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On-line ISBN 978-85-60944-35-4

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

Um acompanhamento terapêutico na escola: seus alcances e possíveis entraves

 

 

Ana Lícia de Camargo Barros Pegorelli

 

 

A Legislação Brasileira (LDB - 1996) prevê igualdade de condições ao acesso e permanência na escola para todas as crianças. Tal legislação garante o direito de crianças com necessidades educacionais especiais estarem matriculadas em escolas regulares e, assim, coloca em evidência a questão da inclusão escolar. No entanto, não é o fato de o direito ao acesso à escola estar garantido, que garante uma inclusão bem sucedida. Este processo não é simples e sem problemas, nem para as crianças, nem para as escolas, ainda mais quando se trata de uma criança com comprometimento psíquico grave, pois implica mudanças e possíveis dificuldades para ambas as partes.

Garantir o direito ao acesso à escola para todas as crianças é importante e necessário. Segundo Kupfer, 2006, a escola garante um lugar de pertinência, quem vai a escola recebe o estatuto de criança (Kupfer, 2006). Além disso, a escola representa uma passagem de uma convivência apenas familiar para uma ampliação dos laços sociais.

Como afirma Jerusalinsky (2006), a escola é a instituição incumbida pela sociedade de transmitir cultura, instruir, proteger e preparar as crianças enquanto o futuro que dará possibilidades de escolha não chega. Isto implica que, frente à inclusão de crianças com comprometimento psíquico, a escola tenha um projeto de transmissão de cultura inclusive para estas crianças, um projeto que arme expectativas quanto a sua aprendizagem e lhes propicie desafios fundamentais para suas aquisições e não apenas deixá-las na escola porque todos vão.

Diante disso, a escola se encontra com a necessidade de pensar em estratégias que possam viabilizar este processo, ou seja, que possibilitem a permanência destas crianças na escola, a convivência com as outras crianças, com os professores, a participação delas no cotidiano escolar, e, principalmente que elas possam ser inseridas num projeto pedagógico.

Para isto, é essencial considerar cada caso em particular, com suas especificidades e pensar um processo de inclusão que possa ser possível para tal caso.

As crianças que apresentam uma importante recusa de laço, como as autistas, percebem o contato com os outros como ameaça, tendo muita dificuldade em suportar o barulho e a "invasividade” dos outros ao seu redor. Segundo Kupfer, em 2005, este é um custo embutido no processo de inclusão destes casos que pode ser maior que os benefícios. (Kupfer, 2005). Situações de invasão e excesso de demanda causam muita angústia.

Milmann (1998) coloca que diante de uma demanda excessiva que pode acontecer numa escola durante o processo de inclusão de crianças com problemas de desenvolvimento, é a subjetividade que corre riscos. Para alguns casos de desorganização da estrutura psíquica, diante do excesso de demanda que o ensino regular representa, eles "desintegram subjetivamente”.

Diante desta situação, a inclusão escolar fica impedida, já que estas crianças não suportam o encontro com os outros. Portanto, a relação delas com a demanda dos outros e da escola precisa ser mediada. Para estes casos, o Acompanhamento Terapêutico é uma estratégia que pode trazer benefícios. Embora o enfoque deste trabalho seja clínico, e a escola seja uma instituição cujo foco não é este, nestes casos, uma intervenção clínica pode ter efeitos importantes para o processo de inclusão.

A experiência de A.T. que motivou a escrita deste trabalho ocorreu com um garoto que apresentava tais características, neste caso havia exatamente este custo, que sem uma intervenção específica poderia se tornar maior que os benefícios.

O garoto apresentava aos cinco anos de idade, uma recusa maciça do contato com o outro, fechava os olhos, tampava os ouvidos e ficava de costas para as demais pessoas a maior parte do tempo; nenhuma relação com as outras crianças; pouco contato com a professora e uma dificuldade muito grande em permanecer na sala de aula.

Deste modo, neste caso, o A.T. foi uma estratégia usada pela escola para viabilizar o processo de inclusão e permitir que o estar na escola para esta criança não fosse tão custoso. O AT ocorreu como uma estratégia clínico-escolar, na medida em que contou com a interlocução de psicanalistas para articular a direção da intervenção. O trabalho tinha como direção possibilitar uma circulação pela escola na qual a criança pudesse ter novas experiências constituintes, e não, que o freqüentar a escola recaísse como um simples mandato adaptativo familiar e/ou social.

Neste caso o trabalho de AT teve início sem uma articulação com um tratamento analítico. No início do processo a criança não estava em tratamento psíquico, freqüentava terapia fonoaudiológica e terapia ocupacional. É preciso mencionar que em casos como estes, algumas vezes, pode haver resistência por parte dos pais em considerar os problemas de constituição psíquica. Esta era uma resistência presente neste caso, que foi incrementada por tratamentos com focos adaptativos, o que afastou por bastante tempo este garoto de um tratamento que pudesse trabalhar com as questões de constituição psíquica.

Um dos aspectos mais importantes deste trabalho, foi que a transferência com a AT possibilitou trabalhar com a família um encaminhamento para um tratamento analítico, não no tempo ideal, mas possível.

Frente a isto faz-se necessário marcar que o trabalho de AT aconteceu por um tempo sem articulação com o tratamento, mas esta era uma das metas a serem atingidas ao longo do processo. Este cuidado foi importante para que o AT não ficasse no lugar de um tratamento necessário, ou seja, não encobrisse algo que a família não queria ver, interferindo na sua implicação e comprometimento na relação com a criança. Segundo Julieta Jurusalinsky "Com a infância estamos sempre com um pé na saúde e outro na educação”, e se uma intervenção elidir o lugar da outra, corta a circulação da criança.

No início do trabalho, o que era possível para a criança era estar na escola, mas não necessariamente na sala, onde a demanda dirigida a ela e o barulho eram excessivos. Isto fez com que o acompanhamento ocorresse por muito tempo fora da sala, o que causava estranhamento nos professores. Porém, nestes casos em que há recusa de contato, a demanda do professor, característica de sua função, é percebida como invasiva, como excessiva. Diante disso, a criança pode se beneficiar do encontro com um outro que possa flexibilizar as demandas dirigidas a ela e que possa calcular o quanto de presença é suportável para este sujeito.

Esta foi a função do AT neste caso, flexibilizar a demanda, permitir uma circulação pelo espaço da escola e aos poucos estabelecer um vínculo com a criança a partir do qual foi possível armar brincadeiras, suportar por mais tempo o contato, participar um pouco mais do cotidiano escolar e, conseqüentemente, ir modificando sua percepção acerca do Outro. Além disso, poder pensar com a escola e os professores adaptações curriculares possíveis para que atividades que envolvessem aquisições pedagógicas e propiciassem  avanços na direção da aprendizagem fossem apresentadas para a criança.

Neste acompanhamento terapêutico escolar, ocorreu trabalho de extensão da circulação que aconteceu no espaço da escola, o que permitiu circular para fora da sala de aula, explorar o parque, o tanque de areia, lugares que serviram de cenário de muitas interações importantes entre a criança e a a.t., o que, para este caso, teve um papel fundamental. Além disso, a criança pôde ir se apropriando deste espaço na medida em que foi elegendo lugares preferidos que representavam segurança e possibilitavam uma organização diante de momentos de angústia. 

Ainda segundo Jerusalinsky (2006) o circular não basta, o que importa é pensar a partir de quais referências se constitui o percurso a ser traçado durante esta circulação. O caminho vai sendo construído não aleatoriamente, só para distrair ou passar o tempo, ele é construído "a partir do despertar dos interesses que comparecem no estabelecimento do laço entre o desejo de uma criança, com a singularidade que ele comporta, e o social” (pág. 169).

No caso abordado neste trabalho, a criança não falava, então não podia dizer com palavras os seus temas de interesse, suas vontades e preferências, mas, mesmo assim, foi possível seguir o caminho dado por ele para que fossem armadas brincadeiras e outras solicitações. No início o contato comigo, que estava na função de a.t. desta criança,  também era distante, fui me aproximando aos poucos através das brincadeiras na areia. Ele transferia a areia de um balde para outro, enchendo e esvaziando, um movimento repetitivo que deixava dúvidas se aquele ato era mesmo uma brincadeira ou um automatismo. Aos poucos fui oferecendo a minha mão como um outro recipiente para a areia e introduzindo variações neste ato e com isto ele aceitava minha presença. Assim, para este jogo minha presença tornou-se suportável.

Com o tempo foram acontecendo novas brincadeiras, o nosso contato foi aumentando e ele logo percebeu que podia contar com minha ajuda em alguns momentos, seja em algumas brincadeiras, seja para sair da sala.

Desta maneira, pode-se dizer que um vínculo foi sendo criado e a partir dele, novas interações foram possíveis e a criança pôde ir mostrando outras preferências além da areia, que eram a balança, se pendurar nas cordas e pular de lugares altos. A partir das atividades que ele elegia, as minhas intervenções tinham como objetivo fazer delas, através das aberturas que ele deu, uma oportunidade de laço com o outro, ou seja, com isto ir construindo com ele, uma nova relação e aos poucos introduzindo variações a fim de que fosse possível incluir o outro no brincar.

Jerusalinsky (2006) coloca ainda que no trabalho com crianças com comprometimentos graves é preciso reconhecer e recolher uma palavra, por mais discretamente que tenha aparecido e dar-lhe um valor especial para que possa ocupar um lugar na busca do desejo, é função do trabalho clínico "emprestar o fio para alinhavar uma série significante na qual a criança possa se reconhecer e depois se apropriar” (pág. 170).

Um exemplo disso é uma cena que vivemos no parque. Ele estava brincando de pular de uma teia de cordas com a minha ajuda, em alguns momentos ele pulava sem que eu estivesse esperando, aos poucos fui marcando que tinha um tempo, para pular. Propus um combinado de contarmos até três e pular, e assim, eu sempre olhava para ele e contava: ”um, dois, três e já!” e aí ele pulava. Depois de algum tempo, num dia em que eu não estava esperando, ele olha para mim e diz: ”uuu...” eu pergunto se ele queria pular, ele sobe nas cordas, eu conto até três e ele pula. Assim, a minha palavra marca um ritmo para a brincadeira, marca a minha presença, o que possibilita a ele estabelecer uma demanda. A partir deste dia, este "uuu...” passou a inaugurar uma série de solicitações, seja para as brincadeiras, ou para outras situações em que ele quisesse a presença ou ajuda do outro. Entendo que foi apenas porque em muitos momentos eu suportei estar em silêncio, sem demandar, isto é, de certa forma ausente, que tal intervenção teve efeitos. Foi diante da minha ausência que a demanda dele pôde aparecer.

Concomitante com esta possibilidade de se dirigir ao outro e solicitar algo, aos poucos foi aparecendo uma resposta negativa bem estruturada quando queria recusar algo. Ele balançava a cabeça fazendo um NÃO fortemente engatado na demanda do outro, ou seja, diante de um pedido, convite ou chamado, se ele não quisesse respondia desta maneira. Além disso, passou a responder com o olhar a quase todas as vezes em que era chamado pelo nome, o que não acontecia antes.

Assim, pode-se dizer que o encontro dele com a a.t. como um outro menos invasivo, menos imperativo, e sem uma demanda adaptativa, possibilitou a ele demonstrar alguns interesses e vontades, se posicionar diante de alguma situação seja solicitando ou recusando algo.

Portanto, estes avanços nas possibilidades de contato não acontecem espontaneamente, isto acontece através da intervenção oportuna de um terapeuta, neste caso de um a.t. que segundo Jerusalinsky (1999), pode apresentar uma dimensão de descontinuidade, ou seja, introduz para a criança as alternâncias de presença e ausência, fundamentais para a constituição do sujeito. Ou seja, começa a introduzir a dimensão da falta, que não se apresenta para crianças com comprometimentos psíquicos graves.

Um outro exemplo de uma intervenção que parte do recolhimento de uma pista dos interesses da criança foi quando um correr em círculos sozinho se transformou numa brincadeira de "pega – pega”, na qual ele me chamava para pegá-lo, fazendo "uuu...” e começando a correr.

Brincadeiras como estas, que nortearam o trabalho de A T neste caso, são chamadas de jogos constituintes do sujeito (Jerusalinsky 1999). Estes são brinquedos ou brincadeiras que tem a capacidade de promover a constituição do sujeito à medida que colocam em cena a descontinuidade.  São eles: os jogos de superfície ou jogos de borda; o cadê – achou e o de continente e conteúdo. Estes jogos são importantes para a constituição do sujeito, pois apresentam a separação e a falta.

Assim, pode-se dizer que o AT, além dos efeitos terapêuticos também oferece uma sustentação no cotidiano escolar, na medida em que também se ocupa de mediar a relação da criança com possíveis adaptações curriculares, o que permite avanços no processo de inclusão.

Este é o outro ponto importante deste trabalho, as conversas com os professores sobre as possibilidades e limites específicos desta criança. A partir disso, a professora de sala pôde oferecer atividades paralelas às do grupo, a partir de adaptações curriculares, que se aproximavam mais das possibilidades e necessidades da criança, transmitindo conteúdos pedagógicos. Tais atividades envolviam colagem, pintura, diferenciação das cores, formas geométricas, dimensão espacial, trabalhos com as letras do nome dele...

Consequentemente, a criança passou a levar para casa uma pasta com atividades que efetivamente tinha realizado, não apenas a que levava antes, com as atividades referentes ao seu grupo, incompletas. Isto teve um papel importante, pois a família teve acesso a algumas produções da criança que causaram surpresa, e isto pôde interferir no que se esperava dela. Jerusalinsky (2006) afirma que para o desenvolvimento da criança, a constituição do sujeito e as realizações instrumentais têm papel importante. Quando surgem novidades que surpreendem a família, opera-se um reconhecimento de seu lugar de sujeito.

Assim, acreditamos que, para alguns casos o AT pode ser um importante recurso para o processo de inclusão escolar, já que possibilita o trabalho com a criança e com a escola. No entanto a presença do a.t. também traz algumas questões.

Existe muitas vezes, um estranhamento por parte dos professores diante da presença de uma pessoa de fora da escola, que faz um trabalho que acontece em muitos momentos fora da sala e com enfoque clínico. Além disso, é preciso levar em conta que, quando se tem um outro profissional ali com o aluno que traz questões e dificuldades, pode-se criar chances de que os professores e a própria escola se desempliquem do que está difícil, afinal, "esta pessoa está ali para ‘ficar’ com tal criança”. Esta presença pode ainda introduzir um sentimento de impotência nos professores, como se eles não soubessem o suficiente e não pudessem trabalhar com tais crianças.

Uma maneira de manejar estes problemas é poder pensar junto com a escola e os professores qual o foco do trabalho do a.t. naquele momento, quais as necessidades e limites daquele aluno, pensar em intervenções que poderiam ajudar a criança sem excluir a participação do professor e ajudar o professor a pensar na construção de um projeto pedagógico para a criança. Ou seja, implicá-lo e incluí-lo neste processo.

No caso aqui apresentado, os professores puderam se envolver no processo de inclusão desta criança. E a criança também pôde diferenciar as atividades realizadas com a a.t. das que eram realizadas com os professores. Isto demonstra que o trabalho viabilizou uma possibilidade de laço entre o aluno e o professor. Assim, mesmo com as limitações e comprometimentos da criança, pode-se dizer que há uma criança na escola.

Jerusalinsky (2006) afirma que a presença do a.t. funciona como instrumento na construção de laços com o social, e na medida em que estes laços operarem deixaremos de ser necessários. Isto foi exatamente o que ocorreu no caso que motivou esta escrita. Após um pouco mais de dois anos de trabalho, os laços desta criança com a escola e os professores passaram a operar, ou seja, ela passou a solicitar tal professora para brincar, quando queria a brincadeira que esta professora havia ensinado, respondia à demanda da professora da sala na realização das atividades muito melhor do que quando outra pessoa sugeria e conseguia participar mais do cotidiano escolar. Além de poder suportar por mais tempo o contato com os outros e ficar mais tempo na sala de aula com o grupo. Frente a isso a a.t. pôde diminuir as horas de acompanhamento, visto que em alguns momentos a sua presença já era desnecessária.

Deste modo, destaca-se a importância que teve para esta criança que apresentava uma evitação maciça do contato com o outro e tinha uma percepção do outro como invasivo, o encontro com alguém que pôde representar uma flexibilização das demandas o que possibilitou o início do estabelecimento de uma demanda do lado da criança. Este vínculo possibilitou que a criança se situasse melhor diante da demanda da escola e dos outros, podendo aceitar ou recusar propostas, fazer solicitações, ou seja, adquiriu um recurso simbólico para se relacionar com o outro. Desta forma, a saída não é apenas fechar os olhos, tampar os ouvidos e virar de costas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Jerusalinsky, A. (1999). Psicanálise e Desenvolvimento Infantil: um enfoque transdisciplinar. 2a. ed. – Porto Alegre: Artes e Ofícios.

Jerusalinsky, J. (2006). O acompanhamento terapêutico e a construção de um protagonismo. In Escritos da criança, nº 6. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 163 – 178.

Kupfer, M. C. M. (2005). Inclusão escolar: a igualdade e a diferença vistas pela psicanálise. In Colli, Fernando (org.). Travessias inclusão escolar: a experiência do grupo ponte Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida. São Paulo: Casa do psicólogo, 17 – 28.

Kupfer, M. C. M. (2006). Duas notas sobre a inclusão escolar. In Escritos da criança, nº 6. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat,71 –82.

Meira, A. M. G. (2006). Contribuições da psicanálise para a educação inclusiva. In Escritos da criança, nº 6. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 41 – 52.

Milmann, E. (1998). Flicts e a inclusão educacional. In Escritos da criança, nº 5. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 95 – 100.

Voltolini, R. (2004). Psicanálise e inclusão escolar: direito ou sintoma? In Estilos da Clínica: Revista sobre a Infância com Problemas, V (IX), nº 16, 92 – 101.

Voltolini, R. (2005). A inclusão é não toda. In Colli, Fernando (org.). Travessias inclusão escolar: a experiência do grupo ponte Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida. São Paulo: Casa do psicólogo, 149 – 156.