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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

Projeto brincante: uma experiência no espaço hospitalar

 

 

Ruth Helena P. Cohen

Professora da pós-graduação do IP UFRJ e da EEFD/UFRJ, coordenadora do Projeto Brincante e psicanalista

 

 


RESUMO

Este depoimento apóia-se no Projeto Brincante, que foi concebido a partir de uma demanda da equipe médica do Setor de Hematologia do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira — IPPMG-UFRJ. Esta instituição,vem constatando um enorme sofrimento psíquico nas crianças que se encontram em tratamento quimioterápico para doenças onco-hematológicas.
Pelas especificidades da dinâmica hospitalar optou-se por utilizar, como local de trabalho, além da quimioteca, a sala de espera dos ambulatórios do referido hospital. Desta forma, estendeu-se a intervenção do projeto a um universo diversificado de crianças. Desde o ano de 2006, a equipe brincante vem trabalhando nos referidos espaços com os sujeitos-brincantes, nome dado às crianças que participam do projeto.
Frente ao desafio imposto criou-se um dispositivo e uma metodologia de trabalho que busca transformar os ambientes de espera em lugares de apaziguamento das tensões geradas pelos procedimentos médicos.
Foi assim que, apostando no ato de brincar, como uma das mais importantes formas de tratamento da dor psíquica na criança, que o presente artigo teve como principal objetivo trazer o testemunho de alguns recursos disponibilizados através de uma pesquisa-intervenção em andamento. Com essa explanação pretende-se indicar um especifico cenário, onde o brincar oferece uma forma de tratamento possível ao mal-estar imposto pelo ambiente hospitalar. Como dispositivo foram criadas oficinas temáticas, na sala de espera dos ambulatórios e a Bandeja brincante na sala de quimioterapia. Cabe ressaltar que o que se privilegia é uma escuta diferenciada ao que o brincar quer dizer, pois acredita-se que este ato da criança tem o estatuto de uma enunciação.

Palavras chave: brincar, hospital, psicanálise e criança.


 

 

O Projeto Brincante resulta da demanda feita pela equipe médica do Setor de Hematologia do IPPMG — Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira — que vem constatando um enorme sofrimento psíquico nas crianças que se encontram em tratamento quimioterápico, para doenças onco-hematológicas. Além do desconforto imposto pela própria doença, os pacientes precisam ficar de quatro a seis horas sentados, tendo seus movimentos limitados durante o procedimento medicamentoso.

Frente a essa problemática a professora Adjunta da pós-graduação do Instituto de Psicologia – IP/UFRJ e da Escola de Educação Física e Desportos – EEFD/UFRJ, a Dra Ruth Helena Pinto Cohen se propôs reunir uma equipe que tivesse interesse em pesquisar diferentes formas de minimizar a dor psíquica desse grupo de crianças. Ficou acordado um trabalho de parceria, entre as três unidades para atender as necessidades especiais dessas crianças desde 2006.

O trabalho vem sendo desenvolvido em duas seções: na sala de quimioterapia (2008) e na sala de espera dos ambulatórios, (2006) quando os pacientes fazem exames de sangue para decidir as possibilidades do tratamento ou esperam por consulta médica. Vale ressaltar que o público alvo da pesquisa varia de sessenta a cem crianças, na maioria de três a doze anos de idade, que têm no fantasiar uma importante possibilidade de transformar a dor psíquica, inerente ao ambiente hospitalar, em prazer através do brincar.

Com o objetivo de implantar uma pesquisa-intervenção a equipe do Projeto Brincante desenvolveu algumas ações preliminares, tendo como meta a preparação dos pesquisadores para lidar com a complexidade da situação quimioterápica, em seu enquadre real, além de elaborar a construção de um dispositivo que transformasse a sala de espera dos ambulatórios em um espaço brincante. Tais iniciativas incluíram: participação em reuniões com as equipes médicas, de enfermagem, de psicologia e com os diferentes grupos integrantes do Projeto de Humanização do IPPMG; planejamento da ambientação lúdica da sala de espera e capacitação dos alunos envolvidos na pesquisa de campo.

Para o trabalho na quimioteca o Projeto Brincante, sob a responsabilidade de uma designer, colaboradora confeccionou uma bandeja que se acopla à cadeira da quimioterapia, possibilitando assim o brincar quando há impossibilidade de locomoção. Neste local, os alunos de graduação da EEFD/UFRJ e da pós-graduação do IP/UFRJ, viabilizam o brincar das crianças disponibilizando as bandejas Brincante e oferecendo uma escuta diferenciada as narrativas que neste lugar são produzidas.

Além do dispositivo implantado na sala de quimioterapia a equipe Brincante vem trabalhando na sala de espera dos ambulatórios, sob a forma de quatro oficinas temáticas: Artes Plásticas, Jogos, Dramatização e Movimento. Com as oficinas Brincante abriu-se espaço para uma nova visão do ambiente hospitalar.

Através da pesquisa-intervenção o projeto vem buscando verificar as conseqüências decorrentes da transformação da sala de espera dos ambulatórios do IPPMG em um espaço lúdico, criando assim, uma nova forma para as crianças permanecerem no hospital. Tem-se observado um grande paradoxo, pois, no lugar da doença, a sala de espera é revestida de alegria pintada pelo colorido dos panos que voam levando consigo batmans, homens aranha, princesas e animais ferozes.

Nesse cenário tem sido possível verificar que as relações de afeto são facilitadas propiciando ao sujeito brincante a criação de saídas possíveis para escoar o mal-estar imposto pelas doenças e procedimentos medicamentosos.

[...] acreditamos que o brincar no ambiente hospitalar poderá funcionar como um ato de descarga e domínio sobre o impossível de se controlar, o que levaria alívio à criança. No lugar de vivenciar a reprodução de alguma experiência traumática, vinculada aos cuidados médicos, a criança encontra meios de tratar da própria angústia ao ser o agente dessa ação.(COHEN, FARIA & MAGNAN, 2009, prelo).

O Projeto Brincante vem paralelamente pesquisando, através de entrevistas, semi-estruturadas, com os familiares dos usuários do hospital pediátrico, as mudanças que eles conseguem observar com a implantação do dispositivo criado. Tem-se registrado depoimentos e alguns resultados parciais, que indicam que os familiares encontram respaldo e alívio no dia em que seus filhos participam das oficinas. Os médicos e enfermeiros, também têm dado um parecer bastante positivo sobre o projeto. Segundo eles as oficinas, além de atingir os objetivos propostos pela equipe, minimizam os acidentes e agressividade nas crianças. Constatam que elas são um instrumento facilitador para o desenvolvimento de suas atividades. Sobre a bandeja brincante, as enfermeiras chamam-na de bandeja-calmante.

O espaço brincante, oferecido nas oficinas, não é meramente recreativo, nele os oficineiros pesquisadores(alunos da UFRJ) atuam como facilitadores do brincar, com uma proposta não diretiva, através do acolhimento e da escuta diferenciada, preocupando-se com a singularidade dos sujeitos brincantes (nome dado aos pacientes, enquanto nas oficinas). O ato de brincar livre e sem regras explícitas propicia um saber -fazer com o mal estar imposto pela situação na qual a criança se encontra inscrita. Tendo como recurso o espaço oferecido pela própria fantasia, a criança faz novos laços sociais, parcerias e encontra acolhimento e valorização para o que é muito sério: seu brincar.

Quanto à intervenção realizada na sala de quimioterapia, vale esclarecer, que por se tratar de uma pesquisa qualitativa, os resultados vem sendo avaliados utilizando-se os seguintes instrumentos: análise das fichas médicas das crianças em atendimento quimioterápico, entrevistas semi-estruturadas com os pais, questionários de avaliação semestrais, preenchidos pela equipe médica, pelos pais e equipe do projeto, além de análise do conteúdo dos relatórios, que registram as diferentes formas do brincar das crianças inscritas no estudo de campo. Os relatórios são realizados nos dois segmentos do projeto: sala de espera e sala de quimioterapia.

O público alvo da pesquisa é composto por pacientes portadores de patologias onco-hematológicas, com três a doze anos de idade, em tratamento quimioterápico intensivo. São crianças com uma freqüência irregular de atendimento, alternando períodos de internação e de atendimento ambulatorial. A maioria mora no município do Rio de Janeiro e, em menor quantidade, em algumas cidades do Estado do Rio. De maneira geral fazem parte de uma população desfavorecida sócio-economicamente e, eventualmente, de classe média, tendo mãe ou pai com terceiro grau.

A pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto visa verificar se os dispositivos criados - para viabilizar o ato de brincar na sala de espera e na quimioteca – possibilitam atenuar a dor psíquica das crianças, propiciando ao sujeito brincante a criação de saídas possíveis para escoar o mal-estar imposto pelas doenças e procedimentos medicamentosos.

Cabe ressaltar que os dispositivos que vêm sendo implantados pelo projeto se reinventam a cada encontro sendo produzidos na interseção entre grupos de sujeitos implicados no processo. A pesquisa-intervenção vem desta forma cumprindo seu objetivo maior que é de modificar o ambiente social na qual se inscreve. O que angustia as crianças, no referido ambiente, vem sendo acolhido pelo adulto, que se disponibiliza no espaço brincante através de uma escuta diferenciada que é oferecida ao conteúdo da brincadeira e pela possibilidade de simbolização que o próprio brincar e o fantasiar propiciam.

Além das ações brincantes busca-se recriar um espaço físico que beneficie e humanize a sala onde é ministrado o tratamento quimioterápico. Através das Bandejas Brincante - o brincar da criança é viabilizado, já que são adaptadas às cadeiras de quimioterapia ou a qualquer situação de espera e impedimento de locomoção, podendo inclusive serem utilizadas no leito hospitalar, em casos de internação. Este novo suporte tem sido usado, também, quando as crianças não podem por algum impedimento, participar das oficinas.

O projeto leva em conta que as atividades devem ser desenvolvidas de forma adequada às limitações do espaço hospitalar e das especificidades do quadro clínico de cada criança.

A equipe do IPPMG tem sido e continuará sendo de grande valia na orientação das possibilidades e no histórico de cada sujeito brincante.. A equipe de oficineirosse apresenta com roupas esterilizadas, mas com características lúdicas, modificando assim a gestalt do espaço a que estão submetidas as crianças, que permanecem nestes locais por muitas horas semanais e, por vezes, durante anos.

Mudando o quadro do desprazer e apostando no prazer inerente ao ato de brincar como coadjuvante ao tratamento medicamentoso se aposta, também, em cumprir um objetivo mais amplo do projeto, qual seja, a inclusão social. Portanto, o trabalho desenvolvido tem como princípio fundamental a não - segregação que a própria doença impõe às crianças, que vêem suas imagens corporais modificadas por: queda dos cabelos, processos edematosos e dificuldades motoras, conseqüentes do tratamento quimioterápico. Outra variável é levada em conta é o afastamento temporário do convívio escolar, que ocorre durante alguns períodos do tratamento da criança.

 

O ato de brincar

A partir do suporte teórico oferecido por diferentes autores, investigaram-se questões sobre o ato de brincar que pode ser pensado nos três registros de inscrição do sujeito, formulados por Lacan (1974) e utilizados por Cohen (2000): o registro simbólico, onde o brincar e o brinquedo são representantes da malha discursiva; o registro imaginário, onde o corpo da criança e do adulto, em sua materialidade, servem, assim como o brinquedo, para ocupar espaços da fantasia; e o registro real, impossível, que comparece no não-dito, naquilo que escapa ao simbólico, característico do material inconsciente.

Pensando que há um sujeito brincante e um Outro – que é denominado por Lacan como o campo da cultura, pode-se abordar o brinquedo e o brincar da criança como elementos que se inscrevem na interseção desses dois campos: o espaço da fantasia.

Apoiada nesse autor é possível sustentar que no brincar, assim como no vagido, no grito, na pintura, não há o pré-verbal, pois essas formas de expressão contêm mais do que qualquer palavra poderia expressar. Estamos no campo do "hiper-verbal", o discurso sem palavras.

Freud (1909) aproximou a criança do poeta e apontou para o fato de a realidade da fantasia ou realidade psíquica ser tecida pelo material infantil. Ao analisar a fobia de um menino de cinco anos, o pequeno Hans, demonstrou que não havia necessidade de mandar uma criança brincar ou lhe oferecer um arsenal de brinquedos, pois a produção imaginária do fantasiar organiza-se independentemente desse artifício. O que a criança cria é o sentido que ela pode dar à sua vida naquele momento, não importa com o quê. Hans, com um desenho e uma folha de papel amassada criou o mito da girafa e uma teoria própria sobre a castração, dando ao fundador da psicanálise a possibilidade de constituir o Complexo de Castração e demonstrar que o brincar não tem importância maior ou menor que o dizer dos adultos. O valor da enunciação, as possibilidades de elaborar separações e a transformação da dor em prazer, através do brincar, foi observado por Freud. Para o referido autor: "Se o médico examina a garganta de uma criança ou faz nela alguma pequena intervenção, podemos estar inteiramente certos de que essas assustadoras experiências serão tema da próxima brincadeira" (1920/1976, p. 29). Sendo assim, as crianças, em suas brincadeiras, repetem experiências de vida mais significativas, podendo desta forma dar um tratamento possível as suas angústias, pelo viés do lúdico, realizando ações que seriam impossíveis na vida cotidiana.

Outro autor que ajudou a equipe do Projeto Brincante a refletir sobre a sua prática foi Winnicott, cuja teoria sobre o brincar introduz conceitos fundamentais, dentre os quais podem ser destacados os de objeto transicional e de fenômeno transicional. O objeto transicional configura-se na transição do bebê de um estado fusional, com a mãe, para outro de maior independência. A brincadeira, dentro desse enquadre, pode ocorrer no espaço intermediário, entre o corpo da mãe e o da criança, onde se localizam os fenômenos transicionais. A criança em seu processo gradativo de separação do corpo da mãe inicia um desinvestimento do objeto, que representa sua ligação com ela, na medida em que vão se desenvolvendo os interesses culturais (WINNICOTT, 1975).Com isso o autor indica que a criança passa do brincar isolado com seus objetos, no espaço transicional, para um brincar compartilhado, indicando sua inserção no mundo da cultura.

Com o suporte teórico-prático oferecido pelos autores pesquisados foi possível realizar a criação de um primeiro dispositivo, o qual começou a ser implementado a partir de 2006, sob a forma de uma pesquisa-intervenção.

 

A Pesquisa-Intervenção

Considerada, como uma das tendências da pesquisa participativa, a pesquisa-intervenção busca investigar a diversidade qualitativa dentro da vida de uma coletividade. É uma proposta de produção de conhecimento compartilhado entre o pesquisador e os sujeitos envolvidos, o que significa dizer que seus resultados se apresentam em forma de processos. Sua abordagem é definida como possuindo duas dimensões essenciais: uma política e uma educativa, assim, Rocha & Aguiar (2003) complementam:

Na pesquisa–intervenção, a relação pesquisador/objeto pesquisado é dinâmica e determinará os próprios caminhos da pesquisa, sendo uma produção do grupo envolvido. Pesquisa é, assim, ação, construção, transformação coletiva, análise das forças sócio-históricas e políticas que atuam nas situações e das próprias implicações, inclusive dos referenciais de análise.( p.72)

Os dispositivos vêm sendo re-inventados a cada encontro e, portanto, são produzidos no processo da interseção entre grupos de sujeitos: crianças, alunos da graduação e da pós-graduação, equipe médica e professores que coordenam o projeto. A pesquisa-intervenção vem cumprindo, assim, seu objetivo maior que é o de modificar o ambiente social na qual se inscreve, ou seja, o projeto vem atendendo a cerca de sessenta crianças, semanalmente, numa faixa etária que, atualmente, vai de oito meses a quinze anos de idade, que encontram no brincar e no fantasiar uma importante possibilidade de minimizar a dor imposta pelas diferentes patologias que se apresentam no ambiente hospitar.

 

O Dispositivo: as Quatro Oficinas Brincantes

Com o Projeto Brincante, na sala de espera dos ambulatórios do IPPMG, buscou-se verificar na psicanálise os recursos apropriados à intervenção, visando minimizar as tensões geradas no recinto onde a criança aguarda pela consulta médica. Para viabilizar o ato de brincar no referido local, chegou-se ao estabelecimento de quatro oficinas temáticas: Movimento, Dramatização, Jogos e Artes Plásticas – áreas dedicadas à brincadeira espontânea, mas que tem como fator orientador a delimitação dos espaços com suas especificidades. O dispositivo implantado disponibiliza espaços, objetos e materiais, deixando que o sujeito brincante os explore livremente. A criança elege a oficina na qual quer começar a brincar e tem autonomia para sair e entrar em cada uma delas, na hora em que desejar. A ação de cada participante é movida por seu próprio desejo, facilitando a criação. O gesto e o agir possuem significados simbólicos, satisfazendo as mais profundas e autênticas fantasias.

Para favorecer a ação dos sujeitos brincantes, a oficina do Movimento é composta dos seguintes materiais: bolão, amarelinha, blocos de espuma coloridos e tapete acolchoado.

Nesses anos de funcionamento do projeto, observou-se nesta oficina algumas atividades recorrentes. Dentre essas, destacam-se os pulos e saltos sobre o bolão, projetando o corpo da criança no espaço para finalmente pousar no colchão, bem como a construção de casas, com a utilização das almofadas coloridas, que criam um lugar de acolhimento e proteção contra ameaças imaginárias.

Logo após a oficina do Movimento, encontra-se a de Dramatização, que tem como função trabalhar as múltiplas identificações que o fantasiar oferece. As brincadeiras que aparecem nessa oficina possibilitam ao sujeito brincante identificar-se com personagens que lhe permitam projetar no espaço e no tempo seus fantasmas imaginários. Freqüentemente, surgem personagens como o lobo, o monstro, o jacaré e a bruxa, que dão à criança a chance de brincar com o medo, como uma forma de controlá-lo. Aparecem, também, as brincadeiras cujas identificações, estão relacionadas a membros da família, ligados a imagens masculinas e femininas e com heróis. Tais identificações vêm de toda história vivida pela criança, e, através desses personagens, é possível deixar falar seu inconsciente, e desta forma dizer o que "não pode ser dito".

Para tal, são disponibilizados os seguintes materiais: tecidos variados, de diferentes texturas, cores e tamanhos; aventais; chapéus; gravatas; bolsas; perucas; óculos; narizes de palhaço; bigodes de plástico, fantoches, um pequeno palco, uma arara e um espelho onde as crianças podem se olhar.

No espaço oposto da sala, encontra-se a Oficina dos Jogos, que tem a característica de oferecer materiais não estruturados, dando maior chance a diferentes construções. Neste local estão os legos, os blocos de madeira de diferentes formas, cores e tamanhos, brinquedos para encaixar, um quadro de metal, bonecos sem rosto ou roupa, que podem ser criados a cada momento, além de roupas e acessórios, sendo este Kit de material imantado.

As brincadeiras mais freqüentes nesta oficina envolvem a construção/desconstrução de casas, torres, armas, estradas, pistas de corrida, entre outras. Após a confecção do objeto, este geralmente é destruído, o que se dá como uma forma de reasseguramento do eu, imagem que precisa ser constantemente reafirmada. O prazer de destruir é tão presente quanto o de construir.

Por último, na Oficina de Artes Plásticas, a criança pode representar plástica e graficamente o material produzido por suas fantasias. Aqui encontram-se os seguintes materiais: papel, canetas hidrocores, lápis cera, massinha para modelar, pranchetas, barbante, quadros brancos para desenho e a Bandeja Brincante i.

Nesse último espaço, através do material disponibilizado, o sujeito brincante poderá dar uma forma externa ao que se passa em seu mundo, à sua história inconsciente. Ao observar sua produção como espectador, estimulada pelo oficineiro brincante a colocar palavras sobre o que realizou, a criança trabalha dando um sentido próprio a sua criação.

As crianças não são separadas por nenhum critério a priori, apenas tem como orientador a oficina temática indicando que há uma especificidade naquele espaço. Elas se reúnem a partir de demandas individuais, e acabam, muitas vezes, brincando juntas. Assim, nessas quatro oficinas, freqüentemente, contam suas estórias de vida, imaginam situações e dão um tratamento possível ao mal-estar que invade seus corpos. Desta forma, pode-se testemunhar, que os sujeitos brincantes, do vivido ao representado, têm acesso a um espaço onde podem escoar suas dores e apaziguar sua angústia, bem como as demais tensões geradas pelo ambiente hospitalar. (Cohen & Faria, 2007)

Para dar continuidade ao objetivo proposto pelo projeto vem se fazendo necessária a implantação de algumas ações. Dentre elas destaca-se o aprofundamento da pesquisa bibliográfica que abrange as incidências e as conseqüências sociais e psíquicas a que estão submetidas as crianças em ambiente hospitalar. O que orienta a pesquisa é o ato de brincar, como uma forma de tratamento possível ao mal-estar imposto pelas doenças e pelo ambiente hospitalar. Além disso é realizada a implantação de um grupo de reflexão semanal, com a equipe brincante, onde são discutidas e analisadas as atividades ocorridas em cada sessão. Destas discussões são extraídos os impasses e os casos de crianças que demonstraram alguma transformação operada pelo ato de brincar sobre o mal-estar inerente ao ambiente hospitalar. Como testemunho da prática faz-se a análise dos relatórios elaborados pelos oficineiros, cujo suporte teórico são as elaborações de Freud e Lacan, que tem a finalidade de identificar os significantes que indicam mudanças no sujeito-brincante, ou seja, uma passagem do desprazer ao prazer, um saber-fazer com o brincar. A cada seis meses é feita uma avaliação do trabalho, a partir de entrevistas com os pais e equipe médica para extrair as conseqüências do projeto.ii

A presente pesquisa visa, portanto, verificar se os dispositivos criados - para viabilizar o ato de brincar na sala de espera e na quimioteca – possibilitam atenuar a dor psíquica das crianças, propiciando ao sujeito brincante a criação de saídas possíveis para escoar o mal-estar imposto pelas doenças e procedimentos medicamentosos.

 

o que se espera?

A partir do material discursivo coletado: nas entrevistas com pais e equipe médica que cuida da criança, dos relatórios realizados, a cada encontro com as crianças, são recolhidos dados para pesquisa através da análise do conteúdo sobre o brincar das mesmas. São verificadas as repetições de temas e materiais que indiquem formas de simbolizar a dor psíquica, assim como alguns mecanismos da fantasia infantil que permitem constatar que pelo brincar a criança pode simbolizar o real que se impõe trazendo sofrimento. Se aposta no saber-fazer com o brincar como o mais sério dos discursos. Esse material vem sendo referendado pela pesquisa bibliográfica que acompanha todo o processo.

Através dos relatórios semanais, faz-se um estudo de casos, que indiquem mudanças ocorridas no comportamento da criança frente ao espaço hospitalar e a própria doença. Sabendo-se que não é possível estimar uma relação de causa e efeito de forma direta, pode–se, entretanto, verificar no relato dos adultos que lidam com as crianças envolvidas no projeto, se houve alguma mudança, nas mesmas, que eles possam relacionar com a intervenção do Brincante. As análises parciais, semestralmente feitas, servirão de orientação para a continuidade do trabalho. Uma avaliação geral e mais abrangente é realizada no final de cada doze meses, ou seja, verifica-se se as oficinas Brincante e o trabalho realizado na quimioteca contribuíram no tratmento das referidas doenças, que modificam a imagem corporal das crianças, provocando alterações na sua vida sócio-afetiva.

 

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_____ e COSTA M. R. L. É possível um saber-fazer "brincante" com as famílias de crianças no hospital? Publicado no Boletin n 4 do CIEN digital, pg 20-30. 2008

_______ Projeto Brincante Vídeos 4º e 5º Congressos de Extensão da UFRJ prêmio FUJB/ 2007 e 2008

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i Material criado pela designer colaboradora do projeto, Aline Cohen, tem inúmeras possibilidades de trabalho com a criança, pois podem ser adaptadas além da cadeira de quimioterapia, a qualquer situação de espera e impedimento de locomoção.
ii Observação: Cada oficina da sala de espera é semanal e tem a duração de uma hora e meia semana e na quimioteca são realizados plantões de duas horas, três vezes por semana. São respeitados os limites físicos e operacionais do trabalho hospitalar