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ISBN 978-85-60944-35-4 versão on-line

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

"Gozo em saber que..."

 

 

Thais Barros

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo/ ECA - USP. Bolsista FAPESP. thaishbarros@gmail.com

 

 

É inquietante e provocador observar que em uma época em que se busca incessantemente a felicidade - a fórmula do gozo permanente - o saber seja colocado como principal "ativo", como aquilo que o sujeito tem como contribuição e constituição do seu estar no mundo. É pelo que sabe, pelo que pode (supostamente) dar conta, que o sujeito é valorizado. A falsa ideia de completude, ainda que apenas no registro do imaginário: "Eu sei, eu entendi!"

Se na era industrial contabilizava-se a mercadoria, o incremento da revolução tecnológica das últimas décadas criou novos paradigmas nos quais o sujeito é ele próprio mercadoria a partir do que sabe. O valor vem do interesse que algo (ideia, imagem, marca) gera nas pessoas, da demanda que provoca, do desejo que suscita. Tudo muito volátil; por vezes, conhecimento se confundindo com enxurrada de informações - quantidade, variedade, visibilidade, impacto, espetacularização - sem necessariamente consistência ou substância. Outras formas de trabalhar, de aprender, de produzir, de participar do contexto social. Possibilidade de uma sociedade em rede, do conhecimento e, simultaneamente, do consumo. Desafio de fazer desta busca pelo saber um movimento emancipatório, ouvindo as demandas do ser desejante e considerando limites não como barreiras, mas condição para abrir mão de prazeres fugazes, através de um gozo criativo.

Ao se transpor essa re-configuração dos laços sociais para a relação professor-aluno vê-se que ambos passam a ocupar outras posições. Procuraremos neste artigo discutir o desafio que se impõe ao professor neste momento de aumento da inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no projeto pedagógico das escolas. Delineia-se uma possível ameaça de perder seu lugar, mas também, a possibilidade de valorização deste profissional como mentor frente aos incontáveis apelos que se abrem às crianças e jovens. Oportunidade de reflexão, troca, construção conjuntas. Assim, que saberes estão em declínio e como as posições podem ser redimensionadas?

 

Mundo, mundo vasto mundo1

Ao longo da história a relação, e por vezes o afastamento, entre os universos da

educação e do trabalho sempre se fez presente com características peculiares a cada período, como reflexo do cenário político, econômico e sócio-cultural, entre outros fatores. O desenvolvimento tecnológico, que por séculos ocorreu de maneira lenta, agora se acelera e imprime outras maneiras de produzir, criar, consumir; outros laços sociais nas relações de trabalho, de aprendizado, afetivas, culturais.

Especialmente a partir da segunda metade do século 20, o trabalho ganha novo estatuto e inserção no tempo e no espaço (com o fortalecimento do teletrabalho e dos modelos de educação a distância) provocando, simultaneamente, mudanças nos processos educacionais. O acesso à educação formal é então estabelecido como um dos principais fatores para que se abram alternativas que possibilitem a criação e desenvolvimento de projetos, produtos e estratégias que permitam a inserção na economia de maneira criativa. Este diferencial educacional também é o fator que concede maior mobilidade, pois pessoas com formação mais diferenciada são, a priori, mais requisitadas pelos diversos mercados, nas diferentes localidades, além de lhes conferir maior poder de negociação nos acordos de trabalho. (Reich, 2002) As vinculações entre educação e trabalho na história econômica recente exigem uma reavaliação do potencial e dos limites do uso dessas tecnologias.

Observam-se movimentos da sociedade na direção de buscar incorporar e compreender tais mudanças, ou seja, uma nova maneira dos seres humanos utilizarem sua capacidade de processar símbolos, produzindo saber, conhecimento, valores e na qual "conhecimento e processamento da informação são elementos decisivos para o crescimento econômico." (Castells, 2002, p. 140) O autor ainda destaca que na economia informacional os agentes dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos. (p. 119)

A aproximação entre os indivíduos passa a depender cada vez mais da capacidade de apropriação de conhecimento e tecnologia, que são bases e canais de acesso aos novos modelos de relações sociais nesses novos tempos cruéis em sua velocidade e volatilidade, mas ao mesmo tempo, fascinantes pelas possibilidades de experimentações, integração, construção de cenários reais e virtuais nunca imaginados.  Tal metamorfose digitalizada atinge das relações de trabalho aos modos de amar e ser amado, praticamente exigindo de cada indivíduo ou grupo uma redefinição constante de seus modos de inserção num contexto incerto, "líquido." (Bauman, 2001)

Esta significativa reconfiguração das relações sócio-afetivo-político-culturais é por excelência um processo de experimentação dos novos referenciais.

E não há receitas para lidar com esse cenário. Jorge Forbes (2010), recorrendo a Freud discorre sobre as diferenças na escrita do neurótico e na do poeta. "Seriam os temas que escolheriam para tratar que marcariam a diferença entre atrativos e desinteressantes?" pergunta.

A resposta é não, mesmo porque estamos sempre contando a mesma história, ou melhor, tentando completar uma história esburacada, a nossa. O que os diferencia é o tratamento dado ao texto. Um, o neurótico, é orgulhoso de sua história, ela é só sua: o interlocutor tem que entendê-la tal qual, nos mínimos detalhes, arriscando inclusive ter que responder a uma sabatina para provar a boa atenção. (...) O poeta não teme o mal-entendido porque aprendeu que ele não é um erro, é estrutural da espécie humana, como demonstrou Lacan. E se a segurança não vem do "o que o outro vai pensar de mim", de onde ela vem? Exatamente da certeza constitutiva do mal-entendido que o faz trocar o julgamento do outro, frente ao qual somos invariavelmente culpados, por uma responsabilidade singular, que o leva a criar histórias que recobrem frouxamente o espaço do sem palavra. Poeta vem do termo 'poiesis', justamente: criar, inventar, fazer. Por uma história de um neurótico, ninguém passa, só assistem a ela; por uma história de poeta, muitas outras histórias passam. Com sua posição de responsabilidade ética, e por sua estética aberta, generosa, o poeta faz com que nós também nos livremos das autoacusações acachapantes e nos arrisquemos a inventar soluções mais singulares a nossos desejos. (pp.14-15)

A questão que se coloca é "como" as pessoas lidam com esta nova realidade social, com interações interpessoais mediadas pela tecnologia. E é nos ambientes de aprendizagem (empresas e, sobretudo, escolas), que esta nova dinâmica tem forte impacto e nos chama à reflexão.

É como no dilema do poeta: chamar-se Raimundo não seria uma solução, mas sim uma rima, uma invenção de um caminho, uma responsabilização.

 

Conhecimento, educação, tecnologia

A partir do momento em que se estabeleceu uma nova ordem econômica, capitalista, na qual as relações tornaram-se mais formais e institucionalizadas, ocorrendo através de contratos de troca mediados pela representação simbólica da riqueza (o capitalismo é economia monetária assalariada), um papel importante foi dado ao conhecimento formal, à escola, na sustentação destes vínculos mediados pela representação do valor, que é o dinheiro e a mercantilização do conhecimento.

Neste momento instaura-se a necessidade de outras formas de qualificação e preparo para atuar neste novo cenário econômico, no qual se dá uma abstração do trabalho, agora não mais restrito à produção artesanal, reforçando o apelo da escola como lugar no qual o trabalhador encontrará os recursos para adaptar-se às demandas desta ordem social. Principalmente a partir dos anos 1950, as empresas começam a agregar a seu ambiente atividades de qualificação para seus empregados. O currículo escolar alinha-se às necessidades da fábrica, aos apelos de quem vai lidar com máquinas e cálculos. A mudança é tão significativa que se faz necessária a organização da escola em duas linhas: a educação formal, generalista, e a criação de cursos específicos, a escola profissionalizante. (Sennet, 1998)            

Na sociedade atual o trabalho delimita e orienta o currículo escolar. Há que não se perder de vista a articulação entre estes ambientes, integrando conhecimentos intelectivos e produtivos: "a educação permanente é a perspectiva dominante." (Machado, 2000, p.76)

Nos últimos dez anos é significativo o crescimento na utilização das TICs como recursos de apoio nas instituições educacionais e nas empresas.

Há uma tensão entre individual e coletivo, da qual emergem as chamadas "redes sociais", onde surge o desafio de se construir uma nova sociedade que dê espaço para a manifestação de um "individual" que se construa coletivamente e até colaborativamente e, mais que isso, solidariamente, desafio este que coloca uma necessidade de compartilhamento, de conexão e comunicação. Nilson Machado (2000) nos lembra que quando se ganha algo há a contrapartida de uma perda, um "abrir mão" de outra coisa, mas quando se trata de conhecimento os novos saberes que vão sendo adquiridos e as trocas que se estabelecem contribuem para a ampliação e aprimoramento do já ganho.            

A construção e a sustentação das relações interpessoais dependem significativamente da criação e apropriação de conhecimento e tecnologia que sustentam o novo laço social e o modelo econômico do século 21, constituídos pelo intercâmbio de ideias, experiências e saberes que se integram em rede, abrindo possibilidades de inclusão e emancipação antes inimagináveis. Como nos dizem Nonaka e Takeuchi (1997), são novas formas de acesso e de apropriação experimentadas de maneira mais orgânica e fluída, menos limitadas aos processos exclusivamente individuais e, cada vez mais, voltando-se para a dinâmica coletiva de construção do conhecimento.

Criam-se interfaces que aproximam de maneira singular e intensa as diversas culturas, saberes, experiências; verdadeiras redes integradoras de pessoas, coisas e ideias. Este processo se fortalece, em particular, na transição da "web 1.0" para a "web 2.0"; informação deixa de ser o centro das atenções dando lugar aos meios de acesso e produção de conhecimento e desenvolvimento, com destaque para os recursos audiovisuais, instaurando uma nova economia e inúmeras conexões entre culturas, saberes e "fazeres."

A Educação pode se beneficiar disso, mas também, ficar cada vez mais impregnada de um caráter mercantilista e utilitário que acaba por impor a ânsia de incorporar a tecnologia aos processos educacionais não por seu aspecto inclusivo e facilitador, mas para atender a modismos, para estar "up to date". Defronta-se assim, com um grande nó: lidar com os apelos e necessidades da realidade sustentada pelo capital, na qual circulam indivíduos movidos por desejos e busca de satisfação. Dinâmica potencializada pelos apelos ao consumo, através de marcas, design arrojado, promessas etéreas de uma felicidade permanente e plena, difundindo a ideia da possibilidade ilusória (como nos alerta Lacan, 2008) de preenchimento dos "buracos" do sujeito. Enroscos daquilo que não é explícito e que não se explica.

Aí a tecnologia encontra seu lugar como recurso que sustenta e facilita possibilidades de construção de cenários nunca imaginados. Aumenta a cada dia a tendência de se utilizar os dispositivos móveis como recursos de aprendizagem colocando em toda parte, em todos os lugares, a qualquer momento, a possibilidade de emancipação e ampliação de conhecimentos. Incrementa-se a integração entre as pessoas através das redes sociais, proporcionando trocas mais imediatas e a produção coletiva e pode se observar professores e alunos interagindo intensamente fora da sala de aula.

Cada vez mais cedo crianças e jovens familiarizados com as novas tecnologias ensinam pais e professores a lidar com aparatos os mais complexos.

O acesso à informação e ao conhecimento fica facilitado e incentivado, especialmente graças à ruptura de barreiras proporcionada pelo ciberespaço; o aluno traz para a relação com o educador não só indagações, mas afirmações daquilo que conhece (o que "sabe") que não mais dependem tão fortemente do aprendido em sala - dinâmica que sempre existiu, mas jamais com a agilidade e amplitude dos últimos tempos.

O ciberespaço tem o enorme atrativo de oferecer respostas para tudo. Isso cria a falsa sensação de completude e os desvios que uma navegação à deriva pode provocar.  Lembrando ainda, os questionamentos sobre a qualidade e profundidade desta apropriação, em um ambiente que também pode provocar dispersão, superficialidade, embotamento da criatividade (plágio; "copiar/colar"), desrespeito às pessoas (bullying, falsificação de perfis).

O processo educacional passa a ter que manejar com habilidade a tensão entre ampliação x dispersão, autoria x plágio. Crianças e jovens mais e mais colocados num contexto de autonomia e acessibilidade. E, em contrapartida, professores e gestores temerosos, seja em relação aos riscos concretos de tamanha exposição, mas também, ameaçados em um possível desejo de controle.

Uma escola que não esteja atenta a este cenário, que não se proponha a ser interativa, que se mantenha presa a papéis rígidos e não saiba lidar com este novo ritmo e agilidade do acesso torna-se inviável. A escola precisa pensar formas de mediar esta relação com uma infinidade de conteúdos, e aí o papel do professor é de fundamental importância.   

Necessário questionar qual o desejo do aluno: expansão de conhecimento e de experiências ou o cumprimento de créditos, unidade de valor que aprisiona as regras da instituição, em uma clara negociação mercantil. E também, o do professor: ser um mestre que inspira ou alguém apegado a um poder controlador.

O sucesso de novas experimentações que integrem aprendizado e tecnologia dependerá do tipo de relação que se estabeleça entre estes diferentes atores (professores, alunos, gestores das instituições educacionais).

Seria o fim do papel do professor? Ou, ao contrário, momento de valorização deste profissional?

Nossa hipótese é a de que o professor cada vez mais se aproximará da postura de mentor, tecendo relações que visam criar condições favoráveis ao desenvolvimento através do incentivo à experimentação; um orientador destas crianças e jovens frente às incontáveis possibilidades que se abrem na cibercultura.

 

Mentoring: além da causalidade em processos de aprendizado

Mentoring pode ser pensado como processo educativo, que implica aprendizado e aprimoramento.

E cabe lembrar que no num mundo capitalista a proposta de aperfeiçoamento traz em sua essência uma questão intrigante, como nos leva a refletir Leny Mrech (2005), a "crença na existência de um saber completo" (p. 24), fortalecida nas últimas décadas pelo incremento dos recursos tecnológicos que disponibilizam um sem número de possibilidades de acesso permanente, intenso e ágil a todo e qualquer tipo de informação e conhecimento fazendo crer, ao menos ilusoriamente, que tudo se pode saber e aprender, rápida e imediatamente. Este paradigma está presente tanto no ambiente profissional quanto educacional. Vive-se um mundo globalizado, no qual as regras não são mais únicas e aplicáveis a tudo e todos. Querer preparar uma pessoa para uma carreira mostra-se inadequado e até mesmo inviável. Educar precisa ser visto como uma ação que "(...) não diz respeito a uma preparação para a vida. Ela se refere à própria vida do aluno." (p. 26) percepção esta que transportamos para a vida profissional.

A transmissão do conhecimento nunca é igual para todas as pessoas nem em todos os contextos. Em Lévy (1999), encontramos considerações que dão conta do que o autor denomina "saber-fluxo", o "saber-transação de conhecimento", que se constrói sustentado em grande parte pelas novas tecnologias da inteligência individual e coletiva.

Há aqui o forte ponto de contato entre mentoring e educação: o interesse em criar condições facilitadoras para o aprimoramento pessoal e incentivar o aprendizado e a construção de novos conhecimentos de maneira mais criativa, não se atendo a padrões formais e a restrições de tempo / espaço. 

O mentoring vem sendo utilizado tanto em ambientes empresarias, quanto em instituições de ensino e é discutido a partir de inúmeros referencias e com aproximações a coaching. Quando o cenário é o educacional é também comum falar-se em tutoria e tutor.

Em autores distintos (Bell, 1998; Johnson, 1997, Bellodi, 2005), com algumas variações, encontra-se a ideia de mentoring como processo que busca, sobretudo, ajudar alguém a crescer não só profissional, mas pessoalmente, através de suporte, encorajamento, orientação e inspiração para que o mentorado busque seu próprio caminho e modo de ação. Patrícia Bellodi (2005) destaca ainda ser uma relação assimétrica, mas não hierárquica, na qual "o mentor dá espaço para o jovem provar o seu valor." (pp. 34-35)

Já em uma abordagem menos ortodoxa - o Tao mentoring - na qual se busca uma leitura do processo lançando mão da filosofia oriental, coloca-se o desafio, e também o atrativo, de uma experiência transformadora, na qual mentor e mentorado se disponibilizam para uma relação fortemente sustentada na troca, na experimentação - uma verdadeira "dança" - destacando a fertilidade do espaço vazio, da possibilidade, do não pronto. (Chungliang e Lynch, 1995)

Michael Polanyi (apud Saiani, 2004) ao tratar da amplitude de saberes e conhecimentos disponíveis preocupa-se com pensar os caminhos pelos quais se dá essa transmissão, essa comunicação. E nos diz "Tal tipo de comunicação pode ser recebido somente quando uma pessoa possui um grau excepcional de confiança em outra: o aprendiz no mestre, o estudante no professor, e o público em geral em destacados oradores ou escritores famosos." ( p.86)

Uma tessitura conjunta de conhecimento tácito que o autor coloca como "sabemos mais do que imaginamos".

Trata-se de sair de uma relação assimétrica, implicando-se em uma prática inspiradora. Recorrendo à psicanálise, encontrar na relação com o outro a inspiração, o modelo e implicar-se com o próprio desejo. 

 

O Professor, o aluno, seus lugares

Estabelecer laços necessita de um espaço (real ou virtual) para acontecer. Pensando o contexto das instituições, encontramos normas que regulam as relações - ou tentam fazê-lo. Um contrato sócio-político. Proposta que se funda na idéia de um indivíduo racional, senhor de si, que é responsável por seus atos.

Ocorre, contudo que, por envolver pessoas, em sua singularidade e subjetividade, a constituição do espaço organizacional e da cultura que o configura perpassa e é perpassada pelos processos comunicacionais naquilo que possui de explícito, mas também em suas dimensões inconscientes.

As relações sociais - o contrato - pressupõem uma relação especular de equivalência entre as pessoas envolvidas (o ideal rousseauniano de uma sociedade transparente). Em contrapartida, tais relações são reguladas pelo regime da Lei, que supõe a autoridade do grande Outro - numa relação de dessimetria. Uma tensão que tem como núcleo algo de que nos falam Miller e Milner (2006): no sujeito há sempre algo fora da equivalência - aquilo que para nada serve, ou seja, o não explicado, não entendido, aquilo que excede - seja a mais valia, seja o mais de gozar - o que é sua marca. 

O que é posto aqui é a complexidade de se lidar com a singularidade, especialmente nas relações institucionais em que se combina algo explicitamente, mas que não se cumpre no registro da subjetividade, por maior que seja a "boa vontade" das pessoas.

E no cenário mercantilista da educação há o semblante de um professor que deve dar ao aluno aquilo que foi estabelecido no "contrato de compra": um conhecimento on demand, ajustado às necessidades e, sobretudo, as satisfações imediatas. Um professor que, assim como o Google, tenha uma resposta e uma saída para tudo. O gozo do efeito imediato, da não responsabilização dada pela acomodação ao já conhecido.

O uso da tecnologia a partir de um caráter exclusivamente instrumental acentua essa paralisia. Substitui-se o giz pelo mouse sem discutir-se a cultura digital e as possíveis novas subjetivações que estejam surgindo.

No capitalismo digital conhecer está vinculado à inovação, a lidar - "dar conta" - com o imprevisto, o improvável. É recurso para ter mais agilidade, flexibilidade e inserção em um mundo de muitas mudanças - rápidas e permanentes.  Uma nova ordem de mundo não mais propriamente causal, determinista, mas sim da probabilidade, a ideia de aposta de que já falava Pascal em seus "Pensamentos", no século 17, retomada por Keynes, economista que é referência no pensamento de ruptura com o pensamento econômico convencional, que traz uma visão da economia como algo que não é propriamente material, não há uma estrutura que se feche e se resolva no equilíbrio, mas sim, é algo que se abre sempre para uma aposta no futuro. (Cf. Schwartz, 2006) A mesma possibilidade de invenção do futuro proposta por Lacan. Saída do modelo vertical para relações múltiplas, possibilidade de uma sociedade em rede: a sociedade do conhecimento.

Em meio a tantos desafios e paradoxos, encontramos muitos profissionais que acreditam e se orgulham de seu ofício. A estes cabe o semblante de mentor que atua como um exemplo - e sobretudo um inspirador - de como se pode buscar a informação, construir conhecimento, experimentar e aprender em uma época de tamanha agilidade e volatilidade explicitando a importância do não tecnológico.

É ai que a tecnologia passa a atuar a favor das pessoas.

 

Referências Bibliográficas

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MACHADO, N. J. (2000). Educação: Projetos e Valores. São Paulo: Editora Escrituras.

MILLER, J. A. e MILNER, J. C. (2006). Você quer mesmo ser avaliado? São Paulo: Manole.

MRECH, Leny (Org). (2005). O impacto da Psicanálise na educação. São Paulo: Editora Avercamp.

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1 A frase remete ao "Poema de Sete Faces" de Carlos Drummond de Andrade.