7A percepção da carga horária segundo o olhar do professorO sujeito refém do orgânico author indexsubject indexsearch form
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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

(In)formação de professores: questões sobre o trabalho na instituição1

 

 

Priscila Varella

Especialista em Psicologia Clínica e Educacional CRP-SP. Psicóloga da Equipe de Orientação Técnica da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo

 

 


RESUMO

A intenção nesta comunicação é interrogar os limites e alcances do trabalho como psicóloga, em uma rede pública de ensino, onde uma das atribuições é a formação de professores. Eles são indicados para compor grupos de formação por terem em sala de aula algum aluno "de inclusão". Essa indicação se dá a partir de uma suposição de conhecimento, que é imaginária e idealizada como 'a' solução para os problemas, especialmente no tocante à inclusão. Fazendo uso, em extensão, dos instrumentos da psicanálise e na tentativa de avançar para além da generalização e universalização que caracteriza a instituição me interrogo: quais os (im)possíveis na realização desse trabalho, nos limites da instituição, que considere a singularidade desses a(u)tores e que tenha como direção implicá-los em seu fazer? Será possível produzir efeitos outros para além da busca do conhecimento especializado (objeto) como solução de problemas (necessidade)? Será possível intervir desde um lugar de extimidade, um lugar de estranhamento fundado a partir do suposto saber?

Palavras-chave: Formação de professores; instituição; psicanálise.


 

 

"As instituições criam certezas e, desde que sejam aceitas, eis o coração apaziguado, a imaginação acorrentada"2

 

Santo de casa não faz milagre!

Um ditado popular...

Penso que os ditados populares são assertivas transgeracionais pronunciadas em qualquer tempo e lugar podendo ter valor de moralização, verdade, dúvida, dívida, entre outros. Algumas acenam com um saber ancestral - "como já dizia minha sábia avó" ou "assim dizia meu pai".

Essa afirmação popular muitas vezes foi mencionada na equipe de trabalho - à época uma equipe da Educação Especial da prefeitura de um município da Grande São Paulo - por diferentes profissionais frente algumas impossibilidades da prática que se apresentavam no dia-a-dia. Um dizer que, por não vislumbrar saídas, qualificava essa prática como impossível. Um impossível que potencializava sentimentos de derrota e/ou paralisação. Na tentativa de entender o que se passava e para qual direção apontava, ou poderia apontar, meu movimento inicial era de criticar a suficiência do próprio trabalho, ainda sem considerar outras particularidades de sua natureza que era a questão mesma das instituições e seu modo de funcionamento.

A dificuldade era intrigante e a afirmação de impossibilidade era desafiante. Com isso, uma afirmação se me impôs: haver uma possibilidade de que o psicólogo, nesse caso escolar, concursado e direcionado para qualquer das seções de ensino pudesse propor e realizar com eficácia seu trabalho no interior da instituição, sem que esse trabalho tivesse que ser, tão somente, aquele encomendado. E uma questão começou a ser delineada: quais os limites e alcances da prática desse profissional na instituição?

Atualmente trabalho na Seção de Ensino Fundamental dessa mesma rede pública e uma de minhas atribuições é a formação de professores dessa rede. Volto a me lembrar do tal ditado popular e, para enfrentar essa tarefa e seus desafios escolho por em dúvida, ou em dívida, seu possível valor de verdade. Qual a verdade dessa afirmação? Não sei!

Sigamos em frente.

Na realidade de trabalho no ensino fundamental, professores e psicólogos são funcionários da mesma instituição – a prefeitura. Para alguns teóricos da Psicologia Institucional esse é um fator que contra-indica o trabalho do psicólogo já que aquele que deveria comparecer e intervir a partir do olhar estrangeiro - o que vem de fora - está dentro da instituição. Penso que algumas referências teóricas e conceituais sobre Instituição e sobre Psicologia Institucional são necessárias antes de prosseguirmos com o relato dessa experiência de trabalho.

Instituição é a estrutura cujas leis e valores regem a sociedade. São instituições a família, a escola, o hospital, a empresa, etc. Segundo Mannoni (1988:75), "a estrutura de toda e qualquer instituição (...) tem por função a conservação de um bem adquirido (cultural, social, etc) para fins de reprodução da herança assim recebida."

Psicologia Institucional é um campo de ação do psicólogo expandido da prática da Psicologia que, inicialmente, é concernida ao consultório e cuja atividade psicoterápica é pautada na doença-cura com enfoque individual. Bleger (1984), psicanalista argentino é quem passa a definir o psicólogo como um profissional da saúde e não da doença, e propor que sua atividade passe à psico-higiene - população sadia e promoção de saúde - cujo enfoque é, então, social.

O termo Psicologia Institucional (Guirado:1987) nomeia diferentes práticas psicológicas em instituições. Quando passou a ser usado no Brasil significava um dos campos de trabalho do psicólogo e isto se dá sob a impulsão da circulação dos textos de Bleger e pela presença, no Brasil, de psicólogos e psicanalistas argentinos. Assim, o trabalho do psicólogo em diferentes espaços institucionais se tornava visível ganhando a perspectiva de ser ou poder ser um trabalho institucional. As influências vindas da Europa sobre o estudo e a prática nesse campo trouxeram também muitos questionamentos. Diferentes orientações teóricas e configurações práticas vão sendo incluídas paralelamente ao seu estabelecimento enquanto tal.

Segundo Bleger e Guirado, dois caminhos são possíveis ao psicólogo na instituição. No primeiro deles o psicólogo é um funcionário e seu plano de trabalho decorre da tarefa que lhe é encomendada. Ele é um empregado, cumpre ordens e sua presença na instituição costuma ser um fator tranqüilizante. A concepção de trabalho está centrada no indivíduo. Por exemplo: com foco no processo de aprendizagem normal, a escola espera que o psicólogo seja capaz de separar os alunos que mostram problemas, tratá-los ou encaminhá-los. Isso contribui para a preservação do que a instituição exige enquanto adequação, seleção, normatização (Guirado, 1987:70).

No segundo caminho, a instituição é tomada como um todo como objeto de intervenção. Pensa o sujeito constituído e constitutivo da relação institucional. Ele é um técnico dos vínculos humanos, da explicitação do implícito. É um consultor/assessor cuja tarefa decorre de seu próprio estudo diagnóstico da instituição.

Bleger entende que na instituição e numa perspectiva psicanalítica, o lugar do psicólogo se diferencia dos demais lugares, pois implica que "possa ocupar o lugar de analista na relação com os grupos institucionais" e isso requer dissociação instrumental - distância necessária do imaginário do grupo - e identificação projetiva - garantia do mínimo de pertença a esse imaginário. Para que isso se dê destaca as "regras" do enquadre e frisa que tal trabalho só pode ter curso quando o psicólogo não é empregado da instituição.

Depois destas considerações elucidativas, passemos às considerações consequentes.

Já ao longo de algum tempo, em nome de instrumentalizar o professor para desempenhar sua função docente, a formação de professores tem sido vislumbrada como recurso para resolver ou até mesmo digamos, consertar, os males "enraizados" na escola frente os impasses no/do encontro professor-aluno para fins de ensino-aprendizagem. Fato este que ganha vulto se incluímos neste universo o ensino e a aprendizagem de alunos com NEE - necessidades educacionais especiais. Para enfrentar esta questão a formação é proposta sob diferentes modalidades - pelo menos duas - diretamente ligadas ao modo de conjecturar sobre o fato. Se por um lado a intervenção se dá levando em conta as reclamações, por outro ela se dá levando em conta o reclamar.

Assim, de um lado, as propostas de caráter informativo - reclamadas como aporte necessário para o enfrentamento dos males da atualidade - que pautam-se sobretudo na oferta de conhecimento especializado como uma ferramenta imprescindível ao professor para desempenhar 'bem' sua função de ensinar, ganharam e ainda ganham destaque e investimento sob a nomenclatura de capacitação, reciclagem, entre outros.

Conhecimento, ciência, técnica têm seu valor, isso não nos cabe refutar. O que parece discutível é a expectativa, ou a promessa, de que pela via do saber racional e técnico - discurso da ciência - seja buscada/oferecida 'a' resposta que, numa relação de causalidade direta, dê conta dos impasses da prática pedagógica e/ou do mal-estar na função docente. Isto parece ser ilustrado pelo fato de que, quanto mais há investimento nessa (in)formação mais ela é demandada e a situação parece em nada se modificar, ou se modifica pouco em relação à investidura. Um caminho que vem se mostrando sem fim, parecendo vicioso ou viciado - uma repetição! Ao preencher com conhecimento o que supostamente falta ao professor para ensinar 'bem', promete-se ou espera-se, que as coisas andem, funcionem, e para todos, o que põe à mostra a generalização e universalização características da instituição. Esperar que todos sejam contemplados em um mesmo e amplo plano (in)formativo, para além de seu valor instrumental pontual, também mostra que das particularidades institucionais os gestores nada querem saber e que, na perspectiva deles, há um saber - totalizante - que torna todos os conflitos solucionáveis e faz o trabalho andar e a instituição funcionar. Aspectos esses já amplamente discutidos por Voltolini (2001).

Por outro lado, surge como modalidade formativa a escuta de professores que busca decompor o que surge como conflituoso nas diferentes falas destes profissionais. Apostando na possibilidade de modificação - em lugar de conserto - apostando no 'bem' dizer e no 'bem' fazer. A partir da intervenção do coordenador o foco é colocado no "fazer-dizer", onde cada um ao ouvir seu próprio discurso possa dar-se conta de algo inusitado e singular, um saber próprio, que o implique com seu desejo de ensinar que provoca o desejo de aprender, o seu próprio e o do outro - algo que está em oposição à oferta de conhecimento especializado. Modalidade de intervenção que usa, em extensão, como ferramenta os fundamentos e instrumentos - operadores - da Psicanálise.

Escuta de professores em grupo, usando em extensão os fundamentos e instrumentos - operadores - da Psicanálise é terreno árido no apontamento de Bastos (2003:65), pois entre os psicanalistas há os que não reconhecem nas práticas institucionais e de grupo formas legítimas do exercício da Psicanálise e os que as reconhecem afirmam que o campo da clínica pode sim ser ampliado.

Com o psicanalista argentino Stazzone (1997) temos que esse "fazer-dizer" é o que pode e o que deve fazer o analista na escola ou em qualquer outro âmbito onde ele seja convocado. Trata-se da prática que ele nomeia como Psicanálise em Instituições e Âmbitos Coletivos e ao dispositivo nomeia de escuta analítica em instituições ou âmbitos coletivos. Ele marca que há diferença e semelhança entre a clínica na cura psicanalítica e a prática da escuta clínica em instituições3. O contexto (análise ou instituição) é a diferença, e a posição perante o texto (o dizer) é a semelhança. Ambas estão sob a égide da ética psicanalítica que implica o silêncio do analista em relação ao seu desejo enquanto sujeito – trata-se de silenciar opiniões e concepções morais próprias. O que ele descobre a partir de sua prática, num início ainda sem uma teoria das instituições pronta, é que ao ouvir o que as pessoas falavam nas instituições que demandavam seu trabalho, escutava e operava a partir da escuta analítica. Não respondia a partir do suposto "saber", nem além do saber que aquelas pessoas podiam descobrir no próprio discurso. E isso produzia efeitos.

Neste campo institucional, conforme as referências já apresentadas, a prática da equipe de psicólogos desta rede municipal de ensino se insere, oficialmente, no primeiro dos caminhos possíveis ao trabalho dele na instituição. Qual seja, de empregado e não de assessor/consultor, haja vista ele não ser convocado e nem demandado para a escuta do que se produz neste lugar. Sua tarefa principal é generalizada para todos: intervir junto ao professor e ao aluno para fins de apoio ao ensino e à aprendizagem.

Assim, seu lugar é proposto e reconhecido junto ao planejamento psicopedagógico, lugar esse em maior consonância com o objeto institucional, o que quer dizer: resolver os problemas escolares objetivados nas reclamações escutadas. Visando consertar o que surge como problemático essa intervenção é típica da mestria, aponta VOLTOLINI (20 01:103), chamando atenção para o fato de que o psicólogo é chamado, e em nosso caso ele é enviado, para "harmonizar" os conflitos produzidos na e pela escola, "para fazer as coisas funcionarem, ou andarem melhor". Não é esperado que ele levante questões outras, exceto as solucionáveis.

A princípio, a diretriz do trabalho formativo era atingir os professores que tivessem em sala de aula algum aluno com NEE - necessidade educacional especial - e em particular aqueles com TGD - Transtorno Global do Desenvolvimento - uma vez que para além, ou para aquém, desse popular e controvertido diagnóstico, hipotético ou médico, o que desorganizava o contexto escolar era a grave alteração no comportamento apresentada pelos alunos assim identificados - aqueles com TGD.

Subvertemos essa diretriz desviando o foco dos alunos diagnosticados como TGD para colocá-lo sobre os impasses da prática pedagógica no encontro com a diversidade, entendendo que a proposição colocada dessa forma além de ampliar o alcance, passava já um apontamento de que a dificuldade se traduz na impossibilidade de um encontro, e não previamente a partir de uma nomenclatura diagnóstica.

Os professores "indicados" foram agrupados de forma que cada coordenador não recebesse em seu grupo professores das escolas diretamente acompanhadas por ele - uma tentativa de isolar a familiaridade do cotidiano e criar uma condição possível e melhor indicada para a intervenção. Algo que parece impossível pois todos os psicólogos já acompanharam ou passarão a acompanhar as diferentes unidades escolares das diferentes regiões do município. Particularidades da organização institucional! Fato real, estrutural, que insiste e atravessa a organização do trabalho formativo e que tentamos, sem sucesso, controlar.

Subvertendo mais uma vez: quando chegam ao primeiro dos seis encontros estipulados para acontecer ao longo do ano, após a explicitação da proposta - que não é um curso! - ao professor é dada a possibilidade de escolher se quer dar continuidade nos próximos encontros, pois entendemos ser essa escolha um caminho possível para implicá-lo e já lhe dando a ver parte do nosso modo de condução do trabalho. Na verdade, como a proposta ainda não foi experimentada a escolha talvez se assemelhe mais a uma aposta do tipo "pagar para ver". Há falas que expressam o desconhecimento do motivo da indicação. Alguns dizem terem sido indicados por terem um, ou mais, alunos com nee em sala de aula, e um ou outro não aponta qualquer impasse na prática com eles. Por vezes o apontam frente outros alunos.

A escuta das produções discursivas apreende queixas sobre a estrutura e o sistema que se somam às levantadas sobre os alunos, a família, a falta de diagnóstico, entre outras e este costuma ser um aspecto que replica facilmente no discurso de outros professores no grupo Não nos cabe entrar no mérito das queixas em posição de julgamento e/ou crítica e nem para esclarecer o quanto há nelas de verdade ou ficção. Somos colocados no lugar de ponte com a secretaria, de porta-vozes do sofrimento do professor. Em outro momento, quando do acompanhamento à unidade escolar, somos colocados no lugar de representantes ou porta-vozes da secretaria. Há uma dupla produção imaginária em jogo que exige do psicólogo a suficiente isenção e distância para não responder desses lugares. E eis aí um lugar de diferença a ser ocupado pela escuta atenta e manejo assertivo.

O grupo se movimenta discursivamente - acoplo produção discursiva e movimento - dando a ver e ouvir momentos de recuo, avanço, confusão, dúvida, certeza... Por estar na posição de coordenação a fala nos é endereçada, afinal estamos no lugar do sujeito suposto saber do conhecimento. O recolhimento ao lugar vazio da ignorância douta - do não saber intencional - se faz necessário. Quando é pertinente devolvemos a fala a quem a produz ou ao grupo, intencionando que ela produza outras expressões e sobretudo que ela propicie àquele que fala a possibilidade de descobrir e produzir algo próprio, inusitado e surpreendente, ligado ao fato sobre o qual ele escolhe falar.

Há desistências e persistências. Há quem aposte e participe. Há quem participe mesmo dizendo não apostar. Isso aparece nas avaliações escritas solicitadas pela secretaria ou na fala espontânea. Trata-se da diversidade do humano que bem consideramos a existência, entretanto sabemos que há questionamentos, especialmente de gestores escolares, acerca da não obrigatoriedade de participar justificada pela via do para-todos, da universalização, com apontamentos do tipo: como pode que uns sejam formados e outros não? É assim, cada um pode fazer o que quiser?

Faz parte de nosso papel circular os fundamentos de nossa prática, pois ainda é "novidade" uma proposta formativa que ofereça possibilidade de escolha quanto a participação e espaços de fala para interlocução, nos quais é possível falar livremente. Falar de medos, dúvidas, angústias, ansiedades e quaisquer outras questões acerca da própria prática, dos alunos, das famílias, da escola, da equipe gestora, da equipe de técnicos de orientação escolar, entre outros. Falar sem serem criticados e sem dúvida sendo levados a se implicarem e responsabilizarem por seus atos e desejo ou não de mudanças.

No apontamento de Mannoni (1988:75), "o peso da rotina administrativa - da qual nenhuma instituição é capaz de se libertar - tende a criar uma situação que torna impossível toda dialética. São assim estabelecidas certas estruturas por meio das quais uma instituição se defende contra os efeitos de toda palavra livre. Na medida em que ela é entendida como "patogênica" (o expelido...) a palavra "libertada" não entra em qualquer processo de transformação. E é porque essa palavra se destina a ser expelida, lançada no refugo por aqueles que a recebem, que ela reaparece com uma tal constância, até com violência."

Os efeitos na prática e as mudanças subjetivas não são objetos palpáveis e nem mensuráveis mas costumam ser mencionados nos pareceres avaliativos propostos aos participantes dos grupos. Dois aspectos nessas avaliações merecem atenção e me fazem questão. Primeiramente, as generalizações porque deixam dúvida quanto a implicação efetiva com a prática. Depois, o trabalho formativo apontado por alguns como terapia de grupo porque deixa dúvida se a referência é ao efeito terapêutico, talvez sentido como alívio, dado pela experiência de falar, ouvir-se e vir a dar-se conta de algo próprio e singular que "desmonta" a injunção de cumprir com ideais impossíveis. Ainda ligado ao tema da terapia, a valorização do desabafo que também aparece em algumas avaliações, merece atenção para que não se constitua como um fim em si mesmo. A ocupação com essas questões decorre do risco de que se produzam meras repetições e/ou movimentos estereotipados, portanto há uma parte que nos cabe no exercício dessa experiência nova - de construções, descobertas e conquistas - daí a importância de nossos estudos e pesquisas e da supervisão que realizamos em grupo.

Esse tipo de trabalho formativo pode e deve produzir efeitos - outras experiências já mostraram que sim - efeitos de deslocamento subjetivo onde, ao modo do Freud implica construído por Voltolini, o professor se reconheça implicado ali onde, anteriormente, não se reconhece participando, pois à "Psicanálise interessa transmitir a relação produtiva com o impossível"4. Para isso acontecer os professores devem falar de suas queixas - que costumam colocá-los em posição paralisante - e terem suas interrogações e dúvidas marcadas, porque é nelas que estão as possibilidades de que o ideal seja questionado.

Sobre esse impossível da educação a professora Sandra Conte aponta que "... o ideal educativo irá se confrontar sempre, com algo 'ineducável' do sujeito, isto é, no coração mesmo da civilização 'há um isso que será sempre sem educação'..."5. Então, trata-se de intervir para transformar queixa em enigma. Intervenção essa que tem suas dificuldades, que é desafiante e que urge coerência com o propósito formativo e com a referência teórica.

Essa proposição formativa pede que sejamos aquilo que o outro não quer no lugar onde ele quer o que não somos. Ou seja, não nos cabe dar o que nos é pedido, e se o fazemos é diferente do solicitado - não nos cabe dar respostas que obturem faltas e se constituam como impedimento à criatividade de cada sujeito. Em lugar de porta-vozes do sofrimento do grupo por exemplo, intervimos para dar voz ao professor, para que ele fale, se escute e encontre saídas criativas para seus impasses. Dessa forma, pensamos estar considerando particularidades e promovendo possibilidade de implicação no fazer próprio, que leve cada um a se lançar criativamente no empreendimento que viabilize a transmissão do legado cultural que compete à instituição escola. E para além da (in)formação pautada na transmissão de conteúdos, quando ela é indicada, acolher, sustentar e implicar cada um no/do grupo com a função docente é o começo de possíveis mudanças e/ou acréscimos na formação que vem sendo oferecida, posto que também autorizada.

Se psicólogos e professores têm em comum o mesmo empregador – a prefeitura - à instituição escola pertence e responde diretamente apenas o professor. Isto situa o psicólogo fora da escola, embora tenha um trabalho de acompanhamento. Na rotina de seu trabalho definida pelas chefias está determinado um deslocamento da secretaria para as unidades escolares sob uma periodicidade de visitas previamente estabelecida. Assim, ora está dentro ora está fora. Isso pode ser tomado como favorável à medida que cria, no intervalo desse ir e vir, um campo, ou uma borda, ou um entre-lugar. Um entre-lugar!6 que traduzo como não-lugar ou lugar vazio, ou ainda uma instância possível onde a intervenção que requer distanciamento possa acontecer. Nos clocamos no espaço vazio entre os lugares do "empregado" e do "assessor". Não somos um nem outro, e ao mesmo tempo somos um e outro.

Lacan criou o termo extimidade, um neologismo, para designar um exterior íntimo, uma exterioridade interna cuja função, para mais além de se referir a alguém fora da equipe, é o que permite fazer aparecer o que convoca o sujeito, a partir da causa do seu desejo, a se engajar em seu projeto. A extimidade fundada a partir do suposto saber sustenta a transferência analítica. Como a escuta de professores difere da escuta analítica o que há de suposição em jogo é de conhecimento. Entretanto me pergunto se esse manejo de trabalho - manejo das produções discursivas - somado à suposição, inicial, de conhecimento produz efeitos de transferência para sustentar o grupo de professores na direção do que foi planejado. Recordo de alguns registros de avaliação que talvez ilustrem a questão:

"...importância da existência de profissionais que mais escutam do que falam..."; "...a ausência de 'receitas' ajuda a refletir e a adequada orientação e encaminhamento da discussão ajuda a pensar e refletir no interior do grupo..."; " ... a resposta está, além de tudo, dentro de cada um..."; " ...valor de poder falar e ter alguém que escute e proporcione um outro olhar e comentários, levando a reinventar a prática, à melhora da mesma e à redução da ansiedade...".

Arriscaria ainda uma proposição reflexiva, a partir do conceito de instituição estourada criado por Mannoni (1988:79). Mannoni criou em 1969 uma instituição para acolher crianças ditas psicóticas, débeis ou neuróticas graves excluídas do sistema regular de ensino. O estouro da instituição "desvenda a função ocupada por uma criança junto dos outros7. A instituição estourada "tem em vista aproveitar e tirar partido de tudo o que de insólito surja (esse insólito que, pelo contrário, tem-se o costume de reprimir)" (...) "oferece sobre uma base de permanência, aberturas para o exterior, brechas de todos os gêneros (...) mediante essa oscilação de um lugar ao outro8, poderá emergir um sujeito que se interrogue sobre o que quer." A noção de instituição estourada é referenciada pelo jogo do Fort-Da descrito por Freud, onde a entrada da criança no simbólico se dá pela alternância entre presença e ausência, a qual Mannoni (1988:77) complementa afirmando que "conjuntamente com o ir-e-vir oferece-se um espaço significante, onde a criança é levada a perder-se para se lhe propiciar a ilusão de renascer aí, sustentando-se como sujeito pelo jogo da escanção presença-ausência".

Poderíamos pensar esse trabalho com professores sob o viés de uma "formação estourada"? Aproveitar e tirar partido de tudo o que de insólito surja - o que costuma ser reprimido - não seria justamente a escuta sem censuras e nem críticas da fala do professor para que sob e sobre ela lhe seja possível criar algo próprio e novo para haver-se com seus impasses? Quando se distancia da prática para falar sobre ela não estaria o professor diante de uma certa oscilação entre um e outro lugar? Não seria, simbolicamente, no "entre lugar" desse ir e vir o lugar privilegiado da interrogação sobre o que ele pode e sobre o que ele quer, tornando enigma o que traz como queixa? Não seria, justamente, a função da queixa frente a função de ensinar e educar o que estaria para ser desvendado de modo particular e singular? Seria muito ter ideais para a formação no sentido de que o trabalho em questão pudesse ser estourado? Pudesse desmontar a certeza de haver educação, professor, escola, aluno e família ideais e cair, minimamente, das proposições generalizantes e universalizantes?

Essa pode ser uma aposta! E esses são os limites e os alcances do trabalho formativo com os quais temos nos deparado nesse contexto institucional.

Estar dentro ou fora da instituição, mais do que um lugar físico, é uma posição frente uma prática que coadune com uma ética - a ética veiculada pela psicanálise na qual o analista, e nesse caso o coordenador do grupo, se abstém de ocupar o lugar de suposto saber, de intervir além do saber que as pessoas podem descobrir no próprio discurso e de intervir em nome de seu desejo como sujeito. São apontamentos e questões novas sobre as quais alguns profissionais - os psicanalistas e os inspirados e/ou atravessados pela psicanálise - continuam se deixando interrogar e a construir teorizações.

Enfim, santo de casa faz milagre? Verdade ou dúvida? Proponho aos interlocutores que teçam suas considerações e concluam por si próprios.

Quanto à dívida, se houver, essa eu não divido. Fica para minha análise.

 

NOTAS

1- Recortes desse texto foram apresentados na Comunicação Livre apresentada na Sessão Psicanálise e Formação Docente no VII Colóquio Internacional do LEPSI e I Congresso da RUEPSY - Tema: "Formação de Profissionais e a Criança-Sujeito" - USP em Novembro/2008.

2 - Illich apud Mannoni in Educação Impossível.

3 - Grifo do autor citado.

4 - A partir desse aporte teórico, a dimensão do impossível que anteriormente qualificava os entraves do cotidiano ganhou outra dimensão e entendimento passando a balizar a intervenção em evidência nesse texto.

5 - Apontamento da professora Sandra Conte na mesa redonda "Psicanálise e o Mal-estar na Educação" em 19.11.99 no Iº Colóquio do LEPSI – A Psicanálise e os Impasses da Educação – IP/FEUSP

6 - Termo cunhado por mim num momento de conjecturas com uma professora-parceira. Usado em um projeto acerca do tratar-educar, que foi redimensionado, para justificar o que define aquilo que nos cabe realizar, o lugar ou a tarefa? E naquele caso, tanto faz se na saúde ou na educação, por isso num entre-lugar.

7 - Nota de fim nº 11, pg.100 "...a criança rotulada de "louca" não está disposta a abandonar facilmente o status da loucura ..."

8 . Grifos da autora citada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASTOS , Marise B. - Inclusão Escolar: um trabalho com professores a partir dos operadores da Psicanálise - Dissertação de Mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano - IPUSP- 2003.

BLEGER, J. - Psico-Higiene e Psicologia Institucional – Ed. Artes Médicas -1984.

GUIADO, M. - Psicologia Institucional in Temas de Psicologia – E.P.U. - 1987 – Clara Regina Rappaport coord.

HOUUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro de Salles - Mini Dicionário da Língua Portuguesa / AntonioHouaiss e Mauro de SallesVillar, elaborado no Instituto Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Lingua Portuguesa S/C Ltda - Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MANNONI M. - Educação Impossível - Ed. Francisco Alves - edição original 1973, tradução 1988.

VOLTOLINI, R. - DO CONTRATO PEDAGÓGICO AO ATO ANALÍTICO: CONTRIBUIÇÕES À QUESTÃO DO MAL-ESTAR NA EDUCAÇÃO in Revista Estilos da Clínica - Revista sobre a Infância com Problemas. Volume VI - nº 10 - 1º semestre 2001.

STTAZONE, R - O QUE UM PSICANALISTA DEVE FAZER NA ESCOLA? in Revista Estilos da Clínica - Revista sobre a Infância com Problemas - Ano 2 - nº 2 - 2º semestre 1997.