7Jogando com a palavraO conceito de sintoma: entre a psicanálise e a psicopedagogia índice de autoresíndice de assuntospesquisa de trabalhos
Home Pagelista alfabética de eventos  




ISBN 978-85-60944-12-5 versão

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

O sujeito do inconsciente e a escrita

 

 

Lisiane Fachinetto

GEPPEP/FEUSP Contato: lfachinetto@hotmail.com

 

 


RESUMO

O presente trabalho, fruto de pesquisa sobre a produção da escrita acadêmica, tem como objeto de estudo os manuscritos escolares. A pesquisa mostrará que aprender a escrever um texto acadêmico está relacionado com o processo de subjetivação. O objetivo da pesquisa é investigar os efeitos do sujeito do inconsciente na produção do texto acadêmico. Propomos tomar o equívoco produzido no processo de escrita enquanto uma expressão da subjetividade, marcas singulares do sujeito, e a partir do qual é possível um reposicionamento do sujeito frente a sua produção. O corpus é composto de manuscritos, versões da monografia de conclusão de curso de pós-graduação (especialização), o projeto, intervenções da orientadora e e-mails trocados entre a orientanda e orientadora. O campo teórico que embasa a pesquisa é a psicanálise de orientação lacaniana, recorremos aos conceitos de sujeito do inconsciente e transferência para pensar sobre a produção da escrita.

Palavras -chave: sujeito do inconsciente, psicanálise e escrita acadêmica.


 

 

INTRODUÇÃO:

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa sobre a produção da escrita acadêmica, e tem como objeto de estudo os manuscritos escolares. A pesquisa mostrará que aprender a escrever um texto acadêmico está relacionado com o processo de subjetivação. O objetivo da pesquisa é investigar os efeitos do sujeito do inconsciente na produção do texto acadêmico. Propomos tomar o equívoco produzido no processo de escrita enquanto uma expressão da subjetividade, marcas singulares do sujeito, e a partir do qual é possível um reposicionamento do sujeito frente a sua produção.

Para pensar sobre a escrita do texto acadêmico partimos da perspectiva do trabalho com os manuscritos, os quais são tratados como "rascunhos", "esboços", "planos", um ensaio do texto definitivo, segundo Calil (2008, pp.17-18), "Em geral, atribui-se à palavra 'manuscrito' seu sentido etimológico, isto é, qualquer texto que tenha sido 'escrito à mão'. No dicionário Houaiss essa é a primeira definição, mas que se estende, após o final do século XVIII, à obra de um escritor em sua versão original, quer seja escrita com bico-de-pena e nanquim, caneta tinteiro, lápis, caneta esferográfica, quer tenha sido datilografada ou mesmo digitalizada por meio dos recursos tecnológicos atuais. O que dará o caráter ou o estatuto de "manuscrito" é o fato de ainda não ter sido editada, publicada (Houaiss,2001)".

A escolha dos manuscritos como objeto de estudo é justamente por eles guardarem o processo escritural do aluno, bem como as intervenções do orientador. O que permite rastrear os manuscritos no sentido de evidenciar traços de singularidade na produção do texto. A partir da análise desses documentos podemos identificar os deslocamentos do sujeito que escreve quando este permite a entrada do outro, no caso o orientador, e assim se abrir para que o escrito trabalhe. Assim, investigar a lógica a qual opera as transformações entre o sujeito e o Outro.

Não há muitas pesquisas que levem em consideração a correção de textos a partir da perspectiva do trabalho com os manuscritos, no caso, como objeto de estudo. Segundo Riolfi e Andrade (2008), podemos destacar alguns trabalhos como o de Calil e Lopes (2007) que a analisam desde uma perspectiva sócio-interacionista. No nosso caso, a partir da psicanálise de orientação lacaniana, propomos a possibilidade do agenciamento da singularidade de quem escreve na universidade (Barzotto, 1990;2006;2007; Fabiano; 2004;2007; Riolfi, 1999;2000;2001;2006; Riolfi e Alaminos, 2007).

Estas pesquisas têm considerado a escrita enquanto uma produção singular. Assim, o interesse é investigar o processo de escrita do texto acadêmico enquanto uma escrita criativa. O escrito enquanto produto de uma singularidade e não uma mera repetição do tipo recorta e cola, mas uma tentativa de circunscrever o real. A produção do texto entendida como algo que surge da falha que se chama sujeito. Assim, colocar no jogo o sujeito, este que no discurso universitário está foracluído, pode implicar no surgimento de um texto singular. A escrita como uma possibilidade de tornar-se um entre outros, um dispositivo na universidade para provocar/implicar o sujeito num processo de experimentação de si.

A produção de textos acadêmicos em parceria (orientador-orientando) exige a construção de uma relação que considere o outro. A partir de recortes de escritos de uma pós-graduanda podemos analisar os movimentos entre a escrita, as intervenções do outro e a reescrita do texto. E também discutir os efeitos de uma intervenção que situe o sujeito e provoque produção e implique o sujeito com o próprio escrito.

Nossa hipótese é que as transformações ou o giro discursivo ocorrem no cenário transferencial. No texto "Intervenção sobre a transferência", Lacan (1951) diz que a "psicanálise é uma experiência dialética" (p.215) e que essa noção deve prevalecer quando se pensa sobre a natureza da transferência. E aponta que a presença do psicanalista já introduz a dimensão do diálogo. Podemos pensar que um trabalho de escrita que considere o lugar do Outro enquanto uma dimensão responsável pela "alterização" pode promover deslocamentos da posição original do acadêmico permitindo que o próprio escrito trabalhe nele. Com isso a construção do texto acadêmico deixa de ser uma mera reprodução de conhecimentos para ser uma produção própria, singular e com maior autonomia do acadêmico.

O trabalho do orientador, além de ler o texto do orientando, é de balizar a sua produção escrita. Na perspectiva psicanalítica, consideramos que a intervenção na escrita se dê a partir de um laço transferencial. A transferência é um processo pelo qual o sujeito recapitula em suas relações atuais, especialmente com seu terapeuta, as relações que teve com seus genitores na infância. A transferência se dá geralmente com pessoas que representam alguma autoridade como no relacionamento professor-aluno, médico-paciente, patrão-empregado. Freud (1912), coloca o amor de transferência enquanto uma nova edição de um amor infantil. A transferência é uma repetição de modelos infantis a qual marca de uma forma singular a vida do sujeito. Em "Fragmento da análise de um caso de histeria", Freud (1905) referencia que as novas edições, os fantasmas são fenômenos de transferências que precisam ser despertados e tornados conscientes no decorrer do processo analítico a partir da substituição da pessoa conhecida pela figura do analista.

Freud, a princípio encontrou na transferência um obstáculo para o tratamento, porém mais tarde utilizou-a como uma parte essencial do processo terapêutico. Heloísa Caldas (2007:7) aponta que a "relevância da transferência, tomada em sua face positiva de um investimento ("se deixar envolver") ou negativa de um abandono ("largar de lado")" muitas vezes não é recomendada para a produção de textos na universidade. O que discutimos nesta pesquisa é justamente o reconhecimento da transferência enquanto um caminho possível para levar o aluno a produzir um texto no qual ele se reconheça.

A partir do estabelecimento da transferência, em sua face positiva de um investimento, o orientador pontua nos manuscritos as falhas na escrita, segundo Gèrard Pommier (1993), a falha na escrita consiste no retorno do recalcado. Consideramos essa idéia relevante para pensar o processo de escrita na medida em que tomamos o lapso como algo que diz do sujeito, da sua singularidade.

 

Os lapsos e seus efeitos na escrita

Não podemos observar o inconsciente, objeto de estudo da psicanálise, mas temos acesso às formações do inconsciente No texto "Conferências Introdutórias sobre Psicanálise", Freud (1916[1915]) denomina os lapsos (de língua, de escrita, de escuta), sonhos, chistes, atos falhos, esquecimentos e sintomas como formações do inconsciente. E que estes "são atos psíquicos e surgem de mútua interferência entre duas intenções"(p. 79).

Muitas vezes, a produção da escrita acadêmica é tratada como uma questão meramente técnica, como se o domínio de uma técnica de escrita fosse suficiente para "garantir" que o aluno aprenda a escrever um texto acadêmico. Em contrapartida, partimos do pressuposto que na escrita há uma imbricação de pulsões, há um escrito da escrita, cujo escrito aponta para a verdade do sujeito, para as suas marcas singulares.

Considerar os lapsos ocorridos no processo de produção da escrita não como "erros", mas como 'quebras na escrita', apontam para os "traços ignorados da singularidade daquele que os produziu" (RIOLFI, 2007:34), podem ter efeitos naquele que escreve. Riolfi (2007), propõe a hipótese de que mesmo fora de um contexto de uma psicanálise e independente de qualquer conhecimento sobre ela, estes traços tem potência transformadora, em função de propiciar uma quebra no discurso corrente, pode causar um estranhamento que permite um deslocamento da posição subjetiva, e como resultado, a alteração de sua realidade concreta.

o desejo que anima sua irrupção é justamente o de dar a conhecer uma verdade ignorada pelo sujeito que a porta. Se compartilharmos da tese lacaniana, desenvolvida e reiterada ao longo de toda sua obra, segundo a qual o sujeito adoece pelo efeito das palavras, permanecendo submisso a um grupo delas mesmo contra sua vontade consciente, entenderemos, então, que toda mudança de posição de um sujeito passa pela prévia mudança de sua relação com as palavras sob as quais inconscientemente se aliena (RIOLFI, 2007:36).

Assim, podemos pensar que a pontuação dos lapsos do sujeito na escrita remete o sujeito a algo que antes do lapso não teria condições de se deparar, desvelar algo do próprio sujeito, o que pode levá-lo a se implicar com o próprio escrito e também a responsabilização do mesmo. Pensar que um trabalho de escrita que considere o lugar do Outro enquanto uma dimensão responsável pela alterização pode promover deslocamentos da posição original do acadêmico, permitindo que o próprio escrito trabalhe nele. Com isso a construção do texto acadêmico deixa de ser uma mera reprodução de conhecimentos para ser uma produção própria, singular e com uma maior autonomia por parte do acadêmico.

 

REFERÊNCIAS

ALLOUCH, Jean. A clínica do escrito / Jean Allouch; tradução Dulce Duque Estrada; coord. Editorial José Nazar. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2007.

CALDAS, Heloísa. Da voz à escrita: clínica psicanalítica e literatura. Rio de janeiro: Contra Capa CALIL, Eduardo. Trilhas da escrita: autoria, leitura e ensino / Eduardo Calil, (org). São Paulo: Cortez, 2007.

FREUD, Sigmund. 1856 – 1939. As obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira / Sigmund Freud; com comentários e notas James Stranvhey; em colaboração com Anna Freud; assistidos por Alix Stranchey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob direção geral de Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago,1987.

Volume VI – A psicopatologia da vida cotidiana;

Volume VIII – Os chistes e sua relação com o inconsciente;

Volume XII _ A dinâmica da transferência;

Volume XII _ Observações sobre o amor de transferência;

Volume XVII _ O estranho;

Volume XX _ Inibições, sintoma e angústia;

LACAN, Jacques, O seminário, livro 20: mais ainda / Jacques Lacan; texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; (versão brasileira de M.D. Magno). 2. ed.revista, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

_______, Jacques. O seminário, livro 8: A transferência / Jacques Lacan; texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; (versão brasileira de Dulce Duque-Estrada). 2. ed.revista, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.

_______, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

POMMIER, Gérard. Naissance et renaissance de l'écriture. Paris: Presses Universitaires de France, 1993.

RIOLFI, Claudia Rosa; ALAMINOS, Cláudia. Os pontos de virada na formação do professor universitário: um estudo sobre o mecanismo da identificação. Revista Educação e Pesquisa, FEUSP. v. 33, n. 2, maio/ago. 2007, p.297-310.

RIOLFI, Claudia Rosa. Quebras na escrita, surpresas para quem escreve: o percurso subjetivo na formação do professor de Língua Portuguesa. In: CALIL, Eduardo. Trilhas da escrita: autoria, leitura e ensino / Eduardo Calil, (org). São Paulo: Cortez, 2007.