7Os impasses psíquicos na contemporaneidade e suas implicações no processo de ensino/aprendizagemPsicanálise, infância e estruturas não decididas: o que cabe ao analista frente ao atendimento de crianças? author indexsubject indexsearch form
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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Educação à distância do corpo docente

 

 

Ricardo Dias Sacco

Mestrando Feusp – Membro do LEPSI – IP/FE -USP

 

 


RESUMO

O presente trabalho vai na contramão do firmamento metodológico que insiste em ignorar que educar e ser educando sejam condições sujeitas ao imprevisto e que algo teima em escapar mesmo que, por desenvolvimento de pesquisas ou descoberta científica, passe a ser possível abranger todas as variáveis cabíveis no espaço físico escolar ou nas condições psico-sociais de alunos, pais, profissionais da escola etc. e sustenta que, o responder tão somente às demandas contemporâneas de economia generalizada (também psíquica), traz por conseqüência o esvaziamento do teor da educação quando justamente se interdita o que a sustenta: a transferência.

Palavras-chave: educação à distância, corpo, transferência.


 

 

O firmamento metodológico insiste em ignorar que educar e ser educando sejam condições sujeitas ao imprevisto, que insistam em andar na contramão da díficil tarefa de agrupamento ou modulação, ou muito menos modelagem. Algo teima em escapar mesmo que, por desenvolvimento de pesquisas ou descoberta científica, passe a ser possível abranger todas as variáveis cabíveis no espaço físico escolar ou nas condições psico-sociais de alunos, pais, profissionais da escola etc.

Mas a maioria dos cursos de formação de educadores gaba-se em oferecer um rol cada vez maior de metodologias de ensino a diferentes áreas do conhecimento, no sentido de se qualificar como centro de excelência, a despeito das inúmeras contribuições que diversas ciências têm produzido sobre a pertinência dessa preferência frente às finalidades educativas de formação (CAMARGO, 2006). Este cenário em que o primeiro plano é ocupado pelo esforço científico à procura de uma solução metodológica é atualmente campo fértil para a proposição da equivalência oficial do ensino a distância à educação superior, mais precisamente para a formação de professores para a educação básica e ensino médio. O ensino a distância como formação de professores só pode ser viável dentro de um contexto metodológico.

Em outras palavras, para se tentar formar professores a distância é imprescindível estipular que o formando receberá determinadas informações que se transformarão em reprogramação capaz de proporcionar a transmissão (em um recorte comunicativo do termo) de qualquer conhecimento. O seguinte texto de Melman, exemplifica esse modelo ao criticar o cognitivismo, berço de tais iniciativas:

"Graças a esse tratamento, seríamos capazes, diante das situações que encontramos, de fornecer respostas que poderiam ser adaptadas e corretas... se estivéssemos suficientemente bem orientados. E se, de fato, sofremos de defeitos, trata-se de defeitos no tratamento das informações recebidas; portanto, devemos apenas proceder a reabilitações de circuitos, de procedimentos, para consertar. Basta que estejamos bem atualizados!" (MELMAN, 2003, p. 116)

Se supõe, nesse sentido, educar seja preponderantemente comunicar.

Karl von Frisch, etologista nascido em Viena no ano de 1886, começou a estudar insetos em 1919. A certo caminho de sua pesquisa, foi levado ao interesse no comportamento das abelhas. Em 1973 ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia por descoberta sobre o comportamento de um tipo de abelha que, pelo movimento, encaminhava as demais do mesmo grupo em direção à fonte de alimentação.

"abelhas escoteiras ou exploradoras recrutam outras forrageiras dentro da colméia para a coleta de recursos, por meio de uma dança conspícua. A dança codifica informação espacial e temporal, indicando a direção e a distância do recurso em relação à colméia. Geralmente, a posição do sol é transposta na dança, mas se o sol está encoberto, a abelha utiliza a luz solar polarizada ou a memória de pontos de referência para saber em que posição o sol estaria" (DYER, 2002)

Ao mesmo tempo em que von Frisch fundou uma nova ciência, a Biologia Comportamental, contribuiu imensamente para atualizar a compreensão sobre a diferença entre comunicação e outras ações humanas que dela se aproximam, mas que guardam diferenças fundamentais1. Ao descobrir a comunicação entre as abelhas, von Frisch, professor da Universidade de Munique, sem querer, também recolocou o ato comunicacional no âmbito instintivo de todo ser vivo, pelo menos àqueles que convivem entre iguais, em sociedade (BENVENISTE, 1976: 67). A partir de então, considerando as gigantescas contribuições darwinianas, não é possível mais afirmar se os atos instintivos de cada ser vivo não estejam, por evolução, voltados para uma comunicação.

"encontramos, nas abelhas, as próprias condições sem as quais nenhuma linguagem é possível – a capacidade de formular e de interpretar um 'signo' que remete a uma certa 'realidade', a memória da experiência e a aptidão para decompô-la." (Ibid.: 64)

Para as abelhas, há duas danças, uma para indicar distância e outra para a direção (Ibid.: 63). Ainda conforme Benveniste, a diferença entre a linguagem humana e a comunicação biológica é justamente aquilo que distingüe a linguagem humana de todas as formas de interação animal: a vocalidade em detrimento da gestualidade; a eventualidade de diálogo ou reação ambiente à fala; a ilimitada simbologia da mensagem humana, que torna evidente o contraste com uma mensagem que comporta apenas um dado, com duas variáveis e a estrutura de morfemas que permite tentar dizer quase tudo a partir de combinações regradas (Ibid.: 65-66). As características definem de maneira exaustiva o uso comum do que entendemos por linguagem, pois sem elas não é possível encontrar um substituto de uma experiência para ser transmitida ilimitadamente (Ibid.: 65). Isto é, a abelha que recebeu a mensagem, em vez de retransmiti-la, necessariamente irá à fonte de alimento indicada e transmitirá sua própria experiência, conforme observação de von Frisch.

"morfemas, elementos de significação, se resolvem, por sua vez, em fonemas, elementos articulatórios destituídos de significação, ainda menos numerosos, cuja reunião seletiva e distintiva fornece as unidades significantes. Esses fonemas 'vazios', organizados em sistemas, formam a base de todas as línguas". (Ibid.: 66)

Mesmo incerto se a comunicação é, antes de qualquer coisa, um ato instintivo2, sabemos que a educação não o é. Digamos que a dança realizada pelas abelhas não se trata de uma apicultura ou um "conhecimento comunicacional abelhal", pois não variam em contato com o mundo e por isso não são necessariamente ensinadas/aprendidas. Assim como alguns animais mimetizam seu corpo para se esconder de predadores, essas abelhas dançam para comunicar apenas uma mensagem com um dado e duas variáveis. Esse é o limite da comunicação sem a linguagem: transmitir uma experiência, uma de cada vez. E elas o fazem mesmo que mudem suas referências. Isso quer dizer que elas não criam referências e sim têm instintivamente uma alternativa que não precisa ser elaborada no instante em que torna-se mais difícil o encontro da fonte de alimento. Não têm a capacidade própria de desencadear reflexão a partir da matéria transmitida.

À despeito dessas observações, o atrelamento da educação à comunicação é a base da produção educacional hegemônica na última década. Vermelho e Areu (2005) realizaram trabalho de pesquisa no sentido de vasculhar 58 periódicos educacionais nacionais, publicados entre 1982 e 2002, à procura dessa comunhão. Este trabalho encontrou cerca de 1500 registros. Cerca de 900 trabalhos foram escritos após 1995, o que coincide com a criação3 de "demanda não atendida" de formação de professores por ocasião do "encerramento" da formação no ensino médio, por meio do congelamento de aumento de vagas nos cursos públicos e pela insuficiência de oferta nos cursos particulares (SACCO, 2009).

Esta coincidência sugere existir uma correlação entre a proximidade da comunicação à educação com a compulsoriedade criada para a massiva educação superior de professores. Atestado pelo próprio texto da LDBEN (BRASIL, 1996: Art. 80), também pelo inicio das diferentes empreitadas massivas de formação de professores a distâncias, como o PEC, de São Paulo (ARANTES, V. A e NICOLAU M. L. M., 2006), e pelo amadurecimento da idéia das megauniversidades brasileiras a distância e sua predileção pela formação de professores, a exemplo das megauniversidades de países pobres como a Índia, o Paquistão, o Irã (LUZZI, 2007).

Mas, de todo o consórcio de contigências e conveniências que tornaram o a formação de professores a distância uma tarefa menos estranha, a supressão da linguagem pela mera transmissão formatada de informações reserva o maior risco para as conseqüências educativas pretendidas. Pois enquanto o registro da transmissão comunicacional encapsula a promessa de educar em um envólucro material, de meios físicos, de material didático, de mediações ilimitadas etc; a educação parece se sustentar justamente da "meta-forização do material" (ASSOUN, 2008). E portanto, não de transmissões a priori, mas sim de um processo de transferência como meio produtor de uma certa transmissão.

O processo de transferência foi algo vivido, observado e nomeado por Sigmund Freud, antes de vir a inventar a Psicanálise. Ele escolheu a palavra transferência – übertragung – pela rica polissemia que oferece frente a amplitude imaterial da experiência vivida. Experiência ocasionada pela procura de substituição das tentativas de uso da hipnose, frente a acontecimentos singulares com seus pacientes. A palavra transferência em Alemão, assim como em Português, designa o transporte imaterial, seja pela transferência de propriedade sobre um bem ou pela transferência de representação por meio de uma procuração, pela transferência de dinheiro entre contas, sem que o dinheiro vivo troque de mãos; ou ainda pela transferência entre planos geométricos, em que o instrumento "transferidor" projeta propriedades de um a outro (Idem, 2008: 9). Portanto, exaustivamente, transferir é metaforizar para, então, transmitir. Entre sujeitos, aquele que foi alvo da transferência tornou-se realocado a um novo estatuto, designado por aquele que lhe promoveu.

Pode-se dizer que algo muito semelhante ao processo de transferência ocorra na escolar. Da parte do aluno, por meio de suposições quanto a diferentes aspectos presentes (ou, muitas vezes, ausentes) na escola, como a diferença entre o ambiente escolar e o residencial, as formalidades cívicas e de cidadania oferecidas pelas unidades de ensino enquanto órgãos públicos, as oportunidades de lazer e de cultura etc. Mas, principalmente na fala do professor. É a fala, a linguagem viva4, que abre candidatura para a função fundada pelos pais, pois é somente em seu seio que se atracam novos significantes que o inconsciente metaforicamente relembra como motivos que levam um um aluno, por referência simbólica a seus pais, a investir no educador.

O aluno deposita no professor a confiança fundada pelos primeiros cuidados de quem exerceu a maternagem e a realoca à maneira do inconsciente, isto é, deslocando e condensando as experiências correlatas, que ocorreram durante essa primeira infância e que ganharam significantes novos. Portanto, um voto de confiança (ou amor) por parte do aluno, com vistas a reviver experiências que se remetam a lembranças ditas prazeirosas pelo inconsciente. Não é raro, ao se lembrar de um conhecimento aprendido, remeter-se compulsoriamente ao docente que o ensinou. O que nos leva a questionar se no momento da aula o professor fala da matéria ou dele mesmo. A partir dessa dinâmica entre suposições, alguns ingredientes transpostos da transferência na psicanálise clínica para a educação ocasionam interpretar que o ato educativo ocorre sob moção dos sujeitos envolvidos (BACHA, 2001), em detrimento de ser uma atualização automaticamente disparada ou previamente posta.

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"aquilo que é feito de modo observável, sob a forma de esquemas de movimento, pode variar indefinidamente, reproduzir-se de modo exato em contexto nos quais absolutamente nenhum ensino está envolvido. O professor pode falar ou permanecer em silêncio, pode escrever ou não, pode fazer perguntas ou não, (...) não constitui, portanto, algo que possa ser visto diretamente nos movimentos (...) Ensinar, por conseguinte, não pode ser concebido como alguma estrutura distintiva de movimentos executados pelo professor." (SCHEFFLER, 1971, P. 82)

Um bestseller da área de Psicologia intitula-se "O corpo fala". Muitas pessoas o compram a procura de recomendações para decifrar comportamentos que procuram passar despercebidos. Mas logo sentem-se ludibriados por não encontrarem correspondências em suas observações da "linguagem corporal" que não sejam ambivalentes ou inconclusivas. A idéia imaginária do corpo que fala falha, pois qualquer linguagem é metaforizada e portanto obrigatoriamente remetida a símbolos do sujeito imbricado, que coincidem aleatoriamente com o imaginário. A prescindência da presença corporal do professor, movida pela mesma idéia, transtorna o processo de transferência ao impedir o acontecimento inesperado desse (des)encontro físico entre professor e aluno. Etapa imprescíndível ou insubstituível para que determinadas moções psíquicas se enunciem pela presença física dos dois.

"O adulto busca nos olhos da criança um espelho mágico que reflita uma imagem de si mesmo não castrado. A criança, por sua vez, busca nos olhos do adulto uma referência ideal para deixar de experimentar o não-saber e a incompletude." (Kubric, 2007, p. 56)

O corpo presente ou ausente, além de ser imagem, é símbolo, que remete aluno e professor à distância imensurável entre si – como em qualquer comparação desmedida entre velhos e pequenos –. Mas também é real, no sentido de relembrar incessantemente que ao se ater a imagens procura rechaçar algo da verdade sobre a completude.

Torna-se plausível sugerir que a rapidez e contundência com que a formação de professores a distância se consolidou no Brasil não é fruto tão somente de vontade governamental ou resultado do discurso educacional hegemônico, mas também, principalmente, é resultado de uma contrapartida que o senso comum dispendeu para a acolhida da proposta de se formar professores a distância, na forma de irresistência. Ao contrário das organizações e conselhos de classe de psicólogos, dentistas, advogados e médicos, que interpuseram a necessidade de severas prerrogativas para criação/credenciamento de cursos a distância nas respectivas áreas profissionais5. A contrapartida da sociedade torna-se mais relevante e contraditória no contexto atual da "educação pública fracassada", portanto carente de qualidade de formação. Isto aponta que a distância implícita na proposta sugere uma promessa atrativa suficiente para tornar indevido qualquer questionamento sobre a equivalência da formação "a distância" à presencial.

Ao mesmo tempo, é importante destacar que qualquer prescindência da presença física determina uma iniciativa de ensino como "a distância", uma vez que a ausência é o pressuposto para um mínimo distanciamento. Ao se prescindir do "encontro" presencial dos atores, ou se opta pela prescindência de qualquer encontro, aproximando-se de uma iniciativa auto-didata, ou se opta pela substituição do encontro presencial por outra forma de encontro, por meio das diversas alternativas de hipertexto, de vídeo ou teleconferência, por correspondência em papel ou eletrônica, por telefone, fax, televisão etc. Um canal de mediação que aponte a ausência, antes de mais nada.

Sigmund Freud6 foi o primeiro a escrever sobre os mecanismos presentes nos pequenos atos ditos corriqueiros, que, por passar despercebidos não prometem grandes desdobramentos sobre as questões que são diretamente notadas pelos sujeitos. Ao encadear atos desprestigiados de lembrança imediata com outras informações, por meio do trabalho psicanalítico, passou a escutá-los sob o registro de sintomas do singular funcionamento psíquico daqueles que o rodeavam, pacientes ou não. Destarte, uma mera mudança de rotina que não interferísse necessariamente nas tarefas do dia-a-dia, seria uma expressão sintomática, produto do funcionamento psíquico, de algo que não encontrou vazão nas ações desempenhadas pelo sujeito em seu cotidiano, pronunciando-se nas possíveis brechas menos evidentes e menos intencionalmente controláveis.

A revelação do fim da pressuposta "inocência" dos atos (ex-) insignificantes comporta um novo encadeamento de todas as ações desempenhadas pelos sujeitos7, ao mesmo tempo em que nos fala como os pormenores de sua vida podem afastá-lo da realidade, em razão da aproximação ou do distanciamento de lembranças recalcadas em sua história. No caso do professor, o desconforto de não atender ao que o discurso pedagógico hegemônico demanda - isto é, transmitir sem transferir - o remete a outras experiências ambíguas e inexequíveis, que remetem novamente à experiência primordial de castração. O resultado é o mal-estar de não poder manter a lembrança recalcada e de não poder alcançar a suposta eficiência exigida.

"Se Silva está ocupado a ensinar, então ele também está tentando. É evidente que estar tentando fazer alguma coisa não significa sempre alcançar êxito. Se o êxito é atingido, é algo que dependerá de fatores externos ao fato mesmo de tentar: o universo inteiro deve cooperar. Caçar leões é tentar capturar um leão; capturar um leão, porém, significa ter êxito nessa tentativa, e isso é algo que dependerá de bem mais do que simplesmente tentar" (...) "Tampouco, por conseguinte, jamais será apropriado, em resposta à pergunta 'O que é que você está fazendo", dizer 'Estou sendo bem sucedido em caçar um leão', embora seja seguramente correto retrucar: 'Estou caçando um leão'." (SCHEFFLER, 1971, p. 84)

Fazer com que a aprendizagem ocorra igual ou melhor do que esperado – com êxito – não é a mesma coisa que melhorar o ensino. Assim como melhorar o ensino não é meramente, como se fosse possível, provê-lo de garantias em evitar ou eliminar o fracasso. Ações e regras que possam melhorar o ensino, tão somente, podem deixá-lo de algum modo mais eficiente enquanto tentativa. O próprio verbo exitar pressupõe a impossibilidade de realização de uma tarefa que se dirige, e só (não)ocorre, antes de mais nada, para/por sucesso.

(In)Apropriadamente, a escolha da ausência do corpo do professor8 aponta para a intenção indireta e programática de transformar a docência confome determinadas diretrizes que não suportam o corpo Real do professor. Afinal, o que o corpo denuncia que angustia tanto a ponto de querer mantê-lo a distância?

Partindo de uma história singular que encontra verosemelhança na vida social mais ou menos compartilhada e perante a experiência angustiante de estar geralmente em falta, é lícito suscitar que qualquer promessa de sustentar sob qualquer condição a suposição de um saber ou a de privar o aluno do reconhecimento no corpo crivado de pequenas denúncias e testemunhos do inconsciente de que não há o saber suposto, a princípio, é tranqüilizante e diretamente facilitadora para todos os profissionais da educação. Porém, ao responder tão somente às demandas contemporâneas de economia generalizada (também psíquica), conseqüentemente esvazia-se o teor da educação quando justamente se interdita o que a sustenta: a transferência.

"A resistência do professor a se ver não é uma declaração de que nesse lugar (inconsciente) ele não quer ficar? O que nos coloca na trilha da transferência na educação." (BACHA, 2001, p. 29)

Por esses motivos, é urgente a reavaliação das iniciativas em formar professores por meio da privação da presença corporal do professor e dos alunos, da carne, do enrubecimento da face do professor em resposta ao questionamento do aluno sobre algo que está fora do script cognitivo e positivista.

Para não obstruir a enunciação do sujeito leitor com uma conclusão, transcrevo dois trechos que constam da autobiografia de Albert Camus9 (que também não foi concluída, nem recalcada). O texto do autor descreve como foi constituída a sua infância em um país devastado por guerras, saturado de órfãos criados por viúvas analfabetas e sob condições subumanas de pobreza e morte. Sem pais e sem Leis. Nessas contigências, Monsieur Germain, professor de Camus, emerge de um processo envenenado de ressentimentos e transforma o destino de alguns jovens sem futuro por meio de atos singulares que julga serem dignos de preencher o estofo educativo.

Abaixo segue a carta de agradecimento de Camus ao seu professor, na oportunidade em que o filósofo recebeu um dos Prêmios Nobel:

"Sem você, sem essa mão afetuosa que você estendeu ao menino pobre que eu era, sem seu ensino, sem seu exemplo, nada disso teria acontecido." (CAMUS, 1994, p. 232)

Resposta de Monsieur Germain:

"O pedagogo que quer fazer, conscientemente, a sua tarefa, não despreza nenhuma ocasião para conhecer os seus alunos, seus filhos, o que acontece com freqüência. Uma resposta, um gesto, uma atitude, são largamente reveladoras..." (Idem, p. 234)

 

Referências Bibliográficas:

ALBUQUERQUE, Luciete Basto de Andrade (2005) Formalçao contínua de tutores no/para o ensino a distância: representações dos tutores e professores-especialistas dos curso de pedagogia a distância da UFMT. São Paulo: Tese de doutorado em Educação – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

ARANTES, Valéria e NICOLAU Marieta. (2006) "A voz dos tutores na formação de professores" IN NICOLAU Marieta e KRASILCHIK Miriam. Uma experiência de formação de professores na USP. São Paulo: Imprensa Oficial.

ASSOUN, Paul-Laurent (2008) La transferencia. Lecciones psicoanalíticas. Buenos Aires: Nueva Visión.

BACHA, M. S. C. N. (2001) A arte de formar. Petrópolis: Vozes.

BENVENISTE, Émile (1976) Problemas de lingüística geral. São Paulo: Edusp.

BRASIL (1996). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL (1998). Decreto nº 2494, de 11 de fevereiro de 1998

BRASIL (2001) Lei nº 10172, de 10 de janeiro de 2001

BRASIL (2005) Decreto nº 5622, de 20 de dezembro de 2005

CAMARGO, Ana Carolina C. S. de. (2006) Educar: questão metodológica? Petrópolis: Vozes.

CAMUS, A. (1994) O primeiro homem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

DYER, F. C. (2002) "The biology of the dance language" IN Annual Review of Entomology, v. 47, p. 917-949

FREUD, Sigmund. (1907) "Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen" IN Obras psicologicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2005

______. (1919) "Erotismo anal e o complexo de castração" IN Obras psicologicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2005

KUBRIC, S. (2007) O infantil além dos princípios (psico)pedagógicos. São Paulo: Dissertação de mestrado em Educação – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. (1999) Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. Petrópolis: Vozes

LEBRUN, Jean-Pierre (2004) Um mundo sem limite: ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Rio de Janeiro, RJ : Companhia de Freud

SACCO, Ricardo D (2009) "A suposta crise na formação de professores e o recurso do ensino a distância como solução. Moções psíquicas como um novo questionamento" IN Educação Temática Digital. Campinas: Unicamp, jul. 2009, no prelo.

SCHEFFLER, Israel (1971) Linguagem da educação. São Paulo: Saraiva

VERMELHO S. C. e AREU G. I. P. (2005) "Estado da arte de educação e comunicação em periódicos brasileiros IN Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 93, set./dez. 2005

 

 

1 Mesmo sem ter se debruçado necessariamente sobre este assunto específico. O seu problema era exatamente o quê ocorria entre as abelhas para que um enxame de operárias voltasse a uma fonte de alimentação visitada somente por uma delas, justamente aquela que não voltava com o bando.
2 Mais de 4000 experiências com abelhas foram realizadas após a descoberta de von Frisch no sentido de reproduzir a experiência alemã.
3 "Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço" (BRASIL, 1996: § 4º do Art 87)
4 Citando Lebrun, a propósito da obra 1984, de George Orwell, mais especificamente sobre as proféticas palavras do próprio romancista a respeito de uma "então hipotética" imposição funcional da linguagem – no romance, a novilíngua –, "quanto menos extensa é a escolha das palavras, menor é a tentação de refletir" (LEBRUN, 2004: 104). Ao disseminar o uso preponderantemente funcional da língua, apaga-se o trabalho do enunciador e assim elimina-se tudo o que de desforme existe na transmissão de algo. Se "desmetaforiza".
5 Ao contrário também das universidades virtuais e abertas de países ricos, que não-primordialmente formam professores em seus cursos à distância. Mas primordialmente o fazem em cursos majoritariamente presenciais
6 Em "Sobre a psicopatologia da vida cotidiana", de 1901, no Capítulo IX - "Atos casuais e sintomáticos".
7 Freud também escreve, nesta mesma obra, sobre os mais distintos atos cotidianos que funcionam com caráter sintomático
8 Talvez sejamos a nação melhor preparada para a educação a distância, pois a maioria da população teve acesso aos meios de comunicação de imagem muito antes do acesso a educação e partilhamos a definição cristã de que corpo é (feito) imagem (de Deus) e, portanto, o significante de corpo esteja, a priori, colado à imagem. Que o imaginário sobre o corpo seja mais aceitável para o brasileiro do que o corpo simbólico, assim como a imagem o é à palavra.
9 Escritor francês, nascido e educado na Argélia, logo após o fim do período de colonização francesa.