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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Subjetividade e promoção de saúde

 

Subjectivity and health promotion

 

 

Thais Wense de Mendonça CruzI; Iranilde José Messias MendesII; Sálua CecílioIII

 

IDoutora em Psicologia Social. Professora do Instituto de Humanidades da Universidade de Uberaba
IIDoutora em Enfermagem. Professora do Instituto de Ciências da Saúde e do Instituto de Humanidades da Universidade de Uberaba e voluntária do curso de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Saúde Pública, da EERP USP
IIIDoutora em Sociologia. Professora do Instituto de Humanidades da Universidade de Uberaba

 

 


RESUMO

A busca da saúde é algo mais complexo e mais amplo do que a eliminação de doença. A crescente constatação desse fato é um alerta aos pontos principais da promoção e desenvolvimento da saúde que têm sido subestimados devido a um modelo centrado na cura da doença. Objetiva-se desenvolver uma ação participativa entre pessoas de uma mesma comunidade, a fim de estimular o desenvolvimento do poder pessoal dos envolvidos para que se descubram com promotores da própria saúde. Entrevistando e promovendo encontros numa comunidade rural foram debatidos assuntos sobre a vida, a saúde e bem estar a partir das necessidades emergentes do grupo. A saúde pode ser vista como uma conquista individual a ser promovida pelos profissionais de saúde, pelas políticas públicas e pela justiça social. A saúde foi considerada uma conquista constituída pelo bem estar que é resultado da emancipação.

Palavras-chave: subjetividade, promoção de saúde, autonomia


ABSTRACT

The search for health is more complex and broader than the elimination of illness. This fact has increasingly been observed, which is an alert to the main points of health promotion and development, which have been underestimated due to a model centered on curing illness. This research aims to develop a participatory action by persons from the same community, in order to stimulate the development of empowerment with a view to self-care. Interviews and meetings in a rural community allowed for a debate about life, health and well-being on the basis of emerging group necessities. Health can be seen as an individual conquest, which must be promoted by health professionals, governmental policies and social justice. Health was considered to be a conquest that consists of well-being resulting from emancipation.

Key words: subjectivity, health promotion, empowerment


 

 

Este trabalho baseia-se num sub-projeto desenvolvido no Assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, situado em Campo Florido, M.G. Trata-se de uma pesquisa integrada a outras, cujo conjunto têm buscado atender às demandas e necessidades do referido assentamento.

A ocupação das Fazendas Santo Inácio e Ranchinho, que deram origem ao Projeto de Assentamento (P.A.) Nova Santo Inácio/Ranchinho, foi resultado de um movimento iniciado, em 1989, por trabalhadores e trabalhadoras rurais de Iturama/MG, município próximo a Campo Florido. A primeira ocupação ocorreu em 1989 na Fazenda Colorado (Iturama/MG), de onde as famílias foram despejadas. Em seguida, acamparam as margens da rodovia BR-497 ocupando a Fazenda Varginha, sendo novamente despejadas, em um processo caracterizado por diversas ações de violência, o que forçou o INCRA a dar respostas urgentes para o atendimento dessas famílias. Foi então indicado esse local - a Fazenda Santo Inácio Ranchinho - como possível área de desapropriação e uma comissão, composta por representantes dos trabalhadores e dos movimentos de apoio, concordaram com essa indicação.

A maioria das 115 famílias assentada tinha, como principal atividade anterior, o trabalho na agricultura como bóias frias e vaqueiros. Após a conquista da terra, continuaram a desenvolver a atividade de jeito que as mulheres participam do processo produtivo, tendo sido levantado casos de algumas delas que cuidam sozinhas de seus lotes (mulheres chefes de família), e de outras que dividem ativamente este trabalho com os companheiros. Existem casos de mulheres que, além de participarem das atividades em seus lotes, trabalham como diaristas em outros lotes nas fases mais intensivas da produção, como plantio e colheita.

Não existe Posto Médico no Projeto de Assentamento. Sua população busca atendimento médico no posto de saúde de Campo Florido, que dista cerca de 20 km com estrada não asfaltada. No caso de um atendimento mais especializado, a referência é o Hospital Escola de Uberaba. Como existem pessoas que necessitam de atendimento médico regular (hemodiálise e outros), que devem ser atendidas em Campo Florido e Uberaba, o Projeto de Assentamento conta com uma perua da Prefeitura de Campo Florido que busca três vezes por semana esses pacientes. Às vezes, isto resolve o transporte de outras pessoas que estejam necessitando de atendimento médico, mas, no geral, a comunidade do assentamento está bastante descontente com o sistema de atendimento em saúde.

No assentamento funciona, desde 1994, a Escola Municipal Santa Terezinha, construída pela Prefeitura de Campo Florido, com quatro salas de aulas funcionando em dois turnos: o pré-escolar e o da 1ª a 4ª série do ensino fundamental. Além disso, desde 1997 funciona um terceiro turno voltado para educação de adultos. A Prefeitura fornece a merenda escolar e o material didático e, a partir da 5ª série do ensino fundamental e durante todo o ensino médio, encarrega-se do transporte escolar do Projeto até Campo Florido. Não existe associação de pais para o acompanhamento dos alunos. Embora em meio a um assentamento rural, o ambiente da escola carece de vegetação. Não existe horta, pomar e nem arborização. O espaço é caracterizado por um descampado cercado de cimento e terra nua.

O padrão habitacional é bastante variado, apresentando desde casas de alvenaria até casas de taipas cobertas com lona plástica e, quanto aos serviços básicos, observa-se a grande precariedade vivida por sua população e a urgência na busca de soluções.

São poucas as atividades de lazer e esporte. No mês de maio, é comemorado o aniversário do Projeto com desfile, em Campo Florido, de máquinas, implementos e produtos, missa festiva e futebol, além de uma grande festa com forró e churrasco na sede da associação. Um campo de futebol está sendo construído. Nos dois pequenos comércios existentes ("vendas"), os homens reúnem-se para jogar (baralho, sinuca, etc.). Não existe nenhum tipo de lazer destinado às mulheres e às crianças, além de um forró semanal e das reuniões da Associação criada para gerir os problemas gerais. Há duas igrejas uma católica e outra protestante.

Quase a totalidade dos lotes possui energia elétrica e acesso por estradas. Boa parte delas é abastecida com rede de água. O sistema de produção predominante combina atividades diferenciadas como a pecuária leiteira, produção de mandioca, algodão, milho, arroz feijão e pimenta. A pecuária leiteira apresenta índices de produtividade baixos. Os produtores possuem um número reduzido de matrizes sem padrão racial e praticamente não há estrutura de manejo para o gado leiteiro, como currais, barracões, cercas de divisão de pastagens, silos etc. O leite é comercializado, quase na sua totalidade, junto aos Laticínios Jussara e Coopervale. Já a mandioca é cultivada com fins comerciais e vendida in natura para as farinheiras da região. Todo o processo de comercialização é gerido individualmente, com raras experiências coletivas.

As famílias têm como fonte de renda o pequeno excedente das culturas de subsistência, a venda de leite, e a produção de mandioca. Além disso, a venda de mão-de-obra para os proprietários vizinhos, constitui-se, em muitos casos, na maior fonte de renda das famílias assentadas. As mulheres têm sua parcela de contribuição neste trabalho: parte delas trabalham nos lotes ou vendem sua mão-de-obra para fazendeiros vizinhos como forma de complementação da renda.

Há uma linha de telefone alugada pela Associação funcionando na sua sede e algumas linhas particulares de telefonia celular. Não existem serviços de rádio amador e nem computadores (impossibilidade de acesso à Internet).Existem cerca de 40kms de estradas construídas, sendo que as principais estão em razoável estado de conservação, apresentando, na época das chuvas, problemas de escoamento de água. Ligando os lotes, alguns acessos estão bastante precários, necessitando recuperação(1)

A pesquisa teve com objetivo planejar um trabalho conjunto, com os assentados, a fim de despertar neles a iniciativa e poder pessoal desenvolvendo a auto estima e auto confiança. Nesse sentido, fizemos um levantamento dos problemas de saúde e saneamento enfrentados no dia a dia, bem como de suas expectativas, e delineamos junto a eles possíveis ações promotoras de descoberta das possibilidades individuais e coletivas de atuar na realidade. Conjuntamente, promovemos debates sobre temas eleitos por eles, fazendo-os trazer seus conhecimentos sobre os assuntos e promovendo a legitimação desses conhecimentos, de acordo com sua pertinência.

A proposta inicial fundamenta-se no referencial da Carta de Otawa(2)na qual foram reafirmados o sentido e a determinação da estratégia de atenção primária à saúde. Nessa perspectiva, a concepção de saúde vai muito além, do que se convencionou chamar ausência de doença, apontando para o desenvolvimento do potencial humano.

Nesse sentido, compreendemos que o conceito de saúde guarda em si várias dimensões. Do ponto de vista da subjetividade, por exemplo, ele está associado com aquilo que a pessoa atribui a si de valor. Do ponto de vista da objetividade está ligada às condições de vida de cada um. Ou seja, juntando esses dois aspectos temos que a saúde é a resultante do encontro harmônico entre vários fatores, tais como, educação, alimentação, paz, trabalho, habitação, lazer e espiritualidade(2). Juntos esses fatores, compõe um ótimo de qualidade de vida, cuja manutenção precisa estar mais na habilidade individual de conquista, acrescentando assim mais um fator fundamental que é o da justiça social3. Em suma, as condições ótimas de saúde correspondem a uma situação em que a força está na interioridade de cada um, aliada a uma suavidade exterior através da qual essa força escoa de acordo com a vontade do indivíduo, sem esgotá-lo.

A busca de saúde corresponderia, portanto, à preservação do desenvolvimento natural, progressivo e individual em que o sentimento de unidade interior, de coesão de ser, de existir e de saber, de confiar em si, no outro e no futuro dá expressão a um modo de ser original. A conquista dessa originalidade de ser corresponde à conquista de uma individualidade, uma independência de si em que o ser passa da indigência de ter que ser cuidado para a escolha de poder cuidar-se e colocar-se ou não à disposição do outro. Sendo assim, os riscos naturais da existência passam a ser parte duma busca de transformação e a instabilidade pode ser vista como etapa para uma estabilidade mais ampla. Conforme Wilson(4), a doença, percebida como uma situação de instabilidade necessária a uma posterior conquista de uma estabilidade mais ampla, é considerada como uma travessia cuja experiência é sempre construtiva de mais um saber. Nesse sentido, mesmo a morte, quando o corpo se mostra irrecuperável, deve ser vista como conseqüência natural e não como fracasso. A doença, portanto, pode ser vista como um sinal significativo, enviado pela sabedoria natural, de que algo no ambiente, no corpo, no comportamento, no sentimento ou no pensamento dos indivíduos e da sociedade precisa ser considerado.

Dentro desse quadro é preciso onde iniciaremos o trabalho de promoção da reconstrução da capacidade individual e coletiva de gerar os próprios meios, as próprias forças, a própria saúde. Esta, a muito delegada a outras entidades como o estado, cuja capacidade de prover têm demostrado sua ineficácia.

Segundo pesquisa coordenada pelo Instituto do Terceiro Mundo(5) a crescente preocupação que alguns governos e a sociedade civil vêm sentindo com relação ao desaparecimento progressivo de algumas espécies e seu destino, pode ser estendida à preocupação com o destino da espécie humana. A destruição e perda das características naturais que algumas espécies, inclusive a humana, vem sendo submetida constitui a principal causa dos agentes produtores de doenças. Ou seja, no afã de explorar todos os recursos, atendendo a um jogo de interesses de "poderosas indústrias como a farmacêutica, a alimentícia e a agroquímica(4)" e outras, as entidades governamentais acabam por cair na própria armadilha.

A humanidade enquanto espécie viva com características específicas é um dos elementos que compõe a biodiversidade. Dentre as características humanas está que, embora sendo essencialmente social, os seres encontram progressivamente com sua humanidade à medida que despertam enquanto indivíduos. Isso porque, como explica Santos(6), "no processo de desenvolvimento humano, não há uma separação do homem e da natureza. A natureza se socializa e o homem se naturaliza(6)". Com isso podemos compreender que a socialização que sofremos criadora de poucas coisas belas acessível a poucos e, também criadora, de muitos problemas para a grande maioria, corresponde mais a uma civilização de seres humanos que "provém do artifício(6)", que não conquistaram ainda sua natureza e, portanto, ainda estão alguns passos aquém de conquistar sua verdadeira civilização. Cruz(7), baseada em pesquisa sobre os fundamentos da subjetividade do trabalho de alguns artesãos que lhe dão motivação e força criativa, destaca que o encontro da verdadeira civilização é o encontro das individualidades originais dentro de uma intimidade individual geradora de um núcleo autônomo.

A contradição aparente entre um ser social e um ser individual, que cada ser humano porta, aponta para um necessário cuidado nas decisões das políticas públicas. Estas precisam atingir a toda a sociedade sem massificá-la, buscando progressivamente delegar suas funções a cada indivíduo, estimulando seu poder pessoal de reconhecer suas necessidades diversas e seu papel social dentro da comunidade a que pertence.

Com o objetivo de criar um espaço de discussão à cerca das possíveis ações emancipadoras dos indivíduos, a fim de que se descubram como agentes criativos de suas realidades, desenvolvemos, ao longo de um ano, encontros com um grupo de mulheres interessadas em compreender mais sobre as pessoas e sobre o ambiente onde vivem. Esse grupo foi considerado multiplicador pelo fato de que as mulheres, de modo geral, são as principais cuidadoras e transmissoras da cultura.

Nos encontros, estabelecemos algumas áreas temáticas que julgamos de maior interesse e de necessidade da comunidade em questão. A saber: Relações dos seres vivos com a natureza; O ciclo do desenvolvimento humano; Relacionamento sócio-familiar; O papel do cidadão na comunidade – Saúde e Cidadania; Atividade Física, Alimentação e Espiritualidade.

Esses temas geraram oito reuniões e, depois de um semestre de encontros regulares e quinzenais, fizemos um para avaliação dos resultados da discussão. Nessa avaliação, constatou-se que não existe por parte da maioria das pessoas envolvidas uma ação consciente no sentido de prevenir doenças e promover a qualidade de vida. Em geral, as pessoas estão à mercê dos sistemas públicos de saúde que, pelos depoimentos, nos levam a pensar numa retroalimentação da carência e da dependência. Portanto, reflete um conceito de saúde que prioriza uma atitude curativa.

 

Referências bibliográficas

1 Calió, S.A. Projeto integrado de pesquisa e desenvolvimento Nova Santo Inácio – Ranchinho. Campo Florido MG. 2000.

2 World health organization (who) Ottawa chartes for health promotion. In: International conference on health promotion, Ottawa, 1986. Anais, 1986.

3 Vilela, E. & Mendes, I.J.M. Entre Newton e Einstein: desmedicalizando o conceito de saúde. Ribeirão Preto, Holos, 2000.

4 Wilson, M. Saúde, atitudes e valores. TAPS. Saúde da Comunidade um desafio. São Paulo, Paulinas, 1984. P.6-14.

5 Enciclopédia do Mundo Contemporâneo Estatísticas e informações completas dos 217 países do planeta. São Paulo. Publifolha. Editora. Terceiro Milênio. 2000.

6 Santos, M. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. Sã Paulo. Hucitec. 1994.p.89.

7 Cruz, T. W. de M. Miragens da existência o tecelão, a tecelagem e sua simbologia. São Paulo Annablume/FAPESP. 1998.