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On-line ISBN 978-85-60944-35-4

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

Psicanálise e educação e a formação do pedagogo

 

 

André Júlio CostaI; Maria Veranilda Soares MotaII

IMestrando em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais
IIProfessora Doutora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa

 

 


RESUMO

O objetivo do presente trabalho é analisar a importância da Psicanálise para a formação docente nos cursos de Pedagogia. Partimos do pressuposto, que o pedagogo é o profissional responsável pela educação de crianças e que, esse poderia fazer uso das teorias psicanalíticas para uma reflexão da sua prática. No entanto, identificamos, a partir de uma análise dos cursos de Pedagogia, das principais universidades brasileiras, que a Psicanálise é, na maioria das instituições pesquisadas, trabalhada somente como um tópico dentro da disciplina Psicologia da Educação. Para entendermos melhor como acontece o estudo dessa temática, buscamos, por meio de entrevistas com professores do curso de Pedagogia, responsável pela disciplina em referência, confrontar os estudos que apontam a Psicanálise como elemento necessário para a prática pedagógica e a dinâmica do ensino desta na Pedagogia. Concluímos que o tempo dedicado aos estudos das ideias psicanalíticas é consideravelmente curto, não sendo possível desenvolver o conteúdo previsto; que a psicanálise ajuda na escuta do professor ao que o aluno traz, evitando julgamento moral; que a visão psicanalítica pode mostrar ao professor que não é somente ele o responsável pela detenção do conhecimento; que os estudos de Freud atraem o interesse dos estudantes de Pedagogia, apesar de não objetivar a utilização da Psicanálise para a prática docente, e sim para compreensão da vida pessoal; que os alunos da pedagogia não percebem como as ideias psicanalíticas podem possibilitar uma reflexão da sua prática, no processo de interação com o aluno, com a família, aluno- aluno, além de ajudar na compreensão da sexualidade e problemas de aprendizagem. Esta pesquisa mostra que a Psicanálise pode contribuir com a formação do pedagogo e, principalmente, no desenvolvimento da ética desse dentro da sua docência. Sendo assim, ao refletir o curso de formação de pedagogos é importante considerar questões apontadas nesse trabalho.

Palavras-Chave: Psicanálise e educação; Pedagogia; Formação de Professores


 

 

Acredito que a Pedagogia tem um papel muito maior que ensinar algo a crianças. O pedagogo ocupa um lugar fundamental na vida das crianças de 0 (zero) aos 10 (dez) anos. É exatamente nessa fase que apreendemos e adquirimos as concepções de sociedade, moral, valores, entre outras. Esse período da infância, coincidente com a fase escolar de responsabilidade do pedagogo, foi de grande importância para o desenvolvimento das teorias da Freud, ao longo da Psicanálise. Nessa fase, os processos educativos "modificam os seres humanos nos seus estados físicos, mentais, espirituais, culturais, que dá uma configuração à nossa existência humana individual e grupal" (Libâneo, 2001).

A psicanálise tem um importante papel na formação do pedagogo, transmitindo a esse "uma ética, um modo de ver e de entender sua prática educativa" (Kupfer, 1999). Os ideais psicanalíticos vem ocupando, nas últimas décadas, um espaço no âmbito educacional e nos processos educativos de crianças (Lanjonquière, 2009; Kupfer, 1999, 2007, 1997; Voltolini, 2008; Pereira, 2010, 2003, 2008; Millot, 2001; Cifali, 1982; Abrão, 2006). De forma que se torna necessário entender a importância da Psicanálise para a vida profissional do pedagogo. Sendo assim minha pretensão com essa proposta de pesquisa é entender por que não se trabalhar com a Psicanálise de forma mais consistentes nos cursos de Pedagogia, nos cursos de formação de professores? Qual a influência dessa área quando trabalhada nos cursos de pedagogia?

A complexidade do trabalho do pedagogo está dada pela responsabilidade de mediar o laissez-faire e a frustração (Lanjonquière, 2009), no contexto de aprendizagem escolar. Essa é uma discussão inerente ao campo da Psicanálise, podendo levar o pedagogo a uma compreensão da criança como sujeitos de desejo, e consequentemente ter uma nova visão e um novo entendimento de sua prática educativa.

Hoje se tem discutido muito sobre a formação do professor, sendo essa quase que uma obsessão na área de estudos pedagógicos, onde se credita a responsabilidade pelo fracasso escolar à falta de coerência teórica do professor nas disciplinas e no processo de aprendizagem (Amorim, 2005). No entanto, quando se discute a formação de professores, significa extrapolar simplesmente os aspectos curriculares, em direção as atuais questões que possam possibilitar uma análise melhor estruturada, apta a apreender as relações sociais na sua totalidade (Veiga, et al, 1997). Se pensar a Pedagogia meramente como uma formação de professores pode ser muito simplista. O pedagogo não se ocupa somente da formação escolar de crianças, sua atuação possui uma maior amplitude (Libâneo, 2001). O ofício da Pedagogia consiste em educar, ou seja, transmitir as marcas simbólicas que dão possibilidades para que as crianças gozem de um lugar de enunciação no campo da palavra e linguagem, sendo que é por meio deste que será possível ela se lançar nas impossibilidades do desejo (Lajonquiere, 2009). Também na Psicanálise, ensinar é muito mais do que a transmissão de conteúdos teorias, é abordar um ensino que é sustentado na ilusão de eliminar a distância entre o saber e o não saber.

Pensando nessa complexidade do ofício do pedagogo, se pode fazer uma reflexão sobre o espaço que as teorias psicanalíticas e, principalmente, suas discussões acerca da educação, podem ocupar dentro da formação deste profissional.

Já foi esclarecido por muitos estudiosos que a Psicanálise, momento alguma durante sua criação, teve intenção de elaborar teorias para e educação, no entanto, ao longe da história as ideias de Freud acabaram se aproximando em diversos pontos com os aspectos educacionais. Porém, no início do século XX, o pastor Oskar Pfister reconheceu a importância da Psicanálise pra a Educação, de forma pioneira (Zulliger, 1966). Tendo o pastor Pfister dado esse ponto de partida, vários autores, incluindo o próprio pai da psicanálise, percebeu que os novos estudos sobre o inconsciente e a sexualidade estavam diretamente ligados a Educação. Por esse motivo é que ao longo dos anos as teorias psicanalíticas tem sido de grande importância para os professores e profissionais da educação.

Com o passar dos anos e com a evolução dos estudos sobre temática Psicanálise e Educação, vários estudioso chegaram à conclusão de que seria impossível elaborara uma metodologia educacional com as bases psicanalíticas, ou seja, não seria possível se ter o que tentou se chamar de Pedagogia Analítica, como concluiu Millot em seu livro "Freud Antipedagogo" (2001). Porém, esses mesmos estudos perceberam que o pedagogo poderia fazer da psicanálise uma ferramenta para auxiliar seu trabalho dentro das mais diversas áreas educacionais. Chegou se essa conclusão ao se perceber que as ideias psicanalíticas estudavam a criança, sua formação enquanto individuo social e a subjetividade, de um modo geral, por esse motivo surgia uma aproximação da Psicanálise com a educação, que é a responsável pelo trabalho com de desenvolvimento da criança.

Os estudos de Freud propiciaram um profundo conhecimento da sexualidade infantil, no entanto, a psicanálise tem consciência dos limites e das dificuldades de sua aplicação como solução e cura. A psicanálise tem que ser pensada como um auxiliar da educação. O pensamento educacional elaborado por Freud busca tratar a educação dentro do papel que a escola deveria exerce na formação de crianças e nos adolescentes abordando, principalmente, a questão da sexualidade, devido ao fato de o mesmo estar vivendo um momento de construção da Psicanálise.

Em 1905, Freud publica sua obra "Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade". Nessa obra Freud ressalta a necessidade da observação da criança e sua sexualidade, percebendo a importância destsrcebendo aidade a sexualidade de grande importor diversos " futuroscipalmente por uma ter a na formação da personalidade. Como diz Reich (1942/1987), Freud abriu uma nova perspectiva para se pensar à sexualidade, "mostrou que a sexualidade adulta procede de estágios de desenvolvimento sexual na infância. Foi claro imediatamente: sexualidade e procriação não são a mesma coisa. A experiência sexual inclui um campo muito maior que a experiência genital".

Mesmo não sendo um pedagogo ou, muito menos, um educador, Freud percebeu importância da educação no processo de formação da criança, mesmo que essa tenha uma função de reprimir, como ele mesmo afirmou nas "Conferências Introdutórias à Psicanálise" no ano de 1909:

Vamos deixar claro para nós mesmos qual a tarefa mais imediata da Educação. A criança deve aprender a dominar seus instintos. É impossível lhe dar liberdade para seguir sem restrições seus impulsos. Seria uma experiência muita instrutiva para os psicólogos de crianças, mas os pais não poderiam viver, e as crianças mesmas teriam grande prejuízo, de imediato e com o passar do tempo. Logo, a Educação tem que inibir, proibir, reprimir, e assim fez em todos os tempos.

Kupfer (2007), tentando explicar essa descrença de Freud na educação, concluiu que no livro Mal-Estar na Civilização, o autor aponta que esse despreparo da educação está diretamente ligado ao recalmento sofrido pelos próprios educadores que incidirem sobre a parte infantil da sua sexualidade.

Por críticas como essas é que se percebe no grande papel que a psicanálise pode tomar dentro do processo educacional, como apontado no trecho, a educação apoiada pela psicanálise teria uma importância para tratar de assuntos como a sexualidade e agressividade de uma forma mais esclarecedora para crianças e os adolescentes.

A Educação não consiste apenas de receitas já formuladas. Existem valores, moral, proibições, além de saberes já planejados que devem ser trabalhados durante todo o processo de educacional. Os educadores são responsáveis por construir, em seus educandos, conhecimentos sobre as relações sociais cotidianos. Aspectos da relação professor-aluno, como os citados acima, nos leva a pensar que a Psicanálise tem um papel fundamental no processo educativo.

Muitas vezes os cursos de formação de pedagogos se preocupam demais em métodos de ensino, mas esquecem de preparar esse profissional para alguns aspectos da sua filosofia de trabalho, isto é, é preciso perceber que o pedagogo tem a função de ocupar uma posição de "Ideial-do-Eu" (Kupfer, 1999), de modelo para criança. Para isso é necessário que o professor se desloque do lugar de onipotência, e ocupe o lugar do "claudicante" (Lopes, 2001). Justamente nesse ponto que precisamos da Psicanálise como uma forma de elaborar o pensamento do educador, para que esse possa estar em uma constante interrogação da sua prática, a cada dia e cada experiência com crianças. A Psicanálise também é assim. Ela nunca cessa suas interrogações sobre sua adequação, precisando ser "inventada" a cada vez, a cada vivencia. Isso não quer dizer que suas teorias se modificam constantemente (Voltolini, 2008).  

A educação, dentro de um viés psicanalítico, pode ser em si mesma repressiva e violenta, visando adaptar a criança ao que é aceito socialmente (Millot, 2001). Contudo, esse processo educativo, que muitas das vezes é de encargo do pedagogo, não precisa ser abusiva nesse processo de adaptação e o educador preparado, para propiciar uma socialização saudável para a criança. A relação professor-aluno pode ser um aspecto fundamental dento do processo de aprendizagem. Segundo Freud (1914), o professor só será ouvido se estiver revestido, por seu aluno, com uma importância. Assim, a aprendizagem não está alicerçada nos conteúdos, mas sim na relação que estabelece entre o professor e seus aluno, logo isso pode favorecer ou não o processo de aprendizagem, independente dos conteúdos (Kupfer, 2007). Assim, a Psicanálise propõe que o professor seja esclarecido por teorias psicanalíticas, apostando que o efeito da transmissão da falta, de um enigma, produza efeito de formação no professor e que, assim, ele possa, por sua vez, seguir ensinando um saber vivo e não conteúdos soltos de um contexto, condição para que os alunos possam  transmitir aos que vierem ao mundo depois deles, quer filhos ou alunos (Sousa, 2005).

É preciso que pedagogos procurem inter-relacionar as teorias psicanalíticas com a Educação. Inter-relacionar não quer dizer usar tais teorias como guia das fases do desenvolvimento sexual, ou elevar o complexo de Édipo a conceito base das teorias de Freud (Pereira, Santiago, Lopes, 2009). É preciso enxergar que a Psicanálise, enquanto uma ciência, que buscou, e está sempre na busca, para compreender a subjetividade humana.

A Psicanálise além de uma ferramenta pode servir como um tipo de olhar crítico para o educador, possibilitando que esse consiga enxergar de forma mais clara os diversos comportamentos dentro do processo de desenvolvimento da criança. No entanto, vale ressaltar que se o professor desejar "beber na fonte" da psicanálise como sugere Kupfer (1997) deverá rever seus conceitos e postura ética de como utilizará esses conhecimentos em sua prática educativa, por esse motivo é preciso prepara o mesmo para seu trabalho em sintonia com a Psicanálise.

A união das duas áreas - psicanálise e educação - tem se ampliado consideravelmente nos últimos anos e que muitas experiências revelam que essa junção pode dar certo se o educador estiver devidamente preparado. Assim, a discussão da Psicanálise dentro dos cursos de Pedagogia, precisa ser melhor explorada, não para que o pedagogo se torne um analista, mas para que ele consiga refletir sua prática, pensando nas crianças como seres dotados de um enorme potencial, que se não foram bem trabalhados, se perdem durante as sua existência.

 

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