou brincando no chão, aparentemente desinteressada da conversa. A idéia é fazer a mesma pergunta inicial, disparadora e que a ambos convoca a falarem das razões pelas quais estão ali, ou seja, o que pensam desse encaminhamento que se deriva, quase sempre, de uma queixa do outro, não necessariamente deles. (MINUZZI et al, 2001)

Essa estratégia não é gratuita, pois faz parte de uma proposta particular do núcleo que é o de estabelecer uma analogia criteriosa, pensada de maneira cuidadosa e responsável, com os parâmetros de um tratamento psicanalítico e, nesse começo do processo, ainda na recepção das pessoas, a associação com a lógica de uma análise é evidente, pois o "paciente" não aguardará pacientemente um saber do profissional que supostamente resolverá o problema, beirando um veredicto tecnicamente inquestionável, mas, ao contrário, participa desde o começo, pensando e tendo suas hipóteses valorizadas, como num processo analítico, no qual um simples enunciado como "O que te traz aqui?" dispara uma narrativa que pode se tornar um marco de associações e reflexões acerca do mal-estar, permitindo ao sujeito falar, escutar e se escutar e, com isso, afortunadamente, obter-se algum efeito minimamente transformador. Nossa aposta é que quando a palavra flui, algo pode mudar, mesmo num cenário intrincado como esse, com vários atravessamentos e vieses, desde o encaminhamento inicial.

Isso se sucede por quatro encontros semanais, um número reduzido pois tem como objetivo central causar uma implicação tanto na criança quanto na mãe, no pai ou nos pais, no sentido de tentar lidar com a situação a partir de outro lugar, de uma posição que afete o próprio curso de investigação do "problema" de aprendizagem ou de comportamento. Em outras palavras, essa sucessão de encontros serve muito mais para situar e delimitar a possível questão do que necessariamente compreender, diagnosticar e prescrever algo, caricaturalmente psicológico, com laudos e orientação de mães, sair do ingênuo Freud explica para um vigoroso Freud implica, com os desdobramentos que daí advêm. (VOLTOLINI, 2002)

A criança é convidada a falar, não só apenas daquilo que é alvo, ou seja, do quê e por que se queixam dela, mas também, eventualmente, até de outros aspectos de sua vida, permitindo a assunção de outros temas que, hipoteticamente, poderiam se relacionar à razão principal de sua chegada à Clínica de Saúde da instituição. O estagiário a recebe numa sala utilizada para o modelo mais tradicional de psicoterapia, portanto não se torna necessário nada de sala lúdica ou algo do tipo, mas apenas com uma caixa repleta de jogos e brinquedos, além de material gráfico. Nada disso é muito caro ou inacessível, sendo facilmente encontrado em qualquer grande armarinho que venda brinquedos e jogos para o público em geral.

Desde o começo, o estagiário tem em mente que não fará uso de testes psicométricos nem tampouco testes projetivos, pois isso pode ser substituído até com alguma facilidade, e com maior grau de liberdade para ele e para a criança, pelos jogos e material gráfico, situação na qual a aprendizagem é posta à prova em vários momentos.

Um bom exemplo é o famoso brinquedo "Banco Imobiliário", no qual muitas questões cognitivas podem ser percebidas, seja por meio do entendimento da regra geral do jogo, pedindo à criança que leia o manual, as contas para o dinheiro fictício do banco, a relação com o ganhar e com o perder, enfim, inúmeras possibilidades para uma investigação preliminar acerca da base conceitual daquela criança em Matemática, em comparação ao ano e série em que está matriculada. Outro bom exemplo para checar a alfabetização seria o igualmente famoso "jogo da forca", no qual a língua portuguesa é posta à prova, independentemente do grau de dificuldade das palavras.

O que efetivamente importa não é tanto o jogo ou brinquedo, mas a estratégia que permita ao estagiário arquitetar uma hipótese inicial para o caso. Muitas vezes a criança era convidada para confeccionar uma estória em quadrinhos, inventando personagens e preenchendo os balões e, com isso, é relativamente simples perceber a situação da criança no que tange à alfabetização, além de outros aspectos ligados ao ato de ler, escrever, criar, imaginar e realizar num papel algo que bem sabemos, vai além de meras ilustrações e construção de frases e enunciados.

Quando da apresentação deste trabalho no Colóquio do LEPSI, uma colega argentina que assistia à apresentação disse num tom bem humorado que esta caixa de brinquedos e jogos nada mais era do que uma "caixa da cultura", ao que nos fez efetivamente refletir sobre a possibilidade de encarar esta estratégia como algo que investiga aspectos da inserção da criança na Cultura, as vicissitudes que podem daí advir e o que se pode fazer, dentro de limites razoáveis, abrindo mão da psicometria e de uma atitude acriticamente laudatória. Um dos objetivos do núcleo era mostrar justamente a possibilidade de pensar e arquitetar atitudes investigativas que chegassem a um olhar diagnóstico mais livre e, principalmente, mais operativo em termos de mudança no que tange ao cenário inicial da queixa.

Isso do lado da criança, mas agora há a outra parte, também muito importante; da mãe ou dos pais na sala com outra estagiária, sendo convidados também a falar da queixa, das hipóteses da escola queixosa ou mesmo dos postos de saúde, de suas percepções acerca do filho e de seu percurso escolar, do que se repetia, enfim, historicizar como se faz numa análise, algo distinto de rememorar, mas de uma narrativa ligada a afeto envolvendo episódios, fatos, passagens, atitudes, tentativas, dificuldades e outros aspectos da difícil tarefa da maternidade e da paternidade, enfim, responsabilizar-se por um filho no mundo, e não só na escola, vai muito além do que imaginamos.

Porém, nossa experiência tem demonstrado que é a mãe que acaba por se ocupar dos assuntos relativos à escolarização dos filhos, sendo muito comum o estagiário descobrir que o pai havia ficado no carro estacionado próximo à instituição durante o atendimento, causando muita surpresa quando era convocado sutilmente por meio de um convite que valorizava seu papel e lugar naquele momento do processo.

Quando isso ocorria, era comum ambos dizerem que haviam conversado mais no caminho de volta para casa, pensando nas perguntas e no que poderiam fazer. Curiosamente o pai estava presente no encontro subseqüente, ou até mesmo pedia para mudar o dia ou horário do atendimento quando trabalhava por revezamento ou por turnos, fato comum nas indústrias da região.

O clássico texto de Jacques Lacan (1969), Nota sobre a criança, é o pilar central nas teorizações acerca do lugar da criança na família, de como pode apresentar um sintoma, ser um sintoma da e para a família, além das múltiplas possibilidades e desdobramentos a partir do lugar que ocupa no fantasma materno. No início do semestre letivo, era evidente a dificuldade de grande parte dos alunos em associar os conteúdos dos textos com a questão da queixa escolar, como esta foi trazida nas disciplinas mais teóricas, que envolviam a atuação do psicólogo nas questões escolares.

É outro modo de ver, compreender e se posicionar nestas questões, mas, o que mais chama a atenção é o próprio estagiário, estudante de psicologia com todas as idiossincrasias características, perceber-se como agente de alguma mudança, mesmo que não entenda muito bem o que está acontecendo. Outros autores já trafegaram neste caminho, como Megale et al (1997) nos mostra em situação análoga:

É interessante que para um aluno que chega para seus primeiros encontros com um paciente supondo nada saber e constrangido, muitas vezes, com a obrigatoriedade de um currículo que lhe diz em determinado momento; "Agora, pronto ou não, disponha-se a ouvir pessoas que sofrem psiquicamente", ele descobre muito surpreso e grato, que há um algo (a transferência) que o constitui, ainda que no mais das vezes ele recuse e resista, nesse lugar suposto de saber sobre um sofrimento e desde onde lhe é endereçada uma demanda de cura. Fica perplexo (e com razão) que tal qual na teoria, já havia sido previsto, que essa transferência se instala e produz seus efeitos pelo simples fato de estar ali à disposição de ouvir. (p.114)

Porém, com o decorrer dos atendimentos, especialmente com as supervisões, que no modelo universitário se dão tradicionalmente em grupo, era possível aos alunos ouvir e pensar sobre as narrativas dos colegas, suas dificuldades, seus supostos erros e acertos, o que mostrava que a aposta inicial estava se concretizando, em alguns casos com mudanças mais significativas, em outros casos com alterações mais pontuais, mas de maneira geral algum movimento era possível notar, desde o primeiro até o quarto encontro. Daí, os textos podiam ser re-significados por alguns alunos, causando um misto de espanto e curiosidade, sofisticando a apreensão sobre a Psicanálise e seus efeitos no laço entre o psicólogo e aquele que o procura, demandando por algo que minore ou resolva situações de profundo desconforto.

O modus operandi psicanalítico foi criado por Freud para o tratamento de neuroses, e tem sido constantemente aperfeiçoado, mas se bem pensado, estruturado de maneira ética, pode, analogamente, inspirar outras práticas (SANTOS, 2003, 2007), pois contém elementos distintos desses outros modos de atuação, mas fundamentalmente sustenta certa dose de subversão no que tange aos lugares no laço, ao saber, à implicação, como mostramos anteriormente.

Um profissional de outro campo tem que garantir e sustentar seu saber competente, assegurado pela ciência, mas na seara psicanalítica isso é tomado de outra forma, e apenas essa diferença inicial, interrogar o sujeito sobre suas hipóteses, apostando que este detém algum saber sobre o que o afeta, como sugere Santiago (2000), já favorece o aparecimento de uma outra modalidade de investigação, na qual este saber não está polarizado do lado do profissional mas, ao contrário, há um manejo pensado estratégicamente para que a demanda transforme-se em enigma (VOLTOLINI, 2001), supondo que aquele que demanda, criança ou os pais também, venham a saber algo importante à respeito do processo formativo da queixa que, afinal, os afeta e não deveriam postar-se tão passivamente, quase que literalmente "objetos" da queixa. E, nessa condição, a criança e também sua familia acabam por se tornar presas fáceis de mecanismos de exclusão direta ou mesmo de discriminação em variados níveis, como boa parte da literatura que esmiuça produção do fracasso escolar já explicitou.

Portanto, essa suposta dicotomia entre o conceitual e o pedagógico pode ser pensada sob outros ângulos, como propõe Ana Lydia Santiago (2004), quando explicita sua estratégia a partir de suas incursões pelas escolas públicas de Minas Gerais e do que pôde perceber em termos de uma dificuldade de se pensar o referencial psicanalítico orientando algum tipo de diagnóstico que levasse em conta estes dois aspectos, como mostram suas palavras:

Essa constatação levou à proposição de um procedimento diagnóstico, designado clínico-pedagógico, cujo objetivo é o de identificar o estatuto da dificuldade em duas esferas distintas: uma cognitiva e outra relativa à economia subjetiva do aluno. A avaliação cognitiva baseia-se na investigação do conhecimento da criança, no plano do seu domínio dos fundamentos teóricos absolutamente indispensáveis para a superação de erros de conteúdo. Para-além do domínio teórico dos conteúdos os impasses de aprendizagem são indicativos de sintomas de inibição intelectual. Nessa perspectiva, busca-se esclarecer a trajetória intelectual que a criança desenvolve na solução de uma tarefa, até o ponto preciso de seu impasse subjetivo.

Nosso trabalho neste núcleo compartilha dessa posição ética, mais do que técnica e temos conseguido alguns resultados interessantes, especialmente nos casos em que o sintoma neurótico, pensado em termos estritamente psicanalítico, como no caso da inibição intelectual, pode ser abordado em um tratamento individual, perguntando à mãe sobre o interesse e, especialmente à criança, se ela gostaria de dar prosseguimento ao dispositivo. A resposta é quase sempre positiva e comumente emendada de uma pergunta se o estagiário continuaria também, o que prova a força da transferência. Novamente a referência à análise é muito clara, transformar queixa em demanda, causada por uma oferta que aponta para trabalho de associação e reflexão e, além do principal, só vale quando é pedida, daí a oferta que pergunta pelo interesse na continuidade, ao invés de um encaminhamento que visa o bem estar do sujeito, ou até mesmo a necessidade pensada em termos ortopedicamente adaptativos.

Aqui, neste caso, a criança é tomada como sujeito, assim como sua mãe ou família, independentemente de classe social ou nível intelectual.

Mas, excetuando-se esse casos, que inclusive demonstram "melhora" no campo escolar, cabe aqui destacar os casos de psicose, tristemente esquecidos e que chegam ao núcleo em condições complicadas, agravados por uma cronificação que poderia ser minimizada se tivéssemos outras possibilidades de atuação da chamada saúde mental nas escolas públicas.

Já os casos nos quais as dificuldades ficam visivelmente concentradas na esfera conceitual, não temos o menor pudor em explicitar isso aos pais, dizendo que não há questão psicológica aparente e que deveriam voltar à escola reivindicando por iniciativas de enfrentamento dessas lacunas ou falhas na alfabetização, mesmo que isso implique aos pais, por exemplo, re-pensar se esta escola é o melhor para seu filho, como já tivemos oportunidade de apreender em certos casos nos quais a criança está irremediavelmente marcada.

Nossa experiência demonstra que estas estratégias com as crianças, com as mães, que acaba por revelar a mulher para além da mãe, além da troca fecunda entre os dois estagiários, colabora para um olhar mais detido sobre as possíveis origens das dificuldades de aprendizagem de determinadas crianças, permitindo-nos bons encaminhamentos e alguma implicação no tratamento, o que favorece uma retomada no ritmo de aprendizagem esperado pela escola, porém em casos nos quais encontramos severas dificuldades, não hesitamos em pensar em diagnósticos mais aprofundados, providenciados por outros núcleos.

Esse fenômeno deve ser pensado como um sintoma social, diz de uma época e tornou-se um enigma para os profissionais e, para desvendá-lo, devemos ousar (SANTOS, 2002), apostar na inventividade, apropriar-se de pesquisas sérias, estar alertas quanto ao furor curandi tão bem admoestados por Freud que fomos, além de teorizar sobre os efeitos de nossa tentativa, como foi o caso deste trabalho. O desafio está posto...

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LACAN. J. (1969) Nota sobre a criança. In: Outros escritos. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 2003.

MEGALE, F. et al. Algumas considerações sobre a prática clínica na Universidade. Estilos da Clínica. São Paulo, ano II, n. 3, p. 111-115, 1997.

MINUZZI, D. et al. Especificidades no trabalho de entrevistas iniciais. Estilos da Clínica. São Paulo, ano VI, n. 10, p. 163-166, 2001.

SANTIAGO, A. L. B. A inibição intelectual na psicanálise: Melanie Klein, Freud e Lacan. São Paulo, 2000. 301f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. 2000.

SANTIAGO, A. L. B. Educação, psicanálise e saúde mental: nova proposta de diagnóstico. Disponível em: http://www.ufmg.br/proex/arquivos/7Encontro/Educa75.pdf Acesso em 20/03/2009.

SANTOS L. A. R. O psicólogo e sua prática na escola pública. Apontamentos para uma reflexão sobre a criticidade, a ousadia e a angústia. Disponível em: <. http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000300002&lng=pt&nrm=iso.>. Acesso em 11/01/2009.

SANTOS, L. A. R. Psicanálise: uma inspira-ação para a psicologia escolar? São Paulo, 2003. 111p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2003.

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SANTOS L. A. R. Relato de uma experiência em Psicanálise e Educação em uma clínica escola de Psicologia. Disponível em: <. http://www.proceedings. scielo.br/scielo.php? script=sci_ arttext&pid=MSC0000000032007000100043&lng=es&nrm=isso ....>. Acesso em 21/01/2008.

VOLTOLINI, R. As vicissitudes da transmissão da psicanálise a educadores. In: COLÓQUIO DO LUGAR DE VIDA/LEPSI, 3., 2002, São Paulo. Anais... São Paulo: Laboratório De Estudos E Pesquisas Psicanalíticas E Educacionais Sobre A Infância IP/FE-USP, 2002. p. 267-272.

VOLTOLINI, R. Do contrato pedagógico ao ato analítico: contribuições à discussão da questão do mal-estar na educação. Estilos da Clínica. São Paulo, vol. 6, n. 10, p. 101-111, 2001.