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ISBN 978-85-60944-35-4 versión on-line

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

A escuta analítica de professoras e a posição subjetiva: a experiência do Grupo Ponte em operacionalização na rede municipal de ensino em Santo Ângelo/RS

 

 

Marcele T. Homrich Ravasio

Psicóloga/Psicanalista. Mestre em Educação (UNISINOS). Doutoranda em Educação pela UFRGS na linha de pesquisa Educação e Psicanálise. Membro da Associação Espaço Psicanalítico –  AEP - Ijuí/RS. Docente do Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo  – IESA/RS

 

 

O tema inclusão social tem sido foco de debates e estudos em nível mundial e nacional. A Educação Inclusiva aparece em importantes movimentos, como na Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, a qual conclamou todos os países a assegurar o direito à educação de qualidade para todos.

Em meio a tais discussões, encontramos diretrizes para que a inclusão aconteça satisfatoriamente dentre elas as relativas ao aprimoramento e ao treinamento de professores, assim como a fortalecer a comunidade acadêmica no sentido da pesquisa.  A inclusão é uma exigência que o governo e a comunidade endereçam a escola e sua equipe, e muito tem se produzido acerca das condições necessárias para a inclusão de crianças as escolas regulares, dentre essas cobranças destaca-se a necessidade de adequação dos ambientes físicos, assim como a exigência de que os professores estejam preparados para tal tarefa. Demanda-se a capacidade de acolhimento dos professores e da escola, fisicamente e subjetivamente.

Sabemos que a questão da inclusão enquanto direito e garantia da cidadania é fato indiscutível, mas, trata-se aqui, de pensarmos em que condições e qual o preço a ser pago por todos aqueles envolvidos neste processo. Kupfer & Petri fazem um alerta a esse respeito dizendo que "Esse alto custo inclui um enorme estrago na saúde mental de muitos professores, que não podem e não sabem abordar a inclusão, e terminam por apelar para o afastamento, a licença médica." (KUPFER & PETRI, 2000, p.110).

 

Em percurso: o projeto

O projeto propõe-se a operacionalização da experiência desenvolvida na Escola Lugar de Vida/SP na rede municipal de ensino de Santo Ângelo/RS, especificamente o setor responsável pela inclusão de alunos com necessidades especiais. Através de um grupo que reúne professoras que têm alunos incluídos em suas salas de aula, o trabalho é desenvolvido utilizando-se da narrativa/escuta de cada uma das participantes. Toma-se como hipótese que a o processo de narrar suas experiências, dificuldades e alternativas, as participantes escutam a si próprias e as colegas, havendo-se com seu próprio discurso e possibilitando giros na forma com que os alunos são posicionados perante este.

A experiência tomada como base para o trabalho é o Grupo Ponte1, traz como marca o interesse pelo estudo da interface entre a Psicanálise e a Educação, a partir do impasse vivido na relação entre o educador e o aluno. A experiência do Grupo Ponte é contextualizado e originada2 de um ambiente acadêmico, onde os envolvidos são pesquisadores nas interlocuções entre psicanálise e educação. Assim percebe-se que a proposta ao ser "projetada" para seu desenvolvimento na rede municipal de ensino de Santo Ângelo apresenta modificações no que tange ao espaço institucional, assim como os sujeitos envolvidos no projeto.

 

Tecendo: o referencial teórico

No projeto optou-se pelo referencial teórico psicanalítico, no qual a compreensão do conceito de discurso advêm da conceituação acerca da organização social. Através da psicanálise sabe-se que o sujeito constitui-se pela cultura. Nos escritos de Freud, a história do indivíduo reproduz o percurso da espécie, em ambos encontram-se os conflitos, as mesmas soluções, os mesmo impasses e antinomias. As forças que presidiram a evolução da humanidade são as que se encontram agora na origem do desenvolvimento do indivíduo.

A humanidade, em seu princípio é conceituada como horda onde Freud analisa a fundação da organização social através da morte do pai. Com a morte do macaco Alpha o pai nasce, essa sociedade é fundada e a ordem se estabelece, como se refere Enriquez:

Os irmãos se sentem culpados por terem matado o pai que temiam e amavam (pela ambivalência de sentimentos). Eles decidem renunciar (para não reacender entre eles uma nova guerra) ao objeto do desejo pelo qual se tinham ligado; paralelamente, eles mitificam o pai, instituindo-o como totem ou Deus, emblema transcendente, respeitado e venerado, vivido como fundador do grupo ( 1990, p. 32).

A morte do pai é originada pelo desejo de realização do incesto. Este motivo impulsiona o assassinato do pai, com a sua morte a lei se instaura através de variados e contraditórios sentimentos. Freud faz uso da hipótese da Darwin para elaborar o mito da origem, onde teoriza sobre a origem da organização social:

Certo dia, os irmãos que tinham sido expulsos retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando um fim a horda patriarcal. Unidos, tiveram a coragem de faze-lo e foram bem sucedidos no que lhes teria sido individualmente. Selvagens, canibais como eram, não é preciso dizer que não apenas matavam, mas também devoravam a vítima . o violento pais primevo fora sem dúvida o temido e invejado modelo de cada um do grupo de irmãos: e, pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força. [...] a tumultuosa malta de irmãos estava cheia de mesmos sentimentos contraditórios [...] odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se livrado de satisfeito o ódio e posto em prática os desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim sob a forma de remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com o remorso sentido por todo o grupo. O pai morte tornou-se mais forte do que fora vivo [...]. O que até então fora interditos por sua existência real foi doravante proibido pelos próprios filhos [...]. Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto da pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres  que agora tinham sido libertadas. Criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo[...] (FREUD, 1913-1914, p: 170-172).

Essa argumentação freudiana sobre a fundação da civilização é fundamental para compreensão de como se estrutura as organizações e os objetivos das instituições, além de mostrar as renúncias necessárias para o estabelecimento da ordem social. Nesse sentido tomamos a educação escolar como uma das instituições mantenedoras da organização social, onde a importância de uma instância interditora, tendo o objetivo de impedir a satisfação da pulsão de imediato. A noção de civilização acaba se tornando quase um sinônimo da lei da renúncia ao gozo.

Freud entende a educação como o processo que permite com que a criança passe pela evolução que conduziu a humanidade à civilização, transitando por angústias, fantasmas, renúncias e faltas. A educação é uma instituição histórica da humanidade, sendo um dos meios para a transmissão dos constituintes civilizatórios.

Foi Lacan que salientou a importância da linguagem, da fala e do discurso nos processos de transmissão, são eles os responsáveis por ligarem um sujeito ao outro, possibilitando a construção de laços sociais. Como refere-se Kupfer:

Para Lacan, discurso é justamente o que faz laço social, gerando uma definição que atrela o falante ao Outro de um modo estrutural. Desta perspectiva, educar torna-se uma prática social discursiva responsável pela imersão da criança na linguagem, tornando-a capaz por sua vez de produzir discurso, ou seja, de dirigir-se ao outro fazendo com isso laço social  (2001, p. 35).

Portanto, o sujeito constitui-se através da cultura, ou seja, pela linguagem e pelos discursos desta cultura. O discurso carrega a história da civilização, as marcas da organização social, e através dele o sujeito estabelece relação com o outro, possibilitando laços e vínculos, assim o sujeito torna-se pertencente do social, interagindo num fluxo discursivo como um "rio de palavras que vai andando e, no meio desse rio, a gente fala e pede carona. De repente, o que a gente diz só encontra significação no que vai ser dito ou no que já foi dito antes" (CALLIGARIS, 1997).

A organização social e a transmissão desta através da linguagem e do discurso trazem as marcas da constituição social, como referido anteriormente, esse social que tem sua origem na renúncia ao gozo. Portanto a educação tem como função a transmissão da impossibilidade de completude do sujeito, ou seja, de sujeito barrado pela lei.

Nesse processo de subjetivação do sujeito a escola não é só um lugar para aprender. Na instituição escolar, através das normas que regem as relações humanas e do oferecimento de lugares sociais ditados pelos discursos, a criança torna-se sujeito que subjetiva-se. A escola possibilita ao sujeito o sentimento de identidade, pertença e inserção social, ou seja, um lugar social.

Pain (1992) designa quatro funções interdependentes para educação, focamos aqui as funções mantenedora e socializadora da educação. A função mantenedora da educação  objetiva transmitir as normas e regras  sociais que garantem a continuidade da espécie humana, possibilitando a convivência social. A função socializadora da educação demonstra as modalidades das ações regulamentada pelas normas culturais das atitudes, língua e códigos gestuais, como a utilização de ferramentas ou utensílios da linguagem, do habitat, transformando o indivíduo em sujeito. 

Para que toda essa transmissão seja possível os teóricos da psicanálise trazem como base dessa subjetivação o complexo de Édipo. É este processo que se dá na tenra infância e que atualiza-se incessantemente nas relações por toda a vida do sujeito que produz um ser social, ligado ao outro através do discurso e da linguagem, e atravessado por faltas e incompletudes.

O complexo de Édipo torna-se elemento constitutivo no desenvolvimento do sujeito, onde ele reproduz o mesmo percurso da espécie. Através do Édipo o sujeito estabelece relações parentais que determinarão as suas primeiras posições subjetivas que estarão presentes durante toda a vida do sujeito significando as suas relações cotidianas.

O Complexo de Édipo é fundamento básico para a subjetivação do sujeito e sua entrada na cultura. Através da teorização referente à passagem da horda para uma organização social, atravessando o Complexo de Édipo que a criança se insere na organização social. O Complexo de Édipo, regulador da civilização ao estruturar a sexualidade humana, organizando o devir humano em torno da diferença do sexos e da diferença das gerações, refere-se ao conjunto das relações que a criança estabelece com as figuras parentais formando uma rede, em grande parte inconsciente, de representações e afetos (SPELLER,2004).

Freud articula o complexo de Édipo com o de castração que provocará a interiorização da interdição aos dois desejos edipianos, incesto materno e assassinato do pai. A castração dará acesso à cultura pela submissão e pela identificação com o pai, representante da lei que regula o desejo. O conflito edipiano está situado entre os três e cinco anos, mas (re)atualiza-se constantemente nas relações.

A descoberta da diferença sexual causa angústia da castração, pois remete a nossa incompletude e a questões de nosso lugar neste mundo. Em psicanálise o conceito de castração significa perda, falta, calcada nessa primeira falta ou possibilidade de perda do pênis. A castração é uma experiência inconsciente que se apóia na percepção da diferença anatômica entre os sexos. Essa experiência é angustiante, pois, até então, a criança se sentia onipotente, completa, o grande amor da mãe, sendo falo, ou seja aquilo que a completa.

Com o Édipo e a castração, a criança "cai na real", ou talvez fosse melhor dizer "cai na vida", o que é nosso destino: viver buscando sentido. Somos seres incompletos e faltosos, condenados a desejar. Desejar ter o falo, e não mais sê-lo. Do regime do ser passamos para o do ter: ter dinheiro, beleza, marido, namorada, casa, bom trabalho, filhos, etc. Nada do que temos ou teremos nas satisfará completamente.

É porque nos falta que desejamos. É porque a castração faz nascer o desejo, ao nos tirar da posição de ser tudo para o outro, no caso, a mãe, que podemos criar nosso próprio percurso nesta vida. Se há diferença, se não somos completos, não somos tudo, algo nos falta e para o resto da vida nos faltará algo, a partir do momento que somos separados dessa "completude" que imaginamos fazer com a mãe, sendo tudo para ela.

Articulando Édipo, castração e desejo, em poucas palavras: somos seres desejantes, porque castrados, faltantes. É porque houve, de alguma maneira, um corte entre mãe e filho, uma separação, é porque não somos completos. A lei contra o incesto nos faz nascer para o mundo do desejo, mundo da falta. Somos seres desejantes por sermos incompletos. Encontrar o que sacie nosso desejo completamente seria o mesmo que morrer psiquicamente como sujeito.

Portanto, refletir sobre a educação, relação professor-aluno, processo ensino-aprendizagem, é articular falta e desejo, assim o complexo de Édipo de cada sujeito envolvido no processo de aprender estará resignificando-se constantemente. 

O querer saber, a curiosidade infantil se colocam como elementos determinantes no complexo de Édipo originando futuramente o desejo de aprender. O interesse escolar advém do querer saber sexual que se desenvolve no Édipo, portanto, a forma como este interesse é vivenciado reflete diretamente na relação do sujeito com a sua curiosidade e na busca de conhecimento (deferente de saber, pois o saber é de ordem inconsciente). Compreender a importância desse interesse primeiramente sexual e suas devidas "falta de respostas" colocam o sujeito a desejar durante a vida. Esta busca por resposta move o sujeito inconscientemente, e cabe aos professores suportarem as perguntas e compreender que algumas interrogações serão sempre interrogações.

Pode-se descrever a educação como um meio para a substituição do princípio do prazer pelo princípio da realidade. Uma educação para a realidade, este era o ideal de educação freudiano. Assim a educação para realidade implica em educar para o desejo ou com vistas a possibilitar o reconhecimento da impossível realidade do desejo (LAJONQUIÉRE, 1999). O querer saber sexual é impossível de responder completamente, pois, não há um saber possível, uma resposta final sobre o nosso lugar sexuado no mundo. O importante é entender que a curiosidade intelectual está filiada à curiosidade sexual.

A busca por respostas e por completude move os sujeitos em uma busca incessante que move a vida. Refletir sobre esta busca voltando-se para a educação, mais especificamente a relação aluno-professor, implica em compreender que ambos encontran-se em tal movimento. A criança com sua estrutura infantil, e o professor com sua possível estrutura adulta, mas com sua infância viva e dinâmica em seu inconsciente. A compreensão da incompletude do sujeito depende diretamente da posição do professor frente ao aluno, pois este busca a escola para que possa se civilizar e pertencer ao social.

Porém não há garantia de que este professor tenha condições psíquicas de desenvolver tal processo, pois ali na sua relação com o aluno estão implicados a sua história enquanto sujeito, as suas maneiras de se posicionar frente ao outro. O professor com toda sua constituição subjetiva, com seus processos inconscientes e com suas (im) possibilidades de manejar com seus limites. O lugar do professor e como ele se posiciona é fundamental no processo educativo, tendo algumas possibilidades de posicionamento frente ao aluno. Almeida conceitua o processo ensino-aprendizagem como uma relação triangular:

No processo de ensino e de aprendizagem temos uma relação triangular, cujos protagonistas são o professor e o aluno, sujeitos do desejo, e o conhecimento, objeto que circula nessa estrutura social e relacional. Tal como no Édipo, a relação que caracteriza a aquisição do conhecimento, nas aprendizagens escolares, pode ser interpretada desde as suas funções imaginárias (a relação transferencial especular/dual professor/aluno), simbólica (o objeto de conhecimento enquanto conhecimento do Outro, inserido na linguagem e na cultura) e real ( a ausência de garantias que marca o "impossível" da educação tanto quanto a impossibilidade radical de realização do desejo – furo no real do corpo pulsional) (2001, p. 2).

O professor, a partir da sua constituição pode posicionar-se como um todo-poderoso impossibilitando que o aluno veja o conhecimento e as suas impossibilidades do professor (conseqüentemente os seus limites), caindo assim em uma relação especular. Está posição, sendo assumida pelo professor aponta para sua constituição infantil frente à castração, remetendo-se a suas representações inconscientes, como salienta Almeida:

A relação professor-aluno pode (re)produzir, segundo as leis do funcionamento inconsciente, uma relação tranferencial imaginária, especular, na qual o aluno-falo submete-se a Lei do desejo do mestre, para ser reconhecido e amado enquanto eu-ideal, por este Outro, suposto tudo-saber, tudo poder. Ao projetar no aluno suas fantasias ( de reparação, de onipotência ou quaisquer outras) e ao "seduzi-lo" para que esse lhe responda desde sua posição subjetiva face ao desejo e á castração. O que está em jogo é o que representa este ou aquele aluno no inconsciente do professor, na sua "constelação de insígnias", e de que lugar, imaginário ou simbólico, ele responde ao desejo de saber do aluno ou à sua obstinação de nada querer saber (2001, p. 3).

O conhecimento deve ser enfocado como função de corte na relação aluno e professor. O aluno deve ser conduzido a perceber que o professor não é o detentor de todo saber, pois nesse lugar ele aliena o desejo do aluno, sendo dele o único desejo possível. Pode-se entender que o professor também exerce função paterna, ao transmitir o legado acumulado pela sociedade. Nas palavras de Almeida:

O conhecimento, quando investido simbolicamente, vem operar no lugar da Lei, cuja função é o corte, de separação  da relação dual professor-aluno. O professor que se recusa a abrir mão de seu suposto poder fálico aprisiona o aluno ao seu desejo, mantendo-o na condição de sujeito não desejante, impedindo de construir novas significações fálicas no campo do Outro (2001, p. 3).

Assim, a constituição subjetiva do professor é fundamental no processo educativo, sua posição frente a castração será estruturante de suas ações no processo ensino-aprendizagem. A sua significação sobre si mesmo dará sentido ao desejo do aluno. Cabe ao professor o manejo desta relação transferencial. O aluno com sua estruturação psíquica e seus significados referentes ao complexo de Édipo, também se coloca nessa relação transferencial desejando ser amado e desejado pelo professor.  A transferência é o causador da identificação do aluno ao professor, fator fundamental para que a aprendizagem se estabeleça. Entretanto, a paixão transferencial pelo professor deve ceder lugar, em um segundo momento, à paixão pelo conhecimento.

Transmitir e sustentar a tradição simbólica de sujeito e da cultura é uma função difícil para o adulto, pois mobiliza os impasses de sua própria posição subjetiva, reaviva suas fantasias, seus narcisismo as suas fantasias de onipotência e a nostalgia da separação que diz do limite ou da castração, cujo risco, é aprisionar o outro a seus ideais. A experiência da castração, de perda, da falta, da natureza infindável do desejo, que não tem como se satisfazer, não é um momento que ocorre na infância e nunca mais volta, ao contrário, ela se renova ao longo de nossa vida.

Quando o professor não responde ao aluno do lugar daquele que tudo sabe, mas sim daquele que conhece e que toma esse conhecimento não como uma verdade, mas como uma convicção culturalmente aceita e socialmente compartilhada, o professor ocupa o lugar de mediador do objeto de conhecimento, o qual marca a entrada de um terceiro na relação professor-aluno inserindo a cultura, o código, o Outro. Somente ocupando este lugar é que o professor tem chances de reverter as questões imaginárias e narcísicas que se mesclam no campo educativo. Isto implica que o educador renuncie ao ideal de completude narcísica imaginária e à ilusão de que é possível gestar, por obra dos ideais e normas educativas "pelo menos um adulto do futuro a quem nada falta" (Lajonquiére, 1997, p. 40). 

O ato educativo permite a modificação do sujeito frente a castração, pois educar e educar-se implica, defrontar-se com a alteridade e manejar com a diferença. As diferenças entre aluno real e aluno ideal, como também a diferença da imagem ideal do mestre, que corresponde àquele que seria capaz de educar sem falhas e faltas e o adulto concreto, incapaz de perfeição estando marcado como sujeito faltante, caberia ao educador, em última análise sustentar a função constitutiva da incompletude e, conseqüentemente, a de suportar a condição do fracasso constitutivo do ato educativo.

Assim, aquele que se implica na função (im)possível da educação é convidado ao imprevisível do ato educativo e a um encontro inevitável com sua própria face, pois aquele que suporta o ato de educar [...] não se confrontaria apenas com a criança viva para a qual formula um projeto, mas também e, sobretudo, com a criança recalcada que o inspira na maioria de suas reações.[...]. (Cifali, 1987, apud Pereira, 1998, p. 175)

Pensar sobre a posição subjetiva do professor, frente à castração, determina suas modalidades discursivas e que estas têm efeitos de diferente natureza no processo de transmissão e aquisição do conhecimento (Almeida, 2001).  As quatro posições discursivas teorizadas por Lacan no seminário 17, dizem das posições possíveis assumidas pelo sujeito. Estas posições são nomeadas como o discurso do mestre, discurso da histérica, discurso universitário e o discurso do analista. Elas demonstram a maneira como os sujeitos se posicionam na relação.

O Discurso do Mestre é aquele que coloca o mestre na posição de Senhor, daquele que se dirige como Mestre ao Saber. Se coloca como todo poderoso, porém não produz o Saber, pois quem se coloca no lugar da produção é o Escravo. Portanto o Senhor é dependente do Escravo, e somente através dele obtém o lugar de Senhor. O Mestre só existe como tal, pois mantém a ilusão de que é autônomo, que tem escravos para lhe servir e que destes pode prescindir. Assim, o Mestre pensa que é Senhor, sabedor de tudo, enquanto depende do Escravo, mas não reconhece a sua dependência (Lajonquière, 1999).

Para Lacan o discurso que produz o saber é o discurso da histérica, isto é, a verdade do inconsciente que, para Lacan, trata-se da verdade do desejo, desejo que abriga um Saber-não-sabido, um Saber fundamental. O ato histérico é fazer desejar, o que mostra algo que todos vivemos, ou seja, cortejar, seduzir, atrair, isso faz laço social. O ato é sempre histérico quando produz no outro o desejo, inclusive o desejo de saber. O ato histérico se dirige ao outro como um mestre para estimular seu desejo. Como refere-se Almeida:

O discurso histérico é, então, aquele que revela a verdade do Mestre, que o coloca no lugar de um Outro, permitindo-lhe a produção de um Saber que, no entanto, fica sob barra, recalcado, pois tem a ver com a verdade da castração do Outro. O que escapa ao recalque, entretanto, pela via da sublimação, é o que o homem produz como cultura, como conhecimento, pois devido à sua falta crônica constitutiva o homem é condenado, a fazer alguma coisa. Posição do cientista que, como sujeito barrado e agente do discurso, se dirige a ciência como significante mestre, colocada na posição do Outro, e que produz um saber do qual o sujeito, ele mesmo, encontra-se separado e para o qual nada conta. Mas, tal como a histérica, o cientista busca um Mestre para o dominar: a ciência enquanto suposto-Saber (2001, p. 5).

O discurso universitário é aquele, que paradoxalmente, não produz nenhum saber. No discurso universitário o outro é tratado como um objeto, como o estudante que está ali apenas para aprender. Nesta modalidade discursiva se produz uma relação imaginária com o Saber, enquanto Saber Todo, sem furo, sem falhas, portanto sem consistência simbólica.

Nas palavras de Almeida, o discurso do Analista:

A estrutura discursiva que define a posição do analista e, como efeito, a do analisante, coloca o analista na posição dominante do agente do discurso, mas como objeto pequeno α, ou seja, como objeto perdido, como objeto causa do desejo, que se dirige ao outro enquanto sujeito dividido, separado do significante mestre que o representa. A posição do analista visa, então, a fazer operar no sujeito a produção de seu significante mestre, o qual encontra-se recalcado, ou seja, operar no sujeito um movimento de re-significação da sua castração simbólica, de reposicionamento do significante fálico, primordialmente recalcado. Para que esta operação se torne possível, o analista cala sobre seu próprio desejo, faz silêncio-em-si, segundo a expressão cunhada por J.D.Nasio, e, assumindo uma posição ética discursiva, faz semblante de Sujeito-suposto-saber sobre o desejo do analisante. O analista não é, portanto, aquele que sabe, não é o sujeito do Saber, ele é o suposto Saber (2001, p. 6).

A psicanálise tem muito a dizer ao professor, tomando como base a figura do analista, exercendo a função não de mestre da verdade, mas como produtor de marcas e bordas nas quais a criança possa se segurar para se introduzir no tecido social. A educação deve produzir um efeito organizador ajudando a criança a construir um simbólico onde possa viver.

Independentemente da modalidade discursiva, estão sempre implicados professor e aluno, com suas estruturas psíquicas, podendo produzir manifestações variadas advindas da posição subjetiva do professor. Professor e aluno no processo ensino aprendizagem encontram-se com seus fantasmas subjetivos e com seus complexos e fixações. É um encontro entre dois sujeitos.

Em suma, o referencial teórico parte do mito da origem argumentando que as instituiçõe sociais têm a função de transmissão da renúncia ao gozo, onde a linguagem e o discurso têm papel fundamental possibilitando laço social e definindo a posição do sujeito frente a castração. Assim, a educação escolar se vincula a tal propósito. Toma-se o Complexo de Édipo como primeiro instaurador da posição frente a castração e a possibilidade de reatuzalização deste na posição subjetiva entre professor-conhecimento-aluno.

Através do discurso, da posição, do lugar, da fala, ou seja, de como o professor se posiciona frente ao aluno e ao conhecimento, caminharemos em torno da reflexão e da prática de análise dos processos educativos, visando pensar e repensar a posição subjetiva através da escuta analítica do professor e as suas implicações.

 

Considerações "temporariamente" finais

O projeto onde se pretende a operacionalização das experiência do Grupo Ponte, é compreendido como utópico no sentido de possibilitar um horizonte de sentido, de possibilitar desassossegos, formando espaço de criação de poder constituinte, onde novas formas de pensar e posicionar-se sejam possíveis.

Não há receitas, não há prévias. Mesmo que o trabalho esteja posto a partir do suporte de outra experiência, a repetição seria a morte da proposta, portanto a experiência do Grupo Ponte em sua completude é inalcançável, mas serve como motor, como criador de possibilidade.

Jacoby (2007) propõe que indicar o que é possível exige que se entre no terreno das opções políticas, sendo que o pensamento utópico consiste em mais do que devaneios e rabiscos, ele surge de e retorna a realidades políticas contemporâneas. Nas palavras do autor:

[...] essa contradição define o define o projeto utópico: ele participa ao mesmo tempo das escolhas limitadas do hoje e das possibilidades ilimitadas do amanhã. Abre duas zonas temporais: a que nós habitamos agora e a que pode existir no futuro. (2007, p.214)

Para Jacoby a problemática atual é exatamente ligar o pensamento utópico com a política cotidiana. Assim, um projeto proposto em uma rede municipal de ensino depara-se com um corpo instituído, com formas de ser, pensar e agir. Os sujeitos que pertencem a "rede" estão como peças do sistema que entram na lógica de funcionamento que já está dada, sendo posicionados e posicionando-se na massa que produz o instituído.

A escuta de professoras que recebem alunos incluídos nas suas classes possibilitam a elas uma narrativa/escuta, onde a posição de cada uma pode ser repensada, novas formas surgem no processo. Os delineamentos do trabalho estão se dando exatamente nesse caminho: colher narrativas para perceber o movimentos do grupo, os giros discursivos e as novas formas de posicionamento.

O que se percebe inicialmente que se coloca instituído no grupo é a queixa e a responsabilização de um terceiro (secretaria de educação, estado, família, classe social, deficiência, diagnóstico) pelo "fracasso" ou pela insuficiência. Percebe-se o que Jacoby (2007) teoriza em seu trabalho: a distopia, como se o futuro fosse trágico. Previamente, tal elemento é o primeiro dado que está emergindo.

O espaço do grupo, primeiramente é possibilitado como acolhimento para tais narrativas, o grupo não é um lugar de busca de receitas para a solução dos problemas. O espaço é aberto para inclusão das professoras nos seus discursos de sofrimento, e assim o trabalho desdobra-se se utilizando o que Lacan (1958) denomina de confrontação, ou seja, uma formulação possível de levar o sujeito a se haver com seus ditos, buscando abrir espaço para novas perguntas e novos significados.

Compreende-se que o contexto do fazer docente é extremamente problemático na atualidade, o declínio do saber docente empobrece a atividade de tais profissionais, enfraquecendo a esperança, aprisionando o sentido e aprisionando as formas de ser e pensar. A nomeação do fracasso no estado, ou na família dos alunos, ou na estrutura física da escola, ou na falta de incentivo à formação, são nomeações que capturam o fazer docente, impossibilitando a criação.

Há que se criar espaços de vir-à-ser, onde a narrativa é uma possibilidade de abertura e criação de sentidos. O espaço criado com base na experiência do Grupo Ponte é uma tentativa de abrir os sentidos para a compreensão plurívoca, e não unívoca do fazer docente. É um espaço de criar utopias, de "afrouxar a forma". (TESSLER apud SOUZA, 2007, p. 26)

 

Referências Bibliograficas

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SPELLER, Maria Augusta Rondas (2004). Psicanálise e Educação: Caminhos Cruzáveis. Brasília: Plano Editora.

 

 

1 Na USP encontra-se a Escola Terapêutica Lugar de Vida. Lá A Educação Terapêutica compreende três eixos de trabalho: o campo institucional, as atividades educacionais e a inclusão escolar. A Educação Terapêutica é o campo teórico que norteia as práticas da Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida.O primeiro eixo chamado de inclusão escolar diz respeito a importância do lugar social desempenhado pela escola ao receber alunos com Distúrbios Globais do Desenvolvimento, uma vez que a escola é um lugar com regras e papéis definidos, podendo constituir-se como um organizador psíquico para essas crianças. Após a entrada na escola regular, as crianças do Lugar de Vida são acompanhadas pelo Grupo Ponte, formado por psicólogos escolares, pedagogos, um pediatra e psicanalistas encarregados de acompanhar o percurso da criança na escola. O trabalho do Grupo Ponte é fundamental para a entrada das crianças na escola. É um meio de dar sustentação e apoio ao professor da classe regular. Importante salientar que tomar-se-á a experiência do Grupo Ponte, mais especificamente a escuta analítica das professoras, onde a pesquisa de Bastos (2003) será subsidio
2 A Escola Terapêutica Lugar de Vida foi estruturada a partir da experiência da escola Experimental de Boinneuil (França). O lugar de Vida teve suas primeiras instalações na Universidade de São Paulo desde 1991, hoje instalado no Butantã. O Lugar de Vida iniciou suas atividades em 1990 como um serviço do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (PSA-IPUSP). Dirigido  por Maria Cristina M. Kupfer, docente daquele departamento, por Lina G. Martins de Oliveira e por Marize Lucila Guglielmetti.