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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

A questão do educador: seria a vontade em educar uma possível modalidade do exercício da crueldade ou a impossível busca da realização da emancipação do sujeito?

 

 

Prof. Dr. Rogério Rodrigues

Mestre e Doutor em Educação (Unicamp) e Docente da Universidade Federal de Itajubá nas disciplinas: Psicologia da Educação; Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio; Educação Física

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RESUMO

Pode-se observar, entre diversos pais e educadores, a presença muito comum da idéia da necessidade de educar o outro para a vida em sociedade e, principalmente, para a plena inserção do sujeito no mundo do trabalho, de modo a torná-lo "sujeito do bem". De um modo geral, os pais e os educadores partem da premissa de que a educação tem importância para potencializar ao máximo o pleno desenvolvimento pessoal e para garantir ao sujeito educado as condições necessárias para o ingresso na vida social e profissional. Esta justificativa da educação como algo essencial para a plena formação do sujeito é a base sólida em que se erguem muitas das práticas educativas que exercem de modo obstinado a condução do sujeito para sua "plena formação". Portanto, a obstinação em querer educar para a sociedade permite também o surgimento de educadores com a atuação compulsiva em querer educar o outro na completude em ser. Entretanto, como um verdadeiro "mal estar" o outro não corresponde aos anseios do educador. Isso, de certo modo, acaba favorecendo o fortalecimento da compulsão de querer educar o outro. Seria a vontade em educar uma possível modalidade do exercício da crueldade? Ou seria a obstinação do educador fundamental para conduzir a impossível produção de sua emancipação em "vir a ser" o sujeito? A partir desta oposição na formação educativa do sujeito, este artigo pretende abordar a questão da vontade em educar no paradoxo, ou seja, as práticas educativas obstinadas acabam servindo de base para a plena inibição e/ou para o surgimento do pensamento crítico do sujeito ao permitir o questionamento das "manias educacionais" de pais e educadores.

Palavras-chaves: Educação; Psicologia da Educação; Emancipação.


 

 

Observa-se entre diversos pais e educadores a presença muito comum da idéia sobre a necessidade de querer educar o outro para a vida em sociedade e, principalmente, para a plena inserção do sujeito no mundo do trabalho e torná-lo "sujeito do bem". Assim, os pais e os educadores partem da premissa que a educação tem importância para potencializar ao máximo o pleno desenvolvimento pessoal ao garantir no sujeito educado as condições necessárias para o seu ingresso na vida social e profissional. Neste caso, a vontade em educar pode ser compreendida como sendo uma atuação obsessiva em querer tornar o outro a plenitude em ser sujeito.

Para Freud (1990c) a obsessão compreende num estado emocional que permanece inalterado enquanto que a representação a ele associada pode variar. Portanto,

(...) a representação original (incompatível) foi substituída por outra representação, a representação substituta. Nos casos que acrescento agora, a representação original foi substituída, mas não por outra representação — foi substituída por atos ou impulsos que serviram originalmente como medidas de alívio ou como procedimentos protetores, e que são agora grotescamente associados a um estado emocional que não lhe é adequado, mas que permaneceu inalterado e continuou a ser tão justificável quanto em sua origem. (Freud,1990c, p. 80).

Neste caso, podemos afirmar que no campo educacional existem diversas modalidades práticas (representações) que consistem em procedimentos do educador com a finalidade de melhor educar o outro. Estas práticas educativas podem variar em diversas formas para sempre justificar a necessidade das aplicações de seus atos (obsessivos). O que o educador não quer saber é sobre os motivos de sua atuação obsessiva, pois segundo Freud, "todas as representações substituídas têm atributos comuns; elas correspondem a experiências realmente penosas da vida sexual do sujeito, que se esforça por esquecer". (Freud, 1990c, p. 80).

Nesta cena do educador compulsivo na sua vontade de educar o outro temos a base econômica que justifica em grande parte seus procedimentos em nossa sociedade industrial, qual seja, a vida social se resume na possibilidade do sujeito "desenvolver-se" para encontrar as condições necessárias para inserir-se na cadeia produtiva. Deste modo, temos algo de verdadeiro na premissa anterior de pais e educadores compulsivos em querer educar, pois realmente a produção requer a formação de um tipo de sujeito que tenha a capacidade plena na realização de trabalho e também as condições morais necessárias de estabelecer determinadas relações sociais que possa potencializá-lo e inseri-lo na sociedade. Entretanto, na premissa anterior encontremos o paradoxo em que o sujeito educado também não corresponde aos anseios da sociedade industrial, pois temos o surgimento daqueles que se encontram desempregados e, também, daqueles que atuam como "sujeito do mal". Como compreender o sujeito desempregado se ele investiu plenamente em sua formação educativa? Como compreender o "sujeito do mal" se este obteve todo um investimento educacional para torná-lo um "sujeito virtuoso"?

A falta de adequação entre os pressupostos educativos e a formação do sujeito acaba por reforçar a tese do educador compulsivo, pois estes sempre afirmam que esse fato decorre pela "falta qualificação" para o sujeito "adequar-se ao social" e ingressar no mercado de trabalho e reafirmam a necessidade ostensiva de sua intervenção educativa.

Entretanto, como pensar essa contradição no campo educacional, ou seja, quanto mais compulsivamente se educa o outro este não corresponde aos anseios dos educadores?

O real é como já afirmava Marx é a síntese de múltiplas determinações e, portanto, o real é uma construção incerta na formação do "sujeito do bem" e do "sujeito produtivo". (Cf. Marx, 1983, p. 218). Neste caso, a compulsão em educar o sujeito para atender a sociedade e a indústria faz parte do mecanismo da construção neurótica dos sujeitos educadores obsessivos quererem manter aquele sujeito inserido na norma. Neste caso, é muito favorável que a educação sempre seja um processo que promova o insucesso, pois permite a manutenção permanente das atuações compulsivas dos educadores. Por outro lado, na radicalidade a educação sucumbe à verdade do sujeito no processo da formação dele, pois não sabemos como realizá-lo em sua plenitude e, principalmente, em algo que o permita na realização da liberdade. (Cf. Larrosa, 2004, p. 193-4).

Acabamos por estabelecer uma oposição presente na compulsão em educar entre a possível modalidade do exercício da crueldade e a impossível realização da liberdade do sujeito. Para compreendermos essa contradição exemplificamos com a seguinte situação: aprender a dirigir um carro. Para tanto, o sujeito de modo obstinado deve mecanizar todos os seus movimentos corporais perante a "máquina carro". Após esse "adestramento" é que este pode alcançar a liberdade em "vir a ser" no interior de si mesmo quando estiver dirigindo o carro. Mas pode também ficar tão obstinado no ato de dirigir que nunca poderá realizar-se na liberdade de "vir a ser".

Tendo como exemplo o "aprender dirigir o carro" como pensaríamos o campo educacional? No campo educacional existe de modo hegemônico um interesse comum na formação de um tipo de sujeito que seja portador de "uma subjetividade industrial, maquínica". (Guattari e Rolnik, 2005, p. 33). Para tanto, temos no campo educativo um esforço e, principalmente, uma exigência para a produção de subjetividade, "essencialmente fabricada, modelada, recebida, consumida" (Guattari e Rolnik, 2005, p. 33) especialmente para atender as necessidades da sociedade e do mercado enquanto a formação no sujeito que possua uma singularidade do "bem" e que também seja produtor e consumidor de coisas.

Portanto, na perspectiva de formar o sujeito para a sociedade industrial a atuação de pais e educadores que promovem a compulsão para educar seria a resultante de diversos fatores que, por um lado, atende a exigência de educar o "sujeito do bem" para manter a cadeia produtiva e, por outro lado, a satisfação dos pais e educadores de realizarem de modo obstinado a vontade de educar o outro a sua imagem e semelhança como a projeção de si mesmo no outro. Neste caso, o sujeito da norma e da cadeia produtiva é mantido duplamente, ou seja, na produção de coisas e na reprodução de si mesmo, que em última instância seria o fato de que o sujeito também é tratado como objeto/coisa na produção de si mesmo. Contudo, apesar da obstinação dos educadores de querer formar o duplo não podemos deixar de afirmar que não sabemos "como alguém se torna o que é" (Cf. Nietzsche, 1995), pois

(...) É preciso manter toda a superfície da consciência — consciência é superfície — limpa de qualquer dos grandes imperativos. Cautela inclusive com toda palavra grande, com toda grande atitude! Representam o perigo de que o instinto "se entenda" cedo demais. — Entretanto segue crescendo na profundeza a "idéia" organizadora, a destinada a dominar — ela começa a dar ordens, lentamente conduz de volta dos desvios e vias secundárias, prepara qualidades e capacidades isoladas que um dia se mostrarão indispensáveis ao todo. — Constrói uma após outra as faculdades auxiliares, antes de revelar algo sobre a tarefa dominante, sobre "fim", "meta", "sentido". (Nietzsche, 1995, p. 48-9).

Neste caso, é percebe-se que na rápida solução dos educadores sobre a questão de como alguém se torna o que é prevalece a vontade de querer rapidamente educar o sujeito coisa/objeto, basicamente, na "possível" modalidade do exercício da crueldade em exigir que o outro seja o mesmo na constituição do sujeito normal, mais propriamente o seu duplo. (Cf. Rodrigues, 2007).

No conjunto destas atuações compulsivas as modalidades do exercício da crueldade se apresentam nas exigências na vontade do educador que se realizem em práticas educativas que acabam por adestrar o outro. A justificativa para tais práticas é, basicamente, a repetição da premissa anterior de que se tem a necessidade de educar o sujeito para a sociedade.

Sabemos que as práticas educativas presentes no campo escolar se utilizam diversas estratégias as quais se denominam como didáticas; psicologia da educação; metodologias de ensino; prática de ensino; enfim na formulação de um conjunto de técnicas para realizar a importante tarefa educativa na exigência da formação cultural do "sujeito do bem" consumidor e produtivo. Entretanto, até que ponto as mesmas estão atendendo a realização da liberdade do sujeito no seu "vir a ser"? (Cf. Sartre,1997).

O problema educativo encontra-se na condição de não fazer o outro/coisa e torná-lo sujeito na relação, portanto, a construção do processo educativo que possa realizar o "impossível" na construção da emancipação do sujeito na sua liberdade de "vir a ser". (Cf. Sartre, 1997).

Partimos do princípio básico de que a vida em sociedade possui a verdade em exigir o trabalho educativo para a formação do sujeito que deva dominar plenamente as Ciências e os elementos de sua própria cultura. Portanto, consideramos que o centro do problema educativo é como educar e ao mesmo tempo realizar a liberdade da vontade do sujeito "vir a ser" (Cf. Sartre, 1997) o inédito, mais precisamente, a diferença.

Neste caso, a educação é algo paradoxalmente, pois, partimos da tese de que a educação é uma ferramenta primordial no "processo de singularização" (Cf. Guattari e Rolnik, 2005)1 na formação de um tipo no "sujeito crítico" e, no entanto, também produz um tipo de "sujeito massificado" que se encontra em prontidão para ser uma peça na engrenagem da cadeia produtiva — desprovido de si mesmo e que possa ser absorvido plenamente pelo mercado de trabalho. Aliás, o sujeito se torna cada vez mais produtivo quando cadê vez mais assume a condição de indivíduo, ou seja, somente coisificado e massificado adquire a condição de ser portador de uma ampla subjetividade maquínica.

Tendo como pressuposto de que na formação do sujeito temos presentes a contradição entre a "criticidade" e a "alienação" tornam-se presente dois caminhos distintos na formação do sujeito: a criticidade que seria a impertinência do sujeito perante o mundo e a alienação que seria o resultado do sujeito massificado que é arrastado pelo fluxo alheio ao seu próprio desejo. (Cf. Canetti, 1995).

Neste caso, o sujeito crítico é aquele que se encontra em crise com a sua existência e o sujeito massificado encontra-se adequado na condição de usufruir da proteção da massa na qual se encontra inserido, pois somente

Na massa ideal, todos são iguais. Nenhuma diversidade conta, nem mesmo a dos sexos. Quem quer que nos comprima é igual a nós. Sentimo-lo como sentimos a nós mesmos. Subitamente, tudo se passa então como que no interior de um único corpo. Talvez essa seja uma das razões pelas quais a massa busca concentrar-se de maneira tão densa: ela deseja libertar-se tão completamente quanto possível do temor individual do contato. Quanto mais energicamente os homens se apertam uns contra os outros, tanto mais seguros eles se sentirão de não temerem mutuamente. (Canetti, 1995, p. 14).

Consideramos que essa condição paradoxal na formação cultural do sujeito entre a crítica e a massa é que nos pode permitir a compreensão do aparelho escolar como um lugar em que existe a presença de um "mal estar", pois, encontramos a contradição entre o investimento e a falta e recursos; os objetivos educacionais e as avaliações de ensino; a manutenção e o abandono; a educação presencial e a educação a distância; a liberdade de aprender e o lugar em que confina os sujeitos; enfim a escola como o lugar em que a formação do sujeito massificado e crítico que se apresentam diversos cruzamentos, nas quais pouco sabemos sobre os seus próprios resultados.

No campo do "mal estar" na educação, podemos pensar que a oposição entre o trabalho da "pulsão de vida" e a "pulsão de morte" possui certas peculiaridades. (Cf. Freud, 1990b). O trabalho da "pulsão de vida" no campo educativo seria uma tentativa de elaborar o "problema educacional" no sentido de encontrar um caminho que possa direcionar a plena formação do sujeito. No caso da "pulsão de morte" são as práticas educativas que não elaboramos e atuamos de modo compulsivo. O importante a destacar nesta oposição entre essas duas pulsões é que ambas as formas encontram apóio para se manifestar nas práticas educativas. A primeira como uma tentativa de melhor educar e a segunda como a "compulsão em educar" que pode se apresentar na manutenção da repetição, que no campo educativo tem o grande privilégio de ser considerada como sendo uma metodologia de aprendizagem.

Os paradoxos encontram-se presentes na instituição escolar, mas negamos a contradição e exigimos que a educação se realize na mais pura, para não dizer perfeição, na formação do "sujeito/bem/produtivo". De um lado, a educação seria possibilidade do encontro do sujeito apenas para viabilizar sua formação moral e que proporcione as condições do mesmo movimentar-se a cadeia produtiva. Portanto, o modelo capitalista de produção seria o ponto central na formação cultural do sujeito para que este seja um consumidor/produtor em elevada potencia. De outro lado, a educação seria a impossibilidade de formar o sujeito critico que se contraponha e possa resistir ao movimento universal da ordem capitalista.

O campo escolar se caracteriza, então, como um lugar em que temos a realização do esforço para a formação de um determinado tipo de sujeito crítico/massificado que seja coadjuvante/ruptura principal do consumo e da produção. Somente nesta lógica é que pode compreender o aparelho escolar como um lugar em que a transmissão da cultura erudita e cultura de massa apresentam-se como um verdadeiro jogo de esconde e esconde, na qual a formação cultural do sujeito possa em muitas vezes apresentar-se como algo secundário. Isso se deve ao fato de que o foco central na educação escolar encontra-se atrelado ao modo produção capitalista, portanto, a formação cultural hegemônica é aquela que favoreça um tipo de sujeito apto para o consumo e pleno para a produção, mas também na formação daqueles que se negam a inserir-se na estrutura da sociedade de mercado.

Para se pensar essas contradições no campo educativo é preciso compreender que o consumo e a produção, em si, apresentam-se inseparáveis. Na análise do modo de produção capitalista Karl Marx aponta para essa tese de que não há separação entre consumo e produção, ou seja,

A produção é também imediatamente consumo. Consumo duplo, subjetivo e objetivo. Primeiro: o indivíduo, que ao produzir desenvolve suas faculdades, também as gasta, as consome, no ato da produção, exatamente como a reprodução natural é um consumo de forças vitais. Segundo: produzir é consumir os meios de produção utilizados, e gastos, parte dos quais (como na combustão, por exemplo) dissolve-se de novo nos elementos universais. Também se consome a matéria prima, a qual não conserva sua figura e constituição naturais, esta ao contrário é consumida. O próprio ato de produção é, pois, em todos os seus momentos, também ato de consumo. (Marx, 1974, p. 114-5).

Portanto, no interior desta vertente, no processo de formação cultural crítica e/ou massificado a educação apresenta-se para o sujeito como algo que realiza a "produção de si" no consumo da cultura e vice versa, ou seja, o sujeito que consume cultura erudita/massa também "produz a si mesmo". Entretanto, o que temos constituído na sociedade de mercado é o desgoverno na produção de coisas e que a produção/consumo de um determinado tipo de sujeito enlouquecido em seu "processo de singularização", pois se encontra esquizofrênico para que enquanto tal possa cadê vez mais ampliar/romper a própria cadeia produtiva/consumo. (Cf. Deleuze e Guattari, 1976).

Conforme já afirmamos anteriormente pouco se sabe "como alguém se torna o que é" (Cf. Nietzsche, 1995), mas tudo parece indicar que vivemos uma lógica circular entre o consumo e produção, na qual auto-alimentamos o social com sujeitos massificados/críticos para favorecer o processo de funcionamento maquínico da sociedade. Nesta lógica maquínica é que se insere a compulsão para educar como a realização obsessiva de uma "prática cega" que possui a eficácia de produzir o real "sujeito do bem" para atender a sociedade de mercado. Quanto mais subordinação do sujeito ao funcionamento do aparelho escolar no âmbito da cultura massificada mais se obtém a garantia na certeza da consolidação da formação cultural do sujeito que atenda aos ditames da sociedade industrial. Portanto, na lógica da produção/consumo a educação pode operar com a função de mediar essas relações e possui sua grande força social no sentido de manter operante o modo produção capitalista.

Todos aqueles que vivem em sociedade são atraídos e atraentes para o mercado, ou seja, todos querem tornar-se simultaneamente consumidor e produtor enquanto força de trabalho passível de ser comprada, mais propriamente, vendida para aquele que detém o capital e os meios de produção.

A necessidade de tornar o sujeito educado para inseri-lo na lógica do mercado acaba produzindo outro mercado, qual seja aqueles que vendem a educação para formar o sujeito que possa empregar a sua força de trabalho. A todo o momento surge no "mercado educativo diverso tipos de anúncios indicando a garantia de comprar a "produção de si" como sendo a única possibilidade de empregar a força de trabalho, portanto, as propagandas em educação têm que afirmar que a "educação é responsabilidade social"; "acelere a sua formação"; enfim, é possível realizar o sonho da felicidade plena do sujeito em sua relação especular com o outro e possa encontrar a plena realização de si que esteja apto para "vir a ser" o produtor/consumidor.2 A condição de entregar-se aos ditames da produção de si tem que ser pleno para que a educação possa produzir eficácia, ou seja, é preciso que se tenha obediência incondicional as solicitações do educador.

Entretanto, essa relação entre educação e trabalho se constitui num outro paradoxo, ou seja, nem todos podem comprar a "produção de si" e se formar plenamente ao ponto de atender as todas as exigências da formação moral e do "mercado de trabalho".3

Partimos da hipótese de que a educação massificada é que possui está vertente instrumental para atender a formação do sujeito da norma e para a cadeia produtiva. Entretanto, a própria educação massificada também acaba encontrando resistência do "sujeito massificado". Isso ocorre por situações diversas; circunstanciais; aleatórias; ou seja, a mesma é administrada no único sentido de preparar o sujeito moral para a cadeia produtiva é também aquela que o impede, pois quando todos se defrontam no social, acabam por se dar conta de que este tipo de sujeito não se realiza. Para Freud

Que a educação dos jovens nos dias de hoje lhes oculta o papel que a sexualidade desempenhará em suas vidas, não constitui a única censura que somos obrigados a fazer contra ela. Seu outro pecado é não prepará-los para a agressividade da qual se acham destinados a se tornarem objetos. Ao encaminharmos os jovens para a vida com essa falsa orientação psicológica, a educação se comporta como se devesse equipar pessoas que partem para uma expedição polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos. Torna-se evidente, nesse fato, que se está fazendo certo mau uso das exigências éticas. A rigidez dessas exigências não causaria tanto prejuízo se a educação dissesse: 'É assim que os homens deveriam ser, para serem felizes e tornarem os outros felizes, mas terão de levar em conta que eles não são assim'. Pelo contrário, os jovens são levados a acreditar que todos os outros cumprem essas exigências éticas - isto é, que todos os outros são virtuosos. É nisso que se baseia a exigência de que também os jovens se tornem virtuosos". (Cf. Freud, 1990b).

No caso do mercado de trabalho quando todos os sujeitos massificados em sua formação cultural se dirigem para o mesmo sentido nem todos conseguem passar pela mesma porta de entrada para o seu próprio emprego na cadeia produtiva. Sobre essa situação os educadores novamente respondem prontamente "que agora é preciso agora requalificar o sujeito/trabalhador".

O sujeito quer atender a norma e ingressar na cadeia produtiva no sentido de satisfazer-se, principalmente, no consumo, mas ao ser tratado como coisa este acaba por reagir de modo intolerante, pois sente em si mesmo o peso do enfadonho sujeito/coisa que "é" ao fazer parte da engrenagem que sustenta o maquínico social produtivo/consumo. Para conter toda essa rebeldia do sujeito/educando institui-se uma relação de força, na qual as estratégias para a "produção de si" que é alterado entre a compulsão em educar ou no espontaneismo das pequenas "doses educativas". Entretanto, a manutenção da sociedade e do mercado não deixa de comprovar que a resultante continua na (de)formação cultural do sujeito, pois na "produção de si" acaba por (des)caracterizá-lo o suficiente para que lhe permita suportar o seu destino em ocupar o posto de trabalho e manter a cadeia produtiva.

Isto que denominamos como sendo a "deformação do sujeito" nada mais do que o processo de insensibilização, ou seja, a subjetivação de um estado emocional na qual o sujeito perde a compaixão perante o outro. Estes atuam pautados na racionalidade que o impede de julgar suas próprias ações práticas.

Temos aí a tese de que no mercado capitalista o processo educativo hegemônico é aquele que somente faz sentido para modelar o sujeito para o trabalho. Para tanto, este acaba o realizando na permanência de uma subjetividade vazia de emoções e preenchida por uma idolatria as máquinas — (des)humanizando.

Sabemos que para ingressar na cadeia produtiva é preciso suportar a exigência que em nada favorece o "princípio de prazer". Contudo, o "princípio de realidade" apresenta-se como uma exigência não compensatória para o sujeito, pois no modo de produção capitalista em qual momento é dada a oportunidade da satisfação pulsional? Diria que somente no ato do consumo. Neste caso, toda a nossa dimensão de sujeito se reduz a atos de produção/consumo.

A educação somente é elogiada quando favorece em formar para o "mercado de trabalho". Para tanto, a escola educa para suportar ao máximo as exigências de um modo de produção em que o sujeito encontra-se apenas como um apêndice da máquina, portanto, uma metodologia educacional em fazer o sujeito "apto" em suportar a dor e o sofrimento. Entretanto, como superar o principio metodológico educacional que determina a exigência pautada na tese "quem é severo consigo mesmo adquire o direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou ocultar e reprimir"? (Adorno, 1995, p. 128). Portanto, temos como tese que o problema central em termos educacionais seria o de constituir um processo de sensibilização que possa romper plenamente com a compulsão em educar e evitar a produção do sujeito reificado. Para tanto, seria oportuno permitir que esses sujeitos possam falar de si mesmo no lugar que se encontram feliz em ser reificados. Nesta fala podemos supor que

(...) existam restos da velha instância da consciência moral que se encontra atualmente em grande parte em processo de dissolução. Na medida em que se conhecem as condições internas e externas que os tornaram assim — pressupondo por hipótese que esse conhecimento é possível —, seria possível tirar conclusões práticas que impeçam a repetição de Auschwitz. A utilidade ou não de semelhante tentativa só se mostrará após sua concretização; não pretendo superestimá-la. É preciso lembrar que as pessoas não podem ser explicadas automaticamente a partir de condições como estas. Em condições iguais alguns se tornam assim, e outros de um jeito bem diferente. (Adorno, 1995, p. 131-2).

O próprio processo educativo em si pode ser um antídoto à compulsão em educar no momento que permita ao outro falar em nome próprio e romper com a repetição enlouquecida na obstinação do educador. Para tanto, o educador deve estar preparado para o desafio de defrontar-se com o seu próprio desamparo em viver a experiência da liberdade em não ser obstinado na imagem e semelhança a ser projetado no outro — ampliar a tolerância perante a diferença.

A negação da questão do educador sobre a realização da emancipação do sujeito tem favorecido a manutenção do "narcisismo da pequena diferença" (Cf. Freud, 1990b, p. 119) no campo educacional, pois proporciona entre pais e educadores a atuação de um tipo de prática educativa instrumental que favoreça o "sujeito massificado" como algo que deve ser modelado com se fosse "possível" a existência da extrema garantia na qualidade de seus resultados, como por exemplo, na Escola de Formação de Sargentos da Policia Militar do Estado de São Paulo que na sua porta de entrada possui uma placa de "ISO 9001 e ISO 14000".4 Contudo, podemos identificar que a formação do sujeito opera em outras instancias que deixam o papel da escola como algo secundário. Neste caso, a subjetividade é o cruzamento de diversos fatores como uma colcha de retalhos, na qual, resultado apresenta-se como uma bricolagem, ou seja, a formação do sujeito apresenta-se como a execução de um trabalho qualquer, em que não há

um plano preconcebido e se afastam dos processos e normas adotados pela técnica. Caracteriza-o especialmente o fato de operar com materiais fragmentários já elaborados, ao contrário, por exemplo, do engenheiro que, para dar execução ao seu trabalho, necessita da matéria-prima. (Aguiar e Souza, 1989, p. 32).

Entretanto, nesta relação casual como pensar e o que seria em detalhes a prática educativa da "compulsão em educar"? Podemos afirmar que a "compulsão em educar" é um estado em que o educador tende a exercer ao máximo sua vontade em realizar a tarefa educativa no sentido de manipular o outro/objeto. A exigência em educar o outro atende uma necessidade estabelecida a priori no encontro entre os sujeitos no processo educativo, qual seja, a formação do sujeito que orbite primeiramente como uma exigência moral de atender o campo das exigências do mercado e, secundariamente, como uma satisfação pulsional em manipular o outro como objeto. Partimos do pressuposto de que as preocupações do educador com o seu educando e, principalmente, o fato deste não corresponde aos seus anseios educativos, pode se apresentar como um mecanismo de defesa para que o educador não entre em contato com o seu próprio desamparo em ser sujeito — evitar a própria angustia.

Estes tipos de sujeito inseridos na relação da compulsão em educar não possuem vínculos com o seu próprio desejo de saber emancipação do sujeito. Toda sua educação foi a anulação de seus próprios pensamentos e criticidade perante a vida social. Este projeto educativo resulta numa sociedade passa ser a negação da própria vida em função de um consumo caótico de coisas que levam a degradação física do próprio ambiente e, principalmente, a desorganização da distribuição de riquezas produzidas coletivamente. Este processo de produção desregulado em relação a sociedade acaba por determinar a singularização dos sujeitos que se tornam cada vez menos solidários de um para com o outro. Portanto, no modo de produção capitalista, a exigência da vida coletiva tem somente a finalidade única da produção, ou seja, temos o paradoxo de um duplo movimento que se caracteriza por uma ampliação das relações sociais para a produção de coisas e uma plena degradação das relações sociais entre os sujeitos.

De modo geral e, principalmente, no campo da educação somos educados para a insensibilidade e para apenas a suprir a necessidade em querer educar o outro com objetivo de favorecer o mercado. Portanto, a educação para insensibilidade é um tipo de educação que forma o "caráter manipulador" que é um tipo de sujeito que

(...) se distingue pela fúria organizativa, pela incapacidade total de levar a cabo experiências humanas diretas, por um certo tipo de ausência de emoções, por um realismo exagerado. A qualquer custo ele procura praticar uma pretensa, embora delirante, realpolitik. Nem por um segundo sequer ele imagina o mundo diferente do que ele é, possesso pela vontade de doing things, de fazer coisas, indiferente ao conteúdo de tais ações. Ele faz do ser atuante, da atividade, da chamada efficiency enquanto tal, um culto, cujo eco ressoa na propaganda do homem ativo.(Adorno, 1995, p. 129).

A formação do "caráter manipulador" acaba por favorecer o surgimento de tipos de atuações compulsivas do educador que beiram aquilo que denominamos como sendo as diversas modalidades do exercício da crueldade que podem se encontrar presentes no campo educativo. O educador tendo como "álibi" a importância em educar o outro para o "bem" acaba se valendo dessa condição e acaba por materializá-la em práticas educativas que podem expressar na humilhação e na opressão do educando, tendo como o objetivo educacional que acaba por disfarçar essas práticas, pois o argumento é sempre o mesmo: "isso é para melhor educá-lo".

Podemos encontrar a presença desses estados "compulsivos" em educadores que tenham formação em qualquer área do conhecimento, pois independente da teoria educativa que alimenta a prática educativa do educador, o mesmo pode estar atuando de modo "compulsivo" no seu modo de querer educar o outro. Contudo, algumas áreas do conhecimento são potencializadas pelas teorias educativas que favorecem o surgimento desse tipo de sintoma educativo como é caso das Pedagogias Modernas, principalmente, a Tradicional e a Tecnicista. Portanto, a nossa hipótese é que não é possível evidenciar se a "compulsão em educar" presente na prática do educador está sendo a realização do sintoma em exercitar um tipo de modalidade da crueldade ou a responsabilidade do educador em favorecer a realização da emancipação do sujeito. Essa diferença não pode ser apreendida no fenomênico, pois a exigência em educar está atrelada com a concepção de mundo, mais propriamente, que tipo de subjetividade e singularização que está se constituindo na relação entre os sujeitos. Neste aspecto, seria o campo educativo um lugar em que se encontra toda a dificuldade em classificar o que seria práticas educativas que favoreçam a possível modalidade do exercício da crueldade ou a impossível realização da emancipação do sujeito?

De modo geral nada podemos afirmar sobre o destino das relações entre os sujeitos no campo educativo, entretanto, a compulsão para educar é um fator de resistência para o surgimento do pensamento crítico. Também se pode afirmar o inverso, ou seja, que o pensamento crítico é uma resistência para a compulsão para educar. Sobre essa questão podemos citar uma pequena passagem sobre as lembranças de Freud sobre os seus professores em que afirma

Nós os cortejávamos ou lhes virávamos as costas; imaginávamos neles simpatias e antipatias que provavelmente não existiam; estudávamos seus caracteres e sobre estes formávamos ou deformávamos os nossos. Eles provocavam nossa mais enérgica oposição e forçavam-nos a uma submissão completa; bisbilhotávamos suas pequenas fraquezas e orgulhávamos-nos de sua excelência, seu conhecimento e sua justiça. No fundo, sentíamos grande afeição por eles, se nos davam algum fundamento para ela, embora não possa dizer quantos se davam conta disso. Mas não se pode negar que nossa posição em relação a eles era notável, uma posição que bem pode ter tido suas inconveniências para os interessados. Estávamos, desde o princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los. (Freud, 1990a, p. 286).

Nesta dualidade, mais propriamente, a ambivalência, temos na imposição compulsiva do educador que de um lado realiza um conjunto de práticas educativas que aprisiona o outro num modo de ser inoperante e de outro lado, as condições inoportunas para o surgimento do pensamento crítico. Já o pensamento crítico seria as rupturas que permitem quebrar as grades que aprisiona o sujeito coisificado. Como exemplo dessa situação de aprisionamento e ruptura do outro podemos citar o seguinte caso de uma criança lê um livro atentamente na presença do pai/educador. Em certo momento pergunto a esta mesma criança o que você está lendo? Ela responde que não sabe o que está lendo (aprisionamento). Em seguida a criança começa dar risada de si mesmo (ruptura).

Como não pode saber o que está lendo se está realizando o próprio ato da leitura. A evidenciar o absurdo a criança dá risada de si. Neste momento, não nos esqueçamos de que o riso se apresenta como um ponto de deslocamento de si mesmo, pois

O riso destrói as certezas. E especialmente aquela certeza que constitui a consciência enclausurada: a certeza de si. Mas só na perda da certeza, no permanente questionamento da certeza, na distância irônica da certeza, está a possibilidade do devir. O riso permite que o espírito alce vôo sobre si mesmo. (Larrosa, 2004, p. 181).

Mas compreendemos que não é qualquer tipo de riso que permite essa situação de romper as nossas certezas, ou seja, o riso da alegria nos mantém no sujeito feliz que somos. Portanto,

não me refiro, é claro, ao riso previsto, a esse riso adulador que se segue às piadas do professor ou ao riso que está programado para que a matéria seja um pouco divertida e 'entre' com um pouco mais de facilidade. Tampouco me refiro ao riso dos intervalos, dos recreios, a esse riso que areja o espírito antes que esse volte outra vez ao duro trabalho sério, que esse sim, é o realmente importante. Eu falo do riso que se mete desrespeitoso, irreverentemente, no domínio do sério. Ao riso que se ri precisamente naquilo que a Pedagogia marca como não risível. Àquele que faz as pessoas sérias exclamarem, indignadas: 'riem-se de tudo, não levam nada a sério, não respeitam nada, não acreditam em nada.... (Larrosa, 2004, p. 171).

Neste caso, a resposta dada a essa situação pela criança pelo riso pode ser compreendida como um "riso do mal estar/ser" que lhe permite a elaboração de si e, principalmente, uma descarga pulsional da exigência em "ser o leitor" comportado e aprisionado pelos cuidados obstinados de pais e educadores.

Compreendemos que a leitura do livro para essa criança é a experiência psíquica do sintoma da compulsão em educar. Para a criança não sofrer pelas ameaças dos pais e educadores encontra a estratégia de se proteger com o livro a sua frente. Uma situação que é extremamente trágica e cômica. Esta metodologia é o paradigma de muitos educandos que no interior do aparelho escolar reinventam a cada dia, em seus cotidianos, diversos mecanismos para também se protegerem ou aderirem a compulsão de educar de pais e educadores.5 Portanto, não é por acaso que muitos educando acabam por adquirirem um pensamento crítico perante as "manias educacionais" de seus educadores ao observarem detalhadamente suas manias em educar. (Cf. Freud, 1990a). Neste caso algo surpreendente se apresenta como um paradoxo na própria condição compulsiva do educador, ou seja, a mesma acaba servindo de base para o surgimento pensamento crítico do sujeito. Para tanto, o pensamento do sujeito não pode ser reprimido ao ponto de encontrar-se completamente inibido em seu estado de criação. Neste caso, tanto o processo educativo que promove a inibição acaba favorecendo o surgimento do "caráter manipulador" em sua fase adulta pode também favorecer o impossível rompimento com esta formação nas rupturas que se estabelecem nos modos "como alguém se torna o que é". (Cf. Nietzsche, 1995).

Consideramos que o problema central como questão do educador constitui-se dos desdobramentos da tese de Adorno no campo educacional presente na seguinte frase: "quem é severo consigo mesmo adquire o direito de ser severo". (Adorno, 1995, p. 128). Esta tese alcança dimensões trágicas na realização das práticas educativas, pois estaríamos presenciando nestes mecanismos educativos o campo propício para a gênese da "personalidade autoritária" (Cf. Adorno e Frenkel e Levinson e Sanford, S.D.), na qual pode (re)produzir a si mesmo como "caráter manipulador". São estes mecanismos educativos que também produzem a barbárie no social. Portanto, ao pequeno descuido do educador podemos incorporar a "personalidade autoritária", pois em nome da ordem podemos determinar injustamente o "certo" ou o "errado". Assim sendo, podemos afirmar que o "autoritarismo pode significar

uma predisposição defensiva a conformar-se acriticamente às normas e mandos do poder investido pelo sujeito da autoridade. Deste ponto de vista individual, os autoritários são pessoas que invariavelmente se encontram dispostas a coincidir com as autoridades porque necessitam da aprovação ou suposta aprovação destas como um alívio de sua ansiedade pessoal. (Adorno, S. D., p. 5).

Neste caso, o enfrentamento da questão do educador sobre a formação do "caráter manipulador" deveria ser primordial para uma tentativa de assegurar o impedimento no surgimento da personalidade autoritária no exercício de sua tarefa educativa. Para tanto, um pequeno indicativo para analisarmos como o impedimento na formação do "sujeito insensível" seria a possibilidade de se permitir a experiência no campo educativo da realização da liberdade. Isso deveria ser exercitado mesmo em condições educativas que exigem uma grande quantidade de esforço psíquico na realização de práticas compulsivas de educá-lo, como no exemplo anterior, sobre aprender dirigir o carro. Entretanto, os sujeitos na vida não são educados apenas para dirigir carros. Portanto, é preciso reafirmar em todo momento que em termos educacionais devemos de algum modo reconhecer o nosso desamparo e desgoverno pulsional que não sabemos "como alguém se torna o que é". (Cf. Nietzsche, 1995). A incerteza na formação do sujeito seria uma possibilidade de amenizar as manias educacionais que são pautadas na repetição como uma exigência na fixação em tornar o sujeito o mesmo — a incorporação da memória espelhada do "eu/educador". Neste caso, se temos que repetir o mesmo que seja como algo que possa favorecer o surgimento do inédito — a liberdade de vir a ser. Como isso se realiza, não sabemos, mas podemos pensá-lo como um ponto central a ser analisado como a questão do educando.

 

Notas de rodapé

1 Para Guattari é "muito mais adequado falar de 'processo de singularização' do que falar em singularidade, no sentido de que o que há são processos diferenciais. (...) você no seu devir singular está introduzindo um outro processo diferencial de singularização, infra-individual. Toda questão está em saber como é que se articulam esses diferentes processos de singularização que você está vivendo". (Guattari e Rolnik, 2005, p. 92)

2 Compreendemos o "sujeito especular" a partir da afirmação de Lacan que considera o sujeito num "(...) drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação — e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica — e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental". (Lacan, 1998, p. 100).

3 Alguns alunos do Curso de Engenharia com que tenho conversado ultimamente estão aprendendo "Mandarim". Ao perguntar sobre o interesse em aprender essa língua escuto a seguinte resposta: "hoje em dia tem muita indústria contratando somente candidatos que saiba chinês, pois a china é um grande mercado".

4 A Escola de Formação de Sargento da Policia Militar do Estado de São Paulo fica ao lado da Marginal Tiete e possui na sua porta de entrada a marca ISO 9001 e ISO 14000. A ISO é uma "sigla da Organização Internacional de Normalização (International Organization for Standardization), com sede em Genebra, Suiça e que cuida da normalização (ou normatização) em nivel mundial. (...). Ter um certificado ISO 9000 significa que uma empresa tem um Sistema gerencial voltado para a qualidade e que atende aos requisitos de uma norma internacional". http://www.iso9000.com.br/basicas.htm, acessado em 19 de fevereiro de 2008.

5 Esse será o nosso tema futuro de pesquisa cujo tema será — A questão do educando: seria possível resistir a compulsão de educar no sentido de promover a própria liberdade de si mesmo.

 

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