8Desejo e sexualidade na constituição do conhecimentoA aplicação da psicanálise à educação pensada a partir da proximidade entre tratar e educar - um retorno a Freud author indexsubject indexsearch form
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On-line ISBN 978-85-60944-35-4

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

O vetor da teoria na clínica psicanalítica

 

 

Antônio César Frasseto

UNESP/ Campus de São José do Rio Preto

 

 

O recuo da teoria na pesquisa educacional, na formação de professores e nos currículos escolares faz parte do debate sobre a função da educação na manutenção das relações sociais estabelecidas pelo ideário neoliberal. A reestruturação produtiva possibilitada pela microeletrônica e pelas tecnologias de informação e comunicação gerou uma nova configuração do mundo do trabalho, que tornou necessárias as mudanças no campo educacional, uma vez que nesta instância se definem os produtores e consumidores dos mercados do conhecimento. Deste modo a educação escolar é uma das instituições que a sociedade lança mão para se reproduzir material e simbolicamente formando os sujeitos requeridos num dado momento histórico.

Um marco no esforço de compreensão do que se convencionou nomear recuo da teoriaé o livro organizado por Moraes (2003). Segundo a autora, o recuo da teoria ... inaugurou tempos adversos em que os sentidos se desfazem  ... de aceitação a-crítica da lógica do capital ... da alta competitividade que ampliou a demanda por conhecimentos e informações.

O triunfo dos mercados globais e do pensamento neoliberal que lhe deu sustentação ao recuo da teoria aspirava ser único, depois do "fim" das ideologias e da história. Operou com sucesso a negação da política como modo de inserção no espaço público e promoveu um esvaziamento das ações do Estado. O recuo da teoria na educação e na formação de professores consistiu na introdução da lógica do mercado em seu lugar.

Os bens de consumo produzidos sob a égide do mercado do conhecimento, diferentemente das mercadorias do ciclo produtivo anterior, exigem produção e consumo rápidos e permanentes. O conhecimento como mercadoria é um valor adicionado ao bem, que faz com que ele se insinue como indispensável ao consumidor e mais que depressa se esvai, gerando o consumismo.

A educação a serviço do mercado desfaz os referenciais que legitimavam as ações educacionais. Recuam as noções de verdade, racionalidade e objetividade, bem como, a própria possibilidade do conhecimento. Sem teoria a educação se converte numa prática voluntarista. Na falta da mediação conceitual não há intencionalidade na ação e o trabalho do professor fica preso a resultados imediatos, numa reflexão sem teoria, encerrado na transmissão de competências operacionais.

Do ponto de vista do trabalho docente o recuo da teoria representa gerenciamento científico e avaliação por mérito. Conformada ao sistema hegemônico, a posição profissional do professor fica fora da formação teórica. São manifestações do recuo da teoria na educação e na formação de professores situações cada vez mais comuns no cotidiano; policiais, operadores do direito e empresários discorrerem sem restrições sobre o que é e como deveria ser a educação.

O neoliberalismo, enquanto pensamento único mostrou sua hegemonia durante a crise econômica de 2009, quando as alternativas que se colocaram para superá-la provieram do próprio campo neoliberal. Mas o que interessa para nossos propósitos é a influência deste pensamento na formação de professores e na pesquisa educacional.

O sistema de idéias científicas que sustentou as posições e a oposição entre marxismo e liberalismo permitia demarcar com nitidez verdade e erro, realidade e ficção, e assim assegurar as bases da lei e da moralidade. Tal sistema foi desqualificado por sua incapacidade em responder à conjuntura da internacionalização dos mercados, que transforma o saber em mercadoria.

Interessante é que a concepção de sujeito implícita nestes dois modelos teóricos antagônicos, herdeiros do conhecimento científico, pode ser apresentada como sendo um sujeito livre, racional, consciente e dotado de vontade e responsabilidade.

No passado recente, entre os críticos do liberalismo, houve uma avaliação, ainda presente no imaginário social, de que a distribuição desigual do conhecimento e das escolas no Brasil podia ser explicada como desinteresse da elite em escolarizar as massas, o que as tornaria esclarecidas, críticas e reivindicativas. Ora, que na história do Brasil a universalização da escola seja uma idiossincrasia, não desfaz a hipótese central de que convém à manutenção do capitalismo o acesso dos produtores e consumidores à escola e ao saber científico.

A conquista efetiva do poder político pela classe dos capitalistas aconteceu porque estava fundado no conhecimento científico e na escolarização em massa.

Sob a vigência do poder tradicional, produto de uma burguesia ainda em luta pela consolidação o conhecimento se produziu como interesse do poder econômico. Mas como este se desenvolvia fora dos domínios do capital, não era mercadoria, o pensamento era capaz de pensar fora do poder e podia ser articulada uma teoria da resistência e da insurgência. Quando o conhecimento se torna mercadoria a teoria da mudança histórica não pode mais ser formulada.

De uma outra perspectiva a educação e a formação docente foram definidas como local de disputa, onde se confrontam objetivos e interesses contraditórios. Existe sim o recuo da teoria, mas também, a presença de outras teorias. Aqui o problema será posto em termos de um recuo e da emergência de novas teorias no campo da educação. Fora dos binarismos que marcaram o enfrentamento no ciclo anterior ao capitalismo neoliberal. Fora do discurso totalizante das teorias fundadas na metafísica da presença.

O liberalismo e suas teorias de reprodução social, assim como o marxismo com teorias da mudança social estão em posição desfavorável na correlação de forças implicadas na educação e na formação de professores, não apenas pelo falso triunfalismo neoliberal, mas principalmente pela precariedade de seus conceitos de sujeito e subjetividade. Que no referencial liberal é autônomo e livre e no marxismo um mero efeito ideológico de reprodução social que pode mediante formação política aceder a consciência.

Das teorias que ocuparam o palco de enfrentamentos constituído pelas questões educacionais e de formação de professores destacam-se a arqueogenealogia de Foucault e a psicanálise de Lacan, que, apesar de pontuais, ampliam a circunscrição do recuo da teoria.

Na arqueogenealogia de Foucault a teoria funciona como caixa de ferramentas. A adesão teórica tem relação com a resposta à pergunta: Quais saberes e micro-poderes sustentam o poder dos capitalistas. Qual a possibilidade de uma rede qualquer de conceitos incidirem na deriva das relações sociais vigentes?

Para Freud a psicanálise não é uma visão de mundo e, nela, ficção e realidade, mito e razão não estão em contradição, mas sim, em continuidade. A psicanálise é considerada por Lacan a ciência do sujeito produzido pela ciência moderna. A psicanálise resgata o Theo da teoria, associada ao Eros platônico e ao Deus cartesiano.

Lacan traz para psicanálise o aporte epistemológico de Alexandre Koyré, nos estudos sobre a ciência iluminista, defendendo que o conhecimento produzido por Descartes e Galileu é lido pelo cientificismo numa perspectiva que desconsidera o essencial da revolução científica e mantém uma concepção realista do conhecimento.

Esse modelo define o conhecimento como procedimento de formalização e quantificação do real, cujo preço é sua uniformização. Defende uma correspondência do conhecimento com uma realidade pré-existente, podendo assim, acenar com a possibilidade de uma significação transcendente e final. Condições ideais para se desenvolverem posições dogmáticas, que se esforçam para fazer o real caber em seus modelos teóricos.

A ciência moderna trouxe uma transformação profunda no modo de pensar. A ruptura operada por Descartes e Galileu apresenta o conhecimento científico como a incidência do símbolo matemático sobre o real, dotando-o de precisão e capacidade de incidir sobre o real.

A hegemonia do símbolo matemático sobre o real rompe com o imediatismo acessível aos sentidos e introduz uma mediação entre o nível do real e do conhecimento. É o inicio de um conhecimento fundado no cálculo matemático sobre a natureza e não mais em sua descrição. A atividade científica se sustenta na matematização da natureza e a dimensão acessível aos sentidos remetida ao imaginário.

Para Koyré a conhecimento científico submete o empírico imediato ao cálculo e à experimentação, alcançando uma literalidade e a conseqüente subordinação da natureza a leis que conferem o desenvolvimento de uma coerência com o real. Este gesto de transformar o real em uma fórmula mínima gera efeitos no real.

A intervenção sobre o real de um complexo de símbolos sem atributos próprios, que elimina as qualidades sensíveis do real. Então a ciência se constrói na impossibilidade e no desejo de dizer o real, paradoxo que a leva a inquirir permanentemente o real.

Quando lidos através da epistemologia de Koyré, tanto os conhecimentos realista da metafísica da presença, que realiza demonstração pela sintaxe, como o conhecimento reflexivo sem mediação teórica, entram em crise.

O conhecimento científico não é reflexão sobre o real, mas sim inflexão, ciência não é transcrição do real, a transcrição é que é real. Conhecer não é descobrir, mas atribuir sentido.

Foucault e Lacan não interessam apenas como conhecimento, mas principalmente, como modo de conhecer; produzindo artefatos teóricos para tangenciar e incidir no real da correlação de forças que compõem a conjuntura educacional.

 

Bibliografia

MILNER, J. C. (1993). Lacan, você conhece?. Cultura Ed. Associados. SãoPaulo.

KOYRÉ, A (1986) Estudos galilaicos. D. Quixote. Lisboa.

MORAES, Maria Célia M. (2003). Recuo da Teoria. DP&A. Rio de Janeiro

VEIGA-NETO, A. (2003). Foucault e a educação. Autêntica. Belo horizonte