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On-line ISBN 978-85-60944-35-4

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

Violência na escola: reflexões acerca da (re)construção dos laços de autoridade no cotidiano escolar

 

 

Rosana Márcia Rolando AguiarI; Sandra Francesca Conte de AlmeidaII

IPsicanalista. Professora da Universidade Católica de Brasília. Mestre em Psicologia e Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília, sob a orientação da coautora. E-mail: rosanam@ucb.br
IIPsicanalista. Professora dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Psicologia e em Educação da Universidade Católica de Brasília. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Coordenadora do GT da ANPEPP Psicanálise, infância e educação. Professora aposentada do Instituto de Psicologia da UnB. E-mail: sandraf@pos.ucb.br

 

 


RESUMO

Este artigo visa discutir a urgência da (re)construção dos laços de autoridade, na escola, pela via do reconhecimento da importância da função paterna e do Nome-do-Pai, na educação e na sociedade. Problematiza, ainda, à luz de alguns pressupostos da psicanálise, a violência na escola e suas conseqüências no cotidiano escolar, bem como seus efeitos na sociedade, em geral. As considerações finais serão apresentadas em torno de algumas iniciativas e ações pedagógicas voltadas para o investimento na reconstrução dos laços sociais e da autoridade, na escola, como possibilidade de elaboração psíquica e enfrentamento das violências. A formação clínica de professores, com dispositivos centrados na análise e reflexão de práticas docentes e ancorada na tradição e na transmissão cultural de valores morais e éticos e no reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos da educação, é considerada essencial na (re)construção dos laços sociais, no cotidiano das escolas.

Palavras-chave: Escola; violência, professor, autoridade, psicanálise


 

 

A violência pode ser pensada como a expressão subjetiva de um intenso mal-estar interior, como a exteriorização de pulsões que comparecem de modo violento e que o sujeito não consegue simbolizar. A palavra é substituída pela passagem a atos violentos. É a própria radicalidade do desamparo e do mal-estar constitutivos da condição humana agindo de forma destrutiva, em relação ao sujeito e a seus semelhantes. Assim, o fenômeno da violência pode ser entendido como um sintoma subjetivo, singular, e também social, pois construído e vivenciado nos laços sociais. Enquanto sintoma, constitui um dispositivo usado pelo sujeito para denunciar um estado psíquico de sofrimento. Blanchard-Laville (2005) lembra, apropriadamente, que o sintoma é sempre endereçado ao outro.

Freud escutava as histéricas, queixosas de seu mal-estar, pela via dos sintomas. Em 1930, anunciou que para o homem conviver na sociedade seria necessário suportar um quantum de mal-estar, conter a autodestruição e a destruição do outro. Para Freud, os laços sociais são responsáveis, em grande parte, pelo mal-estar na cultura, já que os homens possuem inclinação para a agressividade e crueldade. Freud considera as nossas pulsões destrutivas como responsáveis pelo mal-estar na civilização.

Nesta direção, concorda-se com Marty (2006), que entende que é possível pensar a violência que se passa no palco social como forma de expressar o que se produz no palco psíquico.

Já Bettelheim (1979), citado por Costa (2003), adverte que só há violência quando o sujeito que sofre a ação agressiva percebe no agente da ação um desejo de destruição. Mas, mesmo assim, é fundamental salientar, conforme Costa, que a violência é própria do humano, embora não deixe de nos impactar e causar-nos estranheza.

Birman (2009) enfatiza que a violência é, de fato, uma marca que perpassa a história humana e está desde sempre presente nas sociedades. Mas, como afirma o autor, por não ser um dado biológico, existe na própria passagem aos atos violentos a inscrição de formas de subjetivação particulares de atuação. Sendo assim, a violência não pode ser vista de forma simplista e sem considerar a complexidade humana.

No processo de subjetivação, ou dito de outra forma, na constituição psíquica do sujeito, o Outro funciona como aquele a quem é demandado inserir o infans no contexto social. A presença de um Outro interpela o caminho da constituição subjetiva da criança e a impele a construir laços sociais. Neste sentido, Bernardino (2006) analisa o desenvolvimento infantil distanciando-se das idéias organicistas e maturacionistas, compreendendo-o pela via da psicanálise, ao apontar que as heranças genéticas não são suficientes para a construção do ser humano, no pleno sentido da palavra. A autora ressalta que isso só é possível quando um Outro atua nos cuidados do pequeno ser que acaba de chegar ao mundo. Este pequeno, então, passa a fazer parte de uma rede de laços sociais, que o constitui psiquicamente, já que o inconsciente não se articula fora do social, mas, antes, é aí que se inscreve.

Assim, a inserção da criança na cultura se dá justamente em virtude de uma lei simbólica interiorizada, por meio da transmissão do significante que Lacan (1998) denomina Nome-do-Pai. A função paterna, representante dessa metáfora, pode ser exercida, simbolicamente, tanto pelo pai real quanto por significantes culturais que venham a ocupar esse lugar. O Nome-do-Pai tem a função de inserir o infans na cultura, pela via da linguagem, em um mundo de leis e normas, proporcionando, portanto, a entrada da criança no laço social e retirando-a da completa dependência de suas pulsões primitivas ao mesmo tempo em que abre as vias para a operação psíquica de separação do Outro.

Almeida (1999) e Almeida et al. (2010) entendem que a função paterna poderá ser exercida simbolicamente, pela via da linguagem, por um outro que não seja o pai. Chamam a atenção para o fato de que "ao longo do desenvolvimento do sujeito, é possível que outros significantes e pessoas assumam, simbolicamente, a função paterna. Deste modo, na busca pelo terceiro, pode surgir, para o adolescente, a figura do professor ou de alguém próximo como sendo representante da lei paterna. Também o juiz pode vir a ocupar esse lugar, tendo como função interditar a relação dual e introduzir a metáfora do Nome-do-Pai" (2010, pp.171-172)1.

Lajonquière (2000) afirma que, nos dias atuais, há uma recusa, na sociedade moderna, em reconhecer a importância da metáfora paterna na constituição do sujeito e questiona qual seria, na verdade, a função do pai, na resolução do Édipo. Para o autor, o pai tem a função de barrar o desejo da mãe e retirar, mãe e filho, da ilusão de completude narcísica.

Também o professor pode ocupar o lugar simbólico de representante da lei e de interditor das crianças, na vida escolar, como o de um pai na educação familiar de seus filhos. Entretanto, na sociedade moderna, este lugar está prejudicado, esvaziado, desinvestido de autoridade.

Notadamente, na contemporaneidade, o desinvestimento das figuras de autoridade pode dar lugar a modalidades de violência contra a pessoa. A escola se insere neste cenário, uma vez que, no seu ambiente, existem atuações agressivas e violentas contra os professores, alunos e outros membros da comunidade escolar. Aguiar e Almeida (2008), em pesquisa realizada sobre o sofrimento psíquico de professores, relatam como a violência escolar pode estar relacionada com o declínio da função paterna, na modernidade, que se expressa na crise moral, social e familiar e no desinvestimento do professor de seu lugar de autoridade.

Arendt (2003), referindo-se à inserção da criança no mundo social e na cultura, afirma que aos adultos é conferida a responsabilidade da educação das crianças e que a escola participa da responsabilidade de introduzir a criança no mundo. A autora adverte que, "na educação, essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade" (p.239). Afirma, ainda, que a autoridade do professor se assenta na responsabilidade assumida como representante do mundo dos adultos.

No entanto, como adverte Arendt (2003), a crise na educação revela que essas funções e lugares não são bem demarcados e no que concerne à autoridade encontram-se cada vez mais esvaziados, pois tanto pais como mestres, muitas vezes, se destituem desse lugar ou dele desistem antes mesmo de assumi-lo. Os efeitos de tal renúncia, na constituição psíquica do sujeito, podem ser devastadores, uma vez que se soma a isso a ausência de referências éticas, morais e sociais. Sem referências e proteção, crianças e adolescentes poderão vir a se organizar psiquicamente de modo não saudável.

Em seu texto, Metapsicologia do sujeito moderno, Fleig (1999) examina os modos e os princípios organizadores da modernidade e seus efeitos no laço social, apontando que daí resultam vários impasses, como os sintomas sociais e as dificuldades subjetivas. Fleig argumenta que o imperativo do sujeito moderno é abandonar as tradições e entregar-se "ao comando dos objetos", mas adverte que a constituição psíquica de todo e qualquer sujeito se dá a partir dos laços que o fundam e daquilo que a cultura coloca à disposição do sujeito, já que o inconsciente não se articula fora do campo social. Neste sentido, é preciso refletir acerca das marcas que a cultura contemporânea tem deixado no sujeito e nos modos pelos quais a sociedade moderna tem se organizado.

No mesmo texto, Fleig (1999) cita Arendt (1969), que analisa a violência como uma das faces do sintoma social, fruto do declínio do poder. Para a autora, conforme Fleig, quanto maior a diminuição do poder legítimo maior a possibilidade de violência, que ela nomeia "força não legítima".

Preocupados com os rumos que as novas gerações, a educação e a escola vêm tomando, governantes de diversos países têm apoiado ações educativas de enfrentamento da violência, nas escolas. Em maio de 2010, o atual presidente da França, Nicolas Sarkozy, pronunciou um discurso exclusivamente voltado para o preocupante cenário da escola, em seu país, intitulado "discurso sobre as violências escolares". Em certa passagem de seu pronunciamento, destacou que a violência escolar é um problema de todas as pessoas envolvidas com a escola, embora cada uma tenha um papel definido.

O presidente francês deu ênfase à necessidade da reconstrução da autoridade na escola como uma das possibilidades de prevenção e combate à violência. Destacou, também, que o professor é depositário da autoridade a ele conferida pelo seu saber e que é essencial que o aluno respeite o professor, para com ele aprender. Para Sarkozy, a ordem (disciplina) tem valor fundamental no cenário escolar. Comprometeu-se, no discurso, a engendrar estratégias para a reconstrução da ordem e da autoridade na escola, legitimando a instituição escolar de forma a que o docente seja reconhecido, novamente, como figura de autoridade. Para o presidente francês, só se ganha essa batalha se todos se envolverem no mesmo propósito, pois, segundo ele, a violência na escola se tornou um insulto à sociedade. Nas suas palavras, "não podemos ficar indiferentes diante deste problema" (Sarkosy, 2010).

O pronunciamento da maior autoridade da França a respeito da violência na escola anuncia uma atitude de apoio e de suporte à educação escolar, com vistas ao resgate da autoridade docente e apoio à categoria de professores. Espera-se que essa posição tenha desdobramentos políticos e éticos e efeitos reais positivos, para além do que, simbolicamente, ela possa significar.

Debarbieux (2010) compara iniciativas e providências tomadas pelos sistemas educacionais inglês e francês acerca da violência no âmbito escolar. Aponta que na Inglaterra a família é convidada a participar das decisões e das ações da escola e da educação escolar de seus filhos, de um modo geral.  E critica duramente o sistema educacional francês, ao afirmar que, ainda nos dias de hoje, a escola vê as famílias dos estudantes como suas adversárias.

Entretanto, algumas iniciativas institucionais, no âmbito das escolas francesas, podem ser citadas, como o de uma escola cuja equipe pedagógica operacionalizou mudanças significativas na dinâmica das relações interpessoais professores-alunos, no ambiente escolar, resgatando o sucesso no aprendizado, recompondo os laços sociais e de autoridade e promovendo o convívio social entre os membros da comunidade, por meio de medidas relativamente simples. Segundo Feyfant (2010), a equipe de professores dessa escola organizou, em parceria com representantes dos alunos, novas normas de regulação de condutas e comportamentos, diminuindo, sensivelmente, os desvios das regras e normas no interior da escola. A autora lembra que o fenômeno da violência pode ser entendido como não submissão às normas sociais estabelecidas.  Assim, a construção de novas regras, negociadas, partilhadas e acordadas por todos, na instituição escolar, torna-se absolutamente necessária.

Feyfant (2010) observa, ainda, que o interesse familiar pela escola é fundamental e enfatiza a necessidade de diálogo, de abertura e de um espaço de interlocução onde pais e mestres possam conversar a respeito da violência escolar e seus modos de enfrentamento. A autora também atribui importância às conversações acerca da moral e dos valores familiares, propõe o resgate dos limites na educação e participação efetiva dos pais na escola, com vistas a acompanhar de perto o desenvolvimento intelectual de seus filhos.

Outras iniciativas tomadas por algumas escolas, na França, dizem respeito à formação continuada de jovens professores, em início de carreira, visando a lhes dar suporte no exercício de seu métier, sobretudo nas escolas com altos índices de violência. Nessas instituições escolares, os professores são convocados a participar de cursos de formação, durante o seu primeiro ano de atuação como docente de ensino médio. Os jovens professores participam de um programa de acompanhamento e análise das práticas docentes, de 216 horas de duração, logo após o ingresso na unidade escolar. Enquanto freqüentam o grupo, seus alunos ficam sob a responsabilidade de professores substitutos (Guyoyat & Quilleret, 2010). Essa formação em serviço visa dar apoio e suporte aos professores em início de carreira para que possam expressar suas angústias e, também, estreitar os laços com a equipe pedagógica. Na maioria das vezes, os jovens professores se apresentam para o trabalho docente bastante angustiados e inseguros. Com esse dispositivo, essencialmente um grupo em que a palavra circula, os docentes ingressantes podem falar de seus sentimentos e angústias em relação à sala de aula e ao cotidiano escolar.

Contudo, iniciativas de formação continuada focadas no desenvolvimento pessoal e profissional do professor (Almeida & Paulo, 2009, 2010) não são usuais no ambiente pedagógico, pois há uma negação, na escola, dos efeitos do inconsciente e do desejo do sujeito no processo de ensinar e de aprender.

Também Aguiar e Almeida (2008) consideram que "a maioria dos 'modelos' de formação inicial e continuada de professores desconhece ou nega, ainda hoje, as manifestações psíquicas inconscientes presentes na sala de aula e na escola" (p. 80). Na mesma direção, as autoras afirmam que o maior desafio de uma nova modalidade de formação continuada de professores, consiste em "privilegiar a subjetividade do docente, dando-lhe suporte e reconhecimento, criando condições e recursos, pessoais e profissionais, para que o professor possa modificar o destino do seu sofrimento no exercício do magistério. A possibilidade de escuta por um profissional qualificado no percurso de formação e em serviço pode, de alguma forma, contribuir para a (re)construção da identidade do mestre e para o atravessamento de suas fantasias e ideais educativos"(p. 84).

 

(In) concluindo

Para Arendt (2003), o educador se apresenta ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade. Esta responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores; ela é implícita, pelo fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. Arendt afirma que "qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação" (p.239).

Na atualidade, no contexto sócio-afetivo de muitas escolas, o sintoma social dominante se apresenta como a ausência de compromisso com o outro ou rompimento dos laços sociais, sobretudo com o desinvestimento das figuras de autoridade de suas funções, ausência de lei e de regras claras de convivência, marcando as relações sociais e intersubjetivas com o selo de um desejo anônimo, sem filiação simbólica.

Pechberty (2011) fornece pistas às possibilidades de (re)construção dos laços na escola e aponta que a questão dos conflitos identificatórios são fundamentais na compreensão e favorecimento da evolução das situações de ensino. Para o autor, esses conflitos, "motores ou paralisantes, organizam a identidade pessoal e profissional" (p. 67) do professor. Os conflitos identificatórios permitem inferir os desejos inconscientes e as angústias que interferem na relação educativa, estruturada em torno do aluno, do professor e do saber. Pechberty enfatiza a distância entre o ideal psíquico do professor e a realidade atual dos alunos, situação que causa conflitos e mal-estar. Quando as identificações mútuas não sustentam mais a transmissão e o aprendizado, a perda de referência invade a situação educativa, afirma o autor. Assim, a crise atual da escola pode ser entendida como uma resposta à fragilização dos laços culturais e sociais e, portanto, identificatórios. No contexto escolar, observa o mesmo autor, não é mais possível ensinar se os laços entre os estudantes e os adultos não forem reconstruídos. Projetos inovadores, tanto intra quanto extraescolares, que fogem à lógica habitual escolar podem ser construídos, de modo a que sejam redefinidos os espaços de socialização e retomadas as identificações mútuas entre adultos e adolescentes. Pechberty faz referência a diversos projetos, não usuais no ambiente da escola, que permitem reinventar o pedagógico, atravessar a angústia e estabelecer trocas e laços mais consistentes entre alunos e professores. Dentre os projetos possíveis, ele cita atividades periescolares, saídas da escola, encontro com artistas, filmes produzidos por alunos, introdução do lúdico no aprendizado. No que diz respeito aos professores, enfatiza a importância dos estágios de análise clínica das práticas profissionais, destinada aos debutantes na profissão, visando à construção da identidade profissional.

Nessa perspectiva, podemos afirmar que a desconsideração da existência do outro e de suas ressonâncias psíquicas, o isolamento na sala de aula e o não-reconhecimento no exercício da prática pedagógica levam a um rompimento das relações interpessoais e a uma quebra dos laços sociais, no cotidiano do ofício de ensinar. O fato de não ser reconhecido em sua função de autoridade e representante do mundo adulto pode ser entendido por muitos docentes como uma violência, de fato, uma desqualificação pessoal e profissional. No jogo das relações e práticas educativas, no interior da escola, tanto professores quanto estudantes, ao se sentirem ignorados em suas demandas psíquicas, reeditam vivências de abandono e desamparo. Quando a angústia e o mal-estar são muito fortes e sem possibilidade de elaboração simbólica, corre-se o risco da não-integração de pulsões (seus representantes ideativos e seus afetos), e o agir e a passagem aos atos violentos podem, então, dominar o ambiente escolar.

Debarbieux (2010) defende que uma das grandes soluções para os problemas da escola, na modernidade, é o trabalho em equipe, atividade primordial no contexto escolar. Segundo o autor, o trabalho em grupo estabiliza o conjunto de docentes e melhora o funcionamento interno da escola, necessário à transmissão dos saberes, que não subsiste se a escola não tiver uma estrutura e um funcionamento capazes de garantir um suporte suficientemente adequado ao exercício do ofício docente.

Com uma visão de cunho mais pedagógico e uma certa idealização do ato educativo, Clerc (2009) aponta alternativas para que o docente torne seu ofício mais eficaz e menos penoso, em todos os aspectos. Para o autor, o professor não deve abrir mão de ter domínio de sua classe, ao mesmo tempo em que deve conquistar a confiança de seu aluno. Também propõe aos jovens professores, que atuam no ensino de estudantes "difíceis", alguns dispositivos que ele denomina "Técnicas Pedagógicas", cada uma com objetivos precisos, tais como construir e manter o respeito e o rigor com o objetivo de sustentar a autoridade; trabalhar com atividades teatrais e com dinâmicas mobilizadoras, para prender a atenção dos estudantes; manejar uma pressão positiva quanto à disciplina na classe, para que os alunos não percam a noção dos limites, em sala de aula; proporcionar situações de aproximação entre os alunos, por meio de trabalhos em equipe; criar condições motivadoras em sala, para que os alunos possam se manter interessados; fazer a gestão de sua própria energia, para que não sucumba ao estresse; interessar-se de fato pelos alunos, chamar os pais à escola; manifestar otimismo no diálogo com os alunos, para que os embates e os confrontos sejam evitados, respondendo do lugar de adulto e de autoridade e não como uma criança igual ao seu aluno.

Essas iniciativas, na concepção de Clerc (2009), podem ajudar o professor a lidar com o cotidiano na escola com menor grau de dificuldade e um pouco mais de prazer. Visam, também, acolher o jovem professor no início de sua profissão, quando se confronta com o real da profissão docente.

Com relação à formação docente, sobretudo a formação continuada ou em serviço, embora não haja solução milagrosa, acreditamos que o suporte dos professores mais experientes é muito relevante para os jovens professores. Pode-se, inclusive, planejar e experimentar, na prática, a idéia de tutoria dos mais experientes em relação aos menos experientes.

Na mesma direção, o dispositivo de análise das práticas, ao facilitar aos professores o acesso à palavra, escutá-los e acompanhá-los nas situações e experiências difíceis, de modo a que sua angústia possa ser reconhecida e elaborada, é fundamental. Esse dispositivo permite troca de experiências, ligadas à história de vida dos sujeitos, que afetam e são afetadas pelas vivências e dinâmica da profissão, e lhes permite compreender melhor as ressonâncias subjetivas e profissionais em jogo, na relação pedagógica, vislumbrando soluções mais criativas e menos repetitivas para os problemas enfrentados na escola. Almeida (2011) defende essa idéia e assinala a importância de um adequado manejo dos dispositivos clínicos de orientação psicanalítica, na formação de professores, atravessados pelo "ethos do cuidado e do acolhimento" (p. 28). Em sua análise, ressalta que não é possível separar a vida pessoal da vida profissional do professor, pois ambas são entrelaçadas de modo a determinar o ser e o fazer na profissão, e chama a atenção para o fato de que "a formação de professores não pode ser centrada apenas nos aspectos técnicos, didáticos, instrumentais e racionais ligados ao exercício de um saber-fazer profissional" (p.27).

Isto não quer dizer, entretanto, que não se reconheça a importância da inclusão de temas e problemas atuais que tocam e afetam a sociedade, a família e a escola, no currículo da formação de professores, tais como o fenômeno das violências, o ensino e o aprendizado de alunos "difíceis", as novas configurações familiares, a educação para a sexualidade, a inclusão escolar de alunos com transtornos de desenvolvimento e/ou com deficiências, o fenômeno da drogadição, a indisciplina, o sofrimento psíquico de professores, dentre outros problemas que revelam os impasses da educação, na atualidade. Contudo, não se pode deixar em segundo plano, no processo de formação, a premissa essencial da articulação entre o pessoal e o profissional, na função docente, pois a subjetividade do professor atravessa a sua prática pedagógica e constitui o esteio que sustenta a relação educativa.

Assim, acreditamos que a (re)construção dos laços de autoridade, no ambiente escolar, se dará, legítima e eticamente, por meio do reconhecimento e do efetivo exercício do papel e das funções do adulto na educação das novas gerações, desde o âmbito privado, no seio familiar, quanto o público, no interior das escolas.

No que toca aos professores, especialmente os que se dedicam ao ensino de alunos adolescentes, parece-nos essencial que consigam dar testemunho de sua relação singular com o saber e exercer, por acréscimo, uma função de suplência da autoridade paterna e de identificação narcísica, essenciais a uma travessia menos traumática e violenta da adolescência, conforme propõem Almeida et al. (2011), a partir de tese defendida por Marty (2006). Uma formação continuada, de inspiração psicanalítica, voltada para a análise clínica das práticas profissionais, trabalha nessa direção: no avesso da formação teórico-instrumental.

 

Referências

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1. Para acompanhar as diferentes modificações que a noção de Pai ganhou, no ensinamento de Lacan, reportar-se ao artigo de A. Zenoni, Versões do Pai na psicanálise lacaniana: o percurso do ensinamento de Lacan sobre a questão do pai, publicado em 2007, em Psicologia em Revista, v. 13, n. 1, pp. 15-26.