7O conceito de sintoma: entre a psicanálise e a psicopedagogiaO discurso como posição subjetiva do professor de educação infantil author indexsubject indexsearch form
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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Ariès, Heywood e o lugar da criança: interrogações psicanalíticas sobre a inclusão

 

 

Maira Sampaio Alencar LimaI; Drª. Leônia Cavalcante TeixeiraII

IMestranda em Psicologia pela UNIFOR e bolsista FUNCAP
IIProfessora titular do Mestrado em Psicologia da UNIFOR

 

 


RESUMO

Os debates sobre a inclusão escolar refletem as transformações históricas que ocorreram nos últimos séculos com a delimitação do conceito de infância. O surgimento da infância datada no século XVII está fundamentado nos estudos de Ariès, feitos através de obras iconográficas e manuscritos. Já Heywood interroga a veracidade desta assertiva, afirmando que a preocupação e os rituais com a criança são encontrados em qualquer período histórico e as conclusões devem ser feitas a partir dos referenciais: diferenças regionais e socioeconômicas, gênero e etnicidade. Um ponto de intersecção entre eles é a influência das transformações sociais e culturais ocorridas no século XVIII com a interferência de especialistas na educação infantil e a mudança na organização familiar. Com isso, o cuidado com as crianças portadoras de deficiência tornou-se cada vez mais significativo. Segundo Plaisande, no século XVIII, ocorreram debates sobre a educabilidade de crianças deficientes sensoriais e, no século XIX, para as deficientes intelectuais. Entre os séculos XIX e XX, Freud revela a infância contida nos traços do inconsciente orientado pelo desejo. Posteriormente, as legislações buscaram garantir o reconhecimento da igualdade de direitos, a fim de propiciar a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Diante desta contextualização, o trabalho objetiva: investigar e analisar, através da psicanálise, as representações de infância que norteiam a noção de deficiência sugerida nas legislações para a inclusão. As categorias de análise são: infância, deficiência e inclusão. Assim, concluímos que os historiadores buscam demarcar, cada um ao seu modo, o inicio da infância. As legislações, por sua vez, visam apreender a especificidade da criança para aplicá-la á prática de ensino. A psicanálise questiona tais noções ao considerar que ambas visam aprisionar a infância dentro dos limites de tempo e necessidade não deixando espaço para a apreensão da experiencia de cada sujeito.

Palavras-chave: infância, psicanálise, inclusão.


 

 

Ariès (1981) afirma, através da análise de documentos iconográficos, que até o século XVII não existia uma definição específica sobre infância. As crianças eram consideradas como adultos em miniatura e não havia os cuidados específicos que encontramos hoje. A afetividade evocada pelo núcleo familiar não estava presente e a família tinha como papel transmitir os bens e o nome da linhagem. Além disso, eram comuns crimes de infanticídio e abandono. As características da família e da educação infantil encontradas hoje só tiveram início no século XVIII, através de solicitudes da Igreja, dos administradores e moralistas.

Assim como Ariès (1981), Heywood (2004) conclui que os cuidados existentes hoje com as crianças são uma novidade dos últimos três séculos. Porém, isso não significa afirmar que não existia uma atenção especial com esta fase da vida. Cada sociedade tinha uma concepção de infância e não se pode determinar uma data específica para a visão de criança enquanto ser frágil e inocente. Na Idade Média os debates sobre a infância já existiam, porém com características diferentes, portanto, não existe uma essência a ser descoberta. Em todos os períodos da história, havia um momento de transição da vida infantil para a adulta.

Ariès e Heywood consideram que, a partir do século XIX, as transformações sociais levaram a uma influência de educadores, filósofos, médicos e até administradores nos critérios educacionais. As famílias tornaram-se menores na tentativa de ter um maior cuidado com os filhos. Não obstante as divergências, ambos os autores concordam que a grande modificação ocorreu no século XIX, quando aconteceu uma maior interferência de meios externos no controle da família.

Ariès foi um autor importante para o trabalho com a infância, pois chamou a atenção para a quebra de muitos mitos, como a idéia de criança enquanto ser puro e ingênuo. Fez com que a sociedade percebesse as ideologias instituídas enquanto construção histórica, e não algo inato.

Heywood questionou o método de análise utilizado por Ariès e suas conclusões. Buscou novas fontes de pesquisa, agora considerando diferentes regiões geográficas e grupos étnicos. Com isso, ressaltou que a história da infância não é marcada por uma evolução linear, pelo contrário, os debates se ordenam de forma cíclica, com retrocessos e mesmo estagnações.

Um fator merece destaque nas conclusões dos autores: a sociedade atual não vê a criança com os mesmos olhos de três séculos atrás. Atualmente, existe uma necessidade de demarcar com precisão em que fase do desenvolvimento está situada a infância e o que devemos fazer por ela. Os estudos históricos de Ariès, Heywood marcam uma busca de saber sobre o que ficou perdido, onde está a diferença entre a vida infantil de hoje e a de séculos passados. O que é possível fazer pela infância para a sociedade não repetir erros do passado, de modo a tentar tamponar as feridas narcísicas abertas ao longo de toda a história da civilização.

Jerusalinsky (1996) afirma que a infância não é uma formação histórica, mas sim, uma formação de estrutura que, por estar relacionada ao desejo constituinte dos sujeitos, desperta sempre uma "necessidade" de saber o que ele julga ainda não-saber. Por tal razão, os inúmeros discursos que aludem à historicidade infantil estariam todos corretos, cada um ao seu modo, pois eles se relacionam ao sintoma visto como tentativa para simbolizar o real.

Juntamente com a busca pela demarcação de onde termina a infância e começa a vida adulta e de como tornar a educação cada vez mais eficiente, surge outro problema: o que fazer então com as crianças portadoras de deficiência, vistas ao longo da história como pessoas de pouca capacidade educativa.

Plaisande (2005) afirma que o modelo de crianças "anormais" foi não uma criação surgida na escola, mas trazida pelos especialistas para ser aplicada à educação. Os modelos de classes especiais surgiram a partir das reivindicações feitas por especialistas e serão eles que irão definir ou classificar os tipos de "anormais", como também, quais categorias de dificuldades eles podem se ocupar. Existiam os "anormais de hospício ou asilo" que eram tratados pelos médicos (incluem as categorias de crianças com distúrbios neurológicos e deficiências mentais profundas), e os "anormais de escola" os quais tinham aptidão para adquirir instrução primária e serem incluídos no mercado de trabalho. Dentre os principais representantes desses especialistas encontram-se Binet e Simon.

Para Plaisande (2005), nomear e classificar implica necessariamente na criação de instituições e práticas que repartem a atenção às pessoas portadoras de deficiência entre os campos da saúde e da educação. Embora os debates sobre a educação de crianças com deficiência já existissem nos séculos XVIII e XIX, é somente no século XX que a inclusão escolar torna-se uma questão para a educação. Isto Caracteriza, para o autor, uma mudança profunda de perspectiva, pois a inclusão não significa apenas garantir os direitos de proteção, mas também os de liberdade que incluem a expressão, opinião, etc.

A educação de pessoas portadoras de necessidades especiais é um fato relativamente recente na sociedade. Apenas em 1948, surge a primeira menção à garantia de educação para todos, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Art. 26, postula que todos os homens têm o direito à instrução. Esta determinação possibilitou a abertura para as discussões acerca da inclusão e educação para todas as pessoas (MEC/SEESP, 2004). Na década de 60, do século XX, surge o termo "necessidades educativas especiais" que procura referir-se especificamente aos problemas de aprendizagem dos alunos que podem ser apresentadas em diferentes momentos, independente da especificidade da deficiência (COLL et al., 2004).

Após 1948, vários marcos legais subsidiaram as mudanças em favor da integração das pessoas com deficiência: a Declaração de Jomtien (1990), a Declaração de Salamanca (1994) e a Convenção da Guatemala (1999).

Merece destaque o que ocorreu em 1994, quando governo da Espanha, com o patrocínio da UNESCO, realizou uma conferência que culminou na Declaração de Salamanca. Neste documento, são descritas as mudanças para capacitar as escolas e torná-las aptas a atender a todas as crianças com necessidades especiais. A relevância desta declaração reside na determinação que: "As pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a essas necessidades" (MEC/SEESP, 2002, p. 18). Tal afirmação incentiva os governos a mudarem suas políticas educacionais, vez que as Escolas Especiais passam a não serem mais as únicas instituições que devem trabalhar com este público, mas, preferencialmente, todos devem ser atendidos em escolas regulares.

Em seis de dezembro de 2006, a Assembléia Geral das Nações Unidas realizou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência na qual foi aprovado um protocolo que reafirma o direito destas pessoas de serem reconhecidas como iguais a todos os outros membros da sociedade. No artigo 7 inciso 3 afirma-se que:

Os Estados Partes deverão assegurar que as crianças com deficiência tenham o direito de expressar livremente sua opinião sobre todos os assuntos que lhes disserem respeito, tenham a sua opinião devidamente valorizada de acordo com sua idade e maturidade, em igualdade de oportunidades com as demais crianças, e recebam atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam realizar tal direito. (ONU, 2006)

Inicialmente, as declarações objetivavam garantir os direitos de proteção às crianças, como por exemplo, a Declaração dos Direitos da Criança. Atualmente, as legislações ampliaram seus propósitos estendendo para além das garantias de proteção, o direito de liberdade, com leis cada vez mais claras sobre esse ponto. É inegável as melhorias de vida trazidas pelas novas leis para as pessoas portadoras de deficiência, porém deve-se observar as conseqüências futuras.

Cabe às crianças com deficiência, como a qualquer outra, ter liberdade de expressão e autonomia, mas cabe também aos adultos ficarem atentos para não quererem reaproximar o adulto da criança esquecendo do processo que leva de uma fase à outra. A passagem de criança para adulto implica numa mudança discursiva em relação ao desejo e numa assimetria essencial à constituição subjetiva. Para a psicanálise, a infância está relacionada à temporalidade, o infantil não. É a partir do infantil que as marcas mnêmicas põem em movimento o inconsciente, portanto a infância passa, mas não o infantil (ZAVARONI et al., 2007).

O desejo de crescer surge no momento em que a criança não "compreende" algo no discurso do adulto, ficando uma lacuna que só será entendida quando ela crescer. Tal expectativa anima o imaginário infantil e garante, a partir daí, o surgimento do sujeito desejante. Ao ver a criança como o "outro adulto na polis"1, ou seja, quando se dá à ela direitos para responder plenamente sobre a própria vida, corre-se o risco de tirar a oportunidade de tentar metaforizar o real e ingressar de fato no mundo adulto. Deve-se observar com cautela para que, por outro percurso, não se volte ao mesmo ponto: tornar a criança com deficiência uma eterna dependente do adulto. Ou mesmo, de torná-la presa a um desejo de ter que corresponder às expectativas do adulto, de modo a responder à imagem de uma criança ideal que tanto é pedido às crianças atualmente.

 

NOTAS

1. O termo é utilizado por Leandro de Lajonquière em: A infância que inventamos e as escolas de ontem e de hoje. Estilos da Clínica: Revista sobre a infância com Problemas. São Paulo, v. 8 nº 15, 2003.

 

REFERÊNCIAS

ARIÈS, P. História Social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. 2º edição, Rio de Janeiro: LTC,1981.

COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2 ed. Vol. 3. Porto Alegre: Artmed, 2004.

HEYWOOD, C. Uma história da infância: Da Idade Média à Época Contemporânea no Ocidente. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2004.

JERUSALINSKY, A. O Sujeito Infantil e a Infância do Sujeito. Estilos da Clínica: Revista sobre a infância com Problemas. São Paulo, vol. 1, nº 4, 1998, p. 146 – 159.

MEC/SEESP. Adaptações Curriculares em ação. Declaração de Salamanca: Recomendações para a construção de uma escola inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2002.

MEC/SEESP. Educação inclusiva: a fundamentação filosófica. Brasília: MEC/SEESP, 2004.

ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 2006. Disponível em: http://www.bengalalegal.com/convencao.php. Acesso em: 9/7/2008

PLAISANCE, E. Denominações da infância: do anormal ao deficiente. Educ. Soc. , Campinas, 2005, v.26, n.91. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em: 05 Set 2008.

ZAVARONI, D. M. L.; VIANA, T. C. e CELES, L. M. A constituição do infantil na obra de Freud. Estudos de. Psicologia. (Natal). 2007, v. 12, n. 1, p. 65 – 70.

 

 

Agradecimento: Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP.