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ISBN 978-85-60944-12-5 versión

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Contribuições da psicanálise na escola: o professor se confrontando com sua própria palavra

 

 

Marisa Siggelkow Guimarães

Psicóloga, Psicanalista, Mestra em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida, Psicóloga, Integrante do Laboratório de Práticas Sociais Integradas em Psicanálise, Saúde e Sociedade (LAPSI), Rua Ibituruna, 108, casa 03, sala 102, Tijuca. CEP: 20.271-020. marisaguimaraes968@hotmail.com

 

 


RESUMO

Neste trabalho trago uma experiência com um grupo de reflexão com professores de alunos adolescentes, como uma contribuição da psicanálise em uma escola do município de Niterói-RJ. Tal experiência se deu a partir de uma pesquisa que realizei nesta escola que faz parte de minha dissertação de Mestrado na linha de pesquisa Psicanálise e Saúde, do Mestrado Profissional em "Psicanálise, Saúde e Sociedade" da Universidade Veiga de Almeida. Nela tive como objetivos verificar o que professores e alunos adolescentes traduzem como sendo violência em sua escola; ouvir deles o que pensam ser suas causas e – através do grupo de reflexão com professores, numa escuta psicanalítica – abrir espaço para a palavra do professor para que este, na interlocução com seus pares, pudesse se interrogar sobre sua prática. Neste sentido, trabalhei com um grupo de reflexão com três professores voluntários, numa referência à linguagem, utilizando o que Lacan (1958) denomina de confrontação, ou seja, uma formulação possível de levar o sujeito a se haver com seus ditos, buscando abrir espaço para novas perguntas e novos significados sobre o que era considerada violência naquele espaço, por aqueles professores.

Palavras-Chave: Grupo de Reflexão, Professores e Psicanálise.


 

 

Introdução

Ao realizar uma pesquisa em uma escola do município de Niterói, que fez parte do meu projeto de dissertação de mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade, na linha de pesquisa Psicanálise e Saúde, cujo tema é violência na escola, me deparei com os limites e possibilidades de uma pesquisa que se utilizou de duas estratégias: a de obter dados e a de que pudesse fazer uma intervenção psicanalítica.

É da intervenção como uma das estratégias de minha pesquisa com um grupo de reflexão de professores, que me ocupo a pensar aqui. Esta pesquisa teve seu projeto avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Fiocruz em setembro de 2007 e abrangeu entrevistas com alunos adolescentes e seus professores e um grupo de reflexão com três professores voluntários para investigar a violência interferindo na relação professor aluno adolescente nos dias atuais.

 

Intervenção e Pesquisa

Pesquisar é algo posto na práxis dos psicanalistas desde seu fundador, Sigmund Freud. Em "Recomendações aos médicos que praticam psicanálise" (1913) Freud já nos dizia: "a psicanálise traz em seu favor a reivindicação de que, em sua execução, tratamento e investigação coincidem". (1988[1913], p.152)

Ao falar de uma pesquisa em psicanálise cuja uma de suas estratégias estaria voltada para uma intervenção na escola, me deparei com dois aspectos importantes a serem considerados. O primeiro deles, o de procurar não incorrer na descaracterização e abrangência imprópria dos conceitos psicanalíticos, como por exemplo, as abstrações generalizantes e o segundo, ligado ao próprio método, uma vez que a interpretação a ser aplicada não se destinava a um material que provinha do inconsciente por associação livre, como se daria em um enquadre de tratamento individual.

O desafio posto de uma escuta analítica com um grupo de reflexão de professores, cujo tema foi violência na escola, voltava-se para a singularidade deste grupo, onde se fez a aposta na circulação da palavra para que os professores não ficassem fixados em certezas, abrindo novas perguntas para as questões colocadas no grupo.

 

O Grupo de Reflexão

O início de meu trabalho naquela escola se deu a partir do registro de minha pesquisa na Secretaria Municipal de Educação e do contato com uma das supervisoras da escola, que me informou sobre algumas queixas dos professores a respeito de "violências" em turmas com as quais eles trabalhavam.

Tal profissional me aproximou das duas diretoras, que, ao consentirem com a minha entrada na escola, sugeriram que eu participasse de uma reunião geral de professores, para que pudesse esclarecer a pesquisa. Esclarecida a pesquisa, sugeri a formação de um grupo de reflexão, e passei a freqüentar a escola pelo menos uma vez por semana ao longo de seis meses.

Dei início às entrevistas realizadas com alunos adolescentes e professores, ao mesmo tempo em que fui procurada por três professores interessados no grupo de reflexão, que se iniciou imediatamente.

Ao longo de seis meses estive presente na escola pesquisada, fazendo observações, realizando entrevistas e realizando o grupo de reflexão. O grupo de reflexão, com professores de alunos adolescentes, teve a duração de três meses, durante os quais houve quatro encontros. Cada encontro ocorreu durante 1h30min aproximadamente, acontecendo às quartas-feiras a partir das 10h30min, horário de encontro de professores na escola.

Com o objetivo de trabalhar com o grupo numa referência à linguagem, e não numa referência à relação entre pessoas, utilizei uma perspectiva de um dizer esclarecedor, o qual Lacan chama de "confrontação".

Em seu texto "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" (1958), Lacan nos diz que podemos diferenciar a interpretação em análise de outras formulações que podem levar o sujeito a se haver com os seus ditos:

A saber, o lugar ínfimo que a interpretação ocupa na atualidade psicanalítica - não porque se tenha perdido seu sentido, mas porque a abordagem desse sentido sempre atesta um embaraço. Não há autor que se confronte com ele sem proceder destacando toda sorte de intervenções verbais que não são a interpretação: explicações, gratificações, respostas à demanda... Etc.O procedimento torna-se revelador quando ele se aproxima do centro de interesse. Ele impõe uma formulação articulada para levar o sujeito a ter uma visão (insight) de uma de suas condutas, sobretudo em sua significação de resistência, possa receber um nome totalmente diferente, como confrontação, por exemplo, nem que seja a do sujeito com o seu próprio dizer, sem merecer o de interpretação, simplesmente por ser um dizer esclarecedor. (LACAN, 1998[1958], p.598).

Como o que está em questão em uma escola não é uma análise, a escuta analítica dirigida a um dizer esclarecedor fez a aposta de que professores numa confrontação com seu próprio dizer, pudessem, se abrir para novas perguntas e para um novo posicionamento, como no caso do tema abordado, a violência na escola.

Nesta perspectiva os professores iniciaram o grupo de reflexão falando a respeito da existência ou não da violência em sua escola. Havendo, levantariam quais as hipóteses para a sua ocorrência.

Os professores ressaltaram inicialmente apenas a violência verbal, manifestando-se somente entre os alunos e atribuindo-a a classe social a qual pertencem seus alunos. Ao longo do trabalho a violência física e contra o patrimônio também foi apontada, além da violência entre alunos e professores. As hipóteses que inicialmente estavam localizadas em um único fator, ou seja, na classe social dos alunos foi aberta para outros fatores, como, por exemplo, o currículo em descompasso com o mundo do adolescente de hoje, a perda de prestígio social do professor e a crise de autoridade que se enraizou em diversas instituições sociais, inclusive na escola.

Ao serem, aos poucos, apontadas várias formas de violência na escola e suas múltiplas causas, os professores foram implicando a escola e a si próprios neste processo.

Para elucidar um pouco mais o trabalho realizado, trarei algumas falas presentes nesta experiência:

Prof 1 _ Eu ainda vejo aqui algo a ser recuperado, não tem tanto desrespeito com o professor como vejo em outras escolas. Aqui os alunos são levados e agitados, mas dá para segurar.

Prof 2 - Aqui não vejo provocação com professor, o que choca é o nível de agressividade entre eles. Eles se agridem muito. É essa violência que eles trazem de casa e do ambiente em que vivem.

Pesquis _ Não ficou muito claro, você poderia explicar melhor o que disse sobre essa violência que vem de casa?

Prof 2 – A impressão que se tem é que o ambiente onde moram é muito degradado...

Pesquis – Engraçado... Perguntei a um aluno de classe média se tinha violência na escola dele e ele respondeu que tinha.

Prof2 - Acho que tudo isso é falta de amor. São duas carências que dão num vazio que tem que ser preenchido. É pai ausente porque trabalha demais, é ambiente violento, é criança mimada...

Prof 3 – É muito complexo. A sociedade está embrutecida.

Prof 1 - Antigamente também se tinham problemas, mas o professor tinha autoridade, hoje...

Pesquis – Este assunto me parece importante... Eu gostaria de saber mais sobre a questão da autoridade...

Prof 2 – Não se questionava a autoridade do professor na escola. Hoje em dia! Rum!...Somos até ameaçados...

Prof 1 - A escola é desinteressante, o professor fala uma linguagem diferente da do aluno. O currículo não acompanhou as mudanças do mundo, trabalhamos coisas irrelevantes, não interessantes, o mesmo currículo para todos os alunos. O trabalho pedagógico não é valorizado pelo aluno...

A pesquisadora, numa escuta psicanalítica, sustentou aqui um lugar onde pôde garantir a circulação das falas e o reconhecimento das questões que atingem aos professores em relação à violência na escola, sem dar respostas ou significados fechados às questões trazidas, mas sim abrindo espaço para novas questões e significações.

Os professores foram incentivados a falar livremente, o que possibilitou que estes pudessem se implicar em seu próprio dizer. Os professores, sempre que possível, foram confrontados com sua própria palavra, com suas contradições, com seus silêncios e ironias.

Os professores ao final dos encontros verbalizaram um sentimento de desânimo frente ao que precisa ser suplantado em seu cotidiano, incluindo o que é percebido por eles como um lento movimento de mudança dos professores e da escola em relação aos desafios que a complexa sociedade atual, consumista e imediatista, coloca para a educação. Ao mesmo tempo expressaram repetidamente o desejo de que as mudanças aconteçam..

Um dos professores expressou tal desejo quando, ao finalizarmos o grupo de reflexão, nos traz sua percepção a respeito de uma diferença ocorrida na escola. Ele nos contou que ao participar de uma reunião naquela escola na semana anterior, se sentiu, pela primeira vez, escutado pela coordenadora da reunião.

Encerramos o grupo com a certeza da contribuição da psicanálise na escola. Esta ao abrir espaços para que as palavras pudessem circular, algo de novo pode surgir.

 

Conclusões.

A escola, por ser um lugar por onde a palavra pode circular, é propício para a psicanálise se fazer presente.

A palavra teve importância fundamental desde a obra de Freud. Freud propõe desde o começo que o paciente seja escutado. É nesta fala, onde tudo se diz sem restrições que o paciente comunica muito mais do pensa falar. Assim o sujeito na medida em que fala, diz mais do que quer e, ao mesmo tempo, diz sempre outra coisa.

Devemos frisar que o que está implícito na escuta daquilo que é comunicado é toda uma ética da psicanálise. A psicanálise não é uma ética humanitária, nem visa a um "Bem Supremo". A psicanálise é a "ética do desejo", como nos diz Alberti (2000).

A dimensão ética na psicanálise sustenta-se no desejo do analista, segundo Souza:

O desejo do analista é um antídoto contra a tentação, verdadeira armadilha, que nos empurra a todos na direção dos ideais. Sendo um lugar vazio, "ponto absoluto sem nenhum saber", O desejo do analista é incompatível com qualquer pedagogia, avesso a toda ambição de disciplinar, formar, dirigir consciências. "(1996, p.82)".

Assim, entendemos que a contribuição da psicanálise na escola não está voltada a dar respostas a respeito de como a escola deve fazer para resolver seus problemas – a psicanálise não propõe um caminho, nem uma verdade única.

A psicanálise na escola possibilita a abertura para novas perguntas e para que os caminhos sejam abertos, debatidos e escolhidos por seus educadores como possíveis saídas para as questões que os afligem. Uma escuta analítica com grupo de professores na escola é uma escuta voltada para a singularidade do grupo, onde um dizer esclarecedor pode fazer a aposta de que cada um, se confrontando com sua própria palavra, ao invés de ficar fixado em verdades estagnadas que já não respondem aos seus problemas atuais, possa se apropriar de seu trabalho e se questionar sobre o possível desse "impossível" de ser educador.

 

Referenciais Bibliográficos:

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FERREIRA, Rodolfo. Entre o sagrado e o profano: o lugar social do professor Rio de Janeiro: Quartet, 1998

FINK, Bruce. Ciência e psicanálise – In: Feldstein Richard, Fink Bruce, Jaanus Maire (orgs.) – Para ler o Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.1997.

LACAN Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958) – Escritos/Jacques Lacan; tradução Vera Ribeiro – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998.

LIPOVETSKY, Gilles. A Era do vazio : ensaios sobre o individualismo contemporâneo – Barueri,SP: Manole,2005.

MRECH, Leny Magalhães. Psicanálise e Educação: novos operadores de leitura – São Paulo:Pioneira Thomson Learning Ltda,1999.

OLIVEIRA, Maria Cecília. A Lei do Pai na Atualidade: A Realidade da Escola in: Adolescência, Violência e a Lei – organizadoras Ruth Bastos, Darlene Ângelo, Vera Colnago – Rio de Janeiro: Cia de Freud;Vitória, ES: Escola Lacaniana de Psicanálise,2007.

SAVIANI, Dermeval. A política educacional no BrasilIn: Histórias e memórias no Brasil, vol.III: século XX / Maria Stephanou e Maria Helena Camara Bastos (orgs).- Petrópolis,RJ: Vozes,2005.

SENNETT,Richard. La autoridad - Madrid: Alianza Editorial, 1982.

SIGMUND, Freud. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912) Edições Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago – 2ª ed., 1987, 1ª reimpressão, 1988.

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SILVA, Nelson Pedro. Ética, Indisciplina & Violências nas escolas – Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004..

SOUZA, Neusa Santos ; FREIRE, Ana beatriz; FERNANDES, Francisco Leonel de F . A Ciência e a verdade – Um comentário – Rio de janeiro: RevinteR-1996.

UNESCO. Aprender a viver juntos: será que fracassamos? – Brasília: UNESCO, IBE, 2003.

WIEVIORKA,Michel – Violência hoje – In: Violência e Saúde: Desafios Locais e Globais – Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva- Volume 11 – 2006.

Suporte on-line.

BASTOS, Marise Bartollozzi – Inclusão escolar: pensando a escuta analítica no trabalho com professores. In: Colóquio do LEPSI IP/FE-USP – Os adultos, seus saberes e a infância.Artigo. An 4 Oct 2002 . São Paulo. Disponível em:<http: /www.proceedings.scielo.br>. - Acesso em: 20/3/2007.

FIGUEIREDO, Alceu S. O lugar do professor na escola contemporânea. Palestra realizada para professores em Rio Bonito. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por marisaguimaraes968@hotmail.com em 2 de abril de 2007.

ROSA, Miriam Debieux. A Psicanálise e as Instituições: Um Enlace Ético Político. In: Colóquio do Lepsi IP/FE – USP. An. 5. 2006. Disponível em http://www.proceedings.scielo.br. Acesso em 8/4/2007

VOLTOLINI, Rinaldo. As vicissitudes da transmissão da psicanálise a educadores. In: Colóquio LEPSI IP/FE-USP-An3, outubro 2001. Disponível em http://www.proceedings.scielo.br> – Acesso em 20/3/2007.