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ISBN 978-85-60944-35-4 versión on-line

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

Entre a letra e o nome: impasses subjetivos presentes no processo de alfabetização

 

 

Marlene Maria Machado da SilvaI; Drª Ana Lydia SantiagoII

IMestre em Educação pela FaE/UFMG, e-mail: marlenem@pbh.gov.br
IIProfª do PPG da FaE/UFMG, e-mail: a.lydia@terra.com.br

 

 


RESUMO

Os desafios com os quais as escolas têm se deparado na atualidade exigem dos professores e pesquisadores uma busca constante de diálogo entre as várias áreas de atuação profissional, na tentativa de ampliarmos os limites de cada uma e contribuirmos para a superação dos problemas da contemporaneidade. Nesse sentido, este texto pretende estabelecer um dialogo entre as perspectivas apontadas pelas professoras alfabetizadoras no uso do nome próprio no processo de alfabetização e as produções de Emília Ferreiro (Educação) e Lacan (Psicanálise) sobre o nome próprio. Emília Ferreiro, pesquisadora de referência para a Educação, descreve a psicogênese da língua escrita, ou seja, como ocorre o processo de aquisição da mesma pela criança; Lacan, psicanalista de referência para a Psicanálise, investiga a constituição psíquica do sujeito, revendo e ampliando alguns conceitos construídos por Freud e trazendo novos conceitos que possibilitam uma maior compreensão dos sintomas contemporâneos.

Palavras-chave: Alfabetização, subjetividade, nome próprio


ABSTRACT

The challenges that education is presently faced with require that teachers and researchers alike seek a constant dialog among the many areas of professional work, in an attempt to extend the boundaries of each area and effectively contribute to overcome the contemporary problems that afflict the subjects of the educational process. This text aims to establish a dialog among the perspectives appointed by literacy teachers on the use of one's given name in the literacy acquisition process, in addition to the works of Emília Ferreiro (Education) and Lacan (Psychoanalysis) on one's given name. I have opted for these authors, mainly because the former is a prominent researcher who describes the psychogenesis of the written language, i.e., how it is acquired by children, and the latter, equally prominent, describes the psychical constitution of the subject, reviewing and building on some of the concepts created by Freud while investigating new theories that will enable a greater understanding of contemporary symptoms.

Key-words: Literacy acquisition, Subjectivity, Given name


 

 

As pesquisas acadêmicas na área da educação têm contribuído de sobremaneira para a elaboração de políticas públicas educacionais e propostas pedagógicas, visando uma melhor intervenção nas situações de fracasso escolar. Entretanto, apesar dos avanços obtidos, as mesmas não tem conseguido surtir efeito sobre uma parcela significativa de alunos que apresentam defasagem entre idade e nível de aprendizagem. O que se pode observar é que as propostas de reeducação com os alunos que apresentam dificuldades de alfabetização se deparam com o limite da singularidade destes sujeitos.

É neste sentido, que a pesquisa de mestrado "Entre a letra e nome: alfabetização de alunos em situação de fracasso escolar a partir de intervenção de orientação psicanalítica" (SILVA, 2008), teve por objetivo localizar a origem dos impasses de alunos com defasagem entre idade e nível de aprendizagem, no processo de alfabetização, a partir do que estes têm a dizer sobre suas dificuldades. Pretendeu-se investigar a relação existente entre tal processo, iniciado com a escrita do nome próprio, e a subjetividade do aluno. Esta escolha se deu devido as tentativas de explicação do fracasso escolar - quantitativa ou qualitativamente -, excluírem, em sua maioria, a dimensão do sujeito, na análise das dificuldades escolares. Por dimensão do sujeito, referimo-nos ao processo singular para cada aluno, do acesso à leitura e à escrita. Segundo Santiago, ao não levarem em conta o impacto da língua sobre o ser falante, corre-se o risco de situar os fracassados "em uma mera posição de objeto do conhecimento", produzindo "o confinamento da subjetividade ao silêncio" (2005, p. 42).

Para contemplar a dimensão subjetiva presente no processo de alfabetização, investigamos as dificuldades dos alunos no domínio da língua escrita, a partir de atividades que envolvem o nome próprio, uma vez que é possível observar que a maioria daqueles com dificuldade em se alfabetizarem, apresentam algum tipo de impasse na escrita do próprio nome. Isto confirma o que Ferreiro(1985) afirma sobre, o nome próprio ser o ponto de diferenciação do processo evolutivo da constituição da escrita, entre crianças, além de ser uma peça-chave para o início da compreensão da forma de funcionamento do sistema de escrita.

Se no campo pedagógico a aquisição e interpretação da escrita seriam facilitadas pela constituição estável do nome próprio, no campo subjetivo este pode vir permeado de sentidos e significados que extrapolam a aprendizagem de seu registro escrito, não podendo ser tratado

como um significante qualquer, uma vez que ele traz significações para o sujeito que o porta. Segundo Lacan (1962), o nome próprio, por ser um significante, proporciona ao sujeito dizer da sua relação com o outro, pois a forma gráfica pode se confundir com seu significado, assim como o nome das letras pode se confundir com a possibilidade de representação fonética das mesmas.

Assim, a partir desses dois referenciais teóricos, a hipótese que orientou as investigações é que o processo de alfabetização, por meio do reconhecimento do nome próprio, pode repercutir sobre a subjetividade de alguns alunos, impedindo-os de utilizar as letras de seu nome próprio, como puro significante, no domínio da aquisição da base alfabética.

Com esta investigação, interessou-nos saber se há algo da subjetividade do aprendiz se apresentando como sintoma de fracasso escolar. Para isso, utilizamos como metodologia de pesquisa o diagnóstico clínico-pedagógico, de inspiração psicanalítica, proposto por Santiago (2005), o qual tem por objetivo identificar se os impasses dos alunos seriam de ordem conceitual-pedagógica ou subjetiva, por meio do resgate da trajetória intelectual que os mesmos desenvolveram para a solução de uma tarefa.

Durante a realização do diagnóstico clínico-pedagógico foram aplicadas atividades de leitura e escrita, com ênfase no uso do nome próprio. À medida que a criança desenvolvia as atividades e apresentava seus "erros", era convidada a falar sobre os mesmos e suas dificuldades, possibilitando a localização de seus impasses, o que favorece uma maior compreensão do que ela necessita para a sua superação.

Como subsídio teórico para aplicação do diagnóstico clínico-pedagógico, resgatamos as contribuições de educadores e psicanalistas sobre a escrita e o nome próprio, em especial Emília Ferreiro (Educação) e Lacan (Psicanálise), bem como, as contribuições e opiniões de professoras alfabetizadoras sobre o uso do nome e seu impacto, junto aos alunos, durante o processo de alfabetização.

A escolha do nome próprio, como recorte desta investigação, deve-se ao seu aspecto multifacetado que o faz, principalmente no início da formação de uma criança, ser na Educação, referência para as atividades do processo de alfabetização, e, na Psicanálise, presentificação da nomeação que constitui o sujeito no campo do Outro1. Também foi possível confirmarmos tal importância do nome próprio através da análise de livros didáticos de alfabetização sugeridos pelo Ministério da Educação e das informações de professoras alfabetizadoras sobre o uso do nome próprio no processo inicial de alfabetização. Nestes dois últimos casos, verificamos que apesar da importância dada ao nome próprio, este, na maioria das atividades somente é tratado na sua dimensão objetal (LEITE, 2004).

Nossa aposta foi que os dizeres dos alunos, durante o diagnóstico clínico-pedagógico, poderiam indicar quais intervenções pedagógicas, auxiliariam-nos na articulação da dupla função de significação e objetal do nome próprio, proporcionando-lhes, inclusive, uma outra via de simbolização, para possíveis manifestações sintomáticas que se apresentam como fracasso escolar. O que propomos apresentar é como cada criança inventa uma outra forma de lidar com seus impasses, que não a de sintoma de fracasso escolar, construindo outras possibilidades de simbolizar, através da palavra, o que seriam suas dificuldades.

Considerar o que o aluno tem a dizer sobre seu próprio processo se constitui no grande desafio para os educadores e aqueles que se propõe investigar as dificuldades de aprendizagem.

Segundo Santiago, a condução do diagnóstico clínico-pedagógico, como um espaço para que o aluno possa dizer sobre suas dificuldades, somente é possível se aquele que o realiza, no caso, pedagogo ou educador, se despojar do "lugar tentador de mestre" e se colocar na "posição de não-saber diante do outro" (2005, p19). Ainda afirma, que será preciso acreditar que o dizer da criança é que poderá indicar possibilidades de intervenções que, efetivamente, possam ajudar na construção de uma saída possível para seu impasse e sua dificuldade. Ainda, segundo a autora, o objetivo do referido diagnóstico seria de identificar "o processo particular do sujeito diante da apreensão daquilo que é da ordem da lei do significante e do arbitrário do sentido"(2005, p26).

 

A importância do nome próprio no processo de alfabetização

Uma das primeiras observações sobre a importância do nome próprio no processo de alfabetização encontra-se no texto Los procesos constructivos de apopriacion de la escritura de Emilia Ferreiro (1982). A autora afirma que o desenvolvimento psicogenético da escrita pode ter origem fora da escola, por meio do nome próprio, que ela nomeia como sendo ponto de diferenciação no processo evolutivo da constituição da escrita entre crianças de classe baixa (CB) e classe média (CM).

Considerando que a escrita do nome próprio, para a maioria das crianças, será uma aprendizagem escolar, faz-se necessário refletirmos sobre a sua presença e uso na vida social e, em especial, no processo de alfabetização das crianças.

Especificamente sobre a escrita do nome próprio, ao chegarem à escola, as crianças apresentam conhecimentos diversos. Contudo, Ferreiro (1982) afirma que se aos 4 anos o processo de aquisição parece ser o mesmo, independente da origem social, aos 6 anos, a diferença entre crianças de classes baixa e média é maciça (1985, p. 217)2. Segundo a autora, no caso da maioria das crianças de CB, será exclusivamente na escola que aprenderão que os nomes das coisas e das pessoas também tem uma forma gráfica. Bosco (2005) complementa afirmando que no caso da escrita do nome próprio, principalmente a assinatura, esta lhes proporcionará a extensão de sua identidade através da escrita, além de gerar conflito cognitivo na percepção da constituição escrita do mesmo.

Ferreiro (1982) afirma que, para a criança, a percepção do que constitui o nome ocorre no momento em que nota que ele, por meio de suas letras, representa uma propriedade essencial dos objetos, que o desenho não consegue representar. Nesse sentido, a autora afirma que o sujeito na constituição da escrita passará por tentativas de assimilação do código, construindo hipóteses para utilização das letras, uma vez que estas não podem "dizer" nada, a não ser o que elas mesmas são: letras.

O processo de construção do nome próprio é similar ao de outras palavras; porém, a diferença reside no fato de ser ele uma das primeiras palavras que significam uma interpretação real, verdadeira e estável de algo singular, o que, segundo Teberosky (1993), facilitaria a informação sobre a ordem do conjunto de letras que compõem a palavra que está sendo escrita. A autora afirma que "a escrita do nome próprio parece ser uma peça-chave para o início da compreensão da forma de funcionamento do sistema de escrita" (p. 35).

No processo de aquisição da língua escrita, dependendo da hipótese em que a criança se encontrar, o nome próprio poderá ser tanto fonte de informação, quanto de conflito, pois, segundo Moreira (1991), na mesma proporção que este favorece a compreensão da convencionalidade da escrita, em alguns casos, também o faz contrariando as convenções ortográficas. Por exemplo, uma aluna de nome CAROLYNE tanto terá informações sobre as letras que a ajudam escrever o início da palavra CASA, como estará diante do conflito de perceber que a palavra LIXO não estará convencionalmente correta, se for escrita com Y, assim como a sílaba LY, presente em seu nome.

Ferreiro (1982) nos alerta sobre a necessidade de a escola trabalhar a função social da escrita de forma geral e a do nome próprio, pois, ao contrário, estaria favorecendo algumas crianças que já as construíram, deixando outras na penumbra inicial, uma vez que estas não sabem a escrita do seu nome, por não terem tido a quem recorrer, no momento anterior à escola.

No caso da escrita do nome próprio, a concretização passará primeiro pela sua funcionalidade, como identificatório de objetos que o sujeito possui ou pela autoria de sua produção, uma vez que o nome confere "uma carga afetiva da presença do sujeito no seu produto" (1991, p. 48). Posteriormente, é que a criança começará a se ater a uma forma convencional para o registro do seu nome, a partir da escrita da professora. O registro escrito do nome próprio do aluno, pela professora, ocupa o lugar de espelho e espera-se que ao longo do processo de alfabetização, ele dispense tal espelho, por já incorporar a escrita do nome como sendo sua representação gráfica, lançando-se na busca de uma maneira própria de registrá-lo, ou seja, sua assinatura (BOSCO, 2005). Nesta perspectiva, a professora escreve para que, no futuro, não precise mais escrever, uma vez que seus alunos já saberão escrever em nome próprio.

 

O nome próprio para a psicanálise

O nome próprio denota, antes de tudo, um referente, que ele não significa, mas que se refere a ele. Aqui estaria a diferença entre o nome próprio e o comum. Diante do nome comum perguntamos o que ele significa, já o nome próprio nos leva a interrogar sobre quem seria seu portador. Além do mais, o nome próprio é um elemento de designação de pertença e de classificação lingüístico-social. Ele possibilita a diferenciação de cada um dos membros de uma família, ao mesmo tempo em que assegura a agregação simbólica de todos em um grupo (MARTINS, 1991).

A função primeira do nome próprio é dizer de uma nomeação, evidenciada por uma rede de relações, que atravessa tanto quem nomeia, quanto quem é nomeado, não sendo possível reduzir o nome próprio a um referente identificatório do cidadão na sociedade. Nessa rede de relações há uma historicidade que apresenta o sujeito como sendo único e distinto dos demais. Entretanto, diante do nome próprio, o sujeito pode se identificar a ele ou com ele se embaraçar, ao se questionar sobre seu lugar no desejo dos pais, no momento da escolha do mesmo.

O nome próprio, enquanto significante, seria uma palavra que presentificaria o lugar do sujeito, no momento em que ele identificar-se ou for identificado pelo mesmo. Enquanto significante, o nome próprio possibilita que a identificação, se faça existir na linguagem, pois, segundo Lacan,

Lo que distingue el significante es sólo ser lo que los otros no son; lo que, en el significante, implica que esta función de la unidad es justamente no ser sino diferencia. Es en tanto pura diferencia que la unidad, em su función significante se estructura, se constituye (1962, p. 19)3.

Lacan retoma a origem da escrita para explicar o que seria o traço de unicidade, como significante. Segundo ele, quando o homem começa a perceber a limitação dos pictogramas para representar o que queria, passa a compor os ideogramas, a partir dos sons que os pictogramas representavam. Estes ideogramas, assim como as futuras escritas sumérias, guardavam, no seu começo, um traço de unicidade do objeto que deu origem ao pictograma, pois "si es del objeto que el trazo surge, es algo del objeto que el trazo retiene: justamente su unicidad" (p. 46). Como exemplo desta afirmação, Lacan cita as escritas indecifráveis, pela falta de conhecimento sobre a linguagem que as encarna, pois, segundo ele, o progresso da escrita de um povo está ligado à sua capacidade de simbolizá-la e esta, enquanto significante, somente funcionará como tal à medida que a marca for vocalizada. No caso destas escritas indecifráveis, o nome próprio seria a referência primeira para compreensão de sua estrutura.

Assim sendo, pode-se concluir que as letras, em sua forma final, não guardam mais características do que as originou, apresentando-se como objeto esvaziado de sentido próprio. No entanto, enquanto significantes, carregam traços que seriam a significação da história de sua origem, ao mesmo tempo que proporcionam ao homem, dar significado as suas palavras.

O nome próprio, assim como a letra, também seria um significante puro, por não possuir sentido próprio, necessitando do processo de significação de cada sujeito (1962, p. 40). Esse processo de significação será permeado por uma repetição de traços de identificação que podem encontrar, no nome próprio, seu significante primordial. Enquanto significantes puros, nome próprio e letra não podem ser registrados de qualquer maneira, alterando sua forma, pois não se traduzem, mas se transmitem como tal. Esta, inclusive, é a característica que denomina um nome como próprio: não se traduzir na passagem de uma língua para outra.

Para compreendermos melhor por que o nome próprio seria um significante puro, Lacan compara este às letras. Segundo o autor, elas tem nome e muitas vezes sua emissão fonética é confundida com o mesmo, comprometendo a compreensão do que elas são e o que podem significar. O mesmo podemos observar no processo de alfabetização, quando várias crianças utilizam o nome da letra para representar sua emissão fonética, como no exemplo da escrita das palavras BTRABA (beterraba) e CNORA (cenoura). Da mesma maneira que uma letra pode apresentar uma confusão entre seu nome e o som que será possível representar, o sentido que o sujeito atribui ao seu nome próprio também pode se confundir com letras que o compõe.

Talvez aqui encontra-se o paradoxo do nome próprio, por ter tanto a função significante, quanto objetal, pois, segundo Leite (2004, p. 301) "no mesmo movimento em que o nome próprio traz ao humano significações, por incluí-lo na matriz simbólica, ele se apresenta como letra, como objeto, esvaziando toda possibilidade de sentido". Ainda, segundo a autora, devido à dupla função significante e objetal do nome próprio, este pode ser capturado pelas formações do inconsciente.

Para o aluno, o encontro com a escrita do nome próprio, expressando seu significado, pode proporcionar-lhe a possibilidade de retificar algumas idéias sobre o mesmo que, direta ou indiretamente, possam estar interferindo na aquisição da escrita em geral. Pela (re) constituição das funções significantes e objetais do nome próprio, o aluno, enquanto sujeito da/na linguagem, à medida que domina a língua escrita pode nomear as coisas, objetos e pessoas, por escrito.

 

Os alunos e seus impasses

Uma primeira análise, proporcionada por esta investigação, foi possibilitada pela criação dos sobrenomes e nomes fictícios de familiares, que substituiriam os originais. Para cada criança investigada, tivemos que analisar sua relação com a escrita, seu próprio nome, os dos familiares e quais letras se destacavam em suas reflexões. Como exemplo, para Brendo Gabriel, tivemos de construir um sobrenome materno que possibilitasse análises fonológicas, como aquelas que ele realizou diante da grafia do nome de sua mãe. Já para sua irmã, Iasmin Carolyne, o nome próprio da mãe devia ter o grafema Y, com as mesmas possibilidades de leitura que o original. Somando as características apontadas pelos dois alunos foi que surgiu o nome fictício: Layde de Paresus. Como se pôde observar, diferentemente do que ocorre em muitos casos de investigação ou de apresentação de estudos de caso, o nome fictício não configurou uma substituição nominal, mas a simbolização das primeiras análises realizadas, a partir dos dizeres dos alunos.

Ao longo dos encontros, os alunos confirmaram a importância do nome próprio para o processo de alfabetização, ao mostrarem como as suas letras se destacavam na construção da escrita de outras palavras.

No caso da aluna Thais, a relação com sua mãe, faz sintoma presente na escrita de seu nome. A aluna, capturada pelas mesmas vogais de seu nome próprio e de sua mãe, além de terem a mesma segunda parte do nome próprio, se vê impedida de utilizar as letras como puro significante. Ao contrário, as letras a remetem ao lugar que ocupa no desejo de sua mãe.

Na interpretação que Thaís Patrícia fazia de sua escrita foi possível observar que sua intenção subjetiva contava mais do que o resultado de sua produção, característica comum do nível 1 da escrita - pré-silábico -, descrito na psicogênese da língua escrita, elaborada por Ferreiro (1985). Durante o diagnóstico clínico-pedagógico Thaís Patrícia nota que uma letra pode fazer diferença na idéia que pretende representar, ao perceber a função da letra H do próprio nome.

No caso de Yasmin Carolyne, suas dificuldades residiam devido à afirmação de sua mãe quanto a este ser errado, uma vez que foi registrado pelo cartório com a letra Y. A falta de conhecimento das possibilidades de representação fonética do grafema Y a deixou capturada ao dizer de sua mãe, não conseguindo, sozinha, (re)significar a escrita do próprio nome, desenvolvendo a crença de que fazia tudo errado. Sem informações que possibilitassem a análise da função objetal do nome próprio, restava-lhe viver o conflito da função significante. A descoberta de que um grafema pode representar mais de um fonema é vivenciada por Iasmin Carolyne, como uma saída para seu impasse diante da escrita de modo geral.

Durante a pesquisa, confirmamos o quanto que a tríade alfabetização/nome próprio/subjetividade está entrelaçada podendo produzir, para os alunos, o sintoma de fracasso na alfabetização.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da pesquisa, confirmamos, pelas respostas dos alunos investigados, a importância da perspectiva gráfica e lingüística do nome próprio para a alfabetização, por este ser estável, verdadeiro e se referir a um único ser. Entretanto, a partir dos dizeres desses mesmos alunos, verificamos que a dimensão subjetiva presente no nome próprio faz com que essas características se apresentem de maneira confusa, inclusive, impedindo alguns de (re) significarem a grafia do seu próprio nome, a partir das informações que possuem sobre a língua escrita.

Durante as intervenções com os alunos investigados, pôde-se observar que algumas informações conceituais-pedagógicas oferecidas possibilitaram a retificação de alguns possíveis "enganos" com relação à grafia do próprio nome, produzindo efeitos sobre a escrita de maneira geral. É importante citar que todos os alunos investigados, não aprenderam a escrita do nome próprio em casa e, considerando que estes são pertencentes a famílias de classe baixa, a constatação da validade do próprio nome como aprendizagem escolar corrobora a afirmação de Ferreiro (1982) quanto à aprendizagem do nome ser a diferença drástica entre o processo cognitivo de aquisição da escrita por crianças de diferentes classes.

Este último aspecto pôde ser observado no processo de Luiz Augusto, quando a mãe lhe ensina a escrita de um outro nome completo, diferente da certidão de nascimento, enquanto que a escola, somente lhe ensina seu prenome. A preocupação de Luiz Augusto com "como", "para que" e "por que" escreve, exemplifica a necessidade de se trabalhar a dupla função - significativa e objetal - do próprio nome, para que o aluno não seja tão capturado pelas manifestações inconscientes, como afirma Leite (2004).

Verificamos na análise dos impasses dos alunos, que durante o processo de alfabetização as dificuldades de ordem conceitual-pedagógica indicavam que eles não avançam na construção da escrita devido não conseguirem utilizar as letras de seu nome como marcas esvaziadas de sentido - puro significante -, segundo afirma Lacan (1962), ou simplesmente como elas são: letras, como afirma Ferreiro (1982).

O alerta de Lacan aos psicanalistas quanto à forma com que o paciente apresenta seu nome, dizer da sua relação com o outro, também pode se aplicar na forma com que os alunos lidaram com o nome, durante o processo de alfabetização. Em todos os casos investigados, observou-se que na leitura ou escrita do próprio nome o aluno convocava algo da relação com as figuras parentais, em suas respostas. Diante desta situação, o trabalho com a certidão de nascimento se destacou como um instrumento extremamente importante no processo de (re)significação das informações que os alunos tinham sobre a origem da escrita do seu próprio nome. Isto deve-se ao estatuto simbólico de presentificação da lei social que representa o registro civil, o qual não permite que enganos, referentes à escrita do nome próprio, persistam.

Por meio das retificações simbólicas, proporcionadas pela leitura da certidão de nascimento, observaram-se mudanças dos alunos com relação à aquisição da escrita de modo geral e, em particular, do seu nome. Durante o diagnóstico clínico-pedagógico, a certidão de nascimento ocupou uma posição de destaque, ao se observar a diferença do envolvimento e respostas dos alunos, antes e após o trabalho com a mesma.

O desafio do trabalho realizado na interface da psicanálise e da educação foi privilegiar os aspectos conceituais considerados essenciais ao processo de aquisição de uma língua e, ao mesmo tempo, a subjetividade do aluno, presente na escrita do nome próprio. A aposta nesta interface propiciou que aspectos subjetivos relacionados ao processo de alfabetização, através da escrita do nome próprio, fossem elucidados. A psicanálise, através de seu instrumento metodológico - diagnóstico clínico-pedagógico -, propiciou identificar a ordem dos impasses dos alunos que não aprendiam, possibilitando-lhes a construção de algumas saídas, diante do mal-estar de serem crianças que "fracassam".

Os dizeres dos alunos indicaram a necessidade de conhecermos as dimensões lingüísticas, gráficas, culturais, sociais, mas também subjetiva que o nome próprio tem para eles, a fim de que, ao ser utilizado como atividade pedagógica, seja efetivamente uma peça-chave para do processo de alfabetização.

 

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1. Segundo Lacan (1962), o Outro com letra maiúscula "não é um sujeito, é um lugar no qual se esforça - diz Aristóteles - por transferir o saber do sujeito. [...] O Outro é o depositário representativo desta suposição de saber e é isto o que chamamos inconsciente , na medida em que o sujeito se perdeu, ele mesmo, nesta suposição de saber"(p.7).
2. Grifo da autora.
3. Tradução nossa: O que distingue o significante é somente ser o que os outros não são; o que, no significante, implica que esta função de unidade é justamente não ser senão diferença. É enquanto pura diferença que a unidade, em sua função significante se estrutura, se constitui.