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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. Mayo. 2002

 

Relação de ajuda enfermeiro-paciente laringectomizado total, em reabilitação fonatória Provox

 

Help relationship between the nurse and total laryngectomized patients in the Provox phonatory rehabilitation

 

 

Kátia Cilene Godinho BertoncelloI; Antonia Regina F. FuregatoII; Maria Cecília Morais ScatenaII; Namie Okino SawadaIII

IEnfermeira, Especialista em Pronto Socorro e Emergências Pré-Hospitalares, Professora, Doutoranda do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. katiabertoncello@yahoo.com.br
IIEnfermeiras, Professoras Doutoras do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP-USP
IIIEnfermeira, Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP

 

 


RESUMO

Este estudo tem o objetivo de descrever a abordagem terapêutica relação de ajuda aplicado numa entrevista semi-estruturada, não-diretiva, centrada no paciente, que foi escolhida como técnica para a coleta de dados. Entrevistou-se um paciente laringectomizado total, em reabilitação fonatória com a prótese Provox, que participa do GARPO (Grupo de Apoio de Reabilitação de Pessoas Ostomizadas/laringectomizadas). A entrevista gravada em fita cassete, ocorreu na sala das enfermeiras do GARPO, na Casa 5 do Campus Universitário da USP-Ribeirão Preto-SP, com duração de 45 minutos. O enfermeiro procurou compreender o problema apresentado por ele e suas alternativas de solução, estabelecendo uma relação de ajuda, com interferência mínima. A análise destaca os problemas apresentados pelo paciente assim como os aspectos positivos e negativos de desempenho do enfermeiro. Conclui-se que não é sobre o diagnóstico do paciente que o enfermeiro deve atuar. Seu foco de atenção é a pessoa que se apresenta laringectomizada e seu instrumento é o uso adequado da comunicação e as técnicas de abordagem terapêutica.

Palavras-chave: relação de ajuda, laringectomizado, reabilitação fonatória, enfermagem


ABSTRACT

This study aims to describe the therapeutic help relationship approach and was realized by means of a non-directive, patient-focused, semi-structured interview, which was chosen as the data collection technique. We interviewed a totally laryngectomized patient in the process of phonatory rehabilitation with the Provox prosthesis. He was a member of GARPO (Support Group for the Rehabilitation of Ostomized/Laryngectomized People). The interview, which was recorded on a cassette tape, took place in the GARPO nurses' room in House number 5 on the campus of the University of São Paulo at Ribeirão Preto and took 45 minutes. The nurse attempted to understand the problem presented by the patient and his solution alternatives, thus establishing a help relationship with minimum interference. The analysis emphasizes the problems presented by the patient as well as the positive and negative aspects of the nurse's performance. It was concluded that it is not in response to the patient's diagnosis that the nurse must act. His focus of attention should be the laryngectomized person and his instrument is the adequate use of communication and the therapeutic approach techniques.

Key words: help relationship, laryngectomized, phonatory rehabilitation, nursing


 

 

I - INTRODUÇÃO

O grupo de apoio e reabilitação de pessoas ostomizadas laringectomizadas (GARPO) formou-se em 1990 por um grupo de profissionais do Hospital das Clínicas e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (enfermeiros, docentes, alunos de graduação e de pós-graduação) interessados em contribuir para a reabilitação dos pacientes com câncer de laringe, atendidos nos hospitais da cidade e região.

De acordo com Zago e Sawada (1998), os objetivos deste grupo visam à assistência, ao ensino e à pesquisa sobre a reabilitação das pessoas laringectomizadas. Fundamentam-se no princípio da reabilitação como um processo de desenvolvimento de conhecimentos, portanto praticam o ensino individual dos pacientes e de seus familiares no período de hospitalização e após a alta hospitalar através de reuniões mensais do grupo.

Dentre os diferentes tipos de reabilitação vocal para os indivíduos laringectomizados, como a laringe eletrônica e a voz esofágica a prótese Provox também é utilizada para a reabilitação vocal. Esta prótese Provox é um dispositivo de baixa resistência usado para a reabilitação vocal após a laringectomia total, onde o mesmo é inserido numa fístula traqueoesofágica (comunicação criada entre a traquéia e o esôfago).

A fala é obtida através do encerramento do traqueostoma com um dedo e expirando em seguida. A válvula abre sob esta pressão positiva, levando ar para o esôfago, onde o som é produzido para a fala. A válvula de uma só via é feita de silicone e protege a traquéia enquanto se ingere qualquer alimento.

Na relação de ajuda, segundo Rudio (1999), duas pessoas que desempenham papéis específicos interagem, comunicando-se através de uma "conversa" que tem como objetivos a compreensão e a resolução do problema apresentado.

Para ter essa atitude compreensiva, a assistência (na visão humanista) está focalizada na pessoa que apresenta algum problema e não no problema apresentado pela pessoa (FUREGATO, 1999). Portanto, desenvolvemos este estudo ancorado nestas afirmações de que nós enfermeiros precisamos ter atitudes compreensivas para com as pessoas que precisam de ajuda, para que assim elas possam obter sucesso durante o processo de reabilitação da voz.

 

II - PRETENSÃO DO ESTUDO

Apresentar e analisar uma interação terapêutica com paciente laringectomizado total, em reabilitação fonatória com a prótese Provox, fazendo o uso dos princípios da técnica de relacionamento não-diretivo (RUDIO, 1999) centrada na pessoa, destacando os aspectos positivos e negativos identificados pelo enfermeiro nas suas comunicações com o paciente.

 

III - PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de um estudo descritivo, no qual utilizamos a metodologia qualitativa, sendo a entrevista semi-estruturada, não-diretiva (RUDIO, 1999) e gravada, escolhida como técnica para a coleta de dados.

Anteriormente à coleta de dados, solicitamos autorização do paciente laringectomizado, para gravar e utilizar os dados para estudos científicos. O participante assinou o termo de consentimento pós-informado, pela sua participação voluntária. Foram apresentados os objetivos do estudo, garantido o caráter confidencial do conteúdo e assumido o compromisso de lhe comunicar os resultados.

Entrevistou-se um paciente laringectomizado total em reabilitação fonatória com a prótese Provox, que participa do GARPO. A entrevista gravada em fita cassete, ocorreu na sala das enfermeiras do GARPO, localizado na casa 5 do Campus Universitário da USP-Ribeirão Preto-SP, no dia 31/05/2000, às 16:30 horas, com duração de 45 minutos.

Foram consideradas todas as recomendações de Bertoncello e Sawada (2000) para minimizar o efeito da presença do gravador, como instrumento de coleta de dados durante uma entrevista.

Procurou-se aplicar, na entrevista, os princípios da técnica não-diretiva centrada no paciente tendo por base Furegato (1999), Rogers (1982) e Rudio (1999) onde o enfermeiro tentou compreender o problema apresentado e suas alternativas de solução.

Foi um desafio a utilização desta estratégia, tendo em vista o tempo que normalmente é despendido nos contatos, seguido pela transcrição da fita, a limpeza de erros lingüísticos para compatibilizar a linguagem coloquial com a linguagem escrita, nos esclarecimentos de pontos cegos, conferência da fidedignidade e no destaque dos pontos relevantes da relação de ajuda.

O paciente X. 51 anos, casado, ex-fumante, reside em cidade próxima à Ribeirão Preto-SP, foi laringectomizado total há 4 anos devido a câncer de laringe, participa do GARPO acompanhado de sua esposa há quase 4 anos e faz uso da prótese fonatória Provox, aproximadamente há 9 meses.

 

IV - A INTERAÇÃO

Apresentamos a seguir a interação da enfermeira (E) com o paciente (P) laringectomizado, descrevendo trechos desta comunicação com os comentários relativos à seqüência da mesma, aos pontos que merecem destaque, interferências e outros complementos necessários tanto para a compreensão do leitor como para a análise.

E - Como está o senhor?

P - Eu tive um problema e não pude continuar na fonoaudiologia. Aí tive a chance de colocar a prótese. Aí eu optei pela prótese. Apesar de todo mundo criticar. Eu a acho muito melhor, porque a voz esofágica você tem que falar com interrupção. Falar alto e a prótese não! Ela te dá o direito de falar uma palavra inteira, então é muito mais fácil. Agora o problema dela aqui para gente. Ela ainda hoje é um pouco cara. É uma coisa que não é uma garantia total. Ela tem um pouco de restrição, essa minha dá garantia de um ano.

E - Um ano não é? É aquela que já (...)

P - A outra, a primeira que eu coloquei da Provox, coloca-se hoje e ela vaza amanhã. É problema teu. Ela não dá garantia de nem um dia, então é onde fica caro. Então quando eu tomava a água e ela parava [a voz] não tinha jeito de eu continuar a voz esofágica. Então eu precisei parar. Aí que eu optei pela prótese.

E - Sei e quanto tempo o senhor trabalhou com a voz esofágica?

P - Mais ou menos 30 a 40 dias. Tudo ia muito bem. Aí de uma hora para outra atrapalhou. Aí não teve mais jeito. Aí eu tive que parar.

E - Quando o senhor teve essa dificuldade com a voz esofágica, o senhor já conhecia essa outra possibilidade da prótese? Como que isso aconteceu? Como foi esse processo?

P - Não, foi até gozado. Eu estava em casa sabe? Não estava me sentindo bem, aí eu falei para minha mulher: Oh! Eu vou no HC agora, que eu não estou bom. Estou com problema na garganta. Você quer ir? Aí nos fomos. O médico perguntou: o que você tem? Eu estava explicando para ele que estava ruim. Aí ele falou: eu vou fazer os exames. Tudo por fazer, mas você não tem nada. Como foi feito o exame e não deu nada. Justo naquele dia é que teve aquela reunião, com o professor, para quem queria colocar a prótese. Aí foi uma coincidência.

E - Essas 5 pessoas que colocaram essa prótese na época (...) nós sabemos que a prótese tem um custo alto, ela é cara. Como foi essa questão financeira?

P - É, infelizmente, a prótese que deu problema, foi a minha (de todos os 5 pacientes selecionados para a cirurgia). É porque o meu organismo produz um tipo de micróbio, sei lá! Ele produz demais, então esse micróbio ataca a prótese.

E - Então, das 5 pessoas que colocaram da primeira vez essa prótese, quem é que custeou?

P - A gente mesmo.

E - Então esse fungo que está presente na prótese do senhor é da própria produção natural?

P - É do meu próprio organismo.

E - Com outra pessoa pode ser que isso não aconteça?

P - É! O médico de São Paulo falou para mim, que em cada 1000, 2000 pessoas acontece isso e a maioria deles já abandonou as próteses porque o custo financeiro é muito alto.

E - O senhor já tem uma de reserva que é uma segurança, mas sabendo que a prótese está tendo um tempo limitado para ser usada? Como o senhor se sente?

P - Eu? É um medo muito grande, mas eu largo para lá (...). Procuro (...) hum (...) [paciente chora, por uns 30 segundos].

E - Não é fácil falar dos nossos medos. Nós entendemos.

P - Eu (...) eu não tenho (...) [frases incompreensíveis].

A enfermeira fala que compreende a manifestação emotiva do paciente mas logo em seguida volta a focalizar a questão do custo da prótese.

E - O senhor conseguiu essa prótese e quanto é o valor dela hoje em dinheiro?

P - Essa que eu uso ficou em R$ 700 e poucos reais da primeira vez que coloquei. Aí da segunda vez. Já que eu tenho a peça, ela cai o preço para R$ 450,00.

E - Pelo que eu entendi o senhor tem muito medo que ocorra a falta dessa prótese. É isso?

P - De faltar a prótese, não. Ma sim de faltar condição para mantê-la. Porque é difícil! O dinheiro da aposentadoria cada vez mais vai se defasando. Daí chega um dia que eu não vou ter condição. Mas eu nem quero lembrar disso aí, não. Vou deixar para a época e o dia certo.

E - Em relação à assistente social que acompanha o grupo aqui do GARPO você chegou a conversar com ela à respeito de alguma possibilidade de conseguir uma ajuda nesse sentido?

P - Para falar a verdade a gente conversou, mas é muita crítica em cima do M. (o médico) que nos levou para a reunião. Mas ninguém até hoje falou, só criticou. Eu acho que quem fez isso para nós não devia ser criticado. Porque se não fosse ele (o profissional que ajudou) nós estaríamos aí até hoje dando sinal, para todo mundo.

E - Só se comunicando por gestos, não conseguindo falar? É isso?

P - É! Eu não gosto. O que eu acho é que se você não pode ajudar, não deve atrapalhar. Não critica, entendeu? Só isso. Aí, muita gente não consegue a voz esofágica e eu acho que eles (os profissionais) deveriam ajudar quem não consegue, a conseguir a prótese e deixar o que aconteceu para lá.

E - Aqui, na reunião no grupo do GARPO, as pessoas têm a oportunidade de falar. Então eu percebi hoje na reunião que teve uma certa crítica a respeito da prótese e o senhor não falou?

P - É! Mas eu não quero criar inimizade com ninguém, sabe? Eu quero vir aqui, não para passar raiva, mas para ficar sossegado tranqüilo, feliz, ver meus amigos, saber que está tudo bem, graças a Deus. Quero que eles me vejam, que saibam que estou bem e deixe-me tocar a vida.

E - As pessoas comentaram muito numa reunião que eu participei, que o senhor era um tipo de pessoa antes da prótese e, depois da colocação da prótese, transformou-se, ou melhor, voltou a ser a pessoa que o senhor era antes. Eu gostaria que o senhor falasse um pouco a respeito disso.

P - Você pode dividir a minha situação em 3 partes. Antes da cirurgia é uma coisa, não é? Eu não fiquei "baqueado" não, quando o médico me falou: você tem câncer. Tem que operar. Eu falei: tem que operar? Tem. Então mete a faca! Opera! Mas para a família foi um impacto muito grande. Daí pude recuperar [após a cirurgia] aí recuperei! Aí vamos readaptar! Porque eu não falava. Então você vai, vai até a família se acostumar. Você tem que escrever o que quer. O outro começa a compreender você um pouquinho. Depois a família vai se acostumando, mas sempre tem um da família que não entende você. No meu caso, a prótese para mim foi uma mão divina. É, eu considero assim. Depois que eu coloquei a prótese eu não tive doença.

E - Disseram-me que o senhor começou a conversar bastante e a brincar com as pessoas?

P - Aí eu voltei a minha vida de sempre. A freqüentar meu barzinho com meus amigos. Eu não bebo e não fumo mais, que eu fumava! Mas estou lá batendo papo com eles.

P - Aí é como eu estou dizendo. É como se não tivesse doença, como se não tivesse acontecido cirurgia nenhuma. Estou do jeito que eu era, do jeito que eu nasci, sem câncer. Eu converso, falo, eu atendo ao telefone, compro, como sempre comprei as coisas. Quando eu não falava, eu não ficava dentro de casa amuado não. Se as pessoas me entendiam, entendiam. Se elas não me entendiam eu escrevia.

E - Outra coisa que eu observo é que a esposa do senhor vem sempre às reuniões. Como foi esta questão da adaptação principalmente da sua mulher? O que o senhor sente no acompanhamento dela aqui no GARPO?

P - Foi muito difícil quando operou. Quando o médico falou que era um câncer, aquilo arrebentou com todo mundo. Depois, não. A gente foi se adaptando, continuou tudo como era, normal. Eu só não falava, mas tudo era normal. Aí depois da prótese, ficou mais normal ainda, como se nada tivesse acontecido. Como tinha as briguinhas de casal, tem até hoje. Eu acho que se não tiver briga é porque acabou o casamento.

E - E a questão, da aposentadoria, a assistente social consegui? Como foi esse processo?

P - Foi muito difícil, mas eu consegui por intermédio da B. Ela me deu uma força muito grande, tudo que eu precisava eu vinha e ela fazia. Batia os papéis para mim, procurava os médicos, ajeitava. Deu trabalho, mas eu me aposentei. Graças a Deus! Agora tem uma perícia para fazer daqui há 1 ano para decidir se eu continuo aposentado, ou vou ter alta. Mas alta eu acredito que o médico não vai dar porque com 51 anos de idade, ele não vai mandar eu trabalhar desse jeito. Não tem nem condição.

E - Então essa preocupação com a aposentadoria o senhor não tem mais?

P - Isso aí não tenho mais não. Na época me preocupou demais. Eu pensei estou desempregado, no seguro saúde. Se o médico não me aposentar? Vou viver do que? Serviço quem dá? Ainda com 50 anos de idade e com problema de saúde. Com saúde já não tem serviço. Agora me aposentei e estou sossegado.

E - Na época quando descobriu a doença, o senhor estava trabalhando? Conseguiu manter esse emprego?

P - Não. Assim que o médico deu o atestado e que eu cheguei na firma, a primeira coisa que a firma fez foi me mandar embora.

E - Seu X. pelo que eu entendi quando fez a segunda cirurgia, o senhor já estava desempregado, aí já entrou pelo INPS?

E - O senhor estava desempregado, teve a doença, o patrão mandou embora. Como o senhor se sentiu na época?

P - Eu me senti arrasado. Você trabalha 7 anos em uma firma, fica doente e é mandado embora porque está doente. Por causa de 1 atestado! Foi muito difícil você conviver com uma coisa e a outra pareada. Entre a doença e o desemprego você não sabe em que você pensa mais: se é na doença ou se é no desemprego. E amanhã? Hoje, do INPS estou recebendo e amanhã o que vai ser? Será que eu vou receber? A firma vai me dar serviço de novo? Não, não vai! Aí fica muito difícil.

E - E como o senhor está se sentindo agora nessa nova fase?

P - Ah! 100%. Melhor não tem jeito. Está bom demais. Em vista de muitos eu me considero um vitorioso, grande [um pequeno silêncio].

E - Em uma outra fase?

P - Está bom demais. A mulher não queria mais veio, fazer o que, a doença não escolhe ninguém, não é? Nem rico, nem pobre, nem preto, nem branco. Então fui sorteado. Então vamos lá, vamos vencer a doença [um pequeno silêncio].

E - O senhor gostaria de conversar mais alguma coisa?

P - Não, não. [um silêncio maior - agradecimentos].

 

V - RESULTADOS DA ANÁLISE DA INTERAÇÃO ENFERMEIRO-PACIENTE

Apresentamos e analisamos um relacionamento da enfermeira com um paciente laringectomizado total, em reabilitação da voz, através da utilização de uma prótese siliconada denominada Provox. Além da descrição da interação que poderá suscitar novas discussões a quem a analisar, destacamos os problemas identificados pelo enfermeiro nas comunicações do paciente, assim como, os aspectos positivos e negativos do desempenho do enfermeiro.

Analisando as falas do paciente X., foi possível perceber muitos de seus conceitos, preconceitos e valores em relação a aspectos de sua vida, especialmente do lar, das amizades e do trabalho. Estes estão ligados ao seu passado e têm sua parcela de influência no estado em que se encontra hoje.

Dessa forma, é importante ajudá-lo a verbalizar, porque são aspectos diretamente ligados ao seu processo de ressocialização que está ocorrendo com a utilização da prótese fonatória Provox. Estes, são importantes tanto do ponto de vista da sua recuperação quanto da sua adaptação social.

A dissertação de BERTONCELLO (1999) demonstra que a verdadeira interação enfermeiro paciente só é válida, quando através da comunicação verbal e não-verbal, as necessidades dos pacientes são percebidas, identificadas e atendidas e que a empatia pode ser uns dos instrumentos utilizados neste processo.

Na interação descrita acima, o enfermeiro foi concentrando sua atenção na pessoa do paciente na medida em que conseguiu deixar de lado os estereótipos e concentrou-se nas comunicações, conforme estas foram acontecendo. Ficou claro o uso da não-diretividade a partir do momento em que o enfermeiro acompanhava reflexivamente as falas do paciente e suas comunicações, ajudando-o a concentrar-se e a expressar seus sentimentos.

Nos estudos de Rodrigues (1996) e Furegato (1999) encontramos descrições de situações em que o enfermeiro ajuda o paciente a compreender e/ou resolver seus problemas e outras em que atitudes não-terapêuticas interferem negativamente no processo de ajuda.

A enfermeira criou um clima permissivo onde o paciente foi capaz de sentir-se à vontade para comunicar o que percebia, sentia e representava em sua consciência a respeito do seu estado atual. Rogers (1982) chama a isto de congruência.

Na interação com o Sr. X. foi possível identificar, em vários momentos o que ele pensava e sentia em relação a laringectomia e à reabilitação acontecida segundo ele, somente através da prótese fonatória Provox. Estes aspectos estão carregados de preconceitos e de temores os quais têm influído positiva ou negativamente na evolução de seu problema. O enfermeiro, atento a estas comunicações, pôde ajudar o paciente a abordar essas questões dentro de parâmetros que lhe permitem enfrentar as situações que virão, no decorrer do seu processo de manutenção da prótese fonatória Provox.

No caso em destaque percebe-se o quanto é importante a tarefa de ouvir atentamente. O paciente, não se identifica como doente, mas justifica a necessidade da permanência da aposentadoria como meio de custear a manutenção da prótese que lhe devolveu o prazer de viver, mas que se tornou também o motivo de elaboração de críticas de colegas que acompanham o grupo de apoio.

O enfermeiro tem diante de si uma rica situação de trabalho em que deverá conduzir as próximas sessões do GARPO, ajudando o paciente a verbalizar para compreender o que se passa consigo e ter uma noção da realidade da situação. A partir dessa compreensão, a qual deve acontecer de acordo com o ritmo e a capacidade do paciente, ele próprio encontrará as saídas mais adequadas e construtivas. Há ainda alguns pontos positivos que merecem destaque nesta interação. São os momentos em que a enfermeira acompanha as comunicações ajudando o paciente a concentrar-se, aprofundando suas reflexões ou quando o enfermeiro ajuda-o a perceber a realidade, objetivando as suas próprias comunicações.

Constatamos, durante a entrevista, que surgem dele e por ele, possíveis soluções e caminhos pelos quais poderia enveredar, no intuito de solucionar os problemas decorrentes da doença. Ao mesmo tempo, parece demonstrar clareza de que tal solução não dependerá exclusivamente dele, sendo coerente, uma vez que, o homem é um ser gregário e através do estabelecimento de relações com outros seres humanos poderá realizar-se.

 

VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foram percebidas manifestações de ansiedade do enfermeiro em alguns momentos da interação, utilizando-se de várias perguntas ao mesmo tempo e uma certa insistência com relação aos custos econômicos da prótese fonatória Provox. Por outro lado merece destaque a ajuda que a enfermeira pôde oferecer, ouvindo atentamente as comunicações, comunicando-se adequadamente com o paciente, demonstrando real interesse e compreensão.

O clima permissivo propiciou, ao paciente laringectomizado, as condições para que pudesse comunicar com tranqüilidade o que sentia. Entretanto, em alguns momentos, o enfermeiro interferiu inadequadamente, prejudicando a seqüência das comunicações. O enfermeiro, através da atitude compreensiva, dá o suporte necessário para que a pessoa possa tomar consciência da situação que enfrenta e encontrar as suas próprias soluções para o que vivenciou (FUREGATO, 1999).

Acreditar que ninguém conhece tão bem o outro quanto ele próprio, que todo ser humano está em constante desenvolvimento na busca de sua auto-realização e que o enfermeiro pode criar condições para que a pessoa melhore sua comunicação consigo mesma e encontre as soluções cabíveis para sua situação foram os pontos considerados mais importantes na interação que acabamos de analisar. Finalmente, não é sobre o diagnóstico do paciente que o enfermeiro atua terapeuticamente. Seu foco de atenção é a pessoa que se apresenta laringectomizada. Seu instrumento é o uso adequado da comunicação e das técnicas de abordagem terapêutica

 

VII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERTONCELLO, K.C.G. Comunicação não-verbal do paciente em Centro de Terapia Intensiva Coronariana submetido à intubação orotraqueal. Ribeirão Preto, 1999. 91p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

BERTONCELLO, K.C.G.; SAWADA, N.O. Comunicação não-verbal do paciente em Centro de Terapia Intensiva Coronariana submetido à intubação orotraqueal: efeito da presença da máquina. Rev.Latino-am.Enfermagem - Ribeirão Preto, v.8, n.1, p.123-4, janeiro, 2000.

FUREGATO, A.R.F. Relacionamento Interpessoais Terapêuticas na Enfermagem. SP: SCALA, 1999.

RODRIGUES, A.R.F. A enfermagem psiquiátrica - saúde mental: prevenção e intervenção. São Pulo, EPU. 1996.

ROGERS, C.R Tornar-se pessoa. São Paulo, Martins Fontes, 1982.

RUDIO, F.V. Orientação não diretiva na educação, no aconselhamento e na psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1999.

ZAGO, M.M.F.; SAWADA, N.O. Assistência multiprofissional na reabilitação da comunicação da pessoa laringectomizada. Rev.Esc.Enf.USP, v.32, n.1, p.67-72, abr.1998.