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ISBN 978-85-60944-35-4 versión on-line

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

O efeito-professor e sua transmissibilidade1

 

 

Raquel Antunes Scartezini I; Terezinha de Camargo VianaII

I Possui Graduação em Pedagogia pela Faculdade de Educação/UFG (1996) e Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação/UFG (2008). Atualmente cursa Doutorado em Psicologia Clínica e Cultura na Universidade de Brasília
II Professora Associada do Programa de Pós Graduação em Psicologia Clínica e Cultura e do curso de especialização em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Pesquisadora Bolsista do CNPq

 

 

O debate sobre a qualidade da educação tem se estendido em nível mundial e determina a posição das nações no mercado internacional. Este processo pode ser conferido através do PISA, sistema de avaliações internacionais que diagnostica o nível de desenvolvimento em educação de cada país. Paralelo ao movimento das avaliações internacionais, os países, preocupados em monitorar seus resultados, passaram a avaliar a si mesmos. Acompanhando esse movimento, no Brasil foram criados o Saeb e a Prova Brasil em 1990 e 2005 respectivamente.

Estes sistemas de avaliação têm em comum a metodologia utilizada (Teoria de Resposta ao Item), o que permite que os seus resultados possam ser comparados entre si e entre diferentes edições. Paralelamente à avaliação do nível de proficiência dos alunos em determinadas habilidades requeridas em cada componente curricular e série, também são aplicados questionários aos alunos, professores e diretores. O objetivo é identificar fatores associados aos resultados dos alunos que podem, de certa forma, indicar onde os sistemas de ensino, escolas e professores estão errando, bem como, indicar fatores que promovem um melhor desempenho dos estudantes.

É neste contexto que vem sendo indicado nos relatórios de fatores associados destas avaliações que há algo que ocorre na sala de aula que é capaz de promover resultados superiores de aprendizagem. Na literatura de avaliação educacional têm sido frequentes os debates acerca do efeito-escola e efeito-professor. Tem sido discutido por pesquisadores da área de educação (economistas, psicólogos, sociólogos e pedagogos) que o comportamento do professor em sala de aula é determinante nos resultados de suas turmas. Faz parte do debate a constatação de que os programas de formação continuada de professores não têm atingido os resultados esperados. Conjectura-se que o efeito-professor pode ser a grande descoberta a ser aplicada nos programas de formação de professores. Debate-se que há que se descobrir o que se passa em sala de aula, para então, retransmitir este conhecimento para os futuros e atuais professores e, dessa forma, elevar o nível de aprendizagem dos alunos.

Contudo, apesar das questões que o tema suscita, poucas pesquisas empíricas sobre o assunto foram realizadas. Os formuladores de políticas e seus consultores identificam a ineficiência dos programas de formação de professores e buscam encontrar uma forma de alcançar aquilo que define a eficácia do professor e, consequentemente, do ensino oferecido. Todavia, como ensinar professores a ter um melhor desempenho em sala de aula continua sendo uma questão de difícil resposta.

Inquietos com tais constatações e discussões, investigamos o referido efeito-professor. Nosso objetivo é tentar esclarecer algumas questões: O que é o efeito-professor? É possível identificá-lo, isolá-lo e transmiti-lo para que outros professores possam apreendê-lo e reproduzi-lo? Em outros termos: O efeito-professor pode ser transmitido nos cursos de formação de professores?

 

Estudos sobre fatores associados

Até a pouco tempo, as discussões sobre a qualidade da educação giravam em torno de variáveis quantitativas como o número de anos em que os alunos frequentam a escola, evasão, repetência e matrícula. Recentemente, variáveis qualitativas também passaram a ser analisadas e estudadas a partir dos dados gerados pelas avaliações padronizadas de larga escala. Os dados gerados por este tipo de teste são diretamente relacionados às habilidades construídas pelos alunos no componente curricular avaliado (níveis de proficiência) e pelas inúmeras análises possibilitadas pelo cruzamento dos resultados do nível de proficiência com os dados fornecidos pelos questionários respondidos por alunos, professores e diretores. Esse intercruzamento de dados é o que dá origem aos fatores associados. "Vale ressaltar que a terminologia ‘fatores associados', defendida pelos educadores, define o mesmo conjunto de características que também podem ser chamados de ‘determinantes educacionais', comumente utilizada por estatísticos e economistas" (MACEDO, 2004).

Pesquisadores têm buscado investigar dados qualitativos dos efeitos familiares e escolares sobre o nível de proficiência alcançado pelos alunos em avaliações de larga escala com o intuito de identificar fatores potenciais para a melhoria da qualidade da educação assim como identificar as causas do fracasso escolar.

Tufi Machado Soares, engenheiro com pós-doutorado em Estatística, professor do Programa de Mestrado em Educação da UFJF e pesquisador associado ao Centro de Avaliação Educacional (CAED) dessa mesma faculdade destaca que um dos focos das avaliações em pesquisa educacional é a escola. Para tanto, "na composição dos sistemas de avaliação educacional mais recentes estão sendo avaliados não apenas o rendimento acadêmico dos alunos, mas também outros aspectos como os humanos e sociais" (SOARES, 2003, p. 105).

Soares (2003) afirma que são poucos os pesquisadores brasileiros que empregam modelos estatísticos de regressão hierárquicos, próprios para análises dos fatores associados à aprendizagem. Entre esses, cita os seguintes: Fletcher (1998); Barbosa e Fernandes (2000); Soares et al (2001); Albernaz, Ferreira e Franco (2002); Franco, Mandarino e Ortigão (2001) (SOARES, 2003, p. 106).

O autor esclarece que em estudos que envolvem este modelo são analisados e medidos o grau de interesse e dedicação do professor, o grau de motivação do aluno e, consequentemente, o ambiente da sala de aula e o grau de exigência do professor com relação a trabalhos e atenção às aulas (SOARES, 2003, p. 112). Segundo o autor, a partir de pesquisas pautadas no modelo de regressão multinível "comprovou-se que as características do professor e do ambiente em sala de aula afetam decisivamente o rendimento dos alunos e explicam substancial parcela da variabilidade observada para a proficiência do aluno que é devida ao efeito da sala de aula" (SOARES, 2003, p.121).

Candido Alberto Gomes, sociólogo doutorado em Educação, professor da Universidade Católica de Brasília e consultor da UNESCO, também entra no debate acerca da pesquisa educacional. Em um de seus trabalhos afirma que o efeito-escola é avaliado nos países anglo-saxões em cerca de 7% da variância de nível dos alunos na sua língua materna ou matemática. Indica ainda que este efeito, de acordo com outro cálculo, correspondia de 3 a 17% da variância dos resultados dos alunos no início do ensino secundário superior na França.

Este autor faz uma metáfora do sistema de ensino com uma cebola com sucessivas camadas que influenciam a aprendizagem dos alunos. Destaca a necessidade de se a abrir as primeiras camadas da cebola e adentrar na escola e pesquisar o que nela ocorre, em cada camada: da turma, do professor e do aluno.

O pesquisador constata que

os atributos dos professores eficazes são precisamente aqueles que escapam aos critérios burocráticos de recompensas em suas carreiras, de tal modo que continua de pé a questão de como selecionar, gratificar e promover os melhores, em detrimento dos piores. Este caminho, segundo várias investigações, não passa pela abordagem pedagógica ou metodológica, isto é, existem bons e maus professores que esposam as diferentes abordagens (GOMES, 2005, p. 289).

Por fim conclui que

as escolas bem sucedidas – e as diferenças entre as mais e menos bem sucedidas – fogem como a água por entre os dedos dos pesquisadores, sobretudo dos mais ortodoxos. Por isso mesmo, as constatações se baseiam em grande parte na análise qualitativa, que destaca o clima escolar e o clima da sala de aula (GOMES, 2005, p. 290).

As pesquisas sobre a eficácia do professor datam das últimas três décadas e têm sido conduzidas, a princípio, por pesquisadores norte-americanos (COLEMAN, [1970] 2008; JENCKS, [1972] 2008; RUTTER et al [1979] 2008; SAMMONS, [1999] 2008).   Já na França, de acordo com o pesquisador francês Pascal Bressoux, em princípio, a pesquisa em educação

foi profundamente marcada pelos trabalhos sociológicos (BOURDIEU e PASSERON, 1964, 1970; BAUDELOT e ESTABLET, 1971; BOUDON, 1973) que, com abordagens teóricas diferentes, atribuíram à origem social do indivíduo um papel preponderante no sucesso escolar, levando a pensar que à escola não restava senão o papel de validar as diferenças preexistentes e que se instalam paralelamente a ela e apesar dela. Sendo o sucesso escolar produzido fora da escola, os estudos dos fenômenos escolares perderam de fato seu interesse (BRESSOUX, 2003, p 21).

Gomes (2005) analisa o contexto europeu e formula a importância do estudo efeito-escola e do efeito-professor para se compreender os processos de aprendizagem no mundo contemporâneo. Tais pesquisas visam delinear o efeito-professor e elencam diferentes paradigmas que são referenciados por inúmeros pesquisadores para orientarem seus trabalhos, bem como descrevem seus procedimentos.

Os pesquisadores identificam, contudo, que os trabalhos sobre o efeito-professor apresentam limites importantes principalmente quanto aos métodos utilizados, o que dificulta o trabalho de distinção de causa e efeito:

Poder-se-ia igualmente dar um sentido de causalidade às relações detectadas, se pudesse dispor de uma teoria para as interpretar, o que permitiria esclarecer os mecanismos subjacentes. A abordagem do efeito-escola e do efeito-professor se caracteriza, infelizmente, por uma falta de teorias, apesar de certos esforços para se referir às teorias das aprendizagens tal como as de Piaget, ou ainda às teorias da atribuição e, no que tange ao efeito-escola, às teorias da sociologia das organizações. Essa falta de uma teoria constituída limita, frequentemente, a pesquisa das explicações a posteriori às correlações observadas, correlações certamente fundamentais na medida em que elas fornecem os elementos empíricos em um campo largamente dominado pelo senso comum, às vezes, a interpretações um pouco disparatadas (BRESSOUX, 2003, p. 64-65).

 

Em busca da subjetividade do professor

No Brasil, os questionários aplicados a alunos, professores e diretores por ocasião da aplicação da Prova Brasil e Saeb foram revistos e aprimorados objetivando capturar com maior precisão os fenômenos educacionais.

Assim, foram incorporados novos focos de interesse. Algumas variáveis introduzidas nos questionários contextuais permitem agregar informações que possam aprofundar outros aspectos sobre a população pesquisada e, em certa medida, como tais aspectos interferem ou não na aprendizagem, como por exemplo, dados sobre o trabalho infantil, os beneficiários do Bolsa-Escola, sobre a violência nas escolas e subjetividade do professor. Considera-se que estes são temas atuais e importantes e que estão influenciando de forma decisiva no cotidiano das escolas brasileiras. [grifo nosso] (INEP, 2010)

Ruben Klein e Nilma Fontanive, pesquisadores da Fundação Cesgranrio2, são os responsáveis pela realização do Saeb, Prova Brasil e diversas outras avaliações em larga escala que utilizam a metodologia da Teoria da Resposta ao Item no Brasil. Em recente conferência (KLEIN & FONTANIVE, 2010b), os pesquisadores destacavam que há escolas que conseguem bom desempenho apesar da pobreza e conjecturavam que se formos capazes de descobrir qual é o diferencial dessas escolas, será possível reproduzir este resultado em outras escolas. Todavia, reconhecem que:

antes de discutir os resultados obtidos, é importante registrar que a efetividade dos fatores escolares não são fáceis de medir, pois, para estimar os efeitos deles no desempenho dos alunos com maior segurança, torna-se necessário ainda desenvolver instrumentos mais apurados para medir nuances de características e da prática docente, acrescidas do desenvolvimento de abordagens analíticas capazes de capturar com maior precisão quais efeitos do professor e do corpo escolar estão sendo medidos (KLEIN & FONTANIVE, 2010a, p. 2).

De acordo com estes pesquisadores, o mais importante fator escolar que influencia o desempenho dos alunos é o professor. Entretanto, não se sabe o que ele faz e que "dá certo". Sabe-se que a boa formação do docente é condição, mas não é suficiente para garantir a aprendizagem de seus alunos. Afirmam que é preciso procurar os professores que alcançaram resultados superiores junto às suas turmas apesar das condições adversas e entrar em suas salas de aula, "abrir a caixa preta". Nilma Fontanive chega a esboçar uma estratégia de formação: filmar as aulas desses professores e mostrar aos outros em cursos de formação continuada. Segundo a pesquisadora, assim poderemos conhecer e divulgar as técnicas destes docentes de envolver seus alunos, identificar o "lado emocional" desse professor, pois para ela está claro que o diferencial não está no "nível intelectual".

Partilhamos da mesma inquietação dos pesquisadores, porém entendemos que a situação é ainda mais complexa. Remetemo-nos à nossa dissertação de mestrado (SCARTEZINI, 2008) na qual alertávamos sobre o risco de se assumir um ideal de formação amparado em um ideal de professor:

a ilusão dos programas de formação continuada de professores amparada pelo ideal (psico) pedagógico hegemônico é, parafraseando Melman (2003), a de se poder criar um professor sem gravidade quando justamente o que a psicanálise nos permite identificar é que o que diz respeito à educação é a gravidade. Se não há encontro com a gravidade e a densidade do outro não há efeito educativo, uma vez que aquilo que está pauta na educação é que o adulto que está perante uma criança deve dar testemunho de sua castração. Contudo, a proposta que nos é feita é de fugirmos dessa questão dilemática própria da pedagogia (SCARTEZINI, 2008, p. 94).

Percebemos que o sistema atual, que tem como meta contabilizar ao máximo o efeito da educação, identificou algum elemento fugaz que escapa à mensuração. Supomos que se trata do desejo e da transmissão simbólica, entretanto nos questionamos se é possível capturar seus efeitos e reproduzi-los em cursos de formação de professores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Gomes, C. A. (2005). A escola de qualidade para todos: abrindo as camadas da cebola Avaliação de Políticas Públicas Educacionais, no. 13, jul. - set./2005, pp. 281 - 306.

INEP. (2010). Saeb - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.   Recuperado em 06 de julho, 2010, de http://www.inep.gov.br/basica/Saeb/default.asp

Klein, R., & Fontanive, N. S. (2010a). Relatório dos fatores associados ao desempenho dos alunos da Fundação Bradesco 2009. Rio de Janeiro: Fundação Cesgranrio.

Klein, R., & Fontanive, N. S. (2010b). Gestão de resultados e de aprendizagem. Apresentação no XIV Encontro Nacional de Diretores da Fundação Bradesco - Gestão escolar: as articulações do diretor, São Paulo.

Macedo, G. A. (2004). Fatores associados ao rendimento escolar de alunos da 5ª série (2000): uma abordagem do valor adicionado e da heterogeneidade. UFMG/Cedeplar, Belo Horizonte.

Scartezini, R. A. (2008). Da crise na educação ao impasse nos programas de formação continuada de professores. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil.

Soares, T. M. (2003). Influência do professor e do ambiente em sala de aula sobre a proficiência alcançada pelos alunos avaliados no Simave-2002. Estudos em avaliação educacional, no. 28, jul - dez/2003, pp. 103 - 124.

Unesco. (2008). Relatório de monitoramento da educação para todos Brasil 2008: educação para todos em 2015, alcançaremos a meta? Brasília: Unesco.

 

 


1 Pesquisa de doutorado em andamento no Programa de Pós Graduação em Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
2 A partir de 1994, a Fundação Cesgranrio desenvolveu projetos para aplicar a Teoria de Resposta ao Item (TRI) a avaliações tanto nacionais, quanto estaduais e municipais. A Fundação Cesgranrio, desde 1999, é responsável pela realização do Saeb assim como de avaliações em larga escala em diversos estados brasileiros e no Distrito Federal. Fonte: http://www.cesgranrio.org.br