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ISBN 978-85-60944-12-5 versão

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Entre o "não saber fazer" na psicose e o desejo de continuar tentando

 

 

Marcia Doralina AlvesI; Taís GuareschiII

IEducadora Especial, Psicóloga e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria-UFSM/RS. Professora do Curso de Psicologia da Sociedade Educacional Três de Maio-SETREM/RS
IIProfessora de Educação Especial, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria-UFSM/RS

 

 


RESUMO

Este trabalho trata da inclusão educacional de alunos com psicose na realidade escolar de Santa Maria-RS. Em pesquisas realizadas nas escolas desde 2002, foi possível perceber a angústia dos professores ao se depararem com um não saber pedagógico diante desses alunos. Um aspecto acerca da inclusão educacional obteve destaque: o principal objetivo da escolarização de alunos com psicose, segundo os professores, é a socialização. Foi constatado também que na visão dos professores os alunos não usufruem da escola como um local para aquisição das capacidades da leitura e escrita. Considerando que o significante escola remete ao significante escrita, podemos nos perguntar sobre o investimento dos professores na aprendizagem de alunos que estão na escola apenas para se socializarem.

Palavras-Chave: Psicose, Inclusão, Socialização.


 

 

O título deste trabalho, "Entre o 'não saber fazer' na psicose e o desejo de continuar tentando", remete a nossa trajetória enquanto professoras de Educação Especial. Imersas nas escolas especiais, confrontamo-nos com o real da psicose e com práticas pedagógicas baseadas na abordagem comportamental as quais colocam o aluno na posição de objeto, treinando habilidades e condutas para que ele se enquadre o mais rápido possível nos padrões de normalidade. Sabemos que métodos comportamentais de condicionamento são frequentemente empregados em uma suposta educação de crianças psicóticas.

O encontro da psicose com o significante escola nos colocou em trabalho na busca de "respostas" para um fazer pedagógico diferenciado daquele que havíamos vivenciado nas referidas escolas, ou seja, uma prática que levasse em conta a subjetividade dos alunos.

A partir disso, um projeto de pesquisa acadêmica nasceu em 2002, em Santa Maria-RS, com o desejo de investigar o cotidiano das escolas que recebem alunos com psicose. Nesse ano, realizamos entrevistas informais com professores da rede pública municipal e estadual de Santa Maria que possuíam alunos com psicose incluídos nas suas turmas. Foi um total de seis entrevistas informais as quais revelaram a angústia dos professores para trabalhar com esses alunos e o quanto a escola se mobiliza frente à psicose. Observamos nas falas dos professores que a essas crianças está associada a idéia de incompetência para lidar com as coisas da escola e que o rendimento escolar, traduzido em um caderno organizado, letra bonita e habilidades para ler e escrever, é ainda o que prevalece na visão do professor.

Os professores referiam-se aos alunos com psicose com sentimentos de estranheza, como verdadeiras incógnitas no meio educacional. Tais sentimentos são revelados através das representações dos professores sobre a educação de alunos que supostamente não teriam como se valer da educação convencional, uma vez que são diferentes dos demais que se encontram na escola.

Os professores reconhecem a importância da escola e se esforçam para desempenhar um bom trabalho, porém muitos deles se dizem desinformados para trabalhar com esses alunos. Dizem não "saber fazer" e não saber ensinar essas crianças, uma vez que a universidade não os instrumentalizou para tal. Muitos acabam usando a intuição como estratégia de trabalho ou recorrendo à educadora especial, quando a escola possui esse profissional. Esta última se diz também despreparada. Sente-se competente para trabalhar com as questões ligadas à deficiência mental e não com a psicose.

Durante as entrevistas, os professores comentavam: "a escola está preocupada porque percebe que a teoria está distante da realidade. Não sabemos lidar com os sentimentos deles". Ou ainda: "qual é o objetivo da escola ao receber esses alunos? Dizem que é socializar". Para os professores, a socialização é o principal objetivo da escolarização dos alunos com psicose.

Muitos professores revelaram que não foram preparados para a vinda do "novo aluno", tampouco a turma fora comunicada. Em meio às suas falas, destaca-se: "caiu de pára-quedas"; "caiu e não estamos preparados"; "a lei nos obrigou a recebê-los"; "a inclusão foi jogada e a escola não estava preparada. O sistema não instrumentalizou a escola".

Como disseram os professores, há um "mal estar" instalado na escola quando se fala de inclusão de alunos com psicose. Os professores deixam transparecer sentimentos de compaixão para com os colegas que recebem esses alunos em suas turmas: "coitada da fulana, caiu na turma dela".

Notamos na fala dos professores uma carga afetiva e imaginária muito grande com relação ao assunto, cargas essas que desencadeiam condutas reativas significantes – "coitada da fulana, caiu na turma dela". A responsabilidade passa a ser da colega que recebeu o aluno, quando deveria ser responsabilidade de todos na escola, afinal, o aluno é da escola ou da professora "x"? Se a escola não tomar o aluno como sendo dela, haverá somente uma inserção física e o aluno poderá não se beneficiar da inclusão.

Evidenciou-se ainda nas falas dos professores que esses se vêem envolvidos por sentimentos de piedade, o que talvez os impossibilite de ver a real importância e o objetivo de receberem esses alunos na escola. Talvez porque é nessa esfera, a da compaixão, que a escola ainda percebe o diferente, enfim, todo aquele que de alguma forma remeta ao vazio do não saber fazer, do não saber dizer.

Os professores perguntavam-se: "para que ficarem aqui se não vão alcançar os objetivos dos outros alunos?". Percebeu-se que os professores encontravam-se confusos, sem saber por que estavam recebendo os referidos alunos e qual era o objetivo de eles estarem na escola.

A partir dessas entrevistas, questionamo-nos a respeito da realidade escolar dos alunos com psicose em Santa Maria. Essa problematização nos moveu em direção a duas pesquisas de mestrado realizadas em seis escolas da rede pública estadual.

Nessas pesquisas constatamos o retorno da crença de que a socialização é o objetivo principal da escolarização dos alunos com psicose. Os professores mostraram-se, mais uma vez, angustiados frente a alunos que, segundo eles, não usufruíam da escola como um local para aquisição das capacidades da leitura e escrita.

Essa crença em relação à escolarização desses alunos determina a prática do professor. Por um lado, pode fazer com que esse profissional use desse mecanismo social para entrelaçar o aluno com o mundo da escola. Mas, por outro, pode limitar o papel da escola a um simples espaço de circulação, não havendo, assim, um investimento em sua aprendizagem.

Durante as conversas informais, entrevistas e observações em uma das escolas, foi possível constatar, no que se refere à inclusão educacional, que essa instituição prima pela socialização dos alunos incluídos. Assim, os alunos incluídos são aprovados automaticamente para a série seguinte, independentemente do que construíram em termos de aprendizagem dos conteúdos escolares.

As observações em sala de aula de um aluno com psicose, que neste texto chamaremos de Diego, revelaram que ele não conseguia acompanhar o ensino dos conteúdos da série em que se encontrava, como os demais colegas. Na disciplina de Matemática, por exemplo, a turma estava trabalhando equações e Diego não compreendia esse conteúdo, conseguindo resolver somente cálculos "simples" que envolviam as quatro operações, segundo informação do professor.

Em uma avaliação individual, Diego recebeu a prova e disse: "Taís, acho que não vou conseguir fazer isso!". Como o professor já havia informado que um colega sempre o ajudava a fazer a avaliação, disse-lhe que, caso não conseguisse, alguém o auxiliaria. Diego não conseguiu resolver os exercícios e ficou agitado, repetindo que não sabia resolver as questões. O professor pediu a um colega que o ajudasse. Esse colega acabou resolvendo todas as questões da prova de Diego. Assim que o colega terminou a prova para Diego, este a mostrou, "orgulhoso", dizendo que havia concluído.

No final da aula, conversamos com o professor, a fim de saber como era feita a avaliação de Diego, uma vez que ele não acompanhava o conteúdo e não havia conseguido resolver as questões da prova. O professor informou que a recomendação da coordenação da escola é que o aluno fique sempre com a nota na média para ser aprovado. Com isso, é possível afirmarmos que, no que tange à aprendizagem, esse aluno não está incluído.

Então, se do ponto de vista da socialização ele pode estar incluído, tendo uma boa relação com seus pares, e isso foi possível constatar durante as observações, poderíamos pensar que, do ponto de vista da aprendizagem, o aluno está excluído.

A partir do exposto, lançamos uma relevante questão formulada por Jerusalinsky (2004): por que, para incluir-se socialmente, o aluno precisa suportar a exclusão da aprendizagem?

A promoção automática de alunos incluídos faz parte do estatuto dessa escola. Uma das professoras fala a respeito da não reprovação: "Então, nós, na parte intelectual, não exigimos critérios para aprovação. Então, eles vão passando de série em série naturalmente, normalmente".

Acreditamos que há muito o que se refletir em relação a essa crença que aponta a socialização como o principal objetivo da escolarização de alunos com psicose. Ao afirmar que "na parte intelectual" os professores não exigem critérios para a aprovação, a professora expressa que, para esses alunos, o maior benefício é a convivência com os demais. Poderíamos questionar, então, sobre como se desdobra o processo de aprendizagem de um aluno de quem só se espera a socialização.

Nesse sentido, Jerusalinsky (2004) adverte acerca da progressão nas escolas, vista como forma de realizar a inclusão social:

A progressão nas escolas é uma falácia, porque só o pretexto de preservar a inclusão social é lhe condenar a uma "burrice extrema", porque ele não tem condições de aprender porque, ao ser promovido, o sujeito não consegue na série superior o que ele não aprendeu na anterior. (...) A criança não aprendeu a ler e escrever ainda e ainda está numa adequação curricular para alfabetização, e está na 4ª série? O que ela compartilha com seus colegas? Em termos cognitivos, nada. Em termos sociais, pode ser. Se a criança tem uma boa estruturação psíquica, uma boa estruturação simbólica. Mas, por que não fazer a participação social da criança em certo tipo de configuração e não condená-la a um fingimento?

A crítica de Jerusalinsky remete a um questionamento sobre o número de crianças que podem estar condenadas a um fingimento, em nome da inclusão educacional. A partir disso, pensamos ser importante uma reflexão acerca do que se pode nomear de inclusão na aprendizagem.

Nesse sentido, Paulon; Freitas; Pinho (2005) afirmam que qualquer separação entre socialização e aprendizagem é artificial, tendo em vista que fazer parte de um grupo é compartilhar com os outros membros interesses e aprendizagens. A partir dessas importantes considerações, podemos perceber que a socialização deve ir muito além de compartilhar um espaço físico, visto que a inclusão social implica compartilhar também aprendizagens.

A diferença está em que a escola, ao colocar a ênfase na socialização, se exime de operar mudanças no seu interior para receber crianças não só com psicose, mas todas as crianças que elevam as estatísticas do fracasso escolar em nosso país: crianças em situação de risco social, com "dificuldades de aprendizagem", etc.

Quando os professores dizem que a inclusão serve somente para a socialização, estão depositando no aluno a responsabilidade pelo seu fracasso na aprendizagem, ou seja, o aluno deveria se modificar para permanecer na escola e a escola permaneceria isenta de rever suas práticas frente à diversidade de seus alunos.

Para concluir, pensamos que os professores, ao ver na socialização a única razão para a inclusão de alunos com psicose, fecham aí uma idéia, um conceito. Com isso, deixam de vislumbrar, por exemplo, que a exclusão desses alunos possa estar ligada a fatores sociais em ação nos processos de aprendizagem, bem como a fatores provenientes do próprio funcionamento do sistema escolar que precisa se modificar para receber todos os alunos que, por diversas razões, têm sido excluídos, abandonando precocemente a educação escolar.

Após o relato de nossa trajetória sentimo-nos desafiadas e instigadas. Trabalhar com a psicose na escola nos remete constantemente a um "não saber fazer", a um saber que falta. Ao longo desse percurso, deparamo-nos com a necessidade de um fazer que estabeleça um elo entre o conhecimento teórico adquirido e a situação escolar vivida pelos alunos com psicose em Santa Maria. Imbuídas desse desejo que nos movimenta na direção da escolarização desses alunos, continuamos nossa caminhada com uma certeza: entre os inúmeros "não saberes", cabe o desejo de continuar tentando.

 

Referências Bibliográficas

ALVES, M. D. As representações sociais de professores acerca da inclusão de alunos com distúrbios globais do desenvolvimento. 2005. 103 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2005.

GUARESCHI, T. Aprendizagem e representações sociais: pensando a escolarização de alunos com transtornos globais do desenvolvimento. 2006. 98 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2006.

JERUSALINSKY, A. Supervisão (transcrição de fita cassete). Porto Alegre, novembro de 2004. Inédito.

PAULON, S.M.; FREITAS, L.B. de L.; PINHO, G.S. Documento subsidiário à política de inclusão. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005, 48p.