7Desejo de saber e os imperativos paradoxais do ato educativo na adolescência"Para onde olha esta criança?": quando as lentes de um professor interrogam o olhar de um autista author indexsubject indexsearch form
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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Professor-sujeito: um vaga...lume?

 

 

Maria de Lourdes S. OrnellasI; Maria da Glória Gonçalves SantosII

IProfessora Doutora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Coordenadora do Fórum de pesquisa da linha 2( Currículo, Formação do Educador e Tecnologias Inteligentes). Coordenadora do Núcleo de Estudos em Afetividade e Representação Social (NEARS). Líder no Grupo de Pesquisa em Psicanálise-Educação e Representação Social, certificado pelo Diretório CNPq : Gepe (rs). Psicanalista. End.: R. Tenente Fernando Tuy,318. Aptº 702. CEP: 41810-780 Tel.: 32451662 e-mail: ornellas1@terra.com.br
IIPsicóloga, mestranda do PPGEduC –UNEB- Pesquisadora do Gepe (rs) –Cnpq. Membro da direção colegiada do Núcleo de Estudos em Afetividade e Representação Social (NEARS). End.: R. João Bião de Cerqueira, 251.Aptº 502 CEP: 41830-580. Tel.: 88053162. e-mail: maidago@ig.com.br

 

 


RESUMO

Este estudo revela a necessidade do professor ser sujeito. Por ser faltante, esse professor é um sujeito falante. Descartes inaugura o cogito penso, logo existo e Lacan o subverte: Penso onde não sou e existo onde não sou pensado. Parafraseando Descartes, é possível pensar que o professor-sujeito é aquele que pensa, sente, logo ensina e aprende e seu saber é não-todo. É na matriz simbólica da fala que o professor-sujeito nomeará seus afetos na relação transferencial com o aluno-sujeito. É uma pesquisa que pretende escutar o que diz o professor sobre seu desejo de professor-sujeito, duas posições que ele precisa ocupar na sala de aula sustentada no brilho do agalma e no vaga... lume, lanterna que captura o claro e o escuro do saber. É uma investigação de natureza qualitativa e tem como locus uma Escola Pública Estadual de Salvador (BA). Os sujeitos serão 50 professores, 25 do sexo masculino e 25 do sexo feminino, com idades que variam de 25 a 35 anos. Os instrumentos de coleta de dados serão observação, entrevista e desenho, e a análise dos dados será realizada à luz da Análise do Discurso de vertente francesa. Pensamos que esse estudo não poderá dizer tudo, mas seu registro autentica o que escapa, o que tropeça no Real e este se escande no significante vaga-lume.

Palavras-chave: professor; sujeito; transferência.


 

 

- Titia, diga-me alguma coisa, estou com medo porque está muito escuro.
- O que isso adiantaria, já que você não pode me ver?
- Não faz mal: quando alguém fala fica claro.
(Freud, 1905)

 

O conceito de sujeito em psicanálise implica no próprio desconhecimento deste em relação àquilo que o determina, ou seja, o inconsciente. Essa relação de desconhecimento é constituinte do sujeito e permite articular várias polissemias possíveis de se pensar a cultura, a civilização, seja na arte, na ciência, na educação, na política ou nas relações professor-aluno. A noção do inconsciente ainda é estranha à educação, pois é difícil conviver com a idéia de que possa existir um saber do qual nada se sabe, mas sustenta a verdade do desejo tanto de aprender quanto de ensinar.

As bases filosóficas da Contemporaneidade estão assentadas em indagações permanentes que envolvem o sujeito e o enigma essencial do homem: quem sou eu? , mola propulsora para a instalação de um desejo de saber.

Para a psicanálise, o sujeito é o sujeito do inconsciente e também do desejo, resultado da castração, quando se opera um corte e que implica perda. A esse respeito, Ornellas (2005) postula:

A dinâmica do inconsciente gira em torno do Complexo de Édipo, mais especialmente do seu momento essencial, a castração e esta, por sua vez, regula e estrutura o desejo. (...) O Édipo é uma estrutura, segundo a qual se ordena o desejo. (...) A estrutura é um nó não desatado ( p. 4).

A autora nos leva a pensar o Édipo como estrutura simbolizada em um nó e isso nos remete ao conceito do Nó Borromeu, em que os registros do real, do simbólico e do imaginário se enodam e estruturam o sujeito, dando sustentação ao desejo e à falta.

Para Lajonquière (1992) o conceito da castração pode ser articulado da seguinte maneira: "A castração coloca a criança na posição de sujeito do desejo, desejante de (re)encontrar o objeto perdido e, portanto, condenado a buscar aquilo que (lhe) falta (no Outro)" (p.215). Deste modo, a castração implica a permanência do circuito do desejo em que o sujeito busca o objeto de sua completude, o qual está irremediavelmente perdido. Para este autor, "o sujeito não tem origem, portanto não se desenvolve, mas pelo contrário, ele se constitui graças a duas operações lógicas (...) que a teoria chama de estádio do espelho e complexo de Édipo" (Lajonquière, 1992). Para ele, o ser humano não nasce sujeito. É por meio da imagem do eu corporal como unidade que o sujeito vai se constituir. A função do estádio do espelho é referida à constituição da imago no sentido de estabelecer uma relação do organismo com sua realidade. Implica a idéia da aquisição de uma imagem corporal que advém da relação com um outro semelhante. O contexto do reconhecimento pela criança de sua própria imagem é estruturante para a identidade do sujeito e é vivida em uma relação narcísica e imaginária com o outro, que coincide com a entrada no Complexo de Édipo, o qual estrutura o acesso do sujeito ao simbólico e o inscreve no lugar de ser desejante. Essa experiência é vivida de modo singular para cada sujeito e implica um corte, uma separação na relação dual, cuja conseqüência é um sujeito marcado pelo enigma do desejo. Essa conceituação de sujeito faz com que Lacan fale em sujeito como essencialmente dividido, o sujeito que possui um semi-dizer, ou seja, seu dizer não é todo, posto que restará sempre o que dizer. Esse sujeito dividido é o que não corresponde ao estabelecido pelo cogito cartesiano e como fala Ornellas (2005): "o sujeito se estrutura na lógica do sujeito barrado, ou seja, ele é assujeitado pela lei fálica para suportar a angústia da falta.

Pontuar que o sujeito está dividido, segundo Lacan (1978), é dizer que só há sujeito em ser falante (o fala-ser, le parletre). É a ordem do significante que causa o sujeito, estruturando-o num movimento de divisão que faz advir o inconsciente.

Sabemos que o sujeito para a psicanálise é o sujeito do desejo e que se manifesta nas formações do inconsciente, ou seja, através dos sonhos, sintomas, enganos, esquecimentos, lapsos, atos falhos etc. O saber do inconsciente escapa ao sujeito, quando ele fala. O inconsciente é também o discurso do Outro. O objeto do desejo é o objeto do desejo do Outro e o desejo é sempre desejo de outra coisa, que é o que falta ao objeto primordialmente perdido e que, portanto, não pode ser preenchido por nenhum objeto.

Este registro da castração, que mantém professor e aluno em busca do saber sobre seu desejo acontece junto com a transferência, uma das condições presentes para que a educação cumpra seu papel (Ornellas, 2005). A relação transferencial que se passa entre o aluno e o professor revela que o aluno está no lugar e posição de algo que lhe falta, quer aprender, quer saber e que, supostamente, pensa poder encontrar suas respostas na fala do professor. A posição do professor é confortável, posto que é demandado pelo aluno e faz semblante de ter supostamente algo a oferecer, ou seja, mostra-se como sujeito suposto saber e esse Sss sabe, conhece o manejo de como articular com o objeto com vistas a sustentar a transferência, singular para o processo de aprender.

A vida escolar como uma extensão da vida familiar reforça a predisposição psíquica do aluno para essas reedições de afeto estabelecidas na relação original, transferidas para a relação com o professor e que se bem manejadas podem servir de mediadoras do conhecimento. O reconhecimento de que no domínio do saber, tal como no domínio do desejo, algo escapa ao sujeito, ao seu controle, pode ressignificar a prática educativa de forma criativa, pois temos a possibilidade de enfrentar o mal-estar com menos insatisfação. Saber que o ato educativo se instaura no vazio que o professor deixa nas brechas de seu ensino, ao que lhe escapa, pode apontar para articulações importantes do enlace entre a psicanálise e educação e provocar questões de aprofundamento a respeito do próprio processo educativo no mundo contemporâneo, reveladoras de complexos laços sociais estabelecidos entre os sujeitos. Isso não significa, entretanto, psicanalizar a educação, mas apreendê-la na perspectiva de uma fala e uma escuta, em busca de uma concepção mais profunda a respeito do próprio processo educativo.

A apreensão da noção de sujeito na psicanálise e dos demais conceitos implicados pode constituir-se em dificuldades para o professor, pois exige o entendimento de que no ato educativo de ensinar e aprender há algo que a subjetividade humana revela e que envolve mais do que o cognitivo: que somos seres incompletos, que há falhas nossas relações, há furos em nosso saber e que estamos em descompasso. E isso, em certa medida, a pedagogia parece não querer ver, pois envolve o desejo de cada um, que é singular e que supõe o sujeito do inconsciente, constituído na trama da linguagem, que envolve o dizer e o não-dizer em que tanto o professor como o aluno se tecem sujeitos, com sua marca nomeada de estilo. Kupfer( 2007) coloca: "ser sujeito implica um jeito próprio de ser, marca de sua singular maneira de enfrentar a impossibilidade de ser"(p.129). Assim, a conexão da psicanálise com a educação, que leva em conta o sujeito na relação com o Outro, fornece um balizamento das ações do professor, modificando sua relação com o aluno, exercitando uma nova maneira de lidar com as situações do cotidiano da sala de aula, através de um nova fala e de uma escuta. O reconhecimento da realidade psíquica e das fontes libidinais do desejo de saber pode ampliar a intervenção mediadora do professor, ao criar para o sujeito a demanda de busca do conhecimento, mobilizando o desejo do aluno e levando em conta a incompletude do sujeito, ajudando-o assim a encontrar sentido no que vê, ouve, fala ou lê, sem perder de vista que o sujeito do conhecimento é também o sujeito do desejo, que surge na falta e o impulsiona a aprender. Esse olhar psicanalítico que desvela nas tramas do desejo o equívoco, o tropeço, pode constituir-se em novas possibilidades sobre as questões educacionais e o papel desempenhado pelas práticas educativas, na constituição e no devir do sujeito. Tanto ensinar como aprender é um ato de desejo. Entre o sujeito que ensina e o sujeito que aprende há um movimento dinâmico que envolve fios reais, simbólicos e imaginários, por vezes (in)visíveis na trama relacional e que são próprios da constituição da subjetividade.

Professor-sujeito pode ser um vaga-lume, ora é falta, ora é presença, ou seja, embaça e clareia o saber que transmite, pensa que sabe o que diz porque tem a pretensão de saber sobre sua própria vida e a do outro, mas confessa que quase não sabe e indaga: quem é esse sujeito que marcado pela divisão não sabe o que diz, não ilumina quando algo é dito pela palavra que faz gozo na falta?

 

O sujeito na estrutura do discurso

Faz-se preciso trabalhar o significante do discurso na sala de aula na perspectiva de que é o simbólico que constitui o professor-sujeito falante, o qual vai falar de um saber faltante. O ato de educar expressa em sala de aula que há um que sabe (o professor) e outro que não sabe (o aluno). Lacan vai trabalhar esse conceito na formulação dos quatro discursos, que elaborou utilizando letrinhas em lugar de palavras, as quais se sustentam na matemática e desenham os diferentes modos de laço social estabelecidos pelo sujeito no processo de inter-relação e traz uma nova dimensão da linguagem, a falta. A ênfase que Lacan coloca na linguagem como um sistema de significação é um elemento central. O significante é o elemento que determina o curso do desenvolvimento do sujeito e a direção de seu desejo. Lacan utiliza fórmulas que expressam relações num dado momento da articulação dos termos: sujeito, saber, objeto a. Estes termos se movimentam em torno de quatro lugares: o lugar de um agente, que é o que aparentemente organiza o discurso, lugar do Outro ao qual o discurso se dirige; o lugar da verdade, que fundamenta o discurso e o lugar da produção, que marca o produto engendrado pelo discurso. Nessa articulação entre sujeito, significante, saber e objeto a, movimentam numa continuidade e não como causa-efeito, se substituindo nos lugares de agente, Outro, verdade e produção. É a rotação que se dá através de um quarto de volta dos quatro algoritmos, nos quatro lugares é que vai se desenhar a estrutura do discurso do mestre, da histérica, do analista e do universitário. São discursos que tem relação com o exercício, com o educar, governar, psicanalizar e fazer desejar.1

A disposição das letras obedece a uma disposição que, a cada um quarto de giro, revela o lugar do agente do discurso, o lugar do outro, da verdade e da produção.

 

 

Nestes lugares e posições, estruturam de forma alternada os algoritmos denominados por Lacan:

S1 = significante mestre

S2 = o saber

$ = sujeito barrado

a = pequeno a ou mais-de-gozar

 

Discurso do mestre

 

 

O S1 ocupa o lugar do poder. Nesse discurso, tudo deve estar submetido à lei, ao controle social, à ordem. É um discurso do desejo, ou seja, do inconsciente. Eis que emerge um sujeito barrado, um furo do mestre que insiste num saber todo. Mesmo sendo fálico, o mestre é um castrado, se assujeita à lei, mas confere ao outro sua autoridade sombria. Queiramos ou não, somos determinados pelo discurso do mestre, que aprisiona nossa singularidade e nos obriga a carregar o fardo dessa lei. O mestre diz "obedeça à lei", mas diante desse real, o que ele faz advir no Outro é o objeto com o qual o faz gozar e ele próprio, fora da lei, também goza.

 

Discurso da histérica

 

 

É um discurso sedutor, busca produzir no Outro (este é tomado como mestre) o desejo de saber. Pode-se assinalar que a histérica deseja reinar sobre um mestre, que não tem poder de governar. A queixa, a insatisfação são marcas do sujeito histérico e por ser um sujeito barrado não é o mais-de-gozar que esse discurso deseja, mas cortejar o outro para ser objeto a e não semblante deste. Idealiza seu mestre e diz que o ama. O mestre do amor histérico é idolatrado, mas é barrado de seu saber.

 

Discurso do analista

 

 

O discurso do analista vai na contramão do discurso do mestre. O analista de posse do saber do inconsciente desvela o sujeito analisante na sua singularidade, na medida em que o eleva à condição de sujeito da fala e da falta. No lugar da verdade, o inconsciente faz irrupção e coloca-se no lugar e posição do saber que não falta e ao mesmo tempo revela-se não sabido. O ato analítico trata o Outro como sujeito do desejo. Esse discurso é marcado pela impossibilidade de saber e de ter.

 

Discurso universitário

 

 

O ato de educar expressa em sala de aula que há um que sabe (o professor) e outro que não sabe (o aluno). Monteiro (2002) diz: O sujeito (que é sempre sujeito do desejo) supõe a um outro o saber sobre seu desejo (a transferência), portanto, atribuindo ao outro o poder de revelar-lhe aquilo que lhe falta (o objeto a), que o coloca na posição desejante (p.256). O discurso universitário é o transmissor da bibliografia, do conteúdo repetido dos autores. Observa-se nesse discurso que ele se torna o escravo da escrita do Outro, porque sente-se incapaz de dar inscrição à sua produção escrita. Esse discurso funciona como porta-voz de saberes e conhecimentos e faz do aluno objeto, ainda que este possivelmente se rebele e reinvente seu próprio semi-saber. É o mito do Eu que impera, o lugar da "Eu-cracia", termo utilizado por Lacan (1969-1970, p. 59), quando traz o termo "democracia", invocando o quanto o discurso da universidade é impotente.

O mestre não se finda apenas no discurso do mestre, mas se enreda nos quatro discursos. É possível dizer que o sujeito endereça ao Outro o lugar e posição de mestre, para buscar nesse sujeito suposto saber (Sss) o saber que ele não tem. O mestre faz semblante que sabe e por estar nesse lugar de saber faz a transmissão do saber da ciência.

O professor-sujeito: um vaga...lume discursa e circula entre esses algoritmos e esse giro vai fazer a diferença no seu jeito de educar.

Nesse sentido, pode-se dizer que o ato de educar deve ser pontuado possivelmente pelo declínio do mestre como registro imaginário. Uma vez assumindo o registro simbólico, parece que impediria o gozo e a repetição e, quiçá, faria emergir professor-sujeito e aluno-sujeito em que pudessem se colocar no lugar do significante e da ex-sistência.2

Para engatar uma conversa sobre o que esse título sugere, faz-se relevante dizer que não se é professor, mas torna-se professor, práxis que se principia tal como o grafite e o papiro nas mãos da criança: começa com as garatujas, em seguida estas dão lugar a rabiscos em que se observam algumas formas e depois imagens que são representadas e simbolizadas.

Lacan diz que cada sujeito constrói sua subjetivação em tempos lógicos: Instante de ver, tempo para compreender, momento de concluir. Assim posto, pedimos licença ao mestre para parafraseá-lo quando marcamos o tempo (i)lógico do professor: no instante de ver, o tempo de advir, tempo de decifrar e tempo de nomear.

O primeiro tempo fala das primeiras inscrições do exercício, quando advém o desejo de experimentar e a sala de aula é a corda bamba, um véu, ainda não tem forma, tamanho e cor.

No segundo tempo, o de compreender, o decifrar tem a conotação de que algo se insinua, há um desvelamento do seu lugar de professor, do seu processo laboral, da relação professor aluno.

O terceiro tempo, momento de concluir, se presentifica pela relação pulsional de nomear. Nesse tempo, o professor faz um salto, porque se autoriza professor, registra na lousa sua nomeação e escuta ser chamado de professor por seus pares e um número de alunos e nesse momento o seu endereço é o sujeito suposto saber (SsS).

Para se ter esse professor na escola faz-se fundante pensar e sentir o que diz Bacha (2007): O cultivo da natureza pela arte humana exige uma terra fértil, um lavrador competente e uma semente de boa qualidade ( p.244).

Esse dizer nos faz pensar que ser professor parece que deve passar por esses três tempos: advir a terra fértil, decifrar a formação sustentada no investimento afetivo e intelectual e nomear que o grão pode germinar.

Tanto ensinar como aprender é um ato de desejo. Entre o sujeito que ensina e o sujeito que aprende há um movimento pulsional que enoda os elos: real, simbólico e imaginário os quais estruturam esse professor-sujeito que é movido pelo desejo inconsciente.

O professor opera na incompletude, funciona na subtração de sua certeza e se aparelha nos quatro discursos: O professor incorpora o discurso do mestre, é possível desejar, ser dono da palavra, porque transmite o conhecimento e, por esse viés, Gusdorf (2003) pergunta: "professores para quê?" Encarnado no discurso universitário, tende a trazer para a sala de aula os clássicos e não se furta de exercer a crítica àqueles que sabem pouco ou nada sabem num movimento de passes e impasses. Quando assume o discurso histérico, é tomado pelo mal-estar, queixa e sintoma, e coloca-se na busca eterna de solução dos seus problemas. O discurso do analista não é um discurso para apenas o analista. É um discurso de passagem, surge no intervalo de um discurso ao outro. é um lugar do impossível, que perpassa as ciências do ensino. Nesse sentido, Pereira (2008) nos convida a encontrar a função do mestre:

Todo mestre, todo professor, todo governante, de nossos tempos, se insistir no prolongamento injustificado de sua função ou no seu igualamento ao pai primeiro (e a Deus), o máximo que forjarão a si é o lugar de paródia. Se não admitirem o impossível de tudo saber, essa impostura, própria da sua função, torna-se parodístico e derrisório
(p. 200).

O autor, nessa fala, insinua que o ato de ensinar deve ter um código: fomentar o desejo de saber do aluno, porque também o professor é movido pelo seu próprio desejo. Dessa maneira ele inscreve seu ato de ensinar sob a forma de um estilo singular presentificado na transferência.

A concepção de sujeito defendida neste escrito é aquele já nomeado de sujeito clivado, da falta; o objeto causa de desejo emerge, embora se encontre perdido. Tenta-se se aproximar desse objeto, mas esse objeto escapa. O sujeito deseja ter, e no lugar da falta se montam os andaimes da estrutura, da qual cada sujeito pode apossar-se.

Urge que se opere em ato a nomeação de professor-sujeito: um vaga...lume que, ao incursionar pelos quatro discursos, encontre na sua maestria o real, ou seja, aquilo que não cessa de não se inscrever.

 

O desenho da pesquisa

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, porque como nos fala André, M.(2005): "se fundamenta numa perspectiva que valoriza o papel ativo do sujeito no processo de construção do conhecimento e que concebe a realidade como construção social" ( p.47), considerando de importância vital o significado dos diferentes modos com os sujeitos dão sentido á sua vida. Na pesquisa qualitativa o material utilizado é a palavra, que expressa a fala cotidiana, nos diversos discursos e nas relações afetivas e na praxis. Nesta abordagem procura-se interpretar o conteúdo das falas, ultrapassando a mensagem e conhecendo os significados manifestos e latentes.

O estudo do tema, no seu cenário natural, busca escutar o sujeito da falta na dimensão em que este tem um saber não sabido, ou seja, que se insere na incompletude, podendo-se dizer que a falta sustenta o desejo e que somente se deseja aquilo que é falta. Tem como locus uma Escola Pública Estadual de Ensino Médio situada na região central da Cidade de Salvador-Bahia. É uma escola de fácil acesso para uma boa parte dos pesquisadores do projeto, os quais parecem ter uma sensibilidade para receber propostas que façam avançar o ensinar e o aprender.

Os sujeitos da pesquisa serão em número de cinqüenta, sendo 25 do sexo masculino e 25 de sexo feminino, com idades que variam de 25 a 35 anos. Estes são professores de várias disciplinas, selecionados pelo critério do desejo em participar da pesquisa, o que não os dispensa de assinar o Termo de Consentimento. Esse critério do desejo torna-se relevante pela natureza do objeto em estudo, em que professor e aluno estão em inter-relação, enlaçados de forma cognitiva, afetiva e social.

Os instrumentos de coleta de dados serão: observação, entrevista e desenho.

A observação em campo tentará obter informações sobre determinados aspectos da realidade, utilizando o caderno de campo com registros descritivos detalhados do que é manifesto e latente na fala dos sujeitos. Lakatos( 1996) pontua que se faz necessário: "identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento" (p. 79). Pretende-se observar uma aula por semana de cada professor, num total de 10 horas por sujeito, na perspectiva de assinalar nos registros as diversas expressões de sua fala, de seu corpo, de seu olhar, de sua voz, através de seu jeito próprio de agir, que o distingue dos demais, nos locais onde se dão as ocorrências. Segundo Ludke e André (2007): "A observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado"(p.26). Na medida em que se acompanha as experiências do sujeito no cotidiano da sala de aula, torna-se possível a apreensão dos significados que eles atribuem às ações ligadas a essas experiências e os novos aspectos envolvidos nelas. Para tanto, será usado um caderno de registro das observações contendo na margem um espaço para anotações gerais ocorridas durante as observações. Os pesquisadores ficarão na sala de aula em local previamente estabelecido com o(a) professor(a), fazendo suas anotações sobre o processo transferencial entre professor aluno, sem qualquer participação na dinâmica da aula.

A entrevista é um instrumento fundante da coleta de dados, no que se refere à investigação científica. Gesta relatos de biografias, experiências, opiniões, valores, atitudes, afetos (Ornellas,2008). A entrevista permite uma interação entre entrevistador e entrevistado, favorece respostas espontâneas e também possibilidades de trocas afetivas, facilitadoras ou não. Além disso, permite ler nas entrelinhas do discurso lapsos, atos falhos, silêncios, pausas, reticências, possibilitando a captação imediata da informação desejada, através do fluxo natural da conversação, em que o sujeito de expressa em um clima de confiança, estabelecido ao longo da interação. O entrevistador deve fazer um esforço inicial para estabelecer um contato no qual o entrevistado sinta-se à vontade para falar livremente.

O desenho, enquanto atividade simbólica das imagens mentais, mostra-se um valioso canal de expressão e serve de suporte para os conteúdos representativos, possibilitando uma leitura deste universo onde se encontra subjacente o fenômeno estudado. O desenho, pode-se dizer, é uma produção significante, cujo estatuto de imagem pede uma escuta, como a palavra. Para a Psicanálise, o desenho é uma escrita e tem, portanto, uma função de palavra, um caráter singular, único na história do sujeito.

Após a coleta, as categorias descritivas e interpretativas serão construídas e, a partir daí, será feita a análise dos dados com o suporte da Análise do Discurso de vertente francesa, para trilhar o terreno escorregadio do uso da linguagem na expressão das idéias que devem ser decodificadas, para que o material advindo dos instrumentos de coleta de dados seja analisado levando em consideração o direito e o avesso do texto, bem como o que está nas entrelinhas, no silêncio, nos atos falhos dos discursos dos depoentes.

Após a análise, os resultados serão revelados na tentativa de socializar as contribuições dessa pesquisa com vistas à melhoria da educação e de modo singular o processo de formação docente, que tem demandado novas reflexões.

Pensamos que esse estudo não poderá dizer tudo, mas seu registro autentica o que escapa, o que tropeça no Real do professor-sujeito, posto que, metaforizando a epígrafe que principia este artigo, pontua-se: onde havia o medo e o escuro a fala faz advir o claro e este se escande no significante professor vaga...lume.

 

Referências:

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.

GUSDORF, G. Professores para quê?: para uma pedagogia da pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. Escritos. Rio de janeiro: Zahar, 1998.

______.O Seminário 20. Mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

______.O Seminário 5. As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

______. O Seminário 8. A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

______. O Seminário 17. O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

______. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 1978.

LAJONQUIÈRE, L. De Piaget a Freud: a psicopedagogia entre o conhecimento e o saber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

KUPFER, M. C. M. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Escuta, 2007

______. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 2000.

MONTEIRO, E. A. Sobre uma especificidade do ensino da psicanálise na universidade: A formação de educadores. In: Anais do III Colóquio do Lepsi, São Paulo: USP, 2002 p.

ORNELLAS, M. L. S. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2005

PEREIRA, M. R. A impostura do mestre. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2008.

 

 

1 Governar, educar e psicanalizar correspondem ás operações impossíveis atribuídas por Freud. Lacan acrescenta o fazer desejar, associando-as aos seus quatro discursos. Análise terminável e interminável (Freud,1937) e Seminário mais ainda (Lacan,1972).
2 ex-sistência. Expressão colhida de Jasper, diz do lugar onde esse sujeito é constituído, para além da palavra que o explique – ou no puro Real (Chemama, 1995).