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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Desejo de saber e os imperativos paradoxais do ato educativo na adolescência

 

 

Maria Celina Peixoto LimaI; Clara Virgínia de Queiroz PinheiroII; Renata Pires Bastos CostaIII

Ipsicanalista, professora do Mestrado de Psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
IIprofessora do mestrado de psicologia da Universidade de Fortaleza
IIIpsicopedagoga, Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza

 

 


RESUMO

A adolescência vem, na sociedade ocidental contemporânea, ocupando as atenções das ciências humanas e apresentando-se como um campo de investigação privilegiado das questões que marcam a atualidade. A violência dos laços sociais aparece normalmente associada à crise da autoridade com seus efeitos de ruptura do valor simbólico da lei sobre a família, a escola e a cultura. A problemática da conexão entre psicanálise e educação vem sendo amplamente discutida no campo da infância. Trata-se aqui de ampliar essa discussão abordando-a a partir da adolescência. Para tanto, refletiremos sobre os impasses produzidos pelas injunções paradoxais de um supereu edipiano e um supereu coletivo e seus efeitos sobre a gênese do sentimento de autoridade e sobre os destinos do desejo de saber na adolescência.

Palavras-chave: adolescência, autoridade, desejo de saber.


 

 

A problemática da conexão entre psicanálise e educação vem sendo amplamente discutida no campo da infância, sobretudo no que se refere à inclusão escolar de crianças com transtornos gerais do desenvolvimento. Trata-se aqui de ampliar essa discussão tratando-a a partir da adolescência.

Alguns dos trabalhos que, direta ou indiretamente, consideram as questões relacionadas às especificidades da educação na adolescência, tomam como ponto central da discussão a relação transferencial do adolescente ao mestre, seus desdobramentos e impasses evidenciados pela contemporaneidade. Entre tais referências podemos situar Freud que no seu artigo Algumas reflexões sobre a Psicologia do Escolar, já nos alertava sobre o valor da personalidade do professor no despertar do amor juvenil pelas ciências. Aí encontramos também a posição de autores mais recentes cujo interesse recai sobre os efeitos desestruturantes do enfraquecimento das referências simbólicas na família, na escola e no laço social.

A modernidade, caracterizada pela falência da tradição, amplifica o drama essencial dos adolescentes, e as novas silhuetas do laço social vêm testemunhar os efeitos da crise da metáfora paterna. O real pubertário, antes amparado pela eficácia simbólica dos ritos de passagem, é experienciado hoje a partir de operações psíquicas que definem aquilo que chamamos de adolescência.

Frente aos impasses de sua condição precária de sujeito, o adolescente encontra-se diante da tarefa de construir novos endereçamentos para além daquele referenciado nos vínculos familiares, devendo efetuar remanejamentos fundamentais à mudança de posição que permitirá sua entrada na vida adulta. As dificuldades da resposta ao apelo fálico que lhe é dirigido são frequentemente testemunhadas no desfile dos fracassos do exercício identificatório que, de forma exemplar, aparecem encenados no campo da educação.

Esse artigo constitui-se em uma contribuição à reflexão desse fracasso-sintoma. Partindo de uma discussão sobre o declínio da autoridade e seus efeitos de crise na educação segundo a concepção de Hannah Arendt, abordaremos a problemática da identificação do sujeito adolescente, para finalmente ser introduzido o debate sobre o desejo de saber e seus destinos na adolescência.

 

A adolescência sem pais nem mestres

Na adolescência a ordem do mundo é perturbada, nos diz Rassial (1996). Se a puberdade modifica a imagem do corpo construída na infância, a adolescência se define pelas operações simbólicas que implicam uma nova posição do sujeito no laço social.

Rassial (1996) propõe que uma das questões fundamentais da adolescência corresponde à validação da inscrição do Nome-do-Pai além da metáfora paterna. Confrontado à falência da consistência imaginária das figuras parentais, o sujeito adolescente encontra-se na urgência da invenção de novos suportes ao Nome-do-Pai, ou mesmo de novos nomes do pai, já que o modelo infantil, aquele sustentado pela crença no poder soberano do pai, desmorona.

Não se trata de "pane" do Outro no que concerne o lugar simbólico, mas da sua consistência imaginária. Antes do encontro tardio com o Outro sexo, que virá acompanhar a realização da operação adolescente, o sujeito vagueará na busca de figuras para ancorar suas identificações. O imaginário assume, então, um valor particularmente importante na adolescência, já que a vacuidade do lugar do Outro pode pôr em risco a validação do Nome-do-Pai, no seu registro simbólico, como aquilo que assegura a inscrição de um significante que designa o sujeito como Um.

Sabemos que a adolescência se apresenta como o momento da descoberta do caráter enganoso da promessa edipiana que veiculava a possibilidade da transmissão de um saber sobre o gozo metaforizado na função paterna. Dito de outra forma, o adolescente desiludido com a figura paterna passa a investir em outras encarnações imaginárias do Outro. Momento, portanto, de passagem da família ao laço social, do abandono dos pais e do encontro com os mestres, que até pouco tempo atrás inspiravam jovens, que como Freud se indagavam sobre o que os havia produzido maior influência: se a preocupação pelas ciências que lhes eram ensinadas, ou a personalidade de seus mestres (Freud,1914).

Desde que Freud escreveu suas reflexões sobre a psicologia do escolar, os tempos mudaram. A estranheza que certamente tal dúvida causaria nos adolescentes dos nossos tempos tem sido motivo de um trabalho de análise e de um esforço de teorização por parte de um não pequeno número de autores que se deparam na clínica com os efeitos de um esvaziamento do lugar do Outro. A queda dos ideais, a dessacralização da escola, a desvalorização dos professores, leva os adolescentes, cada vez mais, a um modo de identificação horizontal, imaginária, à formação de bandos de caráter totalitário.

O que a pós-modernidade potencializa é a desconstrução de uma certa ordem fálica organizada na idéia de uma referência unificante para decliná-la em referências múltiplas. Até então, não haveríamos porque lamentar a mudança dos tempos considerando os testemunhos que a história nos dá dos deslizes ocasionados pelo laço social sustentado na ordem religiosa, representante por excelência da referência simbólica centralizadora. No entanto, o que parece justificar as patologias da contemporaneidade é a substituição dessa ordem religiosa por uma outra, possibilitada pelo discurso da ciência, discurso esse que, segundo Lebrun ( 1997 ) veio subverter profundamente o equilíbrio que até então mantinha a ordem familiar e, consequentemente, veio tornar difícil o exercício da função paterna. O desenvolvimento da ciência moderna vem, portanto, produzir um novo laço social comandado, agora, segundo o autor, não mais pela enunciação do mestre, mas por um saber de enunciados, "um conjunto acéfalo de ditos" (p.59).

A questão da maestria do saber nos leva a uma reflexão sobre a autoridade da forma como vem sendo associada à crise na educação. Para isso tomaremos como referência o pensamento de Hannah Arendt. Embora a sua análise sobre a crise da educação possa parecer circunscrita a um outro tempo, os anos 50, e a um outro contexto, a escola americana, pensamos que suas idéias ajudam-nos a desvelar alguns rumos para os nossos questionamentos.

Arendt (2007) aponta como uma das razões para a crise da educação a idéia de que "(...) existe um mundo das crianças e uma sociedade formada entre crianças autônomas e que se deve, na medida do possível, permitir que elas governem" (pp.229-230). A idéia de clara inspiração rousseauista irá, para além das intenções libertadoras declaradas, sancionar um certo abandono a que as crianças serão levadas e um conseqüente distanciamento das gerações. A autoridade passa a ser a dos grupos de pares que, segundo Arendt em consonância com o que Freud nos alerta no Mal-estar na Cultura , apresenta-se bem mais tirânica e feroz. Ficam então entregues à barbárie das hordas infantis e juvenis e aos efeitos de sugestão de moda e propaganda.

Uma segunda razão é apontada pela autora, agora dizendo respeito ao surgimento da Pedagogia como uma ciência do ensino independentemente daquilo que é ensinado. Essa idéia sustentada na Psicologia moderna e no Pragmatismo provoca um deslocamento na formação do professor. De autoridade em certo conhecimento, o professor passa a ser um facilitador de aprendizagem. E aqui, Arendt inclui uma terceira razão para a crise da educação segundo a qual "só é possível conhecer e compreender aquilo que nós mesmos fizemos (...)" (2007, p.232). Dito de outra forma, o acento da educação recai no pressuposto pragmático, de que cabe ao aluno aprender mais pelos seus próprios meios e como tal, dispensar o máximo possível o professor. Podemos perceber que essas duas razões encaixam-se perfeitamente e potencializam-se. Se é preciso saber ensinar mais do que saber aquilo que se propõe a ensinar, e se é buscado que o aluno aprenda por si mesmo, o professor perde a fonte legítima de sua autoridade.

A existência desses lugares hierarquizados, determinados para cada um de nós de maneira inconsciente, autorizava tradicionalmente o exercício da maestria a figuras encarnadoras do poder, mas também a representantes do saber decorrente da experiência. A dissimetria dos lugares de criança e adulto possibilitava a inscrição da alteridade, criando a condição necessária à educação. Assistimos hoje uma nova configuração na forma de aquisição do conhecimento que se esboça no consequente isolamento das gerações. O saber que se busca hoje está cada vez mais relacionado ao saber ao qual é possível ascender sem mediações do Outro. Em tempos de técnica, de informação, de autonomia, a transmissão perde espaço e as referências daquilo que representaria uma autoridade, também perdem a força.

O apagamento da função da autoridade em razão do avanço do discurso da tecno-ciência nos convoca a uma discussão sobre seus efeitos subjetivos. Em termos psicanalíticos, trata-se de investigar as conseqüências provocadas pelo abalo do edifício edipiano cuja sustentação encontra-se nas instâncias resultantes da identificação com objetos de amor. Para isso faz-se necessário uma rápida retrospectiva do conceito de ideal do ideal e de supereu no texto freudiano e seus desdobramentos a partir do ensino de Lacan.

 

Os paradoxos dos imperativos do supereu

Na obra de Freud, o supereu é, por vezes, pouco dissociável do ideal-do-eu. A confusão dessas instâncias resulta, de certa forma, do olhar do autor sobre o infantil. De fato, na infância, o valor do interdito é justificado pelo amor do censor (Legendre, 1974) e o supereu, sendo herdeiro dessa relação amorosa, não se diferencia claramente da sua função de ideal.

Sabemos que, embora o conceito de supereu apareça tardiamente na teoria freudiana, a constatação de sua função é reconhecida muito cedo. Seu caráter inconsciente parece já estar indicado na função de uma censura operando na formação dos sonhos ou do sentimento de culpa que tortura o neurótico obsessivo. É em 1923 que o termo supereu aparece pela primeira vez, representando a grande inovação da segunda tópica do aparelho psíquico. No Eu e o Isso, Freud sublinha as duas versões dessa instância psíquica a saber, como fonte do ideal do eu mas igualmente do interdito que regula a vida psíquica sob a forma de imperativo categórico. "Seja como teu pai" e "não tens o direito de ser como teu pai", serão, depois da passagem pelo Édipo, os imperativos aos quais o eu deve se submeter. O supereu deve seu nascimento ao recalque do complexo de Édipo, tornado possível por um tipo de deslocamento da autoridade paterna através do processo de identificação.

Uma certa contradição aparece ligada à origem do supereu no texto freudiano. Embora, Freud sustente, em vários momentos, a origem edipiana da instância supereuóica, ele nos sugere uma precocidade dessa instância que será levada em consideração, em especial por Melanie Klein que defenderá a existência de um supereu de origem materna, pré-edipiana.

Ao final do Mal-estar na cultura, esse paradoxo reaparecerá de forma ainda mais explícita. Freud afirma que a natureza do sentimento de culpa constituinte do mal-estar engendrado pelo processo civilizatório, seria a da angústia. Esse sentimento de culpa como consciência moral sendo, portanto, anterior à formação do supereu, corresponderia à expressão da angústia diante da autoridade externa, a mesma que, uma vez interiorizada pela identificação, aparecerá em seguida sob a forma do supereu.

Se ao escrever o mal-estar, Freud se limita a sugerir a existência de um supereu sustentado pela autoridade primordial, no final desse mesmo texto ele propõe a constituição de um supereu cuja origem não se encontra na história individual, mas na história da cultura. Freud define assim o supereu coletivo por analogia ao supereu individual, ao qual atribui igualmente a imposição imperativa dos ideais. Supõe dessa forma uma continuidade entre os dois supereus, sendo o coletivo resultado de uma espécie de ampliação das identificações com substitutos culturais da imago paterna.

Contrapondo-se a esse otimismo, Freud afirma paradoxalmente que a crueldade às vezes revelada pelo supereu coletivo seria a origem das manifestações mórbidas que pode assumir o mal-estar na cultura, sendo o sentimento de culpa o preço a pagar pela inserção na civilização.

O reconhecimento, por parte de Freud, das duas origens do sentimento de culpa às quais ele associa à angústia, possibilita uma via de reflexão importante sobre a clínica da adolescência permitindo a apreensão da problemática, própria a esse momento, da separação entre o ideal infantil, resultado da herança parental, e os modelos propostos pelo discurso social. A criança confrontada à ilusão do ideal, que até então garantia o discurso do pai, se encontra na adolescência numa posição de conflito entre esse discurso de sua infância e aquele que lhe é ditado pelo supereu coletivo.

Partindo da constatação da incoerência dos enunciados supereuóicos na adolescência, Rassial (1996) defende a hipótese de uma clivagem entre o supereu individual e o supereu coletivo, cujo conflito justificaria a emergência do sentimento de culpa. Assim como Lacan, sustenta uma posição menos otimista que Freud, no que diz respeito à conciliação entre os supereus, o que coloca o adolescente diante da questão sobre a quem obedecer.

A partir desse debate, gostaríamos de retornar à problemática central do nosso trabalho trazendo para reflexão uma nota de roda-pé onde Freud, parafraseando Hamlet, nos alerta para o fracasso da tarefa educativa ao não preparar os jovens para o enfrentamento da agressividade que lhes será dirigida. Segundo ele, a educação, ao induzir-lhes à crença na virtude dos homens, impõe-lhes o dever de igualmente se tornarem virtuosos. Deveríamos concluir desse comentário de Freud mais uma advertência sobre a impossibilidade, por ele várias vezes salientada, do sucesso da educação, ou poderíamos supor aí uma insinuação sobre a violência implícita no próprio ato educativo que, ao exigir a renúncia à agressividade, tem como resultado a sua introjeção em forma de sentimento de culpa? Poderíamos ainda nos questionar por que Freud refere-se especificamente à educação dos jovens e não a das crianças. Haveria aí uma indicação da evidência do caráter supereuóico na educação dirigida ao jovem, em detrimento da vertente idealizada da educação infantil? Dito de outra maneira, a desintricação do ideal do eu promovida pela entrada na adolescência apareceria sob a forma da crueldade do supereu coletivo que, por sua vez, reatualizaria a violência da autoridade primordial? Seria essa a causa da angústia contra a qual o adolescente se defende pela inibição do desejo de saber?

Convém voltarmos a examinar como o discurso freudiano pode servir de operador das questões relativas à educação, agora de forma a esclarecermos a posição do sujeito no par educador-educado. Cabe-nos então pensar o lugar do desejo na relação ao saber implicada no ato educativo e cujas declinações constituem a causa de uma demanda freqüente dirigida à clínica da adolescência.

 

O saber e seus destinos na adolescência

Tomando como referência, mais uma vez, as "Reflexões sobre a psicologia do escolar", encontramos nas palavras de Freud não só o reconhecimento da importância do professor no despertar do interesse às ciências, como também uma verdadeira advertência sobre as conseqüências do seu desaparecimento, situação que caracteriza a escola atual. O que Freud postula neste texto é a própria impossibilidade da aquisição de saber que não seja através do Outro encarnado no mestre.

Gutierra (2003) propõe que na adolescência há uma virada em relação ao saber vindo do Outro. Há uma desconfiança em relação à veracidade e à consistência deste saber, já que, percebendo a impossibilidade da completude prometida na infância, o adolescente desconfia, principalmente, dos grandes representantes dos ideais do mundo adulto: os pais e os professores.

A exortação à virtude implícita no projeto educativo ao esbarra-se na posição agnóstica do sujeito adolescente, hoje amplificada pelo declínio da autoridade como signo da contemporaneidade, coloca os jovens de hoje no lugar de protagonistas da crise da educação apontada por Hanna Arendt. Adepto da técnica e auto-didata, eles desembocam numa espécie de culto do objeto-saber. Navegando na internet, circulam em uma rede de informações sem autoria. O saber se apresenta em posição de objeto a ser assimilado, a ser devorado, consumido. Um saber por sua própria conta, sem valor de herança e que pretende dar provas de economia de um Pai.

Como uma das figuras da errância adolescente, o internauta é o flaneur virtual. Retira-se das ruas e vagueia sem rumo pela tela. Acessa sítios sem, no entanto, demarcar seu lugar. Acede a saberes sem, no entanto, constituir filiações.

Embora não possamos confundir o saber transmissível, este do qual se ocupa a escola, com o saber inconsciente propriamente dito, o cruzamento desses dois saberes é salientado desde muito cedo pelo pensamento freudiano. Vejamos, rapidamente, alguns momentos onde essa hipótese é apresentada.

A idéia em torno da chamada pulsão de saber já referenciada em 1905, por ocasião da escrita dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade infantil, constitui a base do argumento de sustentação de tal hipótese. Ao propor a existência da pulsão de saber, Freud não a destaca como um componente de pulsão, mas ele a apresenta para questionar o tipo de satisfação decorrente da curiosidade intelectual infantil. Orientada, originalmente, às investigações sexuais despertadas pelo enigma da diferença sexual, a pulsão de saber aparece como a mola propulsora da construção das teorias sexuais infantis.

Em 1909, na sua análise dedicada à atividade criativa de Leonardo Da Vinci, Freud propõe o mecanismo da sublimação como o mais bem sucedido operador psíquico da pulsão de investigação infantil. Nesse mesmo ano, a articulação entre vida pulsional e capacidade intelectual é retomada pela vertente da clínica infantil e, mais especificamente, pelo paradigma da fobia infantil. No seu estudo do caso do pequeno Hans (1909), a curiosidade infantil é apresentada como o testemunho da ânsia de saber sobre as questões sexuais nas quais se encontra a criança no momento da travessia do Complexo de Édipo.

Se Freud, nesse momento, privilegia a via do sintoma e da angústia como forma de abordar a questão do saber, a partir de 1920, a problemática da inibição intelectual surge como referência maior ao tema. Embora compreendida dentro de uma perspectiva das funções do eu, a posição freudiana, como bem nos lembra Santiago (2005), supõe a articulação das limitações funcionais ao aspecto econômico da vida mental, a inibição intelectual sendo assim um processo ativado pelo sujeito.

Ao escrever Uma lembrança de infância de Leonardo da Vinci, Freud havia exposto os três possíveis destinos da investigação sexual infantil: o recalque que geraria inibição intelectual, o recalque que traria o retorno do recalcado sob a forma de obsessão investigadora e a sublimação. Designava, assim, três destinos do saber: a inibição, o sintoma neurótico, e finalmente a sublimação. Este último, resultando da reorientação do objetivo da pulsão, acarreta um processo que poderíamos dizer de dessexualização da atividade intelectual, sem que isso signifique abdicação de satisfação. Ora, o mesmo não acontece nos dois outros destinos. Embora a inibição e o recalque sejam ambos tomados enquanto processos defensivos, sabemos do estatuto particular que Freud atribui ao recalque. Enquanto na inibição, a atividade do pensamento é interrompida sem formação substitutiva, no recalque, a cadeia associativa prossegue, embora sendo reorientada, e o sintoma aparece como solução de compromisso possibilitando uma via de satisfação pulsional.

Quinze anos depois do seu ensaio sobre Leonardo, em Inibição, sintoma e angústia, Freud atualiza sua concepção sobre a inibição. Juntamente com suas elaborações sobre o sintoma e uma revisão sobre o problema da angústia, a inibição é retomada dessa vez, ressaltando-se a sua vinculação ao sintoma. Embora ligada a uma função do eu, já no contexto da segunda tópica, Freud propõe que algumas inibições possam se apresentar como sintomas, ou seja, como um modo de satisfação pulsional. A inibição ao trabalho aparece como ilustração de tal caso, onde a renúncia ao prazer relacionado ao produto da atividade profissional é compensada pela satisfação masoquista à serviço da autopunição. Para explicar essa situação, Freud propõe que o eu só recorre à solução inibitória para evitar um conflito, quer seja com o Isso ou com o Supereu. A autopunição refere-se a esse segundo tipo de conflito, enquanto que no primeiro, aquele que envolve o Isso, a inibição decorre de um processo inverso ao que ocorre na sublimação, a saber a sexualização da função. Freud dá como exemplo o escritor que se encontra impedido de usar a caneta pois ao ganhar um sentido sexual, a atividade da escrita é bloqueada e a satisfação pulsional orienta-se para o corpo. Segundo Santiago (2005), "a importância de ressaltar o binômio inibição-sintoma, justifica-se no fato de a ênfase sobre a função, na abordagem das formas clínicas de inibição, escamotear esse aspecto fundamental do benefício pulsional que acompanha distúrbios desse tipo" (p.134).

Se Freud salienta que a inibição possa surgir como um processo a serviço da formação do sintoma, a clínica da adolescência vem nos revelar uma outra aliança, a que se estabelece entre os fenômenos inibitórios e a irrupção da angústia. Deparamo-nos com adolescentes que, frequentemente, ao entrarem no ensino médio, passam a compor um quadro que recebe a nomeação de fobia escolar. Alguns, ao concluírem que "não serve pra nada aprender", tomarão o caminho de satisfações mais imediatas decorrentes da adesão aos objetos de consumo, outros entrarão numa espécie de recolhimento quase autístico no campo do virtual, na internet e nos jogos eletrônicos. A falta de interesse pelos estudos pode desencadear um fracasso com todas as suas conseqüências, entre elas a depressão, o sentimento de exclusão, a entrada nas drogas ou a adesão a condutas delinquentes.

Como vimos anteriormente, a adolescência corresponde a um reposicionamento do sujeito que reatualiza o desejo e seus impasses, confrontando-o a um ponto de impossível diante do qual, o adolescente terá que encontrar soluções. Uma delas refere-se ao saber: ter vontade de aprender, adquirir conhecimentos. Esse desejo de saber vem, mais uma vez como respostas às questões da sexualidade reevidenciadas pela puberdade. A busca do saber sobre o mundo é, consequentemente, uma posição que o adolescente assume como substituição à falta de saber sobre o sexo.

Portanto, o que estamos chamando de saber, refere-se a uma certa posição com relação à ignorância. Lacan falou de "paixão da ignorância" não para definir uma posição de não querer nada saber, mas para salientar o fato de sermos animados pelo que não sabemos. É com relação à falta estrutural no saber que vai se manifestar no adolescente uma urgência de saber articulada à necessidade de encontrar rapidamente um sentido àquilo que se apresenta como um enigma: que lugar ocupa no desejo do Outro?

A demanda familiar e social dirigida aos adolescentes, sendo veiculada em termos de um êxito escolar e os convocando a ocupar o lugar daquele que deve aprender, leva à reativação da questão do desejo do Outro e do lugar do sujeito no fantasma parental. O desamparo da função paterna, duplamente evidenciado pela adolescência e pela contemporaneidade, desabriga o sujeito adolescente, o expondo mais uma vez à ameaça do confronto ao desejo materno.

Sabemos que o laço inaugurado pelo capitalismo redimensiona o valor do objeto. Tomado não mais na dialética da falta, o objeto na sociedade de consumo ameaça tornar-se possível. Tal ameaça de reativação do gozo de fazer um com a mãe, aparece na adolescência aliada ao apagamento da diferença dos corpos que garantira na infância uma proteção aos desejos incestuosos. Temos aí, portanto, os componentes estruturais que facilitam a irrupção da angústia no adolescente. Poderíamos assim supor que o desejo de saber surge contaminado de seu sentido sexual com a solução do conflito vindo se apresentar pela via da inibição

Para finalizar a reflexão sobre o desejo de saber, uma citação de Pierre Legendre do livro La Balafre, texto de uma conferência pronunciada aos alunos das classes preparatórias1 no Liceu Louis-le-Grand em Paris. "À idade daqueles aos quais eu me endereço hoje, eu vivia a perplexidade diante do Himalaia dos saberes (Legendre, 2007, p. 11).

Como sub-título do livro, encontramos uma dedicatória: "À la jeunesse desireuse..."2. O autor inspira-se por sua vez em uma outra dedicatória, a do imperador Justiniano encontrada na introdução do manual de direito romano intitulado Institutiones: "À la jeunesse desireuse des lois"3.

Legendre nos convoca a um certo estranhamento, efeito da elipse do objeto que complementa o adjetivo qualificador da juventude. Se, de um lado, ele denuncia a autonomia do desejo em relação aos objetos, de outro, a reticência parece expressar a própria hesitação do autor em definir a juventude a qual se dirige. Dito de outra forma, a reticência da dedicatória serve como um artifício de linguagem que nos convida a refletir sobre o que desejam nossos jovens. Ainda seriam eles desejantes de saber? Ou de leis, como anunciava o imperador Justiano? Haveria uma relação entre o desejo de leis e desejo de saber?

Parece que nossos jovens na carência de uma Lei que os impulsione a desejar, ao depararem-se com o Himalaia de saberes, reagem não mais com o espírito do desafio da escalada, mas com a paralização provocada pela vertigem diante do vazio do abismo que os atrai.

 

Referências bibliográficas

ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007.

FREUD, S. (1905) Trois essais sur la théorie sexuelle. Paris: Editions Gallimard, 1987.

__________ (1909) Un souvenir d'enfance de Leonard de Vinci. Paris: Editions Gallimard, 1991.

__________ (1909) Analyse d'une phobie chez un petit garçon de 5 ans ( Le petit Hans). In: Cinq analyses. Paris: PUF, 1992.

__________ (1914) Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. In: ESB das Obras Completas de Sigmund Freud, vol.XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1987.

__________ (1923) Le moi et le ça. In: Essais de psychanalyse. Paris: Editions Payot, 1981.

__________ (1926) Inhibition, symptôme et angoisse. Paris, PUF, 1993.

__________ ( 1929) Le malaise dans la civilization. Paris: PUF, 1971.

GUTIERRA, B.C.C. Adolescência, psicanálise e educação: o mestre "possível" de adolescentes. São Paulo: Avercamp, 2003.

LEBRUN, J-P. Un monde sans limite. Ramonville Saint-Agne: Editions Erès, 1997.

LEGENDRE, P. L'amour du censeur: essai sur l'ordre dogmatique. Paris: Editions du Seuil, 1974.

___________ La balafre: A la jeunesse desireuse...Pris: Mille et une nuits, 2007.

RASSIAL, J-J. Le passage adolescent: de la famille au lien social. Ramonville Saint-Agne: Editions Erès, 1996.

SANTIAGO, A. L. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

 

 

1 Correspondem ao Ensino Médio no sistema brasileiro
2 À juventude desejante
3 À juventude desejante de leis