8, v.1Communicating with body care on the basis of emotions: nursery academics test their practiceAnalysis of nursing annotations: a contribution to the systemization of nursing care author indexsubject indexsearch form
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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

ABSTRACT

The problem situation of this research is the "lack of communication" between the nurse in charge of a post anesthesia recuperation room and the interned child, which may be the main reason for the change in the child's emotions. Thus, we establish the communication that impedes traumas in children on RPA as the object of study. This study aims to identify what the nurses know about communication and how they communicate with the children on RPA and to observe how the nursing assistants take care of the children on RPA. We used a qualitative approach and the strategy used for collecting information was the elaboration of two instruments, one for interviewing nurses and the other to observe the care rendered by the assistants. On the basis of the information analysis, two categories were obtained: COMMUNICATION and CARE - the nurses THINK they know and KNOW what they do not do: the maintenance of rational care and "becoming" sensitive; they CARE and without KNOWING, they CARE with SENSIBILITY: forgetting about rational care. In analyzing the data, we verified that the nurse has an empiric knowledge - resulting from experience of communication and they know scientifically how to receive a child on RPA and the nursing assistant neither thinks nor knows scientifically, but empirically renders a DIFFERENT CARE, involving sensibility.

Key words: nursing, communication, child


 

 

I - INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve como ponto de partida a experiência vivida por acadêmicos do 5º período do curso de graduação em enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro quando no exercício de aprender a cuidar, perceberam que a comunicação entre enfermeiros e crianças na sala de recuperação pós anestésica, não acontece do modo como nos ensinam na teoria.

No decurso de nossas observações, percebemos que as crianças internadas na sala de recuperação pós-anestésica, um ambiente estranho e desconfortante, pode causar curiosidades, insegurança, tensão, excitação e medo, alterando as emoções das mesmas. Percebemos ainda que a "não comunicação" do enfermeiro responsável pela sala de RPA com a criança pode ser o principal motivo desta mudança de comportamento, caracterizando-se como um problema de pesquisa, haja vista que, se houvesse a interação do enfermeiro com este tipo de cliente da forma preconizada, isto é, através da comunicação verbal, poderia diminuir suas angústias e traumas psicológicos. Isto se as crianças na RPA estiverem em condições de idade de entender a situação, onde a comunicação é de um jeito, pois do contrário, se forem muito pequenas o jeito é outro podendo ser também através de expressão não verbal - um toque, um afago, um carinho, um riso.

Para Bittes e Matheus (1996, p.64) "A comunicação não-verbal ganha importância no processo comunicativo, pois ela pode suplementar uma informação verbal(complementando ou rejeitando), contradizer, enfatizar, oferecer indícios sobre emoções ou mesmo controlar ou regular um relacionamento."

Assim, estabelecemos como objeto de estudo a comunicação que impede traumas em crianças de RPA.

Segundo Bare e Smeltzer (1999, p.344), a função do enfermeiro da RPA não está limitada apenas a monitorização do estado fisiológico do paciente, proporcionar apoio "psicológico" também é importante.

E sobre a criança encontramos apoio em Schmitz (1995:164), quando nos fala: "Quando trata-se da criança, as reações de medo, preocupações, entre outras, tornam-se ainda mais exacerbadas, visto que a mesma encontra-se hospitalizada e esta situação é extremamente traumática, representa um impacto emocional para a criança que se apresenta de forma específica de acordo com a faixa etária".

Neste sentido a questão de pesquisa deste estudo é : o que os enfermeiros sabem sobre comunicação e como se comunicam com as crianças que se encontram na RPA?

 

II - OBJETIVOS DO ESTUDO

1)Identificar o que os enfermeiros sabem sobre comunicação e como se comunicam com as crianças da RPA.

2)Observar como os auxiliares de enfermagem cuidam das crianças na RPA

 

III - JUSTIFICATIVA

A presente pesquisa justifica-se a partir do momento em que buscamos trazer a tona a importância da comunicação da enfermagem para cuidar de seus clientes, principalmente quando estes são crianças, pois entendemos que a comunicação tem importância no cuidado de enfermagem como ação de relacionar-se direta ou indiretamente a todas as ações cuidativas do enfermeiro. Além disso a relevância deste tema pode ser constatada através de inúmeros artigos publicados em revistas nacionais e internacionais de enfermagem. Este também tem sido o motivo de encontros de enfermeiros como num Simpósio que acontece anualmente na cidade de Ribeirão Preto em São Paulo, desde 1988, onde são divulgadas as mais recentes pesquisas sobre comunicação na enfermagem.

 

IV - ABORDAGEM TEÓRICO - METODOLÓGICA

Neste estudo foi utilizada a abordagem metodológica qualitativa, pois trata-se de um trabalho que envolve a percepção por parte do enfermeiro, de alguns fenômenos imensuráveis. Neste estudo se quis saber como os enfermeiros se comunicam com as crianças na RPA. Isto por que estávamos preocupados com o estado emocional das crianças e acreditamos que a não comunicação poderia trazer posteriores comprometimentos psicológicos ao cliente, representando questões extremamente subjetivas. Encontramos apoio em MINAYO (1995:21) quando salienta : "A pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciências sociais com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das reações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser realizados à operacionalização das variáveis."

 

V - TRAJETÓRIA DO ESTUDO E SEUS MOMENTOS

MOMENTO ÉTICO: Solicitamos às instituições autorização, por escrito, para o desenvolvimento do estudo, encaminhando o projeto para que pudessem tomar ciência. Solicitamos autorização dos enfermeiros para utilização de suas falas, sendo por nós garantido o anonimato.

MOMENTO DE CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO PARA COLETA DE INFORMAÇÕES: Como estratégia de coleta de informações, elaboramos dois instrumentos: um questionário contendo duas perguntas abertas (Anexo I), utilizado como roteiro para gravar as falas dos enfermeiros , e o outro instrumento para registro das observações dos cuidados ofertados às crianças pelos auxiliares para identificar como eles se comunicam com estas na RPA (Anexo II).

LOCAL: Como primeiro momento descreveremos o cenário deste estudo, que foram dois hospitais, um deles Hospital Geral, e o outro, Hospital Pediátrico, localizados no município do Rio de Janeiro sendo ambos utilizados como campo de ensino clínico pela Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro.

OS SUJEITOS DO ESTUDO: Os sujeitos do estudo foram seis enfermeiros, que chamaremos E1, E2,..., E6. Neste momento percebemos que era fundamental incluir os auxiliares de enfermagem e não apenas os enfermeiros, na medida em que identificamos que quem cuida com mais freqüência das crianças na RPA são os auxiliares, pois como o enfermeiro da RPA é também responsável pelo centro cirúrgico, esse era um dos motivos de não estarem tão próximos das crianças. Pelo menos isso foi o que inferimos.

TRABALHANDO AS INFORMAÇÕES: Após o registro das entrevistas gravadas identificamos o que era comum no conhecimento dos enfermeiros sobre comunicação e como recebiam as crianças na RPA (representado no Quadro I). Em seguida trabalhamos os registros feitos sobre a observação dos cuidados prestados pelos auxiliares de enfermagem(Quadro II).

 

 

 

 

Daí emerge uma categoria de análise. Comunicação em enfermagem na fala dos enfermeiros sobre o que é e como fazem, pode ser assim definida: COMUNICAÇÃO e CUIDADO - os enfermeiros PENSAM que sabem e SABEM o que não fazem: a manutenção do cuidado racional e o "devir" sensível.

Finalmente trabalharemos os nossos registros sobre a observação que fizemos quando os auxiliares de enfermagem cuidam da criança na RPA.

Os registros sobre o que os auxiliares fazem dão origem a segunda categoria do estudo que chamamos de - CUIDAM e sem SABER, FAZEM um cuidado SENSÍVEL: esquecendo o cuidado racional.

 

VI - OS RESULTADOS (Análise e discussão das categorias)

- Categoria 1: COMUNICAÇÃO e CUIDADO - os enfermeiros PENSAM que sabem e SABEM o que não fazem: a manutenção do cuidado racional e o "devir" sensível.

As informações desta categoria indicam que o conhecimento das enfermeiras sobre comunicação é resultante de suas experiências empíricas, apesar de SER DIFÍCIL se comunicar com as crianças no pós-anestésico, mas elas dizem que é: Forma de expressão ; Entender o outro; Conseguir manter laços com a criança; Entrar no mundo da criança; Não deixar que se assuste; Facilitar a compreensão dela; Saber abordar, transmitir o que o cliente quer ouvir; Maneira de conseguir falar com a criança; Uma forma de abordar a criança.

Ao responder sobre o que é comunicação os enfermeiros não se reportam a um saber científico, mas um saber que é resultado de seu fazer, de seu viver no cotidiano de ser enfermeiro. Não está claro como eles sabem como fazer o que relacionaram como comunicação.

Para Eltz (1994:17), "a comunicação implica em compreensão, pressupõe entendimento das partes envolvidas. Não existirá o entendimento se não houver anteriormente a compreensão".

Desta afirmação entendemos que para uma comunicação eficaz é necessário um conjunto de aspectos que permitam clareza, sem esta a possibilidade de haver desentendimentos pode ser responsável por interferências na transmissão do que se quer dizer e a interpretação do sujeito que capta a mensagem pode ficar comprometida. E por sabermos que neste caso o intérprete, receptor do cuidado, é a criança que se encontra hospitalizada e numa condição que pode não ser favorável a um bom entendimento, caberá ao enfermeiro utilizar-se de outras formas de comunicação, que não a verbal, pois este precisará usar associado ao seu saber prático, o saber científico, necessário para uma boa compreensão das necessidades expressas ou pelo corpo ou pela forma e condição em que se encontra a criança.

Como nos dizem Bittes e Matheus (1996:63), "A comunicação engloba todas as formas que uma pessoa utiliza para afetar o outro, as quais podem ser: VERBAL - falada ou escrita; NÃO-VERBAL - cinésia, toque ou territorialidade; PARAVERBAL - neste caso refere-se ao tom de voz, ao ritmo, suspiros, períodos de silêncio e entonação que damos às palavras quando falamos".

A autora afirma ainda que "Na forma NÃO-VERBAL a mensagem é emitida e recebida pelos órgãos dos sentidos, e compreende, além da expressão corporal, gestos e toque."

Figueiredo et al. (1998:145), ao referir-se ao "toque" nos diz que este é "A matriz de todos os sentidos, que dá significado humano `a pele; é o ato revolucionário que revela a dimensão da capacidade humana".

No entanto, nos parece correto entender que eles SABEM como receber a criança na RPA e que a linguagem utilizada em suas respostas é de quem faz ou fez em algum momento de sua prática esse cuidado direto às crianças.

Entretanto, durante o nosso período de estágio sentimos falta da presença deles cuidando diretamente das crianças, embora saibamos que eles não são responsáveis apenas pela RPA. Porém isto não os impediu de nos informar que sabem como receber as crianças mas que o cuidado que envolve esta prática está ligado a um cuidado racional - que envolve técnicas e tecnologias; que se liga a aferição de sinais vitais e controle de sinais e sintomas.

Como nos afirma Waldow (1998, p.52), " O cuidado tecnológico, também, de certa forma, está presente nas diversas civilizações, porém de maneira indiferenciada, às vezes, das práticas de cura, ou seja da medicina." O que nos permite interpretar e dizer que a ênfase do cuidar desses profissionais( enfermeiros ), ainda está muito voltado para os procedimentos e as tarefas objetivando sempre a cura.

Cuidados que permanecem, que são rotineiros, que são do cumprimento de ordens e não aqueles que estão ligados a um cuidado que envolve o sensível e a emoção como forma de tranqüilizar e evitar transtornos para o cliente.

Em algumas informações é comum os enfermeiros optarem por chamar a mãe das crianças para evitar o sofrimento de quando acordar da anestesia não se assustar com a ausência dela. Para Marcondes (1973, p.122), "Idealmente toda criança deveria ser internada junto com sua mãe para evitar traumas decorrentes da separação da mesma".

Mesmo assim este cuidado não é entendido como comunicação, como também em nenhum momento nos foi indicado nas entrevistas que quando cuidamos, o que quer que façamos envolve comunicação que pode ser verbal e/ou não verbal. Poucos são os enfermeiros que pensam em algo mais sensível quando prestam seus cuidados, portanto, é necessário interagir com a criança da sala de RPA de forma mais ampla . Como nos diz Waldow (1998, p.62) " requer o conhecimento de sua natureza física, social, psicológica e suas aspirações espirituais", o que nos direciona a buscar o desenvolvimento de uma enfermagem capaz de incluir em seu cuidado a arte, a ciência e a tecnologia.

- Categoria 2: CUIDAM e sem SABER, FAZEM um cuidado SENSÍVEL: esquecendo o cuidado racional.

Nesta segunda categoria apontamos a partir de observações feitas aos auxiliares que prestavam os cuidados às crianças da RPA, o cuidado sensível, onde evidenciou-se também a partir de nossas observações o afastamento desses com relação ao cuidado racional. Compreendemos nestes profissionais o cuidado sensível ao percebermos o modo carinhoso de cuidar das crianças: tocando, fazendo afagos, conversando com estas mesmo ainda antes de acordarem, fazendo carícias, explicando como foi realizada a cirurgia, aquecendo o corpo e perguntando se ainda sentiam frio.

Analisando esta maneira dos auxiliares cuidarem entendemos que, mesmo estes não tendo a mesma carga de conhecimentos e competências do enfermeiro, são capazes de aplicar um cuidado sensível às crianças, ou pelo menos sentem a necessidade de um cuidado com mais sensibilidade e o fazem mesmo sem ter a consciência de que estes são cuidados tão necessários quanto àqueles, racionais, ora esquecidos pelos mesmos.

Importante se faz destacar que o cuidado sensível observado nos auxiliares insere a enfermagem em uma atividade criativa possível para aqueles capazes de se emocionar com o outro, o que para Figueiredo (1998) envolve a dimensão estética da enfermagem como arte.

O ato de conversar com a criança, aquecê-la, tentar explicar o que está ocorrendo ou acariciá-la, revelou um cuidado humano que tenta satisfazer uma necessidade manifestada por essa criança através de seu choro, de sua expressão. É nesse cuidado humano que percebemos a compaixão considerada por Boff (2000, p.15) como " sair de si mesmo e de seu próprio circulo e entrar no universo do outro enquanto outro, para sofrer com ele, para cuidar dele, para alegrar-se com ele e caminhar junto a ele".

 

VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do pouco tempo que tivemos, como estudantes em estágio curricular, para pesquisar o que os enfermeiros sabem sobre comunicação e como recebem a criança na RPA e como as auxiliares fazem o cuidado, nos foi possível identificar que existem dois modos de se saber sobre a comunicação como instrumento básico do cuidado, isto é, o enfermeiro tem um saber empírico - vivenciado sobre comunicação e sabem cientificamente como receber a criança na RPA e o auxiliar de enfermagem não pensa e nem sabe cientificamente, mas empiricamente faz um CUIDADO DIFERENTE, que envolve sensibilidade.

Importou-nos também analisar a necessidade da aplicação prática das diversas formas de comunicação na prática de enfermagem como redutoras dos desconfortos causados às crianças da RPA enquanto ali internadas, permitindo uma assistência de enfermagem de qualidade, onde além da prestação do cuidado racional, com equipamentos e tecnologias, favorecesse o cuidado sensível, que ao nosso ver torna-se de extrema relevância para a criança, considerando-se o estado em que se encontra. Foi também durante o desenvolvimento deste trabalho que passamos a refletir sobre o quanto se faz necessário para o cliente o cuidado humano, cuidado que ao nosso ver envolve tocar, olhar, acariciar confortar, explicar, ter amor e compaixão, cuidado este que segundo Waldow apud Watson (1998, p.68), está ameaçado pela desenvolvida tecnologia médica, pelas restrições burocráticas e administradoras das instituições.

 

VIII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARE, B.G.; SMELTZER, S.C... Brunner & Suddarth, Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Tradução de Isabel Cristina Fonseca da Cruz. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 1998. p. 340-368

BITTES JR, A.; MATHEUS, M.C.C. Comunicação. In: CIANCIARRULLO, T.I. (Org.). Instrumento Básico para o Cuidar: um desafio para a qualidade de assistência. São Paulo: Editora Atheneu,1996. p. 61-73.

BOFF, L. Princípio de Compaixão e Cuidado. Tradução de Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 2000. 164 p.

ELTZ, F. Qualidade na Comunicação - preparando a empresa para encantar o Cliente. Bahia: Casa da Qualidade, 1994. 116p.

FIGUEIREDO, N.M.A.; MACHADO, W.C.; PORTO, I.S.; FERREIRA, A.M. A Dama de Branco Transcendendo para a Vida/Morte através do Toque. In: MEYER, D.S.(Org.) Marcas da Diversidade: Saberes e Fazeres da Enfermagem Contemporânea. Porto Alegre: Arte Médica, 1998. p. 137-169.

MARCONDES, E. Pediatria: doutrina e ação. São Paulo: Editora Sarvier, 1973. 377p.

MINAYO, M.C.S. (Org.).Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. 80p.

SCHMITZ, E.M. A Enfermagem em Pediatria e Puericultura. São Paulo: Ateneu, 1995. 504 p.

WALDOW, V.R. Cuidado Humano - O resgate necessário. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998. 204p

 

 

ANEXOS

ANEXO 1

Instrumento para Entrevista aos Enfermeiros

1) O que é comunicação para você?

2) Como você recebe a criança na RPA?

 

ANEXO 2

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Análise das anotações de enfermagem: uma contribuição à sistematização da assistência de enfermagem

 

Analysis of nursing annotations: a contribution to the systemization of nursing care

 

 

Arminda Rezende de Pádua

Professora Assistente Mestre em Enfermagem do Departamento de Enfermagem - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL. Rua Albert Sabin, 1060 – Vl. Taveirópolis – Campo Grande/MS – 79090-160 Fone (67) 331-0862; arpadua@nin.ufms.br

 

 


RESUMO

Este estudo descritivo buscou, por meio da análise de conteúdo, identificar as anotações de enfermagem relativas ao pós-operatório imediato dos pacientes submetidos à cirurgia de Laparotomia Exploratória, sob a ótica do processo de enfermagem, que estiveram internados na clinica cirúrgica I do Hospital Universitário em 1999. Numa abordagem quali-quantitativa, segundo os pressupostos de Bardin (1977), as anotações de enfermagem não possuem nenhuma sistematização que atenda ao processo de enfermagem, observando-se ainda uma ênfase nas anotações relativas às terapêuticas clínico-cirúrgicas em detrimento às demais, e um destaque na desproporção entre o quantitativo das anotações referentes às condições fisiológicas e às intervenções de enfermagem. Esse cenário levou a inferir que os cuidados de enfermagem, registrados no Pós Operatório Imediato dos pacientes submetidos a cirurgia de Laparotomia Exploratória, não atendem as necessidades apresentadas por estes, tornando os registros desses cuidados em documentos técnicos e legais frágeis, os quais poderão não ter utilidade ética e jurídica. Portanto, sugere-se a construção imediata de um formulário específico de anotações de enfermagem sistematizadas e, em médio prazo, a implantação do processo de enfermagem, como forma de melhorar os cuidados prestados no Hospital Universitário.

Palavras-chave: anotação de enfermagem, sistematização da assistência de enfermagem, enfermagem


ABSTRACT

From the perspective of the nursing process, this descriptive study sought to identify the nursing annotations with respect to the immediate postoperative conditions of patients interned in surgery clinic I of the University Hospital in 1999, after Exploratory Laparotomy, by means of content analysis. From a qualitative and quantitative approach, according to the presuppositions of Bardin (1977), the nursing annotations do not display any systematization that attends to the nursing process. We also observe that clinical-surgical therapeutic annotations are emphasized in detriment of the rest and highlight the disproportion between the quantitative nature of the annotations about the physiologic conditions and the nursing interventions. This scenario led to the inference that the nursing care registered in the Immediate Postoperative of the patients submitted to Exploratory Laparotomy do not attend to the needs presented by these patients, turning the records about this care into technical and legally fragile documents, which cannot be useful from the ethical and legal standpoints. Thus, we suggest the immediate structuring of a specific form for systemized nursing annotations and, in the medium term, the implantation of the nursing process as a way of improving the care rendered in the University Hospital.

Key words: nursing annotation, nursing care systemization, nursing


 

 

1. CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA

Com base na observação da prática assistencial reforçada pela fundamentação teórica sobre assistência ao paciente cirúrgico, verifica-se que as anotações praticadas na clínica cirúrgica do hospital universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, deveriam oferecer um perfil do paciente cirúrgico, seja em momento pré ou pós-operatório, de modo que possibilitasse a tomada de decisão por outros profissionais de saúde, embasadas nos referidos dados.

É conveniente ressaltar que a Clínica Cirúrgica I é unidade de internação que assiste pacientes submetidos a tratamentos cirúrgicos do aparelho cardiovascular, do trato gastrointestinal, das vias biliares e pâncreas, atingindo em 1998 o total de 1.486 internações, que significou 15,5% das internações do hospital universitário. Além disso, no ano de 1998, apesar de a clínica possuir apenas 28 leitos, sua taxa de ocupação foi de 87,7%, constatando-se significativa demanda de pacientes/mês, quando comparada com outras unidades de internações da instituição.

Desta forma, é premente a necessidade de contar-se com anotações de enfermagem condizentes com a complexidade dos cuidados de pré e pós-operatório dos pacientes assistidos nesta clínica, com a qualidade da assistência que uma instituição de ensino requer.

Quanto as finalidades das anotações de enfermagem, que para atingí-las, o único caminho a percorrer é a aplicação do método científico na assistência de enfermagem aos pacientes cirúrgicos da clínica cirúrgica I, do hospital universitário.

Diante das inquietações suscitadas a partir da prática profissional e da análise da literatura no tocante aos requisitos da assistência ao paciente cirúrgico, surgiu o interesse em investigar e analisar o conteúdo das anotações de enfermagem, realizadas na clínica cirúrgica I do hospital universitário, visando a construção futura de um instrumento de anotações de enfermagem sistematizadas dos cuidados prestados ao paciente cirúrgico. A partir daí, elaborou-se a presente pesquisa com os objetivos a seguir descritos.

OBJETIVOS PROPOSTOS

Identificar o conteúdo das anotações de enfermagem relativas ao pós operatório imediato, nos prontuários de pacientes submetidos a cirurgia de laparotomia exploradora , que estiveram internados na clínica cirúrgica I do hospital universitário, no ano de 1999.

Analisar o conteúdo das anotações de enfermagem, à luz do processo de enfermagem.

 

2. ABORDAGEM METODOLÓGICA

Neste estudo optou-se pela abordagem metodológica da pesquisa descritiva portanto buscou-se coletar os dados de interesse da pesquisa, da forma como eles se apresentam, sem a interação com os sujeitos, a fim de obter resultados representativos sobre o fenômeno, elegendo então a técnica de análise documental.

Sendo assim, foram explorados dentro das estratégias da análise de conteúdo, com fundamentação no processo de enfermagem, os aspectos quantitativos e qualitativos das anotações de enfermagem, relativas ao pós-operatório imediato (POI) do paciente submetido a cirurgia de laparotomia exploradora (LE),que estiveram internados na clínica cirúrgica I do hospital universitário em 1999.

Os sujeitos da investigação foram constituídos por: 244 prontuários de pacientes submetidos a cirurgia de LE no hospital universitário em 1999, sendo selecionada uma amostra de 162 prontuários (Anexo 4) que atendiam aos seguintes critérios de inclusão:

*possuir o formulário de relatório de operação com registro médico da cirurgia tipo LE;

*ser prontuários de pacientes adultos que estiveram internados na clínica cirúrgica I em 1999.

A COLETA DOS DADOS

A técnica utilizada para coleta das anotações de enfermagem relativas ao POI dos pacientes submetidos a cirurgia de LE, internados na clínica cirúrgica I do hospital universitário, foi de análise documental. Este estudo coletou e explorou os seguintes documentos:

*Livro de registro das cirurgias de 1998 do hospital universitário;

*Prontuários de pacientes submetidos a cirurgia de LE no hospital universitário em 1998;

*Prontuários dos pacientes submetidos a cirurgia de LE que estiveram internados na clínica cirúrgica I do hospital universitário em 1998;

*Prescrição e evolução médica, formulário onde os profissionais de enfermagem também realizam seus anotações.

A ANÁLISE DOS DADOS

O material coletado e selecionado foi submetido a técnica da análise de conteúdo categorial, conforme os pressupostos de Laurence Bardin. Seguindo esse pensamento, Bardin (1977) afirma que é permitido utilizar-se desta técnica quando o interesse é conhecer aquilo que está por traz das palavras sobre as quais se debruça, ou seja é uma busca de outras realidades através das mensagens.

Dando continuidade a análise, às unidades de registro foram inventariadas e agrupadas de acordo com o tema e núcleo de significação das palavras entre as unidades de análise, constituindo assim uma grelha de oito categorias.

Mas observando que nesta grelha uma ou mais unidades, poderiam ser classificadas em duas ou mais categorias , partiu-se para um novo reagrupamento classificando-se então as unidades em três categorias, definidas pela pesquisadora como linguagens técnica , administrativa e outras descrições, com suas respectivas subcategorias.

Categoria número 1 – Linguagem Administrativa (LA). Abrange este conjunto de três subcategorias, relacionadas a anotações de enfermagem no POI do paciente submetido a cirurgia de LE Este conjunto de categorias e sub-categorias encontra-se decomposta em 99 unidades de análise de registro, compreendendo diversas formas escritas de admissão do paciente na clínica. Destacam-se nesta categoria, três subcategorias: procedência intra-hospitalar, formas de admissão e de reingresso.

Categoria número 2 – Linguagem Técnica (LT). Compreende a categoria e o conjunto de quatro subcategorias, cujas unidades de análise relacionam-se a anotações de enfermagem referentes ao POI de pacientes submetidos a cirurgia de LE Esta categoria com a subcategoria encontram-se decompostas em 443 unidades de análise de registro, compreendendo diversos procedimentos assistenciais e condutas profissionais no POI de LE, anotados pelos técnicos e auxiliares de enfermagem. A referida categoria engloba subcategorias definidas como: intervenções de enfermagem, condições fisiológicas, condutas médicas e terapêuticas clínica-cirúrgica.

Categoria número 3 – Outras Descrições (OD). Compreende uma unidade de análise de registro, encontrada nas anotações de enfermagem que não se enquadra nas categorias de linguagem técnica e administrativa.

É necessário destacar que o conteúdo analisado neste estudo resultou de anotações produzidas somente por técnicos e auxiliares de enfermagem, pois não foi encontrado nenhum registro feito por enfermeiro, referente ao interesse desta pesquisa.

 

3. APRESENTANDO E COMENTANDO OS RESULTADOS

Assim, buscou-se a significação das unidades de análise de registro das anotações de enfermagem, as quais serão aqui apresentadas da forma como são praticadas e a seguir interpretadas à luz dos pressupostos do processo de enfermagem, buscando explicitar a assistência de enfermagem no POI prestada ao paciente submetido à cirurgia de LE.

As anotações de enfermagem relativas ao POI do paciente submetido à cirurgia de LE são praticadas a partir da linguagem administrativa distribuídas em: procedência intra-hospitalar, formas de admissão e de reingresso. Destaca-se uma freqüências absoluta e relativa das 99 unidades de análise de registro, distribuídas no conjunto categorial linguagem administrativa (LA), composta de subcategorias agrupadas pelas diferentes formas de linguagem referente à admissão do paciente na clínica cirúrgica I do Hospital Universitário.

O conjunto categorial linguagem administrativa aponta para as anotações de enfermagem, nas subcategorias procedência intra-hospitalar, uma maior freqüência com 59%, seguida das formas de admissão com 36,4% contra 7,1% para as formas de reingresso.

Desse conjunto de dados, é possível observar que as anotações dos profissionais de enfermagem apontam a procedência intra-hospitalar do paciente com maior destaque. Esse destaque para o termo procedência advém do fato de a maioria dos pacientes ter sido previamente assistida no pronto atendimento médico (PAM), a seguir transferida para o centro cirúrgico e daí para a clínica cirúrgica I do Hospital.

Para o conjunto categorial da linguagem técnica (LT), observou-se o total de 443 unidades de análise de registro, composta de subcategorias agrupadas por áreas específicas, utilizada nas anotações das atividades de enfermagem e de outros profissionais, conforme a Tabela 2.

Observa-se, neste conjunto de dados, que as anotações de enfermagem apontam às subcategorias terapêuticas clínico-cirúrgicas uma freqüência de 53,3%, seguida das condições fisiológicas com 37,9%, e da subcategoria intervenções de enfermagem, 7,9%, seguida por 0,9% da subcategoria avaliações médicas.

Constata-se, com isto, um maior destaque para as anotações das terapêuticas clínico-cirúrgicas, que o paciente foi submetido, ao lado das condições fisiológicas apresentadas pelo paciente no POI da cirurgia do tipo LE, em detrimento às demais.

É compreensível essa expressiva preocupação demonstrada, pelos profissionais de enfermagem, em suas anotações, pois comumente o paciente no POI apresenta em destaque as terapêuticas submetidas, bem como apresentam acentuadas alterações fisiológicas nesse período.

Portanto, pode-se questionar como esse tipo de paciente, portando inúmeras terapêuticas clínico-cirúrgicas e apresentando diversas alterações fisiológicas, não possui a mesma proporção de intervenções de enfermagem. Essa considerável diferença merece uma discussão minuciosa numa abordagem que ajude a compreender o sentido dessas informações para os profissionais, e, concomitantemente, análise à aplicabilidade dessas anotações no contexto do processo de enfermagem.

Essa valorização excessiva das terapêuticas médicas pode-se associar à prática da enfermagem tradicional, que comumente tenta subsidiar tais ações médicas por meio de informações. Como docente, a experiência leva a crer que a origem desses fatos tem uma das bases a formatação curricular do ensino de enfermagem assentado em destaque no processo saúde-doenca.

Neste sentido, a diversidade das informações observadas e anotadas sobre as terapêuticas clínico-cirúrgica as quais o paciente foi e estava submetido, à luz do processo de enfermagem, deveria atender os critérios de avaliação inicial no POI estabelecidos por Luckmann; Sorensen (1996), quanto às condições dos sistemas cardiovascular, respiratório e neurológico, bem como a avaliação da ferida cirúrgica, acessos venosos, tubos, posição do cliente e nível de dor.

Deste modo, as anotações praticadas na clínica cirúrgica I do Hospital Universitário, referente às condições fisiológicas do paciente cirúrgico em estado de recuperação pós-anestésica, deveriam possuir dados mais completos, uniformes e sistematizados.

EXPLICITANDO UMA ASSITÊNCIA SEM CUIDADOS

Diante do próprio modelo assistencial – biológico, técnico e medicalizado, pode-se inferir que os cuidados realizados pelos técnicos e auxiliares de enfermagem, aqui denominados de intervenções de enfermagem, não são proporcionais à subcategoria das condições fisiológicas apresentadas pelos pacientes quando da chegada à clínica cirúrgica.

ANOTAÇÕES DE ENFERMAGEM: UM REGISTRO FRÁGIL

A análise das anotações de enfermagem, relativas ao POI de pacientes submetidos à cirurgia de LE, permitiu constatar que tais registros não revelam qualidade, porque não são sistematizados e não há coerência entre as condições fisiológicas apresentadas pelos pacientes com as intervenções de enfermagem realizadas; não revelam planejamento dos cuidados para atender às necessidades pós-cirúrgicas de cada paciente nem quantidade. A expectativa de conteúdo das anotações de um período crítico, como o POI da cirurgia de LE, era encontrar muito mais que 543 unidades de análise de registro.

Verifica-se, de acordo com esses resultados, que os conteúdos das anotações praticadas pelos profissionais de enfermagem, na clínica cirúrgica I do Hospital Universitário, não atendem às diretrizes e recomendações propostas nos ensinamentos das tratadistas do processo de enfermagem, na literatura jurídica e nos trabalhos de estudiosos a respeito das anotações de enfermagem.

Nesta prática das anotações de enfermagem, na qual não se verificou cumprimento aos pressupostos teóricos nem encontradas anotações feitas pelo profissional enfermeiro, pode-se afirmar que esse modelo de prática tem sido um exemplo perverso na formação de profissionais da área de enfermagem.

Esse cenário das anotações de enfermagem é preocupante, quando se sabe que não basta anotar, é necessário ter anotações de boa qualidade para atingir, entre outras finalidades, a criação de um documento legal que poderá, mais tarde, ser usado na justiça, para avaliação do cuidado prestado. Momento em que, segundo Alfaro-Lefevre (2000, p.179), as anotações poderão ser os melhores amigos ou os piores inimigos dos profissionais. Para ela, "a melhor defesa quanto ao que realmente observou ou fez é o fato de existir alguma anotação sobre isso”.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do cenário frágil e desalentador que se constatou com esta investigação, cujas anotações de enfermagem são feitas somente por técnicos e auxiliares, visualiza-se a implantação de algumas estratégias que, se levadas numa seqüência como propõe Cerqueira (1977), poderão resultar numa assistência de qualidade e mais humana: estabelecer os padrões de cuidados de enfermagem; aplicação do processo de enfermagem; implantação do processo de auditoria.

Se as anotações de enfermagem são definidas por Cianciarullo (1997, p.59) como "o registro sistematizado elaborado pela equipe de enfermagem no prontuário do paciente do tratamento, das alterações subjetivas ou objetivas observadas, ou referidas pelo paciente, ou acompanhante.”, há que se refletir  seriamente, com o grupo de enfermeiros daquela instituição, a tomada de decisões sobre a prática destas no Hospital Universitário, visando as mudanças urgentes nesta documentação legal  e técnica comprobatória dos cuidados prestados pela equipe de enfermagem.

Propõe-se que seja desencadeada, em curto prazo, pela direção de enfermagem, uma discussão em torno da desvinculação das anotações de enfermagem do formulário denominado de Prescrição e Evolução Médica (Anexo I), para a elaboração e implantação imediata de um outro específico para as anotações sistematizadas e evolução de enfermagem. Paralelamente a essa implantação do formulário específico de enfermagem, deve-se também, buscar as estratégias necessárias para em médio prazo, desencadear a aplicação do processo de enfermagem.

Ressalta-se que as escassas anotações de enfermagem dificultaram o desenvolvimento da análise de conteúdo das mesmas, tanto no aspecto quantitativo como no qualitativo. Isto fez com que esta autora se sentisse ainda mais comprometida a investigar um problema que, atualmente, transcende os interesses apenas da enfermagem.

 

5.  Referências bibliográficas

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O cuidado de enfermagem psiquiátrica como espaço para a comunicação na reabilitação psicossocial*

 

Psychiatric nursing care as a communication space in psychosocial rehabilition

 

 

Edna Gurgel CasanovaI; Isaura Setenta PortoII; Rosane Mara Pontes de OliveiraIII

IProfessora Titular do Curso de Enfermagem - Universidade Severino Sombra e Doutoranda em Enfermagem - EEAN-UFRJ
IIProfessora Adjunta e Doutora em Enfermagem – EEAN-UFRJ. Pesquisadora Cnpq
IIIProfessora Assistente e Mestre em Enfermagem – EEAN-UFRJ. Diretora do Serviço de Enfermagem - IPUB-UFRJ

 

 


RESUMO

Pesquisa sobre o cuidado de enfermagem como espaço para a comunicação na reabilitação psicossocial, em uma unidade de internação psiquiátrica. As bases teórico - conceituais resultaram da articulação entre conceitos da área de comunicação, do cuidado de enfermagem e da reabilitação psicossocial. Os dados coletados através da observação participante e de entrevistas vinculadas às situações observadas foram classificados, a partir de seu conteúdo relacionado à comunicação para a reabilitação psicossocial resultando em duas categorias: comunicação como evidência de atitudes emanadas dos princípios da reabilitação; comunicação inserida em dispositivos terapêuticos institucionais. Os resultados mostraram que os integrantes da equipe de enfermagem evidenciaram, através de suas ações, atitudes em consonância com a reabilitação psicossocial, embora de certa forma como ações espontâneas e não ativamente introjetadas. Ainda mostraram que, a comunicação ocorrida no interior dos dispositivos terapêuticos não foi sistematicamente estabelecida, dependendo da participação por interesse pessoal dos integrantes da equipe de enfermagem.

Palavras-chave: cuidado de enfermagem psiquiátrica, reabilitação psicossocial, comunicação


ABSTRACT

This research deals with nursing care as a space for communication in psycho-social rehabilitation, in a psychiatric hospitalization ward. The theoretical-conceptual bases resulted from the articulation between concepts from the fields of communication, nursing care and psychosocial rehabilitation. The data collected through participant observation and interviews connected with the observed situations were classified on the basis of their contents with respect to communication for psychosocial rehabilitation, resulting in two categories: communication as an evidence for attitude originating in rehabilitation principles; communication inserted in institutional therapeutic mechanisms. The results showed that, through their actions, the members of the nursing staff evidence attitudes in consonance with psycho-social rehabilitation, although they take the form of spontaneous and not actively inserted actions. They also showed that the communication which took place within the therapeutic mechanism was not systematically established, depending on whether the participation resulted from personal interest of the members of the nursing staff.

Key words: psychiatric nursing care, psychosocial rehabilitation, communication


 

 

À GUISA DE INTRODUÇÃO: SOBRE A COMUNICAÇÃO E O CUIDADO DE ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA

É objetivo deste trabalho analisar os cuidados de enfermagem que são desenvolvidos em uma unidade de internação hospitalar psiquiátrica, que apontam para uma consonância com a reabilitação psicossocial, preconizada na Reforma Psiquiátrica.

Este trabalho apresenta o processo de comunicação, como um campo de ação de natureza complexa, considerado como um determinante na qualidade do cuidado de enfermagem psiquiátrica, tendo como horizonte a reabilitação psicossocial.

O termo comunicação, por sua larga aplicação e utilização exige um definição. Para Sodré (1996, p. 11), é a ação de pôr em comum tudo aquilo que, social, política ou existencialmente, não deve permanecer isolado. Continua dizendo que o afastamento provocado pelas diferenças individuais atenua-se graças a um laço formado por recursos simbólicos de atração, mediação ou vinculação.

Através da proliferação das tecnologias e a profissionalização das práticas, a comunicação torna-se um objeto, que assegura o intercâmbio conceitual entre as diversas disciplinas. Os pesquisadores da "Escola de Palo Alto" (Bateson, Hall, Goffman, Watzlawich) provenientes de horizontes disciplinares diversificados, justificaram suas idéias afirmando que, por menor que sejam as interações não podem ser reduzidas a duas ou mais variáveis trabalhadas de maneira linear. Para estes estudiosos, a essência da comunicação encontra-se nos processos relacionais e interacionais. Desta forma, atribuem à loucura a uma perturbação da comunicação entre o indivíduo portador do sintoma e a sua realidade social (Mattelart, 2001, p. 57-71).

Considerando que, todo comportamento humano possui um valor comunicativo, ao se estudar o fenômeno da comunicação frente aos variados contextos, deve-se ressaltar a permanência contínua do processo e o caráter relativo dos comportamentos.

Desta forma, compreendendo o cuidado de enfermagem como uma prática milenar, fortemente influenciado pela cultura, podemos a partir do cotidiano da prática identificar e analisar as concepções ideológicas escolhidas pelos integrantes da equipe de enfermagem na orientação do seu trabalho. É importante destacar o caráter dinâmico e singular que envolve toda e qualquer situação de comunicação. Assim entendido o processo comunicacional, admite-se que haja uma interpenetração do sujeito com o meio técnico e operacional (Sodré, 1996, p. 25). Isso permite a ampliação das possibilidades de discussões sobre a análise dos cuidados de enfermagem psiquiátrica, uma vez que o novo paradigma da atenção psicossocial exige um olhar e um fazer que transcendam o campo do domínio médico-psicológico.

Nessa perspectiva, considerando-se a multicausalidade da doença mental, o cuidado de enfermagem psiquiátrica deve ajudar o paciente a restituir a sua cidadania e a reconstruir a contratualidade nas três grandes dimensões da sua vida: o habitat, a rede social e o trabalho como valor social (Saraceno, 1996, p. 16).

Assim sendo, cuidar em enfermagem é ultrapassar a trama formal da disciplina, implicando estar aberto para novas passagens, novas maneiras de pensar e viver o cotidiano do trabalho. Neste sentido, cabe ressaltar que, ao analisar o cuidado de enfermagem na dimensão expressiva, característico do cuidado emanado da reabilitação psicossocial, devemos refletir, não só sobre as ações desenvolvidas com os pacientes, mas também sobre os sujeitos que as realizam, assim como para as relações estabelecidas entre eles, as quais poderão apontar para a esperada interação, conforme preconizado pela Reforma Psiquiátrica

Sodré  (1996, p. 12) ao rever a história dos processos comunicativos diz que, em qualquer organização social, onde quer que se encontrem "estruturas comuns" para as diferenças, faz-se presente o laço atrativo ou comunicativo que implementa a aliança simbólica entre os indivíduos vivos ou entre vivos e mortos.

Para este estudo, estabelecemos o emissor e o receptor como sujeitos ativos do evento comunicacional. Assim, ao analisar o cuidado de enfermagem psiquiátrica, devemos lembrar que iremos encontrar dispositivos diversificados, nos quais sempre será manifestada a ação comunicativa. Cabe assinalar que, precisa-se conhecer o contexto cultural, as crenças e valores culturais dominantes da clientela e dos integrantes da equipe de enfermagem, uma vez que os últimos irão influenciar na escolha das palavras utilizadas no cotidiano da prática e nos dispositivos de cuidados de enfermagem psiquiátrica.

Desta forma, a linguagem utilizada no relacionamento terapêutico com pacientes, que tem sua origem em diversos sistemas sociais e culturais, deverá determinar a maneira pela qual ele receberá e responderá as mensagens. Vale a pena mencionar que, a linguagem é apenas uma das formas de comunicação e que as expressões verbais, freqüentemente apresentam ambigüidades.

Nessa linha de pensamento, a comunicação não é uma opção. Ela faz parte do processo de viver. Desta maneira, a comunicação sempre gera sentimentos, no próprio falante ou no outro, o ouvinte. Em decorrência desses sentimentos, poderão surgir atitudes de aproximação ou afastamento entre os parceiros do processo comunicativo.

 Assim, entendemos neste estudo, a comunicação como um processo dinâmico que envolve trocas entre o emissor e o receptor, no qual são realizadas operações psíquicas conscientes e inconscientes. A comunicação inconsciente ocorre sem que haja necessariamente um registro consciente deste fato. Todos os homens respondem às mensagens, de acordo com o seu sistema receptor - emissor mental. Assim, através da comunicação inconsciente, talvez possam ser entendidas algumas dificuldades estabelecidas entre os profissionais e os pacientes. Vale lembrar que, a mensagem do emissor só terá sentido, se encontrar no receptor, algo que a identifique e que a receba adequadamente (Zusman, 2000, p. 180-181).

Como resposta às críticas provenientes do modelo assistencial utilizado no atendimento aos pacientes psiquiátricos surgiram em vários países inclusive no Brasil, movimentos que questionavam o discurso psiquiátrico clássico. O Movimento de Reforma Psiquiátrica em nosso país, passou a entender a loucura como um fenômeno individual, social, cultural e histórico. Assim, na atualidade, os trabalhadores da saúde mental, defensores desse novo paradigma, esforçam-se para ressignificar a fala do paciente, preservar sua capacidade laborativa e garantir o respeito aos seus direitos, em um contexto de cidadania.

Um importante conceito introduzido pela Reforma Psiquiátrica é o de reabilitação psicossocial. Para Saraceno (1996, p.16), a reabilitação é uma exigência ética, que demanda mudança significativa e de raiz na política dos serviços de saúde mental, de forma a promover verdadeira ressignificação da fala dos usuários, de seus familiares e da comunidade em geral. A partir dessa mudança de paradigma, o trabalho na psiquiatria encontrará no acolhimento, na escuta, no convívio e na produção de dispositivos, instrumentos que poderão restituir o poder contratual ao usuário.

A dimensão inconsciente do indivíduo conclama a recondução do indivíduo à comunicação consigo mesmo. Nesta linha de trabalho, a linguagem aparece como uma prática social, tão importante quanto a econômica para a fundação das relações sociais (Sodré, 1996, p.28). No cuidado de enfermagem psiquiátrica a comunicação torna-se então um instrumental essencial, operacionalizável principalmente, através da linguagem.

 

O CAMINHO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO: O USO DE ESTRATÉGIAS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO

Utilizamos a metodologia qualitativa do tipo exploratório. Ao estudar o cuidado de enfermagem como um espaço de comunicação, devemos considerar os sistemas de valores dos pacientes e dos integrantes da equipe de enfermagem. Esses sistemas irão afetar o processo comunicativo e em conseqüência o cuidado de enfermagem justificando assim, a escolha pelo método qualitativo, como aquele que é capaz de detectá-los.

Tendo em vista a necessidade de identificar os cuidados de enfermagem que estivessem em consonância com a reabilitação psicossocial, escolhemos a abordagem com aproximação etnográfica visando alcançar o objetivo da pesquisa. Assim, esta escolha permitiu estudar o social, em suas condições históricas e culturais, tal como indicado por Laplantine (1995, p.167). Neste sentido, os dados foram selecionados a partir da sua implicação com a reabilitação psicossocial, embora surgissem também atitudes/cuidados vinculados ao velho paradigma da assistência psiquiátrica, o asilar / manicomial. A finalidade de estudar a comunicação no contexto da reabilitação psicossocial justificou esta opção.

O cenário da pesquisa foi uma enfermaria de um hospital universitário psiquiátrico com capacidade para atender até setenta e dois pacientes de ambos os sexos. Participaram do estudo sete enfermeiros e dezessete profissionais de nível médio de enfermagem. Cabe ressaltar que o serviço de enfermagem do campo da investigação foi reorganizado de forma coerente com a política de saúde mental brasileira.

A autorização para a realização do trabalho de campo foi assegurada através de instrumento padronizado pela Instituição em estudo e do termo de consentimento livre e esclarecido, em atendimento ao item IV da Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

Utilizamos como instrumentos de coleta de dados, a observação participante registrada através de diário de campo, e a entrevista (livre) gravada em fita magnética cassete, que estava  vinculada às situações observadas. Realizamos noventa horas de observações e dez entrevistas.

Os dados foram discutidos à partir da técnica de análise de conteúdo, tal como proposto por Bardin (1997, p.38). A autora define análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de mensagens.

A partir do agrupamento e reagrupamento dos dados construímos duas categorias empíricas, tendo como fundamento os elementos conceituais sobre o cuidado de enfermagem psiquiátrica, a Reforma Psiquiátrica e a comunicação.

 

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS: A COMUNICAÇÃO NO CUIDADO E NOS DISPOSITIVOS TERAPÊUTICOS

Os resultados obtidos deram origem as duas categorias: comunicação inserida em dispositivos terapêuticos institucionais e comunicação como evidência de atitudes inspirados nos princípios da reabilitação psicossocial.

- Categoria I: Comunicação inserida em dispositivos terapêuticos institucionais

Um serviço de boa qualidade move-se num campo de possibilidades, que se reorganiza quotidianamente, tendo em vista garantir a reabilitação dos pacientes dentro dos limites e potencialidades individuais. Saraceno (1999, p.100) refere que, as pessoas são recursos de um serviço (manicômio ou outros), não apenas na análise do seu quantitativo, mas considerando de maneira substantiva, a qualidade das intervenções por elas estabelecidas.

Verificamos que a partir da Reforma Psiquiátrica, em vários serviços tem-se implementado dispositivos diversificados de atenção o que vem possibilitando mudanças nos cuidados aos pacientes. No local do estudo, além das modificações ambientais, gerenciais e assistenciais, encontramos novos dispositivos de cuidados de enfermagem, tais como: o salão de beleza, a assembléia de pacientes, o baile, a oficina de sexualidade, o ateliê de costura e a visita domiciliar.

No entanto, registramos uma pequena participação dos integrantes da equipe de enfermagem nestes locais. O depoimento a seguir ilustra esta afirmação:

(..) o salão de beleza é muito bom! No entanto, ele não foi planejado para funcionar dessa maneira. Todos deveriam no seu dia a dia trabalhar no salão. No entanto, não é isso que tem acontecido, temos encaminhado os pacientes (Enfermeira Carolina).

Ao analisar esse dado de realidade do cenário da pesquisa, lembramos que o cuidado de enfermagem aparece como um resultado de um trabalho em que os agentes transformam o corpo de conhecimentos em técnica. Assim, talvez a prática de cuidar utilizada no salão de beleza esteja sendo entendida como desvalorização das atividades profissionais, o que explicaria a baixa participação dos integrantes da equipe de enfermagem. Entretanto, cabe lembrar que a interação como um dos objetivos do processo comunicativo pode acontecer em qualquer lugar ou sistema social.

Continuando nessa linha de pensamento, é praticamente consensual que o cuidado de enfermagem, baseado na ação interativa alimentada pelo desejo de ajudar o outro, exige criatividade e capacidade de lidar com o imprevisível. Nestes termos, os novos dispositivos de cuidados de enfermagem utilizando-se de recursos terapêuticos e sociais apresentam-se flexíveis, factíveis e singulares.

No entanto, o vasto arsenal cultural existente no Brasil não foi considerado nos avanços do modelo biomédico ocidental. Essa postura descaracterizou as formas de cuidar, parecendo haver despido os indivíduos de suas influências sócio - culturais. Para Sodré (1996, p. 94):

a comunicação contrapõe-se a homogeneização atribuída pela cultura, respondendo com a heterogeneização dada pela polivalência do cotidiano, pela diferenciação étnico - simbólica, pela pluralidade dos espaço - tempo de interação afetiva ou comunitária.

Diante desta lacuna, lembro que a assembléia de pacientes como um dispositivo de cuidados de enfermagem constitui-se também em um momento privilegiado de comunicação entre os pacientes e os integrantes da equipe de saúde. É oportuno mencionar que embora os participantes do estudo tenham declarado importância significativa aos novos dispositivos terapêuticos, suas participações foram esporádicas:

Inicia a assembléia com dezessete pacientes. Todos os integrantes da equipe de enfermagem, continuam escrevendo. Só participam os bolsistas de enfermagem (DC. 30/4/2001).

Não há dúvida de que essa limitação está relacionada a histórica tendência da enfermagem trabalhar dentro de uma estrutura rígida, rotinizada, prevista com antecipação e repetitiva. Por isso, quando surge uma possibilidade de mudança, as verdades estabelecidas são questionadas, o que implica a necessidade de desestabilizar a racionalidade anteriormente dominante, alterando a própria concepção do cuidado (Lopes, 1998, p. 43 - 52). 

-        Categoria II: Comunicação como evidência de atitudes inspiradas nos princípios da reabilitação psicossocial

De uma forma ampla podemos dizer que, na categoria: Comunicação como evidência de atitudes emanadas dos princípios da reabilitação psicossocial, encontramos variadas ações no cotidiano da enfermagem na enfermaria psiquiátrica, reveladoras da inserção dos integrantes da equipe de enfermagem no novo paradigma da atenção psiquiátrica. Dentre elas, observamos cuidados que mostram atitudes de acolhimento, redimensionamento da psicofarmacoterapia, estímulo ao restabelecimento da autonomia e dos laços sociais dos pacientes e valorização da comunicação afetiva através da empatia e do relacionamento terapêutico.

Entendendo que os sinais de uma dificuldade são manifestações dessa dificuldade, não se resumindo neles, para que se estabeleça uma comunicação efetiva/afetiva é necessário que dinamizemos o nosso olhar, a nossa escuta, a nossa atenção e a nossa reflexão (Collière, 1999, p. 298-299).

Assim, a situação descrita a seguir exemplifica como a comunicação é determinante para o desenvolvimento dos cuidados de enfermagem planejados a partir de um projeto individualizado, com vistas a garantir um cuidado singularizado:

(...) fui depois conversar com o paciente que levantou a situação do roubo na assembléia dos pacientes. (..) Nestas situações, tento envolver ao máximo os pacientes para que, juntos, consigamos resolver as situações, sempre baseadas no diálogo  (Enfermeira Priscilla).

Desta forma, na implementação do cuidado, reafirma-se a importância da comunicação verbal com o cliente, visto que ela representa seus desejos, suas condições existenciais, suas relações com as pessoas e o mundo. Portanto, se o falar possui um significado relevante, a escuta também goza dessa propriedade. Na verdade as concepções do eu e visões do mundo diferenciadas levam a diferentes maneiras de ouvir e  nomear comportamentos como sintomas, explicações e maneiras de reagir aos problemas psiquiátricos (Bibeau, 2000, p. 10-17). A fala a seguir, evidencia essa tendência:

Só medicar não adianta. Primeiro você medica, depois conversa. No começo (na crise), ele precisa muito de remédio. Com a conversa, você pode até tirar a medicação (Auxiliar de Enfermagem Tatiana).

Ao refletir sobre esse depoimento, é necessário atentar para a psicofarmacoterapia apenas como uma parte dos cuidados a serem desenvolvidos com o paciente. Dessa forma, a partir da comunicação verbal (incluindo a escuta qualificada), estabeleceu-se o reforço de um vínculo interativo. Esta atitude é indicativa do deslocamento do direcionamento tradicional do fazer da Enfermagem Psiquiátrica. Nesta categoria verificamos que tem ocorrido uma reinvenção do cotidiano, através de cuidados que traduzem a expressão subjetiva dos pacientes com transtornos psiquiátricos e portanto, passando a ter uma aproximação com a reabilitação psicossocial.

 

À GUISA DE CONCLUSÃO:

Retomando a posição de Mattelart (2001, p.57-71) sobre a vinculação entre as perturbações psíquicas e as perturbações da comunicação, apresentada no início deste texto, o cuidado de enfermagem psiquiátrica apresentou-se como um compartilhar de experiências, nas quais a comunicação foi o elemento fundante para que o processo de  reabilitação psicossocial fosse  iniciado.

Apesar de alguns resultados mostrarem uma baixa participação dos integrantes da equipe de enfermagem, ela pode ser interpretada como o início do abandono das posições assumidas desde muito tempo compatíveis com o modelo assistencial asilar. Assim, as iniciativas de participação mostram que existe disposição para mudar, embora ainda sejam encontradas resistências normais em todo processo de mudança.

Nesta perspectiva, ressaltamos a necessidade da realização de estudos sobre a comunicação na área das interações entre integrantes da equipe de enfermagem e pacientes, para explorar, entre outros aspectos, os próprios comportamentos profissionais e o significado de suas atitudes.

Ainda é fundamental a realização de estudos que apresentem uma articulação essencial entre o cuidado de enfermagem e a comunicação, que poderá elucidar também na decodificação do cotidiano assistencial, profissional e social.

 

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* Este trabalho foi elaborado a partir de dados parciais da tese de doutorado " O cuidado de enfermagem em unidade de internação psiquiátrica: uma transição do asilar para a reabilitação psicossocial – o familiar e o exótico.

^rND^sBIBEAU^nG.^rND^sLOPES^nM. J. M.^rND^sSARACENO^nB.^rND^sSARACENO^nB.^rND^sZUSMAN^nJ. A.^rND^sBIBEAU^nG.^rND^sLOPES^nM. J. M.^rND^sSARACENO^nB.^rND^sSARACENO^nB.^rND^sZUSMAN^nJ. A.^rND^1A01^nIsaura Setenta^sPorto^rND^1A01^nSílvia Teresa Carvalho de^sAraújo^rND^1A01^nIsaura Setenta^sPorto^rND^1A01^nSílvia Teresa Carvalho de^sAraújo^rND^1A01^nIsaura Setenta^sPorto^rND^1A01^nS¡lvia Teresa Carvalho de^sAra£jo

Pesquisa(ação) na enfermagem: a comunicação não-verbal proxêmica do graduando no intraoperatório

 

Research (action) in nursing: the intraoperative non-verbal proxemic communication of the graduating student

 

 

Isaura Setenta PortoI; Sílvia Teresa Carvalho de AraújoII

IProfessora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery
IIProfessora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery

 

 


RESUMO

O estudo trata do processo de orientar/pesquisar com graduandos no programa interdisciplinar IX da Escola de Enfermagem Anna Nery. Sendo emergente da prática apresenta como objeto a comunicação não-verbal proxêmica dos graduandos no intraoperatório durante estágio supervisionado no centro cirúrgico em hospital Universitário no Rio de Janeiro. Através de roteiro de observação de campo e entrevista semi-estruturada gravada procura examinar como se constitui a manifestação proxêmica do graduando destacando o posicionamento dentro da sala de operação em relação ao cliente, a equipe cirúrgica: auxiliares e enfermeiros, cirurgiões e anestesistas. Destaca em que dimensão a apropriação do conhecimento sobre as manifestações proxêmicas modifica a relação dos mesmos durante as interações junto aos profissionais e o cliente. Os dados apontam que o graduando como elemento inserido no contexto deve tentar um canal de comunicação, seja mostrando-se interessado, ativo, capaz de realizar atribuições cooperativas numa relação de confiança entre os participantes do processo.

Palavras-chave: enfermagem, comportamento espacial, período intraoperatório, comunicação não-verbal


ABSTRACT

The study shows the process of orientating-researching with graduating students in the interdisciplinary program IX at the Anna Nery Nursing School. As this research results from pratice, the object of study is the non-verbal proxemic communication of graduating students during supervised training in the surgery center of a University Hospital in Rio de Janeiro. Through a field observation script and semi-structured recorded interviews, the research seeks to examine the proxemic manifestation of the graduating student, emphasizing his position in the surgery room in relation to the client and to the surgery team: nursing assistents and nurses, surgeons and anesthetists. The research highlights how the impact of knowledge about proxemic manifestations changes the relation between the students in their interactions with professionals and the client. Data indicate that the graduating student as an element in this context must try to open a communication channel, whether by manifesting concern or being active and capable of cooperating in a trust relationship between the participants in the process.

Key words: nursing, spatial behavior, intraoperative period, non-verbal communication.


 

 

Introdução

O presente estudo discorre sobre resultados do processo de orientação em pesquisa denominada diagnóstico simplificado de saúde (Modalidade de pesquisa prevista no currículo da graduação da EEAN-UFRJ, como uma das etapas avaliativas dos Programas Curriculares Interdepartamentais, cujo problema de pesquisa deve ser emergente da prática) (DSS) para graduandos inscritos no programa curricular interdepartamental IX (Modalidade curricular da EEAN que tem na ementa previsão da assistência de enfermagem a clientes críticos, hospitalizados de grau III, e corresponde ao 6º período do curso), na Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN). O objeto de pesquisa desenvolvido com o grupo composto de três alunos e que versa sobre a comunicação não-verbal proxêmica em centro cirúrgico permitiu conhecer um pouco mais, não só na codificação desse tipo de comunicação como também ampliou o conhecimento da aprendizagem sobre próprio setor. Os caminhos metodológicos e seus resultados buscaram um maior domínio na área de conhecimento trilhada desde 1998 com o próprio objeto de tese defendida em dezembro de 2000, na mesma instituição.

Como destaca Silva (1996) a comunicação não-verbal é entendida como "toda informação obtida por posições do corpo, organização dos objetos no espaço e até pela relação de distância mantida entre os indivíduos".

E por ser predominante na clientela de centro cirúrgico, acreditamos que essa modalidade de comunicação deve ser considerada e ministrada nos conteúdos referentes a assistência de enfermagem nesse processo.

Acreditamos que o interesse dos graduandos pelo objeto de pesquisa resultou da sensibilização garantida pela estratégia de usá-lo, concomitantemente, não só como conteúdo de ensino teórico-prático, durante a supervisão em centro cirúrgico (HUCFF), como também pela possibilidade de aprofundá-lo como objeto de pesquisa. A orientação foi determinada pelo interesse dos graduandos em desenvolver um trabalho nessa área de conhecimento e nesse setor específico.

Vale destacar que atualmente o planejamento dos conteúdos teóricos do programa IX prevê, já na fase inicial, aula expositiva sobre a temática e a familiarização das conceituações dos diferentes tipos de comunicação não-verbal (c.n.v.), dos clientes em centro cirúrgico, considerando a prática de supervisão exercidas neste campo desde 1994, bem como os resultados da tese.

Para elaboração do projeto de pesquisa do DSS, o grupo se reuniu para orientação semanalmente, com duração média de duas horas, perfazendo assim um total aproximado de doze horas. Outras quinze horas, outrossim, foram utilizadas na testagem do instrumento de observação de campo, com os reajustes metodológicos e familiarização com a prática de coleta e análise dos dados. A pesquisa teve como objeto a comunicação não verbal proxêmica do graduando no intraoperatório.

Para melhor compreensão do processo, vale destacar que os graduandos, pela primeira vez, prestam cuidados de enfermagem a pacientes hospitalizados de alta complexidade. Além disso, também se depararam com uma abordagem sobre comunicação não-verbal que não dominam. Por isso acredito que a orientação tenha contribuído para um melhor delineamento metodológico dos elementos necessários a um projeto, o que justificou maior participação na discussão e na elaboração desses elementos.

Nos dois primeiros encontros, houve necessidade de um aprofundamento dos tipos de comunicação não-verbal. contextualizados com exemplos práticos da interação graduando-cliente em centro cirúrgico para elaboração da questão norteadora, objeto e objetivos de tal forma que se estabeleceu entre eles a desejada coerência.

Os levantamentos bibliográficos sobre a temática como recorrência e vigilância epistemológica realizados nos acervos da escola, além de evidenciarem a necessidade de desenvolvê-los como objetos de pesquisa, também facilitaram a construção das justificativas, a relevância dos estudos e a seleção dos autores para auxiliarem na análise dos dados.

Os sujeitos, sempre graduandos, foram analisados em duas fases do processo transoperatório. Tiveram como interesse a análise das manifestações não-verbais dos graduandos em interações com os clientes, os profissionais, os meios e instrumentos no intraoperatório.

A compatibilização das atividades discentes de aprendizagem com assistência e pesquisa simultâneas se, por um lado, foi um dos fatores limitadores da amostra de análise reduzida por parte de dois grupos; por outro lado, configurou um resultado satisfatório, porque não somente se constituiu importante exercício de pesquisa pela construção das etapas metodológicas, mas também, e principalmente, porque possibilitou melhor aprofundamento teórico para o grupo.

Podemos dizer que objeto de pesquisa não seria tão necessário nessa fase de formação, se a escassez de informações sobre a comunicação não-verbal não fosse tão real na graduação. Então, se o objeto de pesquisa não transformou a realidade vivida pelos profissionais no cenário de prática, ao menos contribuíram para enriquecer e transformar o processo de ensino-aprendizagem dos graduandos envolvidos.

O enfoque desses conteúdos qualifica sobremaneira a assistência prestada pelos graduandos à clientela em centro cirúrgico, principalmente porque valoriza os aspectos intersubjetivos tão necessários à humanização da assistência de enfermagem no momento que antecede uma cirurgia.

A metodologia utilizada foi de cunho exploratório e descritivo com abordagem qualitativa, e os autores utilizados como referencial metodológico foram Minayo (1994), Lakatos e Marconi (1991) e sobre comunicação Silva (1996). O instrumento de observação de campo foi utilizado associado à entrevista semi-estruturada gravada em fitas cassetes.

Os sujeitos foram escolhidos aleatoriamente e após consultados sobre a possibilidade de sua participação no processo, forneceram por escrito seu consentimento em participar. Os depoimentos presentes nas fitas são identificados pelas iniciais dos nomes de seus prestadores e os dados do roteiro de observação são apresentados através de análise representativa.

A fim de não sofrer solução de continuidade, esta parte expositiva do estudo, tentará discorrer sobre as contribuições das orientações e sobre as principais análises quanto a importância da temática para a enfermagem em centro cirúrgico.

 

Análise circunstancial das manifestações não-verbais proxêmicas do graduando de enfermagem no intraoperatório

Essa pesquisa investigou a relação de proximidade ou distância que os graduandos de enfermagem mantinham com os profissionais e os clientes no cenário de atuação.

Acreditando que o tipo de conduta adotada pelo graduando influencia tanto na assistência ao cliente quanto no seu relacionamento com os demais profissionais, surgiu o interesse em analisar suas posturas em sala de operação.

O estudo procura examinar em que dimensão a postura do graduando na sala de operação afeta suas relações com os agentes, os meios, os instrumentos e o cliente, e até que ponto a apropriação do conhecimento sobre manifestações não-verbal proxêmica modifica a relação ensino/aprendizagem e posturas.

O formulário de observação de manifestações não-verbais proxêmicas levanta a posição do graduando no intraoperatório junto ao cliente, profissionais de enfermagem, cirurgiões e anestesistas. Os itens previam se o graduando se encontrava próximo atuando, se estava distante, próximo sem assisti-lo ou se estava em outra situação relevante.

A análise dos dados permite delinear a importância das manifestações proxêmicas do graduando no processo de interação dentro de sala de operação. Por outro lado, o roteiro de observação destaca a relação de posicionamento do graduando em sala de cirurgia em relação ao cliente, à equipe cirúrgica e à de anestesia. Procura esclarecer ainda se o mesmo se coloca atuando, próximo do cliente sem assistí-lo, se distante, ou se apresenta outro comportamento.

Os dados coletados foram obtidos no recorte temporal desde a admissão do cliente em sala de operação até sua indução anestésica; e as entrevistas gravadas no decorrer do período da manhã, ainda durante a realização do estágio curricular pelos atores sociais.

Os relatos e as observações foram feitos a partir da questão norteadora: a percepção do graduando acerca das atividades do enfermeiro em sala de cirurgia apontou para o fato de que os bloqueios pessoais, as frustrações anteriores, os preconceitos acerca da prática de enfermagem podem se apresentar como fatores impeditivos do desenvolvimento satisfatório e prazeroso das atividades durante o intraoperatório. Enfim, o relato da observação do nível de participação no desenvolvimento de atividades em sala de operação foi associado à dificuldade de interação com os profissionais.

Há, ainda, de se levar em consideração que as relações de poder que permeiam o relacionamento dentro de uma equipe multiprofissional podem se mostrar para o graduando em muitas facetas positivas e negativas.

Mas fica claro que o graduando, por ser um elemento inserido no contexto, deve sempre tentar um canal de comunicação, seja mostrando-se interessado, ativo, capaz de realizar atribuições cooperativas; seja estabelecendo uma relação de confiança entre os participantes do processo.

A dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais foi atribuída ao humor da equipe presente em sala, cuja instabilidade no humor pode funcionar como barreira à aproximação do graduando. Esse fato pode ser agravado quando este traz em si características pessoais, caracteres de dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais como timidez, insegurança e medo.

As atividades desenvolvidas em sala de operação são por natureza dinâmicas, necessitando então de uma perfeita sintonia entre todos os que delas participam.

No que concerne ao preconceito acerca da prática e formação de enfermeiro, apenas um entrevistado justificou sua postura passiva intra-operatória alegando atividades simples e banais. Esse exemplo pode ser analisado também como fruto da reprodução do valor social negativo que a enfermagem traz arraigada em sua história. Por outro lado, a execução de algumas atividades consideradas de nível médio, ou que são exercidas por pessoas de nível médio, é algo que incomoda a alguns graduandos e graduados em enfermagem.

Em casos como este, a dificuldade não se encontra em estabelecer relação com a equipe, mas sim em aceitar a atividade acadêmica a ser realizada e a que cabe no momento, considerando-se o grau de amadurecimento de cada graduando e ainda insipiente domínio técnico e científico nessa especialidade.

Para tornar-se um participante do ambiente em sala de operação é necessário estabelecer um vínculo interpessoal com as pessoas presentes naquele meio. E esse vínculo não passa exclusivamente pela verbalização junto aos indivíduos. O calar e o mover-se também possuem significado. O fato de existirem reações de estresse, medo e ansiedade na execução de uma determinada atividade nova, não deve se transformar num fato impeditivo para o graduando permanecer no meio. Mas a ausência dele durante a dinâmica dos processos ocorridos no intraoperatório funciona como um fator excludente do mesmo nas trocas interpessoais com a equipe.

As manifestações não-verbais proxêmicas dos graduandos analisados em sala de operação determinaram posturas que limitaram o processo de interação entre o graduando, a equipe e principalmente com o cliente.

 

Considerações finais

Finalmente, a pesquisa destaca a exata noção de que a comunicação não-verbal proxêmica é decisiva na interação que o graduando e/ou enfermeiro desenvolverá no intraoperatório com o cliente e outros profissionais.

Os aspectos pessoais subjetivos, como emoções e sentimentos, tanto do graduando como do cliente, devem ser considerados, de forma a compreender as dificuldades e as posturas adotadas por ambos, seja no processo de ensino-aprendizagem, seja no processo da assistência. Dessa forma compreensiva, os graduandos poderão, com ajuda, ser agentes facilitadores nas relações interpessoais durante sua inserção e desenvolvimento num setor altamente desafiador que é o centro cirúrgico.

Tanto o conhecimento da comunicação não-verbal proxêmica faz com que os graduandos se tornem mais conscientes do próprio comportamento, favorecendo então sua relação com os outros, clientes e profissionais. Possibilitam-lhe um melhor entendimento de suas funções e aprimoram-lhe a maneira de transmitir e receber mensagens.

É extremamente importante a valorização do ensino da comunicação não-verbal na graduação para a compreensão dos sentimentos expressados, em destaque, pelo cliente, através dos movimentos, posturas e posicionamento, entre outros dados.

Se essa comunicação for positiva, será de aproximação facilitando todo o processo de atuação, assistência e interação com todas as pessoas no setor. Caso contrário, a inabilidade se incumbirá de interferir negativamente nas situações vivenciadas.

Compreender os múltiplos fatores que podem ser determinantes no afastamento desse graduando em relação ao cliente cirúrgico é emergencial para removê-los na tentativa de uma melhor interação e obtenção de resultados efetivos.

Trilhar caminhos e desenvolver habilidades que nos leve a acessar sentimentos e emoções no processo transoperatório é uma estratégia para tornar a assistência mais qualificada e valorizada, principalmente quando as expressões não-verbais do cliente muitas vezes falam muito mais do que a própria verbalização dele.

Tal conteúdo deverá ser aprendido por todos os graduandos que desejam prestar assistência de forma holística, ou seja, que atenda as dimensões físicas, psíquicas, culturais, espirituais, sociais e intelectuais do cliente.

 

Referências bibliográficas

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Os sentidos corporais dos estudantes de enfermagem na aprendizagem sociopoética da comunicação não-verbal do cliente em recepção pré-operatória

 

The body senses of the nursing students in the sociopoetic learning about the non - verbal comunication of the client in preoperative reception

 

 

Sílvia Teresa Carvalho de AraújoI ; Isaura Setenta PortoII; Iraci dos SantosIII; Deyse Conceição SantoroIV

IProfessora Adjunta e doutora em enfermagem da EEAN-UFRJ. Rua da Passagem, 72 - ap. 716, Botafogo, CEP 22.290-030, Rio de Janeiro - RJ
IIProfessora Adjunta e doutora em enfermagem da EEAN-UFRJ
IIIProfessora Adjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Doutora em enfermagem – EEAN-UFRJ
IVProfessora Adjunta e doutora em enfermagem da EEAN / UFRJ. Membro da Comissão Científica da Socerj

 

 


RESUMO

O estudo trata das manifestações não-verbais cinésicas, proxêmicas, tacésicas e paralinguagem dos clientes em recepção pré-operatória percebidas pelos estudantes da graduação e pós-graduação. Os dados resultaram de dinâmicas utilizando símbolos representativos dos sentidos corporais e do coração. O método sociopoético através da técnica de vivência, os sentidos sócio-comunicantes do corpo, possibilitou a leitura do imaginário individual e coletivo dos sujeitos codificando 46 expressões relacionadas ao sentido visão, 27 ao tato, 20 a audição, 19 ao olfato e 14 ao paladar. Os dados analisados e apresentados parcialmente sob forma de poesias ressalta a subjetividade do cliente. O ensino desse conteúdo tem permitido a abertura dos sentidos corporais dos estudantes para percebê-la na assistência de enfermagem. Mostrou-se também um conteúdo cognoscível permitindo que a invisibilidade dos gestos, posturas, toques e sons do cliente se tornasse visível na interação. Finalmente, a tradução da comunicação não-verbal pode ser considerada um desafio dos sentidos corporais.

Palavras-chave: enfermagem, comunicação não–verbal, período pré–operatório, sociopoética


ABSTRACT

The study deals with the kinetic, proxemic, implicit non-verbal manifestations and paralanguage of the clients in preoperative reception as perceived by the undergraduate and postgraduate students. The data resulted from dynamics using symbols that represent the body senses and the heart. The sociopoetic method through the technique of experiencing the sociocommunicative body, allowed for the reading of the individual and collective imaginary of the subjects codifying 46 expressions related to the sense of vision, 27 related to tact, 20 to hearing, 19 to smell and 14 to taste. The data analyzed and partially presented in the form of poetries highlight the subjectivity of the client. The teaching of these contents has allowed for the opening up of the students’ body senses in order to create this perception in nursing care. This also demonstrated to be contents that can be known, allowing for the invisibleness of gestures, positions, touches and sounds of the customer to be visible in interaction. Finally, the translation of the not-verbal communication can be considered a challenge originated in the body senses.

Key words: nursing, non-verbal communication, preoperative period, sociopoetics


 

 

Introdução

O estudo trata da percepção dos graduandos em enfermagem sobre as mais comuns manifestações não-verbais dos clientes em recepção pré-operatória. Vale destacar que apesar do interesse pela comunicação não-verbal (CNV) ser anterior ao meu ingresso na graduação em enfermagem datada de 1982, o crescente envolvimento com a temática deu-se ao longo dos anos atuando não só na assistência, como também na área de ensino na graduação em enfermagem.

Contudo somente em 1994 após concurso público para professor assistente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica (DEMC) da EEAN através do programa curricular interdepartamental IX (PCI) (Modalidade de ensino, correspondente ao sexto período do curso de graduação da EEAN, que apresenta como ementa assistência de enfermagem ao cliente hospitalizado de alta complexidade) no qual atuo até os dias de hoje, desenvolvendo atividades de orientação em diagnóstico simplificado de saúde (DSS) (Pesquisa como etapa avaliativa do programa, cujo tema é emergente da prática nos cenários de estágio supervisionado), ensino teórico e teórico-prático e supervisão no cenário de centro cirúrgico é que as categorias teóricas e analíticas de CNV foram sendo melhor delineadas.

Esse interesse culminou em objeto de tese defendida no curso de doutorado da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) em dezembro de 2000 e que atualmente tem sido adotado como eixo principal nas pesquisas desenvolvidas conjuntamente com alunos da graduação e da pós-graduação. Os dados aqui parcialmente apresentados foram originados na tese, e sofreram alguns ajustes após convergência de novos dados produzidos após defesa.

A transmissão de conceituação sobre os tipos de CNV, tais como, proxêmico, tacésico, cinésico, paralinguagem, somada aquelas relacionadas as reações fisiológicas, compartimentais como o silêncio dos clientes e seus pertences tem ajudado na conscientização dos estudantes quanto sua importância no contexto de assistência de enfermagem.

Definimos a forma proxêmica como sendo aquela relacionada com a posição mantida entre as pessoas na interação, e pode ser de aproximação ou afastamento entre os seus corpos.

A forma tacésica refere-se ao toque afetivo e terapêutico durante a realização dos procedimentos ou ações de enfermagem. Tem relação direta com a região do corpo envolvida além de suas características próprias, tais como, profundidade, temperatura e tempo de contato.

A forma cinésica envolve os movimentos e está relacionada não só ao corpo, mas individualmente a cada uma das regiões que o compõem. A cabeça, os membros, o tronco e cada grupamento muscular que os envolve.

Finalmente a paralinguagem é entendida como todo som que é emitido pelo órgão fonador, mas que não traduz palavras, e que pode ser exemplificado pelo soluço, gritos, gemidos, roncos, etc.

Além disso a utilização das dinâmicas (se utilizam de ruídos ambientais gravados no centro cirúrgico; de figuras dos órgão representativos dos sentidos corporais incluindo o coração e de instrumento construído com perguntas e respostas para descrever e compreender a construção imaginária ao perceber as manifestações não-verbais dos clientes) construídas na tese tem permitido na docência essa construção do saber conjunto com os estudantes no resgate e valorização desses aspectos na assistência prestada a clientela.

O caminho pedagógico e de pesquisa com o método sociopoético através das dinâmicas do ruído, jogo da sorte e técnica de vivência - os sentidos sócio-comunicantes do corpo, tem permitido trabalhar com os sentidos corporais dos estudantes na compreensão das manifestações não-verbais, não só dos clientes com distúrbios cardiológicos, como das nossas próprias manifestações não verbalizadas.

A leitura das frases construídas pelos estudantes na técnica de vivência permite decifrar o imaginário individual a partir da compreensão de temas e subtemas ligados a questão norteadora: a percepção da CNV dos clientes. E, o resultado foi a construção coletiva desses imaginários através de poesias analisadas com eles durante as etapas de pesquisa.

Vale destacar também que os resultados, todos subjetivos, foram codificados e quantificados a partir de cada sentido corporal, sendo 46 do sentido visão, 27 do sentido tato, 20 do sentido audição, 19 do sentido paladar e 14 do sentido olfato.

O cenário de nossas pesquisas, o hospital universitário foi assim escolhido por suas características que incluem não só a existência de vinte e uma sala de operações, recepção pré-operatória, recuperação anestésica, dentre outras unidades, como também pela média diária de sessenta e cinco cirurgias de diversas especialidades, na qual destacamos trinta e cinco cirurgias cardíacas mensais.

Diante da especificidade que envolve a cliente com distúrbios cardiovasculares, clientela de alta complexidade, e pelas inúmeras alterações emocionais e predominância da forma não-verbal de se manifestar, pelas razões tão conhecidas por nós como a instabilidade hemodinâmica, fragilidade no processo cirúrgico e de seus resultados, é que a destacaremos para enfatizar a avaliação diagnóstica de enfermagem relativas a CNV dessa clientela.

Silva (1994) já destacava a necessidade da CNV merecer maior atenção por parte dos profissionais de enfermagem. Afirma também (1991) que o estado não-verbal possibilita aos enfermeiros resgatar a capacidade de percepção dos sentimentos do cliente.

Necessidade que destacamos como de conhecer, reconhecer e resgatar a nível consciente a CNV emitida pelos clientes.

Pelas características do cenário, de forma geral ainda predomina nos profissionais a preocupação com aspectos que envolvem a forma verbal, escrita de comunicação que convergem para o cumprimento de um planejamento retratado na confecção do mapa operatório.

Considerando que não dominamos a área de comunicação não-verbal, a utilização do método sociopoético têm sido o caminho encontrado para favorecer a abertura holística dos sentidos dos estudantes.

A dramatização de teatro mudo previsto no jogo da sorte realizada pelos estudantes para representar como percebem essas manifestações tem permitido, através da nossa emoção, abrir a nossa inteligência, nos permitindo sentir com o cliente e intuir sobre ele

Croce (apud Bosi, 1988, p.81) afirma que, "sentindo, se conhece; conhecendo, se sente; formando, se exprime; exprimindo, se forma." Através dessa dinâmica percebemos que a representação simbólica dos estudantes determina a forma de perceber a CNV do cliente e também determina, quando sensibilizado e conscientizado, a forma de interação entre eles. Para Bosi (1988, p. 66) "o olhar não está isolado, o olhar está enraizado na corporeidade, enquanto sensibilidade e enquanto motricidade.

É preciso repensar, na teoria e na prática, como se constitui o imaginário e a representação simbólica na enfermagem, principalmente em relação a CNV. Assim podemos entender a comunicação como um processo social, ativo e contínuo através do qual pessoas adotam posturas e comportamentos que refletem proporcionalmente o valor atribuído para a subjetividade do cliente durante o processo de interação e prestação de cuidados.

 

Análise e interpretação dos resultados

Para demonstrar a quantificação das manifestações não-verbais do cliente com distúrbios cardiológicos percebidas por estudantes em recepção pré-operatória apresentaremos a seguir os dados relacionados a visão, tato, audição, paladar e olfato, respectivamente.

As expressões codificadas do sentido visão, na forma de olhar foram: preocupação, nervosismo, espera, apreensão, dúvida, expressivo, insegurança, incerteza, medo, comunicante, ansioso, seguro, atento, expectativa, assustado, temeroso, observador, receoso, fechados, choro, piscando, desviando, no vazio, angústia, esperança, muito aberto, curioso, entreaberto, tranqüilo, sono, lacrimejante, sofrido, alegria, busca, procura, cego, desesperado, confiante, inquieto, desinformado, triste, solidão, alívio, fé, carência e vigilante.

O momento filosófico da sociopoética permitiu analisar os dados construindo uma poesia crítica para cada sentido corporal. e para ilustrá-la mostraremos a seguir uma aliagem simplificada dessa composição.

NO OLHAR A INDIVIDUALIDADE COMPROMETIDA

O jeito que eu sinto influencia o meu olhar,
E diretamente manifesta-se no relacionamento.
Demonstro medo na nova situação,
E oscilo entre tranqüilidade, sofrimento e alegria.

Muita angústia no coração,
Mas esperançoso de melhora,
Expresso o mais sincero dos sentimentos.

Logo minha emoção cega,
Clama pelo cuidado subjetivo,
Cheio de medo, ansiedade, solidão, carência e fé.

Conseguimos identificar também as seguintes manifestações não-verbais do cliente através do sentido tato, com os seguintes toques expressados: procura, pedido, firme, quente, insistente, apreensivo, inquieto, auto-proteção, anseio, medo, fé, frio, trêmulo, sudoreico, acolhedor, tímido, segurança, longo, vínculo, ajuda, apoio, socorro, escondido, energia, força, acalento, aconchego e carinho.

A aliagem simplificada da poesia crítica do sentido tato pode ser representada na seguinte poesia:

A COMUNICAÇÃO PROXÊMICA DAS MÃOS

As emoções manifestam-se pulsantes,
Nas mãos apreensivas e inquietas,
Que frias e trêmulas,
Eternamente buscam somente um toque.
Toque firme, porto seguro,
Que vale mais que mil palavras.
E que acalente e acalme as aceleradas batidas.

As expressões não-verbais definidoras do sentido audição foram: atenta, reveladora, sensibilizadora, seletiva, aguçada, investigativa, pseudo-surda, desgastada, informativa, esclarecedora, tradutora, integral, parcial, sensível, manipuladora, coercitiva, opressora, repressora e fragilizada.

A aliagem simplificada da poesia crítica do sentido audição pode ser representada na seguinte poesia:

A PARALINGUAGEM CAPTADA PELA EMOÇÃO

Barulhos agressivos e coercitivos,
Podem alterar ou não a insegurança,
A angústia e o ritmo das emoções.

Sons que geram ansiedade e medo,
De perder o sentido e o fio de ligação ...,
Com a realidade e o mundo.

Sons de vida e com vida,
Perdê-los é estar inconsciente e distante,
Da realidade coletiva.

A codificação do imaginário através das frases construídas revelou diferentes formas de percebê-la através do sentido olfato, tais como: forte, revelador, seletivo, diverso, discriminatório, sensibilizado, investigativo, esclarecedor, coercitivo, opressor, repressor, atento, registrador, armazenador, identificador, aguçado, sensível, sensibilizador e manipulador.

A aliagem simplificada da poesia crítica do sentido olfato pode ser representada na seguinte poesia:

A CINESIA DO NARIZ

O odor direciona á atenção ao cuidado individual,
E altera o perfil psicológico de cada um.
Gera variadas manifestações emocionais.
Aumentando mais a ansiedade e expectativas.
Ao sentir o cheiro da dúvida,

E do futuro tão obscuro e incerto,
Tenta perceber o inodoro,
E distingui-lo do agradavelmente odorizado.

O nariz busca odores,
Que lhe tragam lembranças felizes,
E que lhe faça acalmar o coração.

A codificação do sentido paladar permitiu levantar as seguintes expressões não-verbais do cliente: sabor alerta, diferenciado, ausência de sabor, sede, sabor dia marcante, agradável, estranho, gosto do medo, gosto da fome, gosto de querer acabar logo, gosto de experiência nova, gosto amargo da fome, paladar de gases e sabor de confiança.

A aliagem simplificada da poesia crítica do sentido paladar pode ser representada na seguinte poesia:

A COMUNICAÇÃO TACÉSICA DA BOCA

Alerta para o que está acontecendo no momento,
As emoções alteram o sabor da confiança depositada em nós.
E conhecendo e se relacionando com o desconhecido,
O paladar gerado pelo medo, pela fome e sede,
Conhece o gosto amargo dos gases.

Boca pálida, úmida, fechada, que morde os lábios,
E não consegue emitir som.
Mas que expressam sentimentos,
Que variam da tensão á felicidade.

Boca trêmula quer exprimir o que sente.
Quer falar tantas coisas ...;
Porém o que vem do coração,
Ela não consegue exprimir.

A abertura holística de todos os sentidos corporais para perceber a CNV do cliente permitiu compreender como se dá a cinesia entre eles, na qual apresentamos na composição simplificada da poesia intitulada:

O SENTIDO CORAÇÃO

Batidas que definem uma essência individual,
E aumentam o reconhecimento da ansiedade e medo.
Na qual a consciência da realidade coletiva,
Pela incerteza da vida ...,
Gera um desgaste amplo das emoções.

Portanto, respirando a vida,
Olha o interior,
Prova a essência
Toca a alma,
Enfim ... ,
Escuta a melodia branca.

 

Considerações finais

Ao reconstruir a trajetória no contexto do estudo e do conhecimento da comunicação não-verbal, destacamos a importância de considerarmos essa forma no processo comunicativo da assistência de enfermagem.

Destacamos a riqueza das informações transmitidas predominantemente não-verbal pelos clientes, como indícios poderosos de necessidades implícitas do e no processo cirúrgico ao qual vivência pelas suas condições de saúde.

Ao destacá-las resgatamos o valor da subjetividade humana que é singular e que requer de quem o assiste uma abertura holística dos sentidos para percebê-las. Esse exercício prático e contínuo para identificá-la tem permitido aos estudantes considerá-las na assistência de enfermagem em recepção pré-operatória.

A criação das poesias a partir das expressões não-verbais do cliente demonstra que esse conteúdo é cognoscível na aprendizagem sociopoética, na qual a tradução da linguagem não-verbal é um desafio dos sentidos.

Finalmente através das dinâmicas construídas na tese foi possível conhecer o imaginário, o real e a subjetividade acadêmica permitindo que as expressões não-verbais invisíveis do cliente se tornam visíveis através das decodificações e requer abertura holística dos sentidos para percebê-las.

 

Referências bibliográficas

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A comunicação, a informação como possibilidade de redução da assimetria entre o profissional da saúde e o cliente

 

Communication, the information as a possibility for reducing the asymmetry between the health professional and the client

 

 

Narciso Vieira SoaresI; Valéria Lerch LunardiII

IEnfermeiro, Mestre em Enfermagem, Professor do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Campus de Santo Ângelo - RS. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem Saúde e Educação (GEPESE/URI)
IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Adjunto IV do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Pesquisadora do CNPq

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A partir da constatação de relações verticais, autoritárias e paternalistas dos profissionais de saúde com os clientes, realizamos um aprofundamento teórico acerca das questões da ética e dos direitos do cliente no cotidiano do trabalho da enfermagem, apoiando-nos em autores que vêm abordando tais temas sobre diferentes ângulos. Neste texto abordamos, especificamente, a importância da comunicação e da troca de saberes como um instrumento para a redução de relações assimétricas entre os profissionais de saúde e os clientes.

Palavras-chave: comunicação, ética, direito do cliente


ABSTRACT

On the basis of the perception of paternalistic, authoritarian and vertical relations between health professionals and customers, we made a more thorough theoretical study about the ethics and client rights issues in day-by-day nursing, supported by authors who have been approaching these subjects from different angles. In this text, we specifically approach the importance of communication and the exchange of knowledge as an instrument for reducing the asymmetrical relations between the health professionals and the clients.

Key words: communication, ethics, customer right


 

 

1 - INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, têm se verificado grande crescimento do saber na área biológica e avanços tecnológicos, os quais têm permitido, aos profissionais da saúde realizarem procedimentos, tanto invasivos como não invasivos com maior segurança. Apesar dos avanços na área do diagnóstico e do tratamento, relações mais simétricas entre clientes, profissionais da saúde e instituições, parece-nos ainda não terem avançado suficientemente. São muitas as situações do cotidiano profissional que demonstram a continuação de uma relação, predominantemente verticalizada, paternalista e autoritária.

Neste texto abordamos, especificamente, a importância da comunicação e da troca de saberes como um instrumento para a redução de relações assimétricas entre os profissionais de saúde e os clientes.

A autonomia do ser humano é considerada um direito nato, mediante a qual ele pode agir de acordo com sua vontade, fazer escolhas do que é melhor para si como um sujeito sócio-individual, ser sujeito histórico e não esperar, estar a mercê da concessão de benesses e da vontade dos outros. Ser autônomo significa ter liberdade de pensamento, sem coações internas ou externas, poder optar e decidir, entre as alternativas que dispõe, qual a que melhor lhe convém como um ser de relações.

O respeito ao sujeito autônomo deve pressupor que aceitemos o "pluralismo ético-social, característico de nosso tempo; é reconhecer que cada pessoa possui pontos de vista e expectativas próprias quanto a seu destino, e que é ela quem deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e ação, embasada em crenças, aspirações e valores próprios" (Fortes, 1998, p. 39).

A ação do profissional da saúde deve ser orientada para o respeito à autonomia, à liberdade de escolha do cliente diante da situação que lhe é apresentada, tendo sempre presente que o corpo, a dor, a doença, pertencem a ele e, à medida que violarmos sua autonomia, estaremos tratando-o como meio e não como fim em si mesmo; na medida em que este cliente exercer sua autonomia, reconhecendo seus direitos e deveres, estará construindo, também, sua cidadania.

Na obra que aborda não apenas o cuidado com o corpo, mas o desenvolvimento da cidadania, através de uma consciência democrática, liberta, responsável e reflexiva, tanto do profissional como do cliente, Gauderer (1995, p.14) considera que: "a nossa postura é, por formação e também, por força do ofício, autoritária, dogmática, paternalista, e está se tornando mais flexível, democrática e de parceria com o paciente e a comunidade, devido às mudanças ocorridas no cidadão". Apesar de já serem observadas algumas mudanças nessas relações, principalmente nos grandes centros, nos quais os questionamentos bem como as pressões da coletividade são maiores, o que têm exigido dos profissionais da saúde uma postura mais democrática, esta não parece ser a tônica dominante, tendo em vista as múltiplas diferenças regionais e culturais do país. Essa relação de poder, paternalista, ainda prevalente nos dias de hoje, vem sendo reproduzida ao longo da história, entre os profissionais de saúde e os clientes, nos serviços de saúde e nas sociedades em geral.

Foucault (1990) resgata, metaforicamente, o que denomina de "Poder Pastoral", ou seja, o poder do pastor sobre suas ovelhas e o rebanho como um todo para favorecer o entendimento de muitas das relações paternalistas, presentes nas sociedades modernas, tanto na relação do Estado com a população e os indivíduos, como em especial, no exercício da medicina, na família, nas sociedades beneficentes, entre outros, que se encontram bastante articuladas. Nesta relação desigual, o pastor se reconhece como responsável por suas ovelhas e pelo rebanho, de quem exige obediência, a exposição de si, da sua vida, assim como a negação de si. De modo semelhante, muitas das relações que se dão entre os homens e, em especial, entre os profissionais da saúde e os clientes, também, se fazem, de modo desigual, aparentemente, sem reconhecer seus diferentes saberes, histórias, modos de ser e de viver. Na maioria das vezes, ainda, muitos profissionais, reconhecendo-se como responsáveis pelo cliente, decidem sem consultá-lo, acreditando, de modo autoritário, que são os que sabem o que é melhor para ele e que estão, talvez, agindo de um modo adequado e aceitável.

A obediência, predominantemente exigida pelos profissionais da saúde em relação aos seus clientes, dá-se mediante o estabelecimento de relações de dependência do cliente para consigo. O profissional, freqüentemente, de posse da informação, do conhecimento técnico-científico, tem exigido obediência, por parte dos clientes, para suas prescrições e orientações, visando à modificação de seus hábitos, como aparente pré-requisito para melhorar e assegurar a sua saúde.

As diferenças de saber, culturais, históricas e sociais, assim como a sua comunicação, concretizada através de uma linguagem técnica utilizada pelos profissionais da saúde, podem ser destacadas como possíveis barreiras para o entendimento do cliente.

Diversos fatores, então, têm contribuído para manter o cliente nessa relação de dependência para com o profissional da saúde; dentre outros, podemos citar: a falta de informação sobre seu próprio processo saúde-doença; as diferenças de saberes e de linguagem entre o cliente e o profissional, sem que seja feito um esforço mais significativo, por sua parte, no sentido de modificar esta relação assimétrica; a estrutura organizacional das instituições de saúde, bem como do Sistema Público de Saúde que, embora assegure, constitucionalmente, os princípios de universalidade de acesso, integralidade da assistência, eqüidade, participação popular e controle social do sistema e das políticas de saúde, na prática, mostra-se paternalista, discriminador, especialmente, das classes menos privilegiadas. Podemos perceber o descaso do sistema sócio-político e econômico, para com o setor da saúde, evidenciado pelas dificuldades de acesso aos serviços de saúde, pela insuficiência de recursos financeiros destinados a esta área, pelo baixo investimento em recursos humanos.

 

2. A COMUNICAÇÃO A TROCA DE SABERES COMO UMA POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA ASSIMETRIA ENTRE O PROFISSIONAL DA SAÚDE E O CLIENTE

Percebemos a informação como elemento fundamental no processo de autonomia do cliente. Entendêmo-la como a mensagem que concretiza a comunicação entre as pessoas, ou seja, a passagem, a expressão, a transmissão de um saber, de um fato ou de um sentimento, podendo efetivar-se numa relação direta, pessoa-pessoa, num ato de compartilhamento de mensagens enviadas e recebidas; um intercâmbio de informações através da interação, em que o cliente e o profissional, compartilhando suas experiências, anseios e dúvidas, buscam "ser mais" [ O ser mais, para Freire (1980), é o processo no qual o homem, refletindo sobre seu estar no mundo e com o mundo, conhecendo-se a si, identificando suas limitações e aquelas que se impõem à sua ação, procura formas de vencê-las. Já, para Paterson & Zderad (1988), o ser mais é o processo do ser humano construído através do relacionamento consigo mesmo e com os outros, para tornar o seu viver mais humanamente possível] em suas relações. Na prática, percebemos que, muitas vezes, essas informações vêm sendo sonegadas por profissionais, envolvidos em múltiplos afazeres, exercendo funções que, necessariamente, não são suas, alegando não dispor de tempo suficiente ou, quem sabe, não priorizando esse momento de interação, de troca de experiências e de informações.

Por outro lado, o saber do cliente sobre si, sobre sua vida, seu modo de se cuidar, seu problema vivido, freqüentemente, também, não tem se constituído em mensagem a ser transmitida aos profissionais de saúde, não tem encontrado espaço para ser veiculado, seja por "falta" de tempo, de interesse, de reconhecimento do seu valor e importância. A troca de saberes, a comunicação, a informação ao cliente pode ser veiculada através do diálogo, da interação, pois, segundo Freire (1980, p. 82), o diálogo "é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo. É o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial". À medida que os homens problematizam e refletem sobre sua prática cotidiana, tendo consciência de si e da realidade que os cerca, reconhecem que, para transformá-la, necessitam comunicar-se com outros homens, trocar idéias, ouvir opiniões, considerar que não temos verdades absolutas e que, por vezes, podemos estar equivocados.

A nossa ação profissional deve favorecer, ao cliente, a busca e a valorização do conhecimento de si, da sua realidade, através da informação, da orientação, porque, quanto mais informado estiver o cliente, mais opções terá de escolhas para decidir o que é melhor para si. Gauderer (1995, p. 12) considera que a informação "é a base da decisão, do julgamento e da ponderação. A informação amadurecida pela vivência e pela experiência nos permite transcender a liberdade, proporcionando-nos um estado de interdependência com as pessoas e o mundo à nossa volta, relação esta de igualdade, autonomia e liberdade".

A informação, na visão de Gauderer (1995), é um direito inalienável do cidadão, ou seja, o homem, para ter a sua condição de cidadão reconhecida, a princípio, requer o direito total e ilimitado de saber tudo o que diz respeito a si, sobre seu corpo, sua saúde e sua doença, uma vez que "esse corpo, essa saúde ou essa doença lhe pertencem", e não ao profissional que o atende. Ao ser atendido pelo profissional de saúde, permite-lhe lidar consigo, "mas não lhe outorga necessariamente o direito de, unilateralmente, decidir por ele" (Gauderer 1995, p.47).

Por sua vez, a desinformação faz com que muitos fiquem sem entender o que o profissional está lhes propondo e por não entenderem a complexidade do que pode estar lhes ocorrendo, o caminho mais fácil é aceitar passivamente, sem questionar o que lhes é oferecido. Para finalizar, entendemos que a informação pode estar sendo utilizada como exercício de poder por parte dos profissionais da saúde frente aos clientes. O apelo à sua obediência do cliente pode ser identificado na prática cotidiana nos serviços de saúde, em geral, por exemplo, quando temos como objetivo da educação para a saúde, alcançar a sua mudança de comportamento, alterações nos seus hábitos de vida, no seu modo de viver "sem um processo de convencimento e entendimento racional que possibilite uma decisão prévia sobre o cuidado de si" (Lunardi, 1997, p. 253).

 

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento do cliente, como sujeito autônomo e não mais como um objeto passivo a mercê do cuidado dos outros, deve ser buscado na prática da enfermagem, pois assim estaremos favorecendo a sua "independência e a sua libertação, estimulando a participação real e efetiva dos sujeitos na expressão das suas necessidades em relação à saúde, nas tomadas de decisão sobre o cuidado e o tratamento em si e nas lutas e reivindicações a favor dos seus direitos como cidadãos" (Lunardi, 1997, p.295).

É preciso destacar, no entanto, que, cada vez mais, os enfermeiros preocupados e inconformados com este processo de "coisificação" das pessoas, tanto dos clientes como, possivelmente de si próprios, por se sentirem impotentes para alcançar maiores rupturas neste vivido, têm optado por direcionar seu olhar crítico, investigador e de estudo para o cotidiano de sua prática. Tais exercícios têm se feito numa tentativa de, externamente a este processo, problematizá-lo, analisá-lo teórica e filosoficamente, apontando e sugerindo possibilidades de fissuras como estratégias de fortalecimento de uma categoria profissional, comprometida consigo e com os direitos daqueles que buscam os seus cuidados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. FORTES, P. A. de C. Ética e saúde. São Paulo: E.P.U., 1998.

2. FOUCAULT, M. Tecnologias do eu. Barcelona: Ibérica, 1990.

3. FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação uma introdução ao pensamento dePaulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.

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5. LUNARDI, V. L. Do poder pastoral ao cuidado de si: a governabilidade na enfermagem. Florianópolis: 1997. Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina.

 

 

Endereço para correspondência
Narciso Vieira Soares
Avenida Getúlio Vargas, 3950 - Ap. 404
98.802.470 - Santo Ângelo - RS.
E - mail: nvsoares@urisan.tche.br

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Consulta de enfermagem: um processo de comunicação enfermeiro/cliente na construção da cidadania

 

Nursing consultation: a nurse/client communication process in the construction of citizenship

 

 

Sandra Maria de Mello Cardoso

Enfermeira, Especialista em Saúde Coletiva. Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Santo Ângelo. Assessora da Secretaria Municipal de Saúde do Município de Entre-Ijuís–RS. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Educação em Enfermagem (GEPESE/URI)

 

 


RESUMO

O presente estudo consiste na descrição de experiências vivenciadas com gestantes e puérperas no município de São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul, onde a comunicação enfermeiro/cliente efetivou-se através da consulta de enfermagem, resultando em um processo educativo, com reflexos na melhoria da assistência e na qualidade de vida das clientes ali atendidas.

Palavras-chave: consulta de enfermagem, comunicação, cliente


ABSTRACT

The present study it consists of the description of experiences with women during pregnancy and the puerperium in the city of São Miguel das Missões in Rio Grande do Sul, where the nurse/client communication was accomplished through the nursing consultation, resulting in an educational process, which reflected in the improvement of care and in the quality of life of the clients that were attended.

Key words: nursing consultation, communication, client


 

 

1 - INTRODUÇÃO

Como enfermeira da Rede Básica de Saúde do município de São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul, o qual apresenta uma população de cerca de 7 mil habitantes, conforme dados do (IBGE, 1998), constatava as deficiências em relação ao atendimento, tanto em saúde coletiva, quanto na área hospitalar naquela realidade.

Dentre as deficiências que podem ser apontadas, cito a inexistência de um hospital para internação de pacientes; a existência de apenas um pequeno posto de saúde, o qual oferecia, somente atendimento médico chegando no máximo a 16 consultas diárias de segunda à sextas-feiras. Além disso, o profissional médico não residia no município o que dificultava em caso de atendimentos de emergência médica. Não havia, também, o profissional enfermeiro naquele posto de saúde, sendo que a assistência de enfermagem era prestada pelos auxiliares de enfermagem.

A partir da aprovação em concurso público, passei a atuar como enfermeira da Rede Básica de Saúde do referido município, tendo como desafio a mudança daquela realidade. Busquei realizar um diagnóstico da situação de saúde, constatando dentre outras deficiências, que as gestantes e puérperas não recebiam nenhuma informação ou orientação no ciclo gravídico-puerperal, implicando em desconhecimento acerca dos cuidados com sigo próprias e cuidados com o bebê.

Através dessa análise empírica, e da constatação das necessidades de intervenção na realidade, optei por realizar consultas de enfermagem com gestantes e puérperas que buscavam atendimento no posto de saúde do município, por reconhecer a importância e a necessidade da educação para a saúde.

Como enfermeira, refletindo sobre os problemas identificados, a partir do contato com as gestantes, puérperas usuárias do serviço de saúde, notei que estas podem ser contemplados e referenciados às práticas educativas, conforme preconizam as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Acredito, também que a própria gestante e puérpera pode cuidar melhor de si mesma e do bebê, desde que tenha o conhecimento, a compreensão e a motivação para refletir sobre sua saúde, adotando práticas que contribuam para a melhoria das condições do seu processo de saúde.

Diante da constatação das necessidade de atendimento em saúde das gestantes e puérpera buscamos, então, realizar consultas de enfermagem às clientes que buscavam atendimento no posto de saúde do município de São Miguel das Missões.

 

2 - A CONSULTA DE ENFERMAGEM COMO UMA PRÁTICA EDUCATIVA

A consulta de enfermagem é uma atividade que proporciona ao enfermeiro, condições para atuar de forma direta e independente com o cliente caracterizando, dessa forma, sua autonomia profissional. Essa atividade, por ser privativa do(a) enfermeiro(a), fornece subsídios para a determinação do diagnóstico de enfermagem e elaboração do plano assistencial, servindo, como meio para documentar sua prática.

Para Almeida e Rocha (1997, p.15) o enfermeiro é responsável pelo conjunto das ações assistenciais que competem à enfermagem e o enfermeiro em saúde coletiva é o profissional que visa a saúde coletiva, subordinando-se ás necessidades sociais dos indivíduos. "A concepção da doença não é o fenômeno individual centrado no corpo doente, mas um fenômeno coletivo, tendo a epidemiologia como um dos saberes fundamentais".

Na consulta de enfermagem às gestantes e puérperas, pode ocorrer a participação ativa da cliente através da interação com o profissional enfermeiro (a), em que ambos trocam saberes e informações visando a promoção do auto cuidado. Nessa perspectiva, através da consulta de enfermagem como um momento para o diálogo, enfermeira/cliente podem definir metas e objetivos a serem atingidos, dentre eles, a melhoria no atendimento em saúde.

 

3 – CAMINHO METODOLÓGICO

O presente estudo iniciou-se com a formação do grupo de gestante que reunia-se quinzenalmente, e consulta de enfermagem, a qual era realizada semanalmente. Os encontros do grupo duravam cerca de uma hora e eram realizados em uma sala nas dependências do posto de saúde. Já as consultas de enfermagem, eram realizadas semanalmente na sala da enfermagem do referido posto, não havendo tempo pré determinado para sua conclusão. Tanto os encontros em grupo, quanto as consultas de enfermagem, tinham como propósito a troca de experiências com as clientes, incentivando o aprendizado para o autocuidado, pois, este segundo OREM "é a pratica das ações que os indivíduos iniciam e executam por si mesmos para manter a vida, a saúde e o bem-estar." Com isso, espera-se que a própria gestante desempenhe o cuidado para si mesma, em que, após um estágio de maturidade, seja capaz de realizar ações que visam a promoção de sua saúde e do bebê.

Os dados significativos acerca das verbaliza e observações durante a consulta de enfermagem eram registradas em uma ficha individual; durante os encontros com o grupo, em um diário de campo. Estes dados após agrupados e analisados, retornavam ao grupo para serem discutidos e validados servindo como subsídios para a elaboração do plano de ações. Com isso criava-se, um vínculo forte com as gestante e puérperas, um elo de comunicação com o grupo, com o profissional enfermeiro e com o posto de saúde.

O primeiro encontro, constituiu-se em um momento de interação e de troca de experiências, onde cada uma, exteriorizou suas dúvidas e expectativas em relação aos temas a serem abordados. A partir das experiências relatadas, busquei trazer informações acerca de temas que constituíam-se em dúvidas exteriorizadas, tais como o funcionamento dos órgãos reprodutores masculino e feminino, aleitamento materno, planejamento familiar, preparo para o parto e cuidados com o recém-nascido, dentre outros.

Ao longo dos encontros, valorizávamos o diálogo, a troca de saberes, a comunicação, a reflexão crítica, constituindo-se desta forma, em uma prática educativa, buscando uma nova ação, uma postura reflexivo-crítica, tanto individual quanto coletiva, em que as gestantes se perceberam como sujeitos com possibilidade de construção de sua cidadania.

Todos esses esforços visaram assegurar medidas do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento no pré-natal, da assistência ao parto, puerpério, neonatal e principalmente humanizar a assistência à gestante e ao recém-nascido com atitude ética e solidária, na perspectiva do direito à cidadania.

No puerpério, as mulheres retornavam com os recém-nascidos para a unidade de saúde. Nesta fase, através da consulta de enfermagem à puérpera e ao recém-nascido, buscava-se detectar as deficiências em relação aos cuidados, sendo a chave para a estimulação da consciência crítica, da participação e co-responsabilidade para o exercício da cidadania.

 

4 - APRESENTANDO OS RESULTADOS

A implementação da consulta de enfermagem as gestantes e puérperas teve como um dos objetivos, a redução da mortalidade infantil , o baixo peso ao nascer, o aumento da cobertura vacinal, o incentivo ao aleitamento materno, o aumento da cobertura e qualidade do pré-natal e a reorganização do serviço de saúde, garantindo acesso, acolhimento, eqüidade e resolutividade.

A partir da implementação da consulta de enfermagem e das reuniões com o grupo de gestantes e puérperas, verificou-se alteração nos dados epidemiológicos do município, através da diminuição do coeficiente de mortalidade infantil de 24,19% para zero; diminuição do coeficiente de mortalidade neonatal que era de 16,16% passando para zero. Como significativo ainda, convém salientar o aumento dos indicadores de imunizações, que em alguns casos chegando a atingir mais de 100% da meta prevista.

 

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados objetivos demonstram a importância da consulta de enfermagem como um processo educativo em que a participação da enfermeira interagindo com as clientes, pode mudar a realidade através da educação em saúde. Demonstram, também como medidas consideradas simples podem mudar a realidade de saúde de uma comunidade. O conhecimento a informação recebidas durante os encontros e na consulta de enfermagem, certamente oportunizou a busca da cidadania.

Para finalizar trazemos para reflexão Freire (1987) que diz que a não socialização do saber é uma forma de dominação, fazendo com que o usuário seja mero dependente do saber e os detentores do saber, donos da verdade, impedindo assim uma comunicação ampla e franca.

 

Referências bibliográficas

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VANZIN, N. S.; NERY, M. E. Consulta de enfermagem: uma necessidade social. Porto Alegre: RM&G, 1996.

WALL, M. L.; CARRARO, T. E. A metodologia da assistência: um elo entre a enfermeira a mulher-mãe. Revista Texto e Contexto. Florianópolis, v. 9, n. 2, pt. 2, p. 778-791, mai./ago., 2000.

 

 

Sandra Maria de Mello Cardoso

Fone: (55) 99.81.42.86

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Comunicação: um instrumento importante para humanizar o cuidado de enfermagem em unidade de terapia intensiva

 

Communication: an important instrument for humanizing nursing care in the intensive care unit

 

 

Anadias Trajano CamargosI; Luciana de Oliveira DiasII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem da UFMG. Endereço: Av. Brasil, 481/105 B. São Lucas – CEP: 30 140-000 – BH/MG – e-mail:anadias@enf.ufmg.br
IIEstudante do 6º período, aluna do curso de graduação da Escola de Enfermagem da UFMG

 

 


RESUMO

O presente trabalho foi elaborado para evidenciar a importância da comunicação como instrumento relevante para humanizar o cuidado de enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva. Nossa preocupação para desenvolver o trabalho deu-se pelo descaso com os profissionais de enfermagem tratam a comunicação com o paciente grave ou de alto risco. Objetivos: conhecer o significado do cuidado humanizado na visão dos profissionais de enfermagem que trabalham na UTI; discutir a comunicação como fator influenciador na recuperação do paciente; identificar como os profissionais de enfermagem se comunicam com os pacientes durante os procedimentos. O trabalhou contou com literatura sobre humanização e comunicação. Trata-se de um estudo exploratório descritivo, com leitura qualitativa. Os dados foram coletados através de questionários com aquiescência dos participantes. Os sujeitos da pesquisa foram enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Os resultados apontam que os profissionais de enfermagem procuram utilizar a comunicação como estratégia para humanizar o cuidado de enfermagem, conversando com os pacientes e familiares visando minimizar a ansiedade dos mesmos causado pelo ambiente fechado, com ruído e muito estressante. Sugerimos que o serviço de enfermagem da UTI realiza treinamento para os profissionais de enfermagem sobre comunicação para que este conteúdo possa garantir um cuidado humanizado.

Palavras-chave: humanização, comunicação, enfermagem, terapia intensiva.


ABSTRACT

This study was elaborated in order to demonstrate the importance of communication as a relevant instrument for humanizing nursing care in an intensive care unit. Our preoccupation resulted from the negligence with which nursing professionals treat communication with patients with a serious or high risk. The research objectives are: knowing the meaning of humanized care from the point of view of the nurses, discussing communication as a factor that influences patient recovery, identifying how the nursing professionals communicate with the patients during the procedures. This is an exploratory and descriptive study by means of a qualitative methodology. Data were collectd through questionnaires with the consent of the partcipants. The research was developed with nurses and nursing assistants. The results show that the nursing professionals seek to use communication as a strategy for humanizing nursing care, talking with the patients and their families to reduce their anxiety caused by the closed, noisy and stressful environment. We suggest that the ICU nursing service trains its professionals about communication for these contents to be able to guarantee a humanized care.

Key words: humanization, communication, nursing, intensive care


 

 

Introdução

A escolha deste tema se dá baseado num inconformismo com o descaso dos profissionais de enfermagem em relação a comunicação com o paciente internado na Unidade de Terapia Intensiva.

Partindo do pressuposto que a Unidade de Terapia Intensiva é um ambiente que concentra os pacientes graves recuperáveis, cuidados por profissionais que se empenham para maximizar suas chances de viver mais e principalmente melhor. Entretanto, esta internação, por certo, traz aos pacientes desconforto físico e emocional, quando incomodado com os ruídos monótonos e contínuos dos respiradores artificiais, equipamentos eletrônicos, e muitas vezes porque são rodeados de pessoas estranhas que conversam a beira do leito utilizando um linguajar desconhecido, mas não se comunicam com o paciente, isto pode constituir uma ameaça para ele, aumentando sua ansiedade e medo, fatores que desencadeiam o estresse no seu dia a dia na UTI.

Vale destacar que a preservação da vida do paciente grave comumente depende da utilização da tecnologia e o avanço desta nas UTIs tem influenciado negativamente no atendimento dos pacientes, tendo em vista que a tecnologia muitas vezes tem provocado o distanciamento dos profissionais de enfermagem da cabeceira dos mesmos, pois prestam mais atenção nos equipamentos eletrônicos do que no próprio paciente. Vejamos o que coloca Germano (1993, p.73), "o avanço da tecnologia na área de saúde, ao mesmo tempo que contribui para o prolongamento da vida, com as clínicas de hemodiálise, unidade de terapia intensiva (UTIs) cada vez mais sofisticadas.... de certomodo vem afastando o enfermeiro do paciente, bem como os demais profissionais que o tratam".

A incapacidade do paciente comunicar-se e expressar os seus desejos, levou-nos a estudar a comunicação para entender que a mesma pode ser um instrumento importante na humanização do cuidado de enfermagem em UTI. Na tentativa de enriquecer nosso estudo buscamos subsídios em Moran (1988, p.68) ao afirmar que "a comunicação é um conjunto de artérias que irrigam e expressam as trocas simbólicas do mundo social, com seus movimentos de sístoles e diástoles ritmados pelo dinamismo da interação social...".

Diante disso, foram elaborados alguns questionamentos e as respostas nos fizeram refletir sobre as diferentes opiniões dos profissionais, embora todos estejam trabalhando para um objetivo único: O que significa para os profissionais de enfermagem cuidado humanizado? Que influência o cuidado humanizado tem na recuperação do paciente? Como os profissionais de enfermagem se comunicam com os pacientes durante os procedimentos de enfermagem? Qual a importância da comunicação como instrumento para humanizar o cuidado de enfermagem?

 

Objetivos

 

Fundamentação teórica

A humanização do cuidado é hoje uma expressão muito usada nas instituições de saúde pelos trabalhadores de enfermagem, responsáveis direta e indiretamente pela continuidade da assistência. Diante disso, urge a necessidade de refletir a respeito da relevância que a comunicação tem como um importante instrumento para humanizar o cuidado de enfermagem na UTI. Sabe-se que a comunicação é a mola mestre que leva a equipe a compreender a necessidade de dialogar com o paciente, quer durante os procedimentos realizados com ele ou não.

No concernente a humanização Querubin, 1980 apud Santos et al. (1999, p.26) colocam que,

"Humanizar não é técnica ou artifício, é um processo vivencial que permeia toda atividade das pessoas que trabalham, procurando realizar e oferecer um tratamento que merecem enquanto pessoa humana, dentro das circunstâncias peculiares que se encontram em cada momento do hospital".

A nossa convivência diária coma equipe de enfermagem da UTI onde realizamos o estudo nos fez perceber que para humanizar o cuidado é necessário que os cuidadores estejam motivados e essa motivação pode repercutir na qualidade da prestação do cuidado e consequentemente no trabalho dos cuidadores. Nesse sentido, Antunes et al. (1996, p.425) coloca que, "um profissional insatisfeito e desmotivado pode afetar de forma marcante o clima organizacional de uma unidade hospitalar, induzindo outros membros da equipe adotarem uma postura semelhante, ou mesmo desempenhando suas funções de forma inadequada e pouco eficiente".

Para reforçar este ponto de vista Stefanelli (1993, p.86) ressalta que a comunicação pode influenciar nos resultados dos trabalhos dos executores do cuidado conscientizando-os de que o cuidado está centrado na necessidade comunicacional como estratégia de aproximar o cliente/equipe.

É importante que se ressalte, que a música pode contribuir para a humanização do cuidado em terapia intensiva, tornando o ambiente mais agradável e menos tenso, de forma a proporcionar ao paciente um atendimento mais seguro e humano. Assim, Cutait et al. (1977, p.11) destacam que, "A música, se bem dosada e escolhida, pode tornar-se o único som familiar e harmonioso em um ambiente estranho ou mesmo hostil. Como ela contribui para camuflar ruídos inoportunos, para atenuar a atenção e para manter o doente em contato com o mundo exterior...".

 

Percurso metodológico

O estudo foi realizado em uma unidade de Terapia Intensiva, de um Hospital Público de Belo Horizonte, que conta com sete leitos.

Trata-se de um estudo exploratório descritivo com leitura qualitativa. Nesta unidade trabalham 07 enfermeiros e 26 auxiliares de enfermagem. Segundo Trivinos (1987, p.109) estudo exploratório, permite ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado problema (...), "pode servir para levantar possíveis problemas de pesquisa"

Nosso estudo contou com três enfermeiros e quinze auxiliares de enfermagem, de ambos os sexos. Os mesmos foram selecionados aleatoriamente e foram excluídos aqueles que não responderam ao nosso convite. Os dados foram coletados através um questionário, contendo questões abertas que nortearam o trabalho (anexo 1).

Segundo Chizotti (1991, p.44), questionário "é um conjunto de questões sobre o problema, previamente elaboradas, para serem respondidas por um interlocutor, por escrito ou oralmente".

Os estudos foram precedidos pela solicitação do consentimento por escrito à gerente de enfermagem da UTI e em seguida dos referidos profissionais para a participação dos mesmos na pesquisa.

No que se refere às questões éticas, procuramos cumprir as normas que envolvem seres humanos. Preocupou-se, também, com o esclarecimento da finalidade e dos objetivos do estudo, bem como de sua importância para nossa profissão. Os informantes assinaram o termo de aquiescência para participarem do estudo, com direito inclusive a abandonar a pesquisa se assim o desejassem, assegurando-lhes a voluntariedade, o anonimato dos mesmos e o caráter confidencial das informações (anexo 2).

 

Apresentação e discussão dos resultados

De posse dos dados procuramos organizá-los, buscando destacar os achados relevantes para o estudo, e constituindo-se em categorias que serão apresentadas a seguir.

Na categoria o significado do cuidado humanizado na visão dos profissionais de enfermagem que trabalham na Unidade de Terapia Intensiva,são evidenciados os discursos dos entrevistados a respeito da humanização do cuidado de enfermagem em UTI.

"cuidado humanizado em minha opinião compreende todos os procedimentos realizados com o paciente, vai desde sua admissão no setor até os cuidados mais complexos que o paciente requerer"(A 4);

"eu acho que o cuidado humanizado é a aproximação da enfermagem com o paciente, principalmente quando se está realizando um procedimento. O paciente precisa de carinho, compreensão e explicação sobre o procedimento"(A5)

"É enxergar o paciente como alguém que você estima e gosta, porque ele necessita de um calor humano, muito carinho e compreensão e a comunicação com o paciente faz sentir-se como alguém muito importante". (A6)

Para fundamentar os discursos acima buscamos respaldo em (Querubin, 1980, apud Santos et al. 1999, p.26) colocam que "humanizar não é técnica ou artifício, é um processo vivencial que permeia toda atividade das pessoas que trabalham, procurando realizar e oferecer o tratamento que merecem enquanto pessoa humana, dentro das circunstâncias peculiares que se encontram em cada momento do hospital"

Stefanelli (1993) coloca que "a comunicação terapêutica contribui para a prática da enfermagem e cria oportunidade de aprendizagem para o paciente podendo despertar o sentimento de confiança entre paciente e enfermeira, o que permitirá a ele experimentar a sensação de segurança e satisfação".

Sabe-se que a UTI é um ambiente agressivo ao paciente e que essa agressão pode ser minimizada a partir do momento que a equipe procura transforma-lo em ambiente agradável, seguro e confortável. Um importante recurso que pode ser utilizado é a música. Segundo Cutait (1977, p.11) "A música, se bem dosada e escolhida, pode tornar-se o único som familiar e harmonioso em um ambiente estranho ou mesmo hostil. Como ela contribui para camuflar ruídos inoportunos, para atenuar a atenção e para manter o doente em contato com o mundo exterior...".

A categoria a comunicação influenciando na recuperação do paciente. A humanização do cuidado em UTI configura uma necessidade do processo de trabalho da enfermagem como alternativa para tornar o paciente confiante em relação a sua recuperação. Para Gomes (1979, p.34) " o paciente tem o direito de ser o centro de atenção da equipe, pois sua recuperação é o objeto de toda a metodologia de trabalho da UTI".

Nesse sentido, destacamos a preocupação dos entrevistados como assunto,

" o cuidado humanizado torna o paciente confiante a querer curar-se, aceitar o tratamento e a restabelecer-se o mais rápido, quando cuidado com amor e respeito" (A10);

" ... muitas vezes vale mais uma palavra de carinho e de fé do que uma medicação. O carinho, o amor e a atenção muitas vezes são o melhor remédio para a enfermidade." (A9)

" ...o conjunto de técnicas mais o respeito, a empatia, influenciam na recuperação do paciente em todos os sentidos".(A8);

Segundo Silva (2000) a comunicação é relevante para a humanização do cuidado desde que se exercite o amor, o carinho, a confiança, a empatia. Para Rodrigues (1990, p.80) "a empatia é uma forma saudável de identificação permitindo a pessoa sentir-se identificada com outra e compreender suas experiência e sentimentos".

Acredita-se que a participação da família no processo cuidativo contribui para a recuperação do paciente. Ressalta Santos et al (1999, p.26) que "A família deve ser compreendida como um aliado importante da equipe, podendo atuar como um recurso por meio do qual o paciente pode reafirmar, e muitas vezes recuperar sua confiança no tratamento, de forma a investir nas suas possibilidades de recuperação."

De acordo com os registro que compuseram a categoria os profissionais de enfermagem se comunicando com o paciente durante os procedimentos, foi possível identificar que os profissionais de enfermagem procuram se comunicar com os pacientes durante a realização dos procedimentos de enfermagem.

Segundo Stefanelli (1993) é como um instrumento básico de trabalho que permeia todas as ações de enfermagem e influencia decisivamente na qualidade do cuidado. Neste contexto os participantes ressaltam a importância da comunicação durante os procedimentos de enfermagem.

"... converso com os pacientes durante os procedimentos, principalmente para diminuir a ansiedade do mesmo."(E3)

"... não só durante os procedimentos, mas a todo momento que passo por seus leitos procuro falar-lhes algo, acenar ou mesmo só sorrir para eles."(A10)

"Todos os procedimentos realizados inclusive os invasivos são devidamente esclarecidos ao paciente, converso com os pacientes durante o procedimento principalmente para diminuir a ansiedade do mesmo". (A11).

A comunicação dos profissionais de enfermagem com o paciente é de grande importância para a realização dos procedimentos. Germano (1993, p.74) destaca que "os procedimentos em UTI são tão invasivos que o doente se descaracteriza enquanto pessoa, pois até sua respiração passa muitas vezes a ser realizada por um aparelho, sem contar que o enfermeiro e o médico pensam, agem e decidem por ele."

A categoria a importância da comunicação como instrumento para humanizar o cuidado de enfermagem em UTI, contempla os discursos que expressam idéias de autores que tem buscado formas de humanizar o cuidado como coloca Silva (1996, p.21) " O existir do homem só é possível por meio da comunicação... Ela permeia toda a vida do homem, pois desde o nascimento ele passa a influenciar e a ser influenciado pelo meio em que vive..."

Esse ponto de vista serve de alerta aos cuidadores que trabalham em UTI para que estejam sempre buscando novas estratégias para humanizar o cuidado de enfermagem e os entrevistados abaixo colocam que precisam aprender conversar com o paciente,

"Procuro sempre conversar com os pacientes e procuro passar confiança e solidariedade prestando um bom atendimento". (E1)

"... para melhor cuidar e tratar do paciente devemos aprender nos comunicar com ele. A vida é uma eterna escola e sempre temos que aprender ou reaprender algo ou alguma coisa. Creio que tenho prestado um cuidado humanizado, mas tenho que melhorar muito ainda".(A 4)

O ato de cuidar reflete nas ações de promoção da vida dos seres humanos. Para Salzano (1983) deve-se assegurar ao paciente, uma assistência contínua e individual, e a comunicação efetiva entre o pessoal e o paciente torna-se essencial.

Nossas observações levaram-nos a constatar que a comunicação vem influenciando no desempenho e na motivação dos executores dos cuidado humanizado. Nesse sentido, Antunes et al. (1996, p.425) reforçam que, "Um profissional insatisfeito e desmotivado pode afetar de forma marcante o clima organizacional de uma unidade hospitalar, induzindo outros membros da equipe a adotarem uma postura semelhante, ou mesmo desempenhando suas funções de forma inadequada e pouco eficiente".

 

Considerações finais

O trabalho evidencia a importância da comunicação para humanizar o cuidado de enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva durante o processo cuidativo.

Esse é um momento desafiante para a enfermagem e em especial para nós que buscamos entender a necessidade de humanizar o cuidado de enfermagem em UTI a partir da utilização da comunicação

Acreditamos que um dos grandes entraves para humanizar o cuidado de enfermagem tem sido o avanço da tecnologia nas UTIs principalmente, porque tem distanciado os profissionais de enfermagem dos pacientes e com isso acabam negligenciando a comunicação com o paciente.

Nesse sentido Kron (1978, p.39), destaca que "a comunicação penetra em todas as facetas de nossas atividades diárias e relações com as pessoas... É a fundação sobre a qual construímos a compreensão e o respeito mútuo tão essenciais em nossas relações com nossos colaboradores e pacientes"

Reconhecendo que a comunicação é um instrumento fundamental para humanizar o cuidado de enfermagem em UTI, SUGERIMOS que :

 

Referências bibliográficas

1. ANTUNES, A.V.; SANT’ANN, L.R. Satisfação e motivação no trabalho do enfermeiro. Rev. Bras. Enf. Brasília, v.49, n.3,.p.425- 34,jun./set.1996.

2. CUTAIT, D.E., Bevilacqua, R.G., BIROLINI, D. Temas de terapia intensiva. Rio de Janeiro: Guanabara, 1997.319p.

3. GERMANO, R.M. A ética e o ensino de ética na enfermagem do Brasil.São Paulo: Cortez.1993,141p.

4. GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3ªed.São Paulo:Atlas,1996159p.

5. GOMES, A.M. Enfermagem na unidade de terapia intensiva. 2ª ed.São Paulo:EPU. 1988,217p.

6. KRON, T. Manual de enfermagem. 4ª ed.Rio de Janeiro:interamericana,1978:251p.

7. SANTOS, C.R., TOLEDO, N.N., SILVA,S.C. Humanização em unidade de terapia Intensiva: paciente-equipe de enfermagem-família. Terapia Intensiva Nursing, São Paulo, n.17, n.2, p.26-29, out.1999.

8. SILVA, M.J.P. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde. São Paulo:Ed.Gente, 1996.133p.

9. STEFANELLI, M.C. Comunicação com paciente: teoria e ensino.2ª ed.São Paulo:Robe, 1993:200p.

10. UENISHI, E.K. Enfermagem médico- cirúrgica em unidade de terapia intensiva. São Paulo: SENAC São Paulo,1994:195p.

^rND^sANTUNES^nA.V.^rND^sSANT’ANN^nL.R.^rND^sSANTOS^nC.R.^rND^sTOLEDO^nN.N.^rND^sSILVA^nS.C.^rND^sANTUNES^nA.V.^rND^sSANT’ANN^nL.R.^rND^sSANTOS^nC.R.^rND^sTOLEDO^nN.N.^rND^sSILVA^nS.C.^rND^nKatia^sNishiyama^rND^1A01^nLúcia Marinilza^sBeccaria^rND^1A01^nJosimerci^sIttavo^rND^nKatia^sNishiyama^rND^1A01^nLúcia Marinilza^sBeccaria^rND^1A01^nJosimerci^sIttavo^rND^nKatia^sNishiyama^rND^1A01^nL£cia Marinilza^sBeccaria^rND^1A01^nJosimerci^sIttavo

Enfermeiros recém admitidos em UTI: a importância de programas de educação que possibilitem a sua inserção

 

Nurse's newly admission into an ICU: the importance of an educational program related to their inclusion

 

 

Katia NishiyamaI; Lúcia Marinilza BeccariaII; Josimerci IttavoII

IEnfermeira, aprimoranda em enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva
IIEnfermeiras, docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP, doutorandas na área de Enfermagem Fundamental da EERP-USP. R: Gilberto Lopes da Silva nº55 ap.301 Jardim Redentor São José do Rio Preto Cep:15085-390

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudo descritivo sobre o treinamento para enfermeiros recém admitidos em UTI, realizado nas UTIs de um Hospital de Ensino no interior de São Paulo. Participaram deste estudo 22 enfermeiros, que responderam à um questionário com perguntas abertas e fechadas, contendo dados de identificação, experiência profissional, atribuições desenvolvidas ao ser admitido, fatores que facilitaram e que dificultaram a sua inserção em UTI e a sua opinião quanto a um programa de treinamento para enfermeiros recém admitidos. Os dados obtidos foram agrupados e tratados de forma quantitativa. De acordo com os achados deste estudo, os sujeitos foram orientados para a maioria das atividades que desenvolvem junto à UTI, considerando-as satisfatórias. Os principais fatores que facilitaram o desenvolvimento das atribuições foram: o apoio da equipe de enfermagem e a orientação da enfermeira; os que dificultaram foram: a inexperiência e a escassez de recursos humanos. Quanto a opinião dos enfermeiros relacionada a um programa de treinamento para enfermeiros recém-admitidos, todos concordam com a importância dele ser realizado para melhor desenvolvimento de suas atividades; acreditam que deve ser realizado pela enfermeira da própria unidade, no local de trabalho e em sala de aula, na admissão, antes de iniciar na unidade e continuamente.

Palavras-chave: enfermagem, UTI, educação continuada


ABSTRACT

It is treated of a descriptive study on the training for male nurses recently admitted in UTI, accomplished in UTIs of a Hospital of Teaching inside São Paulo. They participated in this study 22 nurses, that you/they answered to a questionnaire with open and closed questions, containing identification data, professional experience, attributions developed to the to be admitted, factors that facilitated and that hindered your insert in UTI and your opinion with relationship to a training program for nurses recently admitted. The obtained data were contained and agreements in a quantitative way. In agreement with the discoveries of this study, the subjects were guided for most of the activities that you/they develop UTI close to, considering them satisfactory. The principal factors that facilitated the development of the attributions were: the support of the nursing team and the nurse's orientation; the one that hindered were: the inexperience and the shortage of human resources. As the nurses opinion related: there's a training program for recently-admitted nurses, all agree with his importance to be accomplished for better development of your activities; they believe that it should be accomplished by the nurse of the own unit, in the work place and in class room, in the admission, before beginning in the unit and continually.

Key words: nursing, ICU, continuum education


 

 

Introdução

O trabalho em U.T.I. é complexo e intenso, devendo o enfermeiro estar preparado para a qualquer momento, atender pacientes com alterações hemodinâmicas importantes, as quais requerem conhecimento específico e grande habilidade para tomar decisões e implementá-las em tempo hábil. Desta forma, temos uma preocupação especial com enfermeiros recém-admitidos nesta unidade, pois assistematicamente observamos que em muitas ocasiões, este profissional apresenta dificuldades para desenvolver as suas atividades, comprometendo a assistência prestada.

O Cuidado Intensivo dispensado a pacientes críticos, torna-se mais eficaz quando desenvolvido em unidades específicas, que propiciam recursos e facilidades para a sua progressiva recuperação (Gomes, 1988). Desta forma, o citado autor ressalta que o enfermeiro de U.T.I precisa estar capacitado a exercer atividades de maior complexidade, para as quais é necessária a auto-confiança respaldada no conhecimento científico para que este possa conduzir o atendimento do paciente com segurança. Para tal, o treinamento deste profissional é imprescindível para o alcance do resultado esperado.

De acordo com Gratton (2000) a tecnologia pode ser copiada, assim o grande diferencial no mercado competitivo são as pessoas. Desta forma a educação continuada constitui um importante instrumento para desenvolver pessoas para que acompanhem ou estejam adiante do compasso das transformações ocorridas no cenário de trabalho.

Silva (1980) afirma que um bom programa de preparação de recursos humanos é um investimento no qual se obtém lucro seguro, se considerarmos que o trabalhador não é uma máquina, mas sim um indivíduo com potencialidades físicas e psicológicas a desenvolver continuamente.

A importância da educação continuada é evidente, porém muitos hospitais não assumem esta responsabilidade, sendo que alguns estudiosos acerca do assunto, tais como Pereira (1996), Ittavo (1997), Bagnato (1998) e Menezes (1998) citam a existência de dificuldades para a implantação de programas adequados.

O profissional de enfermagem deve se conscientizar que é um direito dele e dever da instituição de saúde, trabalhar a favor do seu desenvolvimento. Essa necessidade, segundo PEREIRA & KURCGANT (1992), tem sido reforçada pelo avanço tecnológico e pelas constantes mudanças sociais que geram no indivíduo a necessidade de buscar, adquirir, rever e atualizar seus conhecimentos.

A adaptação de novos funcionários em locais de trabalho cada vez mais complexos tem sido um dos desafios enfrentados pelas empresas. Para facilitar essa adaptação são adotados programas de orientação dos recém admitidos. Estes têm recebido diferentes denominações, tais como: programa de orientação (SILVA et al., 1989), programa de orientação inicial (LEITE; PEREIRA, 1991), treinamento de indução, programa de integração (CHIAVENATO, 1989).

Segundo Ittavo (1997), a educação conscientizadora de enfermeiros recém-admitidos favorece a inserção destes à instituição, possibilitando a aquisição de conhecimentos considerados prioritários para o funcionamento das unidades. Para Figueroa (1997), o educador em saúde tem um papel essencial, que não é somente o de transmissor de informações, pois ele deve realizar um processo educativo significativo, que estimule, entre outros aspectos, a percepção, a imaginação, o estabelecimento de relações e a solução de problemas.

Considerando nossas inquietações acerca do preparo de enfermeiros recém admitidos em UTI, para desenvolver a sua função e os aspectos teóricos anteriormente citados, este estudo tem os seguintes objetivos: verificar se as orientações oferecidas ao enfermeiro recém admitido em UTI, foram satisfatórias para o desenvolvimento das suas atribuições; identificar quais fatores facilitaram e quais dificultaram o desenvolvimento das atribuições do enfermeiro recém admitido em UTI; saber a opinião dos enfermeiros de UTI, sobre o desenvolvimento de um programa de treinamento específico para enfermeiros recém admitidos.

 

Metodologia

Nesta pesquisa foi adotado o estudo descritivo sobre o treinamento para enfermeiros recém admitidos em UTI, sendo realizado após aprovação do Comitê de Ética em pesquisa (CEP). Foi realizado na Unidade Coronariana (UCOR), UTI da Emergência, UTI da Cirurgia e UTI Geral de um Hospital de Ensino de uma cidade do interior de São Paulo. Participaram deste estudo vinte e dois enfermeiros, que responderam à um questionário com perguntas abertas e fechadas, contendo dados de identificação, experiência profissional , atribuições desenvolvidas ao ser admitido, fatores que facilitaram e que dificultaram a sua inserção em UTI e opinião quanto a um programa de treinamento para enfermeiros recém admitidos. (Anexo 1)

Os dados obtidos foram agrupados, relacionando-os de acordo com as características semelhantes e tratados de forma quantitativa.

 

Resultados

Dados de identificação

Verifica-se que onze (50%) dos enfermeiros que participaram do estudo, possuem idade entre 22 a 27 anos, sendo que o mais velho tem 46 anos e um não citou a idade. Quanto ao sexo, nota-se que 95,5% são do sexo feminino, havendo apenas um (4,5%) do sexo masculino.

Experiência profissional

Observa-se que três enfermeiros (13,6%), possuíam menos de um ano de formado e os demais de 1 a 4 anos de formação.

Destaca-se que a maioria (90,9%) não possui especialização em UTI, portanto, apenas dois (9%) possuem-na. No entanto, estes números alteram-se no que diz respeito a outras especializações: 27,2% fizeram administração hospitalar, 13,6% saúde pública e 4,5% administração de empresa.

Atribuições desenvolvidas ao ser admitido

Os fatores que facilitaram e os que dificultaram o desenvolvimento das atribuições

Entre os fatores citados que facilitaram o desenvolvimento das atribuições do recém admitido, os mais identificados foram: apoio da equipe de enfermagem (23%); orientação da enfermeira (18%); interesse (10,3%); bom relacionamento com a equipe de enfermagem (5,2%); informação de técnicos e auxiliares (5,2%); receptividade das enfermeiras (5,2 %). Outros fatores citados foram: conhecer o Hospital de Ensino; iniciativa; confiança da equipe de saúde; ter trabalhado em UTI; experiência profissional; humanismo; bom acesso aos médicos; unidade restrita; harmonia dos enfermeiros; observação das rotinas; embasamento teórico.

Entre os fatores que dificultaram o desenvolvimento das atribuições, os mais apontados foram: inexperiência (21,3%); escassez de recursos humanos (14,9%); insegurança (10,6%); desconhecimento das rotinas (6,4%); cobrança médica (6,4%); escassez de recursos materiais (6,4%); ausência de treinamento (6,4%). Outros fatores citados foram: grande número de procedimento; resistência de funcionários; recém formada; medo; falta de orientação da enfermeira; grande número de atribuições; ausência da Sistematização da Assistência de Enfermagem; planta física inadequada; alto fluxo de pessoal no setor que não faz parte deste; burocracia.

Em relação à opinião dos enfermeiros quanto a um programa de treinamento para recém admitidos, todos concordaram que é importante haver a participação de um programa de treinamento específico para UTI.

Entre os motivos para a existência deste programa, os enfermeiros apontaram: adquirir habilidade para um melhor desenvolvimento das atividades (36,2%); conhecer a rotina (22,8%). Outros fatores citados: adquirir segurança (9,1%); esclarecer as dúvidas (9,1%); diminuir o medo e a ansiedade (4,6%); conhecer equipamentos (9,1%); não justificaram (9,1%).

No que se refere ao profissional que deve desenvolver a atividade educativa com os enfermeiros recém-admitidos, opinaram que deve ser: o enfermeiro da própria unidade (63,5%); o enfermeiro da unidade em conjunto com o enfermeiro do CEC (9,1%); os enfermeiros que atuam em UTI (9,1%); o enfermeiros com especialização em UTI (9,1%); o enfermeiro da unidade e o docente da faculdade (4,6%); o enfermeiro da unidade e os médicos (4,6%)

Quanto ao local onde deve ser desenvolvido a atividade educativa com os enfermeiros recém-admitidos, apontaram: na própria unidade (50%); na unidade e na sala de aula (45,4%); no CEC e na unidade (4,6%).

Em relação ao momento que deve ser desenvolvida a atividade educativa com os enfermeiros recém-admitidos, citaram: admissão (27,3%); antes de iniciar na unidade (22,7%); continuamente (18,2%); primeiro mês (9,1%); três primeiros meses (4,6%); primeira semana (4,6%); não responderam (13,5%).

 

Considerações finais

Os sujeitos deste estudo foram orientados para a maioria das atividades que desenvolvem junto à UTI, considerando a maioria das orientações recebidas satisfatórias.

Verificou-se que os principais fatores que facilitaram o desenvolvimento das atribuições foram: o apoio da equipe de enfermagem e a orientação da enfermeira. Já, os que dificultaram foram: a inexperiência, a escassez de recursos humanos e a insegurança.

Quanto a opinião dos enfermeiros acerca de um programa de treinamento para enfermeiros recém-admitidos, todos concordam com a importância dele ser realizado, para adquirir habilidade para o melhor desenvolvimento e conhecimento das rotinas; acreditam que deve ser realizado pela enfermeira da própria unidade, no local de trabalho e em sala de aula, sendo que o momento para o desenvolvimento do programa deve ser na admissão, antes de iniciar na unidade e continuamente.

 

Referências Bibliográficas

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Anexo

^rND^sBAGNATO^nM. H. S.^rND^sFIGUEIROA^nA^rND^sGRATTON^nL.^rND^sLEITE^nM.M.J.^rND^sPEREIRA^nL.L.^rND^sMENEZES^nM.F.B.^rND^sPEREIRA^nL.L.^rND^sKURCGANT^nP.^rND^sSILVA^nA . L. C.^rND^sBAGNATO^nM. H. S.^rND^sFIGUEIROA^nA^rND^sGRATTON^nL.^rND^sLEITE^nM.M.J.^rND^sPEREIRA^nL.L.^rND^sMENEZES^nM.F.B.^rND^sPEREIRA^nL.L.^rND^sKURCGANT^nP.^rND^sSILVA^nA . L. C.^rND^1A01^nRosiléa Alves de^sSousa^rND^1A01^nSarah Maria Fraxe^sPessoa^rND^1A01^nMarta Maria Soares^sHerculano^rND^1A01^nMaria Alette Pinto do^sVale^rND^1A01^nRosiléa Alves de^sSousa^rND^1A01^nSarah Maria Fraxe^sPessoa^rND^1A01^nMarta Maria Soares^sHerculano^rND^1A01^nMaria Alette Pinto do^sVale^rND^1A01^nRosil‚a Alves de^sSousa^rND^1A01^nSarah Maria Fraxe^sPessoa^rND^1A01^nMarta Maria Soares^sHerculano^rND^1A01^nMaria Alette Pinto do^sVale

A comunicação durante a visita ao leito como fator de qualidade da assistência de enfermagem

 

Communication during the visit to the bed as a nursing care quality factor

 

 

Rosiléa Alves de SousaI; Sarah Maria Fraxe PessoaII; Marta Maria Soares HerculanoIII; Maria Alette Pinto do ValeIV

IDoutora em enfermagem. Enfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Rua Pedro Machado, 921, Bloco A, Ap. 104 - Damas. CEP- 60.416-430. email - rose_alves@hotmail.com
IIMestra em Enfermagem. Enfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand
IIIEspecialista em Enfermagem Obstétrica. Enfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand
IVEnfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

 

 


RESUMO

O presente estudo visa descrever e analisar a prática da comunicação durante a visita ao leito como fator de qualidade da assistência de enfermagem na Clínica de Cirurgia Ginecológica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, hospital integrante do Complexo da Universidade Federal do Ceará. A reflexão proposta leva a inferir que esta atividade representa um grande desafio das enfermeiras que se propõem a promover este tipo de comunicação visto que envolve, além de uma faceta importante da atenção, que seria disponibilizar um tempo para esta atividade, outro aspecto importante da assistência de enfermagem, que representa a valorização da paciente, buscando desvelar seu mundo e entendendo suas necessidades.

Palavras-chave: cirurgia, assistência de enfermagem, comunicação


ABSTRACT

The present study tries to describe and analyze communication practice during the visit to the bed as a nursing care quality factor in the Gynecological Surgery Clinic of the Maternity School Assis Chateaubriand, a hospital that is part of the Federal University of Ceará. The proposed reflection leads to the inference that this activity represents a great challenge for the nurses that intend to promote this kind of communication, since it involves, besides being an important facet of attention, that time would have to be made for this activity, which is another important aspect of nursing care, represented by patient valuation, seeking to uncover their world and understand their needs.

Key words: surgery, nursing attendance, communication


 

 

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, o hospital tornou-se um substituto do cuidado domiciliar oferecido aos doentes das mais diversas patologias. Essa substituição teve como ganho a assistência adequada aos vários tipos de doenças, a garantia de um melhor tratamento e o conseqüente aumento das chances de cura.

Percebe-se, no entanto, que à medida que se ganha em tecnologia e interdisciplinaridade no atendimento ao doente, tem-se regredido na humanização do cuidado prestado, visto que cada paciente passa a ser encarado como um indivíduo, objeto do nosso fazer, que recebe um codinome relacionado ao número do leito que ocupa, parecendo mais um sujeito passivo e pouco integrado ao tratamento que recebe durante sua permanência no hospital.

Discordando desta prática, Caldonha e Mendes (1998) referem que o fato do profissional de enfermagem permanecer um maior tempo com o paciente faculta-lhe o dever de oferecer um cuidado mais humano, visando amenizar a sua angústia, tratando assim a ansiedade e promovendo uma recuperação mais rápida e tranqüila.

O labor em uma clínica de cirurgia ginecológica tem permitido identificar alguns entraves que dificultam a comunicação entre a equipe de enfermagem, os demais membros da equipe de saúde e as pacientes. Dentre estes, podemos descrever a ocorrência do uso de termos científicos durante a visita médica, que deixa a mulher confusa quanto à sua patologia e ao respectivo tratamento. Sobre o uso de expressões que podem gerar sentimentos de medo, impotência e frustração, Andrade e Soares (2001) relatam que o próprio termo hospitalização, muitas vezes, pode ser encarado como sinônimo de morte.

Esse fato faz com que a paciente se sinta ainda mais desprotegida, por não conhecer a linguagem científica, preferindo, muitas vezes, permanecer calada a espera de outra pessoa que possa lhe tirar as dúvidas.

Matsuda et al. (1998) considera que esta situação perdura nos hospitais, como maneira de manter o poder e a hegemonia do saber restrito a algumas categorias.

Muitas vezes, essa doente tenta confirmar a informação que recebeu a respeito da conduta médica a ser seguida e não tem uma resposta satisfatória junto à equipe de enfermagem, uma vez que seus integrantes não foram atualizados quanto à propedêutica que dará continuidade ao tratamento.

O desconhecimento do diagnóstico, bem como o prognóstico que lhe aguarda e a falta de acesso às rotinas do hospital, tais como tempo de internamento, exames aos quais serão submetidas também são fatores de angústia para as mulheres hospitalizadas.

Percebe-se, diante desta realidade, que a visita ao leito representa um fator importante para a promoção do conhecimento mútuo entre enfermeira e paciente e, para o esclarecimento de dúvidas e tranqüilidade da mulher sob a responsabilidade da equipe de enfermagem. O presente estudo visa descrever esta prática e analisá-la dentro da dinâmica de internamento para a realização do tratamento cirúrgico prescrito.

 

SITUANDO A EXPERIÊNCIA DAS AUTORAS

O presente estudo nasceu da reflexão das autoras quanto ao desenvolvimento de suas atividades na Clínica de Cirurgia Ginecológica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, hospital integrante do Complexo da Universidade Federal do Ceará.

Nesta clínica, são recebidas as mulheres que têm internamento para tratamento cirúrgico, dentre os quais os mais freqüentes são: perineoplastia, exérese de nódulos de mama, laparotomia diagnóstica e histerectomia, em suas diversas modalidades. Em geral, as pacientes são internadas no dia anterior à cirurgia, estando na responsabilidade dos médicos residentes a elaboração do mapa operatório, que determina o horário e os procedimentos pré-operatórios exigidos para cada paciente de acordo com a avaliação ginecológica.

Neste contexto, a enfermeira tem como meta prestar o cuidado nas duas etapas do tratamento operatório: 1. no período antes da cirurgia, quando a mulher apresenta-se vulnerável, angustiada e expectante quanto aos acontecimentos que lhe aguardam e, ao mesmo tempo, necessita se submeter aos cuidados pré-operatórios: tricotomia, embrocação vaginal, esvaziamento intestinal e jejum; 2. após o ato cirúrgico, quando voltando da sala de recuperação pós-anestésica, esta se mostra ansiosa por saber do resultado da cirurgia e do seu prognóstico, além de precisar de cuidados específicos, tais como: administração de medicamentos analgésicos quando apresentar dor e curativo. Nas duas situações, a enfermeira enfrenta conflitos e momentos tensos, visto que, as respostas às indagações das pacientes exigem tempo e disponibilidade da equipe.

Além desse momento de tensão, as enfermeiras ainda enfrentam situações angustiantes, quando, por motivos relacionados à paciente ou à infraestrutura hospitalar, as mulheres, após um longo período de jejum absoluto, tomam conhecimento do adiamento do procedimento cirúrgico. Essa informação precisa ser esclarecida e, na maioria das vezes, essa atribuição fica a cargo da enfermeira responsável pela unidade. Cavalcante et al.(2000) lembram que, pelo fato da equipe considerar este um acontecimento rotineiro, quase sempre, parece esquecer da importância desta alteração para a paciente.

O contato mais freqüente, da enfermeira com a pessoa internada, provavelmente, tem trazido a esta profissional, uma maior sensibilização para esta problemática, promovendo a busca de alternativas para favorecer um ambiente mais humano e menos estressante para a mulher e para a equipe que lhe presta o cuidado.

Dessa forma, o fenômeno aqui desvelado é a vivência das enfermeiras autoras deste estudo, durante a atividade profissional nesta clínica, quando têm buscado minorar as barreiras de comunicação através da visita ao leito - atitude que deveria ser diária, mas que, muitas vezes, os demais afazeres hospitalares têm tornado pouco comum.

Experenciando, profissionalmente, a inter-relação enfermeira-paciente, observamos o evoluir diferenciado da mulher, quando o processo de admissão, internação, assistência pré-operatória, cirurgia, acompanhamento pós-operatório imediato e mediato e alta é assistido pela enfermeira de forma integrada e contínua. Essa paciente mostra-se mais confiante, participativa e cooperativa no processo admissão/alta. O interesse no autocuidado leva à recuperação rápida e eficaz e a equipe de enfermagem consegue obter eficácia na assistência prestada. Essa realidade confirma o estudo de Farias et al. (1999), quando relataram que durante o trabalho com mulheres no pós-operatório de mastectomias, após a intervenção humanista da enfermagem, encontraram esta clientela mais adaptada à nova situação, mostrando reações positivas, que as levaram a inferir que o menor impacto emocional foi resultado do suporte social recebido por ocasião da assistência de enfermagem, que lhes proporcionou a satisfação das necessidades interdependentes.

Em geral, os procedimentos pré-operatórios são realizados, logo após a admissão da paciente, ainda na noite anterior à cirurgia. A tricotomia e o esvaziamento do intestino, quase sempre, causam desconforto e timidez por ser um momento quando a mulher sente sua intimidade exposta a pessoas estranhas. Por isso, essa ação deve ser precedida de um tempo de interação, promovendo a oportunidade da paciente esclarecer dúvidas e expressar seus sentimentos de angústia e medo.

Nesta etapa operatória, providencia-se a embrocação vaginal, com o objetivo de promover a assepsia do colo uterino e paredes vaginais. Percebe-se mais uma vez, o constrangimento da mulher por ter sua genitália exposta a olhares de pessoas consideradas estranhas. Vale ressaltar que a sensibilidade e a humanização do atendimento é fator importante para a tranqüilidade da paciente. Outra medida pré-operatória rotineira e importante para o preparo da cirurgia é o jejum que se inicia na maioria das vezes às 22 horas do dia anterior. A suspensão da dieta causa desconforto à clientela, sendo primordial a orientação da importância e da necessidade da adesão a essa etapa pré-operatória, a fim de evitarmos complicações anestésicas e obtermos o sucesso da terapêutica cirúrgica.

Em conjunto com as demais medidas pré-operatórias, dependendo do estado emocional da paciente, é prescrita e administrada uma medicação para aliviar a tensão emocional, além de promover o relaxamento e o somo, também, às 22 horas do dia anterior. É importante o olhar individualizado à paciente, para que se observe essas nuances e atenda a essas necessidades humanas básicas afetadas.

Outro momento importante na comunicação entre os profissionais de enfermagem e a paciente, ocorre na manhã da cirurgia, uma vez que, a enfermeira, ao receber o plantão, é informada da dinâmica da clínica cirúrgica no turno anterior. Essa dinâmica influi diretamente na perspectiva do planejamento das ações de enfermagem a serem realizadas no decorrer do turno da sua equipe.

Nesta etapa, na maioria das vezes, a interação entre enfermeira e paciente é passiva, porque, apesar da troca de plantão ser realizada ao lado do leito, esta é feita entre a equipe que está terminando o turno de trabalho e a que está assumindo o plantão. A enfermeira que está iniciando as atividades, deve aproveitar o momento para se apresentar sua equipe, definindo para a paciente, os papéis de cada componente.

Após a passagem de plantão, enquanto o pessoal auxiliar toma conhecimento das atividades a serem desenvolvidas, a enfermeira inicia a visita individual a cada paciente. Neste momento, inicia-se outro momento de interação enfermeira/paciente que chamamos de visita pré-operatória e favorece a troca de informações sobre os aspectos físicos e emocionais relacionados ao procedimento a ser realizado.

No primeiro diálogo, a enfermeira começa indagando sobre o repouso: é importante saber se a mulher conciliou o sono durante a noite, uma vez que, o atendimento a essa necessidade, pode determinar o nível de ansiedade da mulher. Em seguida, informa a rotina hospitalar durante o seu internamento:

1. A ordem de encaminhamento para o centro cirúrgico, estimando o provável horário que acontecerá a cirurgia;

2. O tempo cirúrgico médio relacionado ao procedimento a que ela será submetido, tendo o cuidado de enfatizar que, após algumas horas na sala de recuperação pós-anestésica, a mulher retornará ao leito que ocupa naquele instante. Essa simples referência reforça a idéia de que o ato cirúrgico a ser realizado ocorrerá sem intercorrências;

3. Os cuidados a serem tomados com próteses, visto que esses objetos devem ser retirados antes do encaminhamento ao centro cirúrgico e, em geral, esse cuidado traz constrangimento e vergonha;

4. O tempo médio de internamento hospitalar. Essa informação tranqüiliza a mulher por vislumbrar a idéia de retorno ao lar e à família;

A transferência da paciente ao centro cirúrgico, na maioria das vezes, quando esta não está sedada, ocorre sem utilizar os artefatos de transporte – cadeiras de rodas ou macas, visto que a mulher vai deambulando, acompanhada por um membro da equipe de enfermagem.

Ao chegar o momento de encaminhamento ao centro cirúrgico, é importante o apoio da paciente, no sentido de ressaltar que em breve, ela voltará ao seu leito e que seus objetos pessoais estarão guardados até que ela retorne.

Em geral, após a permanência de seis horas na sala de recuperação pós-anestésica - tempo definido como pós-operatório imediato, a mulher é transportada, em uma maca ou uma cadeira de rodas, ao leito de origem. Nesta etapa, a enfermeira recepciona a paciente e cuida para que sejam realizados os procedimentos necessários para a sua instalação no leito.

Quando esta se encontra bem instalada, a enfermeira inicia as orientações pertinentes ao momento pós-operatório:

1. O momento da liberação da dieta e o tipo de alimento a ser ingerido de acordo com o período do pós-operatório;

2. A medicação prescrita e a ser administrada, informando a via de administração e horários;

3. A importância e o tempo de permanência da soroterapia;

4. Cuidado com a ferida cirúrgica, envolvendo a troca de curativos e a observação da paciente quanto a alterações percebidas no intervalo entre os curativos;

5. Retirada de drenos, sondas e outros artefatos utilizados na terapêutica;

6. O início da deambulação e os passos a serem seguidos - iniciar lentamente, elevando a cabeceira do leito, permanecendo sentada por algum tempo, levantando e caminhando ao redor do leito, para posteriormente, iniciar a deambulação a distâncias mais longas;

7. Retorno aos cuidados de higiene pessoal, bem como a eliminações espontâneas;

8. Informações sobre o tempo de internação, a alta, os cuidados no domicílio e a importância do retorno para consulta de revisão da cirurgia.

Feitas essas orientações, a enfermeira reforça a idéia de disponibilidade da equipe, lembrando que, em qualquer necessidade, a campainha eletrônica acima do leito pode ser acionada, para que a equipe tome conhecimento da solicitação e compareça o mais rápido possível ao leito da mulher para atender à sua solicitação.

Terminadas todas as explanações, a enfermeira se despede, evidenciando que a partir daquele momento, a paciente precisa repousar, uma vez que enfrentou momentos de estresse e de forte impacto emocional.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

O grande desafio das enfermeiras que se propõem a promover a comunicação durante a visita ao leito, envolve, além de uma faceta importante da atenção, que seria disponibilizar um tempo para esta atividade, outro aspecto importante da assistência de enfermagem, que representa a valorização da paciente como ser humano carente de uma atenção humanizada. Muitas vezes, significa se despojar do que Boehs (2002) chama de armadura do modelo profissional, para ver a cliente no seu mundo e entender suas necessidades, sem no entanto deixar de ser a enfermeira.

A questão da disponibilidade do tempo deve ser avaliada seriamente, pois, em geral, a visita ao leito promove uma maior interação entre cuidador e cuidado e verifica-se que a mulher sente-se mais a vontade para falar de suas ansiedades e tirar suas dúvidas quanto aos procedimentos as quais será submetida, de maneira que esta atividade, por exigir maior tempo junto à paciente deve ser contabilizada como uma ação demorada para evitar atraso nas demais. É importante que esta seja encarada como uma atividade que poderá prevenir complicações futuras e que, certamente, favorecerá ao bem estar do sujeito de nossa atenção: a mulher que está sob os cuidados da equipe de enfermagem.

Considerando que a atenção humanizada promove uma recuperação mais rápida, vislumbrar a paciente como um ser necessitado deste tipo de atenção, não só garante o bem estar desta clientela, como também promove condições para diminuir o tempo de internação e evita complicações que possam surgir a partir da falta de orientação quanto à rotina de cada procedimento cirúrgico e dos cuidados que cada mulher precisa ter em cada caso individualizado.

Vale evidenciar que esta prática traz benefícios não só para a mulher, que tem oportunidade de receber as orientações devidas, como para a equipe de enfermagem, que pode prestar uma atenção mais pessoal e individualizada. Assim, pode-se afirmar que esta atividade é de grande importância para todos os atores envolvidos no processo de hospitalização e tem alto significado na dinâmica da clínica cirúrgica por favorecer uma maior interação entre os profissionais de enfermagem e a paciente e diminuir os riscos de complicações advindas da não adesão ao tratamento cirúrgico prescrito para cada paciente.

 

Referências bibliográficas

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2. BOEHS, A. E, Análise dos conceitos de negociação/acomodação da teoria de M. Leininger. Rev. Latino-am enfermagem. Ribeirão Preto. v. 10. n.1. jan-fev/2000. p.90-96.

3. CALDONHA, A.M, MENDES, I.A.C. Levantamento das necessidades pré-operatórias do paciente cirúrgico em um hospital de rede privada de Ribeirão Preto. In: Comunicação em enfermagem: relatos de pesquisas do 6o Simpósio Brasileiro de comunicação em Enfermagem. Org. Emília campo de Carvalho. Ribeirão Preto: FIERP. 1998. p. 101-104.

4. CAVALCANTE, J.B, PAGLIUCA, L.M.F, ALMEIDA, P.C. Cancelamento de cirurgias programadas em um hospital-escola: um estudo exploratório. Rev. Latino-am enfermagem. Ribeirão Preto. v. 8. n.4. ago/2000. p.59-65.

5. FARIAS, L.M, RODRIGUES, D.P, SILVA, R.M. Pós-operatório de cirurgia de mama: papel da enfermeira. In: VI Jornada Científica de Enfermagem. Anais. Fortaleza: DENF. VI Jornada Científica de Enfermagem.01 a 03 de setembro de 1999. p.86.

6. MATSUDA, L.M, ÉVORA, Y.D.M, BOAN, F.S. A comunicação como diferencial para a qualidade do serviço de enfermagem: o real e o ideal. In: In: Comunicação em enfermagem: relatos de pesquisas do 6o Simpósio Brasileiro de comunicação em Enfermagem. Org. Emília campo de Carvalho. Ribeirão Preto: FIERP. 1998. p. 63-68..

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Oficina de saúde sexual e reprodutiva para surdos: estratégia metodológica para minimizar ruídos de comunicação

 

Sexual and reproductive health workshop for the deaf: methodological strategy for minimizing comunication problems

 

 

Rosiléa Alves de SousaI; Lorita Marlena Freitag PagliucaII

IDoutora em enfermagem. Enfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Rua Pedro Machado, 921, Bloco A, Apto 104 – Damas. CEP- 60.416-430. email – rose_alves@hotmail.com
IIDoutora em enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará

 

 


RESUMO

Considerando que os surdos necessitam aprofundar os seus conhecimentos sobre saúde, propomo-nos a avaliar a implementação de oficinas baseadas na utilização de um manual, que intitulamos Saúde sexual e reprodutiva: Falando para surdos, dirigido para esta população e em exercícios participativos. Na tentativa de explicar os fenômenos educativos presentes neste estudo, embasamo-nos na Teoria de Freire (1980, 1993, 1994, 1999), visto que nossa proposta envolve a educação de adultos. Esta pesquisa-ação foi desenvolvida com surdos participantes de duas pastorais da Igreja Católica em Fortaleza. Os resultados mostraram que a metodologia é viável, pois os exercícios participativos reduziram as dificuldades de comunicação, além de facilitar a transmissão dos conteúdos e a avaliação da aprendizagem. Concluímos que as oficinas representam um passo importante para uma assistência de qualidade no contexto da saúde sexual e reprodutiva para surdos.

Palavras-chave: surdez, educação em saúde, sexualidade


ABSTRACT

Considering that the deaf need to improve their knowledge on health, we propose to investigate the implementation of workshops on the basis of the usage of a guidebook called Sexual and Reproductive Health: Speaking to the Deaf, which is aimed at this group and uses participative exercises. In an attempt to explain the educative phenomena present in this study, we started from Paulo Freire´s Theory (1980, 1993, 1994, 1999), since our proposal involves the education of adults. This research-action was developed with deaf people who participate in two Catholic Church groups in Fortaleza. The outputs showed that the method is viable, since the participative exercises reduced communication difficulties, besides facilitating the transmission of contents and the evaluation of the deaf´s learning. We concluded that the workshops in this study represent an important step towards quality care in the context of sexual and reproductive health for the deaf.

Key words: deafness, education in health, sexuality


 

 

Introdução

No bojo da educação em saúde, é perceptível a ocorrência de vivências centradas na figura do profissional de saúde, que detêm a hegemonia do conhecimento, gerando estratégias repetitivas, baseadas em sessões educativas expositivas e no uso inadequado do material áudio visual que, ao invés de servir de apoio, torna-se o roteiro pré-estabelecido para o desenvolvimento deste processo. Esta realidade tem criado um fluxo unilateral de comunicação, dificultando o desenvolvimento do pensamento crítico por parte do educando, que, na maioria das vezes, assimila o que lhe foi imposto, sem qualquer questionamento ou associação com sua vida cotidiana.

Estes obstáculos são ainda mais graves quando a temática abordada envolve a saúde sexual e reprodutiva e quando o público alvo de nossa orientação está composto de pessoas surdas, visto que se somam duas dificuldades: a abordagem do tema que, em geral, está revestido de mitos e tabus e o fato de que as dificuldades de comunicação entre surdos e ouvintes – como são chamadas as pessoas consideradas com audição dentro dos limites normais – dificulta a transmissão dos conteúdos.

Em recente pesquisa sobre metodologia educativa para casais surdos (Nogueira, 1998), observamos que os surdos são carentes das informações relativas aos métodos para evitar a gravidez e confirmamos, também, o interesse em conhecer a propedêutica contraceptiva, tanto para o seu uso, como para disseminar as informações entre seus pares.

Diante desta situação, buscamos através da comunicação total viabilizar momentos educativos, tendo como estratégica metodológica, as oficinas que intitulamos de Oficinas de Saúde Sexual e Reprodutiva, baseadas na comunicação total, defendida por Ciccone (1990), que implica em uma completa liberdade na prática de quaisquer estratégias, que permitam o resgate da comunicação, total ou parcialmente, bloqueada. Seja pela linguagem oral, língua de sinais, datilologia, pela expressão corporal e facial, ou ainda, pela combinação desses modos, o que importa é aproximar pessoas e permitir contatos.

Concordando com Melles e Zago (1999), que afirmam que a atividade educativa do enfermeiro tem se destacado, nos últimos dez anos, como fundamental para a promoção e manutenção da saúde, entendendo que os surdos podem e devem ser inseridos no contexto da educação em saúde, considerando que necessitam aprofundar os seus conhecimentos sobre o tema saúde sexual e reprodutiva e atendendo a uma solicitação deste grupo, propomo-nos a avaliar a implementação de oficinas de saúde sexual e reprodutiva, baseado no uso de exercícios participativos adaptados para a população surda e a utilização do manual elaborado especialmente para o grupo.

 

O referencial teórico-metodológico

Sabendo da dificuldade de promover educação neste tema e reconhecendo as diversas nuanças da educação de adultos, pretendemos facilitar a abordagem educativa utilizando técnicas que estimulem a discussão do assunto sem medos ou angústias, permitindo o despertar para a conscientização desta população quanto à importância da saúde reprodutiva e sexual em suas vidas. Como adeptos do método Paulo Freire, acreditamos, assim como Haguette (1995), que a educação dos adultos, tanto em saúde sexual e reprodutiva como em qualquer outra área, é uma das instâncias que poderão responder à necessidade de transformação social, dado seu papel de transmissora do conhecimento, formadora do pensar e responsável pela mudança de comportamentos.

Brandão (1994), ao se referir ao método Paulo Freire, considera a conscientização como um processo de transformação do modo de pensar, resultado de um trabalho coletivo, cuja maior característica é a inconclusão. Portanto, a conscientização perpassa por um processo de reflexão-ação, onde cada indivíduo emerge de uma consciência ingênua, percorre uma consciência transitória e evolui até a consciência crítica, que evidencia novos horizontes de conhecimento, determinando a necessidade de se lançar em busca de outros aprendizados e oportunizando a tomada de decisão compatível com a opção adequada à sua vivência e ao seu compromisso com a realidade social.

As técnicas do método pedagógico de Freire (1980, 1993, 1994, 1999) prevêem o alto significado do cotidiano no universo do educando de forma que o conhecimento do conteúdo a ser estudado, transfigurado pela sua análise crítica, assume uma ação transformadora do mundo de cada aluno. Dessa forma, Freire (1999) preconiza o respeito aos saberes do aluno, que ele considera socialmente construídos na prática comunitária.

Lovisolo (1988), analisando Freire, considera que a principal característica do seu modelo é o esforço para realizar uma educação que envolve as questões políticas no horizonte da autonomia, tratando de construir um fazer, um saber ou um pensar correlato e emancipador no cotidiano do educando.

Freire (1994) condena a idéia de educar sem respeitar o clima cultural do aluno, entendendo que é impossível desvincular o tema em questão da vivência de cada um dos integrantes da caminhada educativa. Assim, a educação de adultos deve se dar dentro de um clima de troca de experiências, principalmente valorizando, como sugere Friedenthal-Haase (1992), a interculturalidade e a multiculturalidade do educando, pois a grande dificuldade no processo educativo deste grupo é a condição em que o discente se coloca como ser acabado, enquanto que a criança e o jovem revelam-se abertos para novos conhecimentos.

A metodologia de Freire (1980) distribui sua proposta educativa em cinco fases:

1ª fase: A descoberta do universo vocabular do grupo a ser estudado.

2ª fase: A seleção de palavras dentro do universo vocabular do educando.

3ª fase: A criação de situações existenciais típicas do grupo com o qual se trabalha.

4ª fase: A elaboração de fichas indicadoras que ajudam aos coordenadores do debate em seu trabalho.

5ª fase: Consiste na elaboração de fichas ou outros materiais que garantam ao educando o poder de discernimento sobre as palavras geradoras.

Enfim, Freire (1994) prevê que a educação se processe, respeitando o ambiente cultural do aluno e entendendo que é impossível desvinculá-lo das suas vivências anteriores. A partir desse referencial, pretendemos criar um ambiente educativo onde os surdos sejam os sujeitos da sua própria aprendizagem.

 

O desenho metodológico

Este estudo teve suporte na pesquisa-ação, que segundo Thiollent (1998), tem estreita associação com a ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual pesquisadores e representantes da situação onde se insere o problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Freire (1994) afirma que toda pesquisa com ênfase na educação tem como ponto chave a investigação do pensar de uma população e quando se investiga uma população junto com ela, tanto mais se está promovendo educação e modificando sua cultura inicial.

Identificamo-nos também com a pesquisa convergente-assistencial, por considerarmos uma modalidade da pesquisa-ação aplicada na enfermagem. Trentini e Paim (1999) reforçam que no desenvolvimento deste tipo de pesquisa, existe uma estreita relação com a situação social, com a intencionalidade de encontrar soluções para problemas, gerando mudanças e introduzindo novidades que possam contribuir para melhoria direta do contexto social pesquisado. Relatam, ainda, que inclui uma variedade de métodos e técnicas pelo fato de que não pretende apenas obter informações, mas, também, envolver os pesquisados, ativamente, no processo.

O universo do nosso estudo foi constituído por surdos inseridos na Pastoral dos Surdos das paróquias de Santa Luzia e São Pio X (dezessete participantes), cujo grupo teve características mais homogêneas, sendo seus componentes, em grande maioria, jovens com idades variando entre 16 e 25 anos; solteiros; e com escolaridade centrada no ensino fundamental.

No que concerne aos aspectos éticos, este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará – COMEPE e registrado no protocolo no 31/01 em 29 de março de 2001, de acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde (Brasil, 1996), que determina a eticidade em pesquisa envolvendo seres humanos. Este estudo atendeu aos quatro critérios desta resolução.

O consentimento livre e esclarecido foi respeitado, à medida que compartilhamos com os surdos a nossa proposta de estudo e que registramos por escrito a concordância dos representantes das instituições onde foram realizadas as atividades. A realização das oficinas fora do horário dos encontros habituais dos surdos também constituiu-se em um fator de liberdade de participação, uma vez que não houve interferência na rotina do grupo.

Quanto à proteção a grupos vulneráveis e aqueles legalmente incapazes, lembramos que os surdos são considerados cidadãos capazes, tendo inclusive direito ao voto, segundo a Constituição Brasileira. Apesar de não ser considerado um critério para a composição da nossa amostra, observamos que o interesse da participação nas oficinas, manifestado entre os surdos adultos, constituiu-se em um fator importante na formação dos grupos.

A garantia do anonimato dos sujeitos da pesquisa foi respeitada à medida em que utilizamos o nome de planetas para substituir o nome dos surdos cujas opiniões mereceram destaque. A opção pelo uso desta estratégia ocorreu como forma de preservar as identidades dos participantes e pela correlação simbólica da situação das pessoas com necessidades especiais e a distância existente entre estes planetas e a Terra. Distância esta que somente torna-se insignificante para os observadores atentos e sensibilizados para esta realidade.

A preferência pela utilização do nome de planetas do sistema solar registra também uma homenagem ao pai da investigadora que, desde cedo, ensinou-lhe a visualizar a beleza do universo, bem como, valorizar pequenas jóias, despercebidas aos olhares menos atenciosos à singularidade do céu e à particularidade dos deficientes.

No que se refere à relação risco benefício, consideramos que o desconhecimento desse segmento da saúde dos surdos representa um grande risco no exercício da sexualidade e que a abordagem que realizamos teve como principal artefato metodológico um processo educativo baseado nas experiências do grupo, de forma que respeitamos sua cultura e respondemos às suas necessidades. Acreditamos, assim, que longe de ser um risco para esta população, o fato de receber informações corretas sobre um tema tão cheio de tabus e preconceitos, somente poderá trazer benefícios, dando oportunidade para o exercício livre e consciente da sua sexualidade.

Quanto a garantia que os danos previsíveis seriam evitados – não maleficência, entendemos que nossa proposta não trouxe prejuízo para os surdos. Consideramos, ainda, que o conhecimento adquirido durante as oficinas poderá contribuir para o bem estar daqueles que experenciam ou pretendem ter vida sexual ativa.

Com relação à justiça e eqüidade, ponderamos que o material elaborado a partir deste estudo, facilitará a atenção em saúde sexual e reprodutiva dirigida aos surdos, minimizando sua vulnerabilidade nos serviços já existentes. Além disso, somos sabedoras de casos em que pessoas pouco escrupulosas se valem do desconhecimento desta temática para a exploração sexual de alguns surdos. Cremos mais uma vez, que este material poderá garantir um maior discernimento dos surdos quanto aos temas discutidos sem preconceitos em nossas oficinas.

As oficinas, intituladas Oficinas de Educação em Saúde Sexual e Reprodutiva para Surdos, com carga horária de oito horas-aula, tiveram como objetivo capacitar os surdos para exercerem sua sexualidade e o seu direito reprodutivo de forma consciente e sem coação.

A opção pelo uso de oficinas como modalidade educativa ocorreu devido a nossa identificação com os conceitos de Pey (1997), que afirma que esta metodologia favorece o diálogo e, mesmo apresentando objetivos iniciais, apóia a ampla exploração do conhecimento, estando aberta a novos acréscimos e desdobramentos, visto que cada novo grupo lhe acrescenta singularidades e facetas de compreensão e investigação.

O número de participantes foi limitado em dez surdos para cada oficina e os temas desenvolvidos nas oficinas ficaram assim distribuídos: o corpo do homem e da mulher; relação sexual e gravidez; pré-natal e parto; prevenção do câncer ginecológico e prevenção de DST e AIDS; descoberta precoce do câncer de mama e métodos anticoncepcionais.

Os recursos metodológicos das oficinas envolveram o estudo do manual intitulado SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA: Falando para surdos, o uso de exercícios participativos e a demonstração dos procedimentos e do uso dos métodos anticonceptivos. Foram considerados exercícios participativos, as atividades que visam mudanças de comportamento a partir do trabalho de grupo, no qual os participantes se sentem sensibilizados pelo processo de aquisição de novos conceitos (Souza & Militão, 1997).

 

As oficinas

Foram realizadas duas oficinas: uma em cada pastoral. O espaço físico para a realização destas atividades foi cedido pela igreja, de maneira que estas ocorreram nas dependências das casas paroquiais que apóiam as ações sociais na comunidade. A primeira atividade realizada estava inserida no momento de apresentação, na qual utilizamos o exercício participativo que denominamos de NOME E SINAL. Ao refletirmos sobre esta dinâmica, consideramos que, no que se refere ao domínio da língua portuguesa, os surdos das pastorais estão em diferentes níveis de conhecimento. Observamos que, enquanto alguns mostravam segurança em escrever seu nome completo, outros necessitavam de ajuda dos demais componentes do grupo para anotar apenas o primeiro nome. Esse fato também ressaltou a interação dos componentes, que se ajudaram mutuamente durante todas as atividades. Quanto ao sinal representativo do nome, percebemos que existe uma associação entre a característica mais marcante da pessoa e a letra principal do nome que consta no documento de identidade. Kojima (2001c) relata que na língua de sinais, a significação das palavras vai depender do contexto e acrescenta que estas, muitas vezes, não têm um sinal próprio, mas depende de uma analogia.

A segunda dinâmica consistiu na divisão do grupo em duas equipes para o desenho dos corpos do homem e da mulher, com a representação dos respectivos aparelhos reprodutores, masculino e feminino. Esta atividade evidenciou os tabus e preconceitos presentes na educação dos surdos e já reconhecidos por nós em outros momentos (Nogueira e Pagliuca, 1999), provavelmente como resultado do fato de que a educação dos surdos está na responsabilidade da família e da escola que, em geral, enfrentam dificuldades para orientar quanto a este aspecto da vida.

Durante o desenvolvimento desta atividade, percebemos que, assim como entre os ouvintes, existem diferenças de aceitação desta temática entre os surdos. No entanto, a dinâmica de grupo favoreceu a quebra desse preconceito e promoveu a oportunidade para enfrentar situações novas e incertas, vencendo as diferenças culturais e de idioma e as dificuldades de acesso a essas informações (Population Reports, 1996a).

Na etapa seguinte desta atividade, cada grupo elegeu um relator, que ficou responsável pela apresentação do seu desenho. Neste momento, acompanhamos as explicações de cada surdo e interação do grupo que esclareciam dúvidas entre si e corrigimos e complementamos as informações. Acredita-se que o cuidado de permitir a interação do grupo entre si atende ao que Castro e Silva (2001) afirmam como um processo de comunicação eficaz, que deve representar um instrumento básico e fundamental para o enfermeiro oferecer uma assistência de enfermagem grupal de qualidade.

As informações sobre a fisiologia dos aparelhos reprodutores, feminino e masculino, foram acompanhadas no manual, incluindo a explanação sobre relação sexual, gravidez, pré-natal e parto. As dúvidas mais comuns neste momento consistiram: no motivo da ocorrência de gravidez gemelar; a importância dos cuidados pré-natais; incluindo as vacinas e o fato de não fazer uso de bebidas alcoólicas e cigarro, entre outras práticas prejudiciais; e, ainda, o acompanhamento do parto no hospital.

O conteúdo seguinte relacionava-se à prevenção do câncer ginecológico e as informações sobre este assunto foram transmitidas, utilizando o manual como material de apoio, demonstrando a prática do exame ginecológico em uma pelve feminina de material sintético, apresentando o material usado durante o exame e explicando a sua finalidade. Durante a atividade ficou evidente a curiosidade dos surdos, principalmente dos homens, que, muitas, vezes, se levantavam dos seus lugares e aproximavam-se da mesa onde estava o material com um comportamento, que nos levou a inferir dúvida e interesse pelo assunto. O espéculo, instrumento utilizado para visualização do colo uterino, foi manipulado entre eles e, na interação dos surdos, percebia-se os questionamentos dos homens dirigidos às mulheres quanto à sensação de dor no momento do exame.

Na etapa seguinte, discutimos sobre as doenças sexualmente transmissíveis, utilizando a abordagem sindrômica preconizada pelo Ministério da Saúde (Brasil, 1999b). Após solicitar aos surdos que interpretassem as informações contidas no manual, apresentamos as gravuras das DST para exemplificar os seus sintomas. Notamos, mais uma vez, as expressões de nojo e repulsa dos surdos ao serem visualizadas as gravuras.

No que se refere à detecção precoce do câncer de mama, iniciamos pela exploração do conteúdo do manual e demonstramos o autoexame por cima da blusa, ressaltando que este exame deveria ser feito quando a mulher estiver sem qualquer vestimenta na mama. Este fato evidenciou a descontração do grupo, quando alguns brincavam, referindo que nós deveríamos tirar a blusa para demonstrar melhor o procedimento.

O estudo sobre os métodos contraceptivos foi acompanhado no manual, porém houve outras dúvidas que foram prontamente esclarecidas por nós. À medida que discutíamos sobre cada um deles, utilizávamos o kit dos métodos para demonstrar cada um deles e, dessa forma, tornar a explicação mais clara e real.

Após o acompanhamento deste assunto no manual, iniciamos uma dinâmica que chamamos de painel de legendas dos métodos, tendo como objetivo sedimentar as informações discutidas. O exercício transcorreu sem qualquer intercorrência e, a participação do grupo, que aconteceu de maneira voluntária e natural, nos levou a inferir que esta atividade teve boa aceitação entre os surdos.

A dinâmica de encerramento envolveu todos os conteúdos ministrados ao longo da oficina e percebemos que o uso da dinâmica das maçãs foi apropriada ao momento. A cor das maçãs chamou atenção do grupo e alguns componentes faziam gestos que simbolizavam a vontade de comer a maçã. Esses gestos eram acompanhados de brincadeiras e risos, demonstrando, mais uma vez, a descontração.

Ao final das oficinas, após oito horas de atividades, percebemos que o grupo mostrava-se disposto e a informação de que a oficina chegava ao final sempre foi recebida com expressões que registravam o desagrado por encerrar um momento de interação e troca de experiências.

Acreditamos oportuno salientar, como reforço destas oficinas como educação libertadora, através do depoimento de uma mãe, que após sua filha ter participado de uma das oficinas como integrante de uma das pastorais, nos telefonou para agradecer a oportunidade deste momento, visto que, a surda antes tímida e reservada quanto ao tema sexualidade, após a oficina, mostrou-se aberta ao diálogo sobre saúde sexual e reprodutiva e a qualquer dúvida durante esta interação buscava apoio no manual.

 

Palavras finais

Entendemos que, a nossa caminhada na busca de um modelo educativo, que diminua as dificuldades de compreensão dos surdos quanto a esta temática, representou, seguramente, um grande passo para resgatar a este grupo o direito à atenção preconizada. Pretendemos, com essa iniciativa, atender aos preceitos de Méndez et al. (1999) que sugere aos serviços de saúde desenvolver atitudes que promovam a liberdade do indivíduo para pensar livremente e assumir idéias de acordo com sua própria convicção.

O desenvolvimento do modelo analisado reforçou o valor dos exercícios participativos que permitiram ministrar conteúdos, utilizando o lúdico como estratégia para evitar a dispersão e o cansaço dos participantes e favorecendo a apreensão das informações e a expressão natural do grupo em assuntos que, em geral, são cheios de mitos e tabus. Este achado confirmou o pensamento de Demo (1997), que pondera que essas atividades podem ser muito eficazes, principalmente quando desenvolvidas em equipe.

Ressaltamos ainda que o uso de outros artefatos didáticos – manequins de papel, pelve de borracha, mamas de material sintético, kit de métodos anticoncepcionais e o material de exame ginecológico foram fatores importantes para o bom aproveitamento dos surdos.

Enfim, concluímos que, diante do exposto, nosso objetivo - avaliar a implementação de oficinas sobre saúde sexual e reprodutiva para surdos, baseado no uso de exercícios participativos adaptados para a população surda e a utilização do manual elaborado especialmente para o grupo – foi alcançado com êxito. Os resultados demonstraram que, esta estratégia metodológica tem plena aceitação dos surdos e que, o manual utilizado nas oficinas, pode ser disseminado independente do uso da metodologia, representando um passo importante para uma assistência de qualidade no contexto da saúde sexual e reprodutiva para surdos.

 

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Vivenciando um grupo de encontro com mães de recém-nascidos internados

 

Experiencing an encounter group with mothers of interned newborns

 

 

Antônia do Carmo Soares CamposI; Maria Vera Lúcia Moreira Leitão CardosoII; Rosiléa Alves de SousaIII

IEnfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Mestranda da Universidade Federal do Ceará
IIEnfermeira Doutora. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará
IIIEnfermeira Doutora da Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Rua Pedro Machado, 921/104/A CEP 60.416-430 email: rose_alves@hotmail.com

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudobaseado no "grupo de encontro" de Carl Rogers (1994), realizado com um grupo de dez mães de recém-nascidos (RN’s) internados em Unidades de Internação Neonatológica (UIN) de alto e médio risco da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) em Fortaleza-CE. Objetivou-se oportunizar as relações interpessoais das mães e propiciar um ambiente acolhedor onde possam ser compartilhadas as experiências de situação similar. A coleta de dados aconteceu no período de 12 a 14 de novembro de 2001, quando foram realizados grupos de encontro com a duração de 45 a 60 minutos. Os depoimentos mostraram que as mães sentem-se constristadas por estarem separadas de seus bebês e que a alta hospitalar materna é motivo de grande apreensão. Concluiu-se que o grupo apresenta-se como uma oportunidade de livre expressão.

Palavras-chave: neonatologia, grupo de encontro, teoria humanística


ABSTRACT

This study is based on the "encounter group" of Carl Rogers (1994) and was realized with a group of ten mothers of newborn babies (RN's) of high and medium risk interned in Neonate Wards (UIN) of the Maternity School Assis Chateaubriand (MEAC) in Fortaleza-CE. The aim was to allow for the mothers' interpersonal relationships and to propitiate a homelike atmosphere where experiences of a similar situation can be shared. Data were collected from November 12 to 14, 2001, when the encounter groups were held with a duration from 45 to 60 minutes. The stories showed that the mothers feel unhappy about being separated from their babies and that the mother’s discharge from hospital is a cause of great distress. It was concluded that the group arises as an opportunity for free expression.

Key words: neonatology, encounter group, humanistic theory.


 

 

1 INTRODUÇÃO

Para família em especial, o período de hospitalização do recém-nascido reveste-se de apreensão, intranqüilidade, expectativas e temores, visto que, como referem, Ikezawa & Kakehashi.(1995,p.163) o período de internação desses recém-nascidos pode alongar-se por períodos indeterminados, inclusive semanas ou meses, dependendo da sua evolução clínica.

As Unidades de Internação Neonatal (UIN)s são por excelência ambientes nervosos, mecânicos impessoais e até temerosos para àqueles que não estão afeiçoados às suas rotinas. De acordo com Maldonado (l996, p.25 )para a maioria dos pais é chocante e estranho entrar pela primeira vez numa unidade e ver seu bebê cercado de fios e aparelhos para manter tudo sobre controle. Alguns pais nem querem se apegar muito ao bebê por medo que este venha a morrer

Dessa forma é necessário que os pais acompanhem seus filhos nesse período crucial e significativo recebam informações adequadas, verdadeiras e atualizadas, não apenas sobre o estado de saúde do RN, mas a respeito de todo o aparato, equipamentos, procedimentos e rotinas próprias da Unidade Neonatal, e um dos profissionais da equipe de saúde mais indicado para minimizar esse impacto diminuindo a tensão, é a enfermeira.

Desejando conhecer mais sobre o vivenciado por essas mães, seus temores, suas dúvidas, expectativas, bem como, incentivar o estabelecimento de um vínculo de confiança entre estas e a enfermeira através do encontro, do diálogo e da ajuda, propusemos a realização de um trabalho com um grupo de mães, cujos RN’s estejam internados nas UIN de alto e médio risco da Maternidade Escola Assis Chateaubriand-(MEAC), tendo como influência teórica o "grupo de encontro" de Carl Rogers. Entendemos que a experiência grupal entre pessoas com problemas similares pode favorecer relações de ajuda entre seus participantes,visto que, como afirma, Rogers (1994, p.32) um dos mais fascinantes aspectos de qualquer experiência intensiva de grupo é a observação de como certos membros mostram uma capacidade natural e espontânea para tratar, de um modo útil, simples e terapêutico, a dor e o sofrimento dos outros. Cabe acrescentar que tratou-se de uma experiência inovadora e um desafio pessoal, que pretendemos realizar como forma de buscar respostas as nossas próprias inquietações como ser-humano e ser-enfermeiro que lança um olhar compreensivo sobre a questão da humanização nas UIN.

Diante de todas estas inquietações pretendemos oportunizar as relações interpessoais das mães cujos filhos encontram-se internados em UIN e propiciar um ambiente acolhedor onde possam ser compartilhadas experiências pelas participantes do grupo, que vivenciam uma situação similar.

 

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE GRUPOS

Na nossa concepção, o grupo tem um significado que vai além da reunião de um número determinado de pessoas em um local, mas pressupõe alguns pontos que envolve todos os integrantes, incluindo o facilitador, como: parceria, que implica em gente se envolvendo com gente, numa relação de troca; respeito, pelos sentimentos manifestados, em saber ouvir atentivamente o outro; ética, não apenas no discurso, mas na prática, com respeito mútuo; simplicidade, porque relações grupais sofisticadas são fadadas ao insucesso; transparência, para que haja um relacionamento efetivo entre seus membros sem máscaras e sem disfarces. Consoante Pagliuca (1999, p.63 ) as enfermeiras têm tradição no trabalho com grupos. A autora cita ainda que Munari e Rodrigues (1997) relacionaram como práticas consolidadas na enfermagem, as experiências com idosos, mastectomizadas e colostomizados entre outros.

Para Rogers (1994, p.11) grupos de encontro são a invenção social do século que mais rapidamente se difunde, uma invenção que tem vários nomes. O autor cita o T-group ("grupos-T") grupos de encontro e sensibilidade, conhecidos também como laboratórios de relações humanas, ou Workshops de liderança, educação ou aconselhamento; no caso de dependentes de drogas, são denominados Synanon. Quanto a finalidade como, o próprio Rogers refere o fundamental no grupo consiste no que denomina encontro básico, a relação imediata pessoa-a-pessoa.

Seria interessante, a priori, referenciar alguns requisitos que Rogers (1994) preconiza para o existir do grupo, tais, como o número de participantes, deve variar de oito a dezoito pessoas; quanto ao tempo, há diferenças, parte dos grupos encontram-se intensivamente durante o fim de semana, em outros casos, as sessões realizam-se uma ou duas vezes por semana; o grupo de encontro não deve ser planejado, estruturado ou pré-definido, o grupo escolhe os próprios objetivos e direções pessoais, trilha seus próprios caminhos.

Os grupos de encontro além dos participantes, conta com a presença de um facilitador que Rogers (1994, p.51) define como uma pessoa comforças, fraquezas e incertezas, mas que tenta efetivamente empenhar-se honestamente na arte das relações interpessoais. Ao facilitador são necessárias algumas características ou atribuições que são imprescindíveis para o bom êxito e alcance de metas a que o grupo se propõe durante o seu caminhar como: a criação do ambiente do grupo; a aceitação do grupo e do indivíduo; a compreensão empática; uma atuação segundo seus sentimentos; a confrontação e feedback; a expressão dos seus próprios problemas; o não planejamento de exercícios e comentários interpretativos ou do processo; a utilização da potencialidade terapêutica do grupo; a promoção do movimento e do contato físico. Para Pagliuca (1999, p.67) a comunicação não verbal e o contato físico são instrumentos que o facilitador deve saber utilizar para promover a relação interpessoal.

Não obstante estes requisitos para a formação e condução do grupo, Rogers descreve seu processo de grupo de encontro, salientando que nas sessões de grupo não existe uma sequência perfeitamente definida, ou seja, as coisas não acontecem sempre da mesma forma, mas, a interação é vista como uma variada tapeçaria, diferindo de grupo para grupo cada um com sua maneira de ser.

A partir desse referencial teórico, desenvolvemos este estudo com um grupo de encontro formado por mães de recém-nascidos (RN’s) de alto e médio risco.

 

3 PERCURSO METODOLÓGICO

O estudo foi realizado com abordagem humanística, com o grupo composto por nós, como facilitadoras e por dez mães de RN’s internados nas UIN de alto e médio risco da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) localizada em Fortaleza-CE., no período de 12 a 14/11/2001, condição necessária para viabilizar o desenvolvimento dos encontros. Como preconizado por (Rogers, 1994) o grupo de encontro foi pequeno, variando entre oito e dezoito participantes, relativamente não estruturado e com possibilidade de escolha dos seus próprios objetivos e direção pessoais, ou seja, o ponto em comum entre as participantesfoi o devivenciarem o internamento do filho recém-nascido,mas o que será abordado no grupo terá sua própria direção.

O ambiente que serviu de cenário para os encontros acontecerem foi uma das enfermarias do Alojamento Conjunto (AC) e a sala destinada a orientação sobre aleitamento materno localizada no espaço físico da UIN. Foram ao todo dois encontros sucessivos com o grupo, tendo em vista o período de permanência das mães participantes na Instituição. A sessões tiveram a duração mínima de 45 minutos cada uma, no turno da tarde Justificamos a nossa preferência em face da movimentação nas Unidades ser menos intensa e, consequentemente, mais tranqüila. Com a autorização das participantes, as quais foram atribuídos nomes de flores, a fim de preservar a verdadeira identidade, utilizamos um gravador para registrar as falas Quanto aos aspectos éticos observamos as diretrizes e normas regulamentadas de pesquisa envolvendo seres humanos da Resolução 196, de 10/10/1996, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. A atividade foi também previamente comunicada à Diretoria de Enfermagem da Instituição e enfermeiras das Unidades onde se realizaram os encontros.

 

4 ANALISANDO OS RESULTADOS

O grupo foi composto por dez mulheres com as idades compreendidas entre 16 e 33 anos, sendo quatro primíparas e seis multíparas; cinco eram naturais de Fortaleza e as demais de outros municípios. Quanto ao grau de instrução, seis com o 1º grau incompleto, duas com o 1º grau completo e duas com o 2ºgrau completo. Em relação ao estado civil, quatro são solteiras, as demais são casadas. No que se refere à ocupação principal, três são estudantes e as demais do lar.

4.1 RELATANDO A EXPERIÊNCIA COM O GRUPO

Denominamos: jardim, o campo onde se realizou o estudo; alamedas, os corredores; canteiros, as enfermarias; as flores, as mães; neste cenário, nos auto-denominamos, jardineiras, e assim com passos cautelosos fomos enveredando pelas alamedas do jardim em busca das nossas flores, procurando regá-las com gotas de amor, carinho, afeto e compreensão. Encontramos algumas tristes, solitárias, acabrunhadas, tímidas, outras nem tanto, mas todas com certeza à espera de alguém que se faça presente e lance sobre elas um olhar compreensivo, afetuoso e capaz de desvelar o que se passa no seu interior, porque já estão quase desfalecendo e perdendo o viço e a suave fragrância que a natureza lhes conferiu.

Chegamos à MEAC no dia seguinte, e procuramos pelas flores, encontramos Margarida, dizendo-se impossibilitada de deixar o leito, devido ao tipo de parto, pois realizara, fórceps,e então, resolvemos fazer ali mesmo a reunião Assim preparamos o ambiente para o encontro. Nossa intenção era que elas se sentissem acolhidas e descontraídas. Reunimos, então as flores em semi-círculo, três ficaram em seus leitos, Margarida, Miosótis e Orquídea, que compartilhavam a mesma enfermaria, melhor dizendo, o mesmo canteiro.

O primeiro encontro com o grupo

Ao iniciarmos a nossa reunião, pedimos autorização para gravar os depoimentos, e procuramos deixar bem claro, que o tema do encontro seria o internamento do Recém-nascido , mas os objetivos do grupopartiriam delas, acrescentamos ainda que nossa condição ali era de facilitadoras, e que a direção seria do grupo.

Após a distribuição dos crachás com os nomes, apresentaram-se, um tanto tímidas, algo pensativas, cabisbaixas, ou talvez ainda pouco a vontade, situação que não perdurou por muito tempo. Sucessivamente todas as dez flores foram se apresentando e dizendo como se sentiam em relação ao internamento dos seus bebês nas UIN. A cada apresentação, percebia-se olhos marejados de lágrimas e depoimentos emocionados em que todas as flores permitiam que suas inquietações, emoções e sentimentos fluíssem através das palavras, dos gestos, das lágrimas. Consoante Rogers (1994,p.43) nestas sessões de grupo, ocorrem com alguma frequência as relações EU-TU de Buber, e quase sempre umedecem os olhos.

Nesse primeiro momento, em que seria apenas para a apresentação das flores, emerge espontaneamente a temática como vivenciam o internamento do recém-nascido. As flores expressaram, o que representa este momento tão delicado em suas vidas. Nesse face-a-face, quando a relação EU-TU entre nós e as participantes do grupo efetivamente começa a acontecer, percebemos que as falas emergem carregadas de forte emoção e de sentimentos contrastantes aliados à crença nem um ser maior, Deus, apresentam-se como a única esperança de um final feliz para suas vidas e dos seus bebes.

Concluídas as apresentações surgem algumas perguntas quanto à prematuridade, visto que,as flores têm dúvidas em relação à idade gestacional, estando mais habituadas a contar os meses e não as semanas de gestação.

Quando solicitadas sobre os assuntos da próxima reunião, as flores manifestaram o desejo de saber informações sobre equipamentos, como o oxi-hood, incubadora, estado de saúde dos bebes e, principalmente ,se podiam tocar o bebê.

Na tarde seguinte, ansiosa para re-encontrar as flores, nos dirigimos ao campo levando outras flores, rosas vermelhas, para presenteá-las. Nossa intenção era que guardassem uma lembrança do nosso encontro Chegando aos canteiros, encontramos Lírio, recostada no leito, Rosa, sentada à beira do leito e Margarida, estava no chuveiro Soubemos que com exceção de Miosótis que havia saído de alta e Dália que estava acamada, recolhida ao seu canteiro do 2º andar, as demais já haviam subido para a sala do Berçário e lá nos aguardavam. Convidamos, então, as flores para irmos a UIN. Alegres e sorridentes subimos a rampa que nos levaria ao encontro das outras flores.

Na UIN, encontramos Hortência ao lado do seu bebe, ela havia saído de alta após o último encontro, mas viera para a visita e a reunião, e Crisântemo, sorridente, nas mãos um copinho descartável com o leite ordenhado, todo cuidado parecia pouco. A felicidade de oferecer o "leitinho para a nenezinha" como ela mesma referiu, estava estampada em seu semblante Convidamos para que nos acompanhassem até a sala, onde as demais flores nos aguardavam.

O segundo encontro com o grupo

O tempo gasto para buscar as flores e esperar pelas que estavam no berçário visitando seus bebês, fez com que o inicio da reunião atrasasse, com a presença de oito flores, pela ausência de Dália, acamada, e Miosótis, que havia saído de alta, ou seja, o número mínimo de componentes preconizado por Carl Rogers para a reunião de um grupo de encontro

Pudemos perceber uma maior descontração, das flores, Lírio, sorridente nos comunicou que sairia de alta e agora já entrava no berçário e tocava o bebê. Crisântemo comentava sobre o Projeto Canguru, havia falado com a assistente social após a nossa conversa do dia anterior e agora vislumbrava a possibilidade de estar no Projeto com seus bebes. Violeta, muito feliz nos disse que sairia de alta, sua família viria buscá-la na hora da visita, mas queria participar da reunião. Jasmin, também de alta, estava na reunião, olhos brilhantes, e menos tímida. Hortência, que havia, também saído de alta, estava com os cabelos soltos, baton nos lábios, não parecia a mesma do dia anterior

Iniciamos indagando como haviam passado, do dia anterior até o momento do nosso encontro, responderam estar bem melhores. Aproveitamos para trazer todas as repostas aos questionamentos do encontro anterior Deixamos, então em aberto, para que elas se colocassem, sobre o assunto que desejassem.. Os depoimentos, fluiram com mais facilidade do que no dia anterior, as flores agora já se conheciam e demonstravam mais confiança e menos timidez.

Os depoimentos nesse primeiro momento revelaram como as mães estavam vivenciando a separação dos seus bebês em consequência da alta hospitalar, algumas estavam saindo de alta e deixando os seus bebês; outras no entanto, pareciam aceitar bem essa situação, de ir e retornar para as visitas, visto que, residiam em Fortaleza. Demonstravam estar bem mais confiantes, já entravam nas UIN e tocavam os bebês, sabiam quando deixavam resíduo gástrico, estavam mais informadas, e sonhavam em estar-com seus bebês no Projeto Cangurú. Um elo havia se formado entre nós e as flores, evidenciado pelo sentimento de ajuda mútua e de comunhão, os problemas eram comuns, somando forças conseguiriam superar as dificuldades, elas pareciam saber muito bem disso. Concordamos com (Pagliuca, 1999, p. 68) que o grupo de encontro de saúde, enseja a que a pessoa vivenciando um mesmo problema de saúde-doença, relatem seus sentimentos, medos, ansiedades e busquem respostas para estas situações.

No segundo momento do encontro as flores falaram da importância do grupo para elas naquela situação e avaliaram os momentos vividos como muito importantes, propiciando que pudessem se conhecer melhor e se ajudarem mutuamente Acreditam que grupos como estes podem ajudar e incentivar outras mães que passam pelo mesmo problema., sendo uma oportunidade para desabafar e esclarecer dúvidas. Verbalizam que sentindo-se deprimidas e com a necessidade de ter alguém da família ao lado, a nossa presença ajudou a superar esse momento.

No terceiro e último momento do encontro, distribuímos rosas para nossas flores, tiramos fotos, agradecemos, nos abraçamos, nos despedimos, as flores lamentaram ser o último encontro mas, enfatizaram a possibilidade de um re-encontro. Elas estariam se comunicando, duas flores Hortência e Orquídea, planejavam o 1º aniversário dos bebes, poderiam comemorar juntas, já trocavam endereços e número de telefones. Eram como uma família, nas palavras de Jasmim. Foram momentos de muita emoção, harmonia e união entre nós e o grupo.

 

5 REFLETINDO SOBRE A EXPERIÊNCIA COM O GRUP0

A experiência vivenciada por nós, como pesquisadoras, mas sobretudo como enfermeiras, foi inesquecível. Podemos com certeza, após esse grupo de encontro, avaliar melhor o quanto essas mães devem sofrer, por seus filhos, e como os nosso pequeninos devem se sentir. Também somos responsáveis por isso. Precisamos resgatar o que há de humano em nós, precisamos sentir na pele, como refere Boff (1999, p.99) a necessidade de afetar e de sermos afetados.

Essas flores, como tantas outras, necessitam de tão pouco, um olhar, um toque carinhoso, uma palavra de compreensão, a nossa pre-sença efetiva, o estar-com. Acreditamos que os grupos ajudam, e se for possível vamos tentar conseguir este espaço para que as mães que estão com seus filhos internados na Unidade Neonatológica, possam sentir-se mais apoiadas e valorizadas.

Gostaríamos de concluir parafraseando Pagliuca (1999, p.68) quando refere que as enfermeiras sem vivência de trabalhos de grupo, quando estudam Rogers e são convidadas a realizar uma experiência em campo mostram-se preocupadas com o risco de intervir com as emoções das pessoas[...] voltam engrandecidas da experiência por confirmarem o que Rogers afirma, não há controle do grupo, este faz seu próprio caminho.

 

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Análise de conteúdo dos registros da equipe de enfermagem

 

Content analysis of nursing team reports

 

 

Maria Regina LourençoI; Ilza dos Passos ZborowskiII; Ana Maria Barbar CuryIII; Maria Auxiliadora TrevizanIV; Neide FáveroIV

IDoutoranda da Área de Enfermagem Fundamental – EERP USP
IIMestranda da Área de Enfermagem Fundamental – EERP–USP
IIIGerente do Serviço de Enfermagem da Santa Casa de São José do Rio Preto
IVProfª. Titular da EERP-USP – Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem – Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto -SP CEP- 14040 902- Tel: (16) 602 3398

 

 


RESUMO

Este estudo surgiu da crença dos autores sobre utilização de resultados de pesquisa para a melhoria da assistência ao paciente. No ano de 1999 realizamos uma pesquisa para analisar os conteúdos dos registros de enfermagem em um hospital no interior paulista. Seu resultado motivou seu prosseguimento no presente estudo, tendo como objetivos: elaborar um roteiro norteador de registros; oferecer treinamento para a equipe de enfermagem; analisar os conteúdos dos registros ,após o treinamento, comparando-os com os dados da pesquisa anterior. A metodologia utilizada foi análise retrospectiva em 79 prontuários do mesmo hospital. O referencial teórico de Dugas (1984) foi utilizado para a coleta dos dados. Concluímos que o roteiro e treinamento proporcionaram registros mais significativos em termos quantitativos e qualitativos.

Palavras-chave: equipe, enfermagem, registros


ABSTRACT

This study is a result of the authors’ belief about the use of research data for the improvement of patient care. In 1999, we carried out a research in order to analyze the contents of nursing reports at a hospital on the countryside of São Paulo state. Our research results encouraged us to carry out the present study, aimed at: planning guidelines for the reports; training the nursing team; analysing the report contents after the training, comparing them to our previous research data. The used methodology was a retrospective analysis of 79 patient reports at the same hospital. Dugas (1984) has been used as a theoretical reference base for data collection. We concluded that the guidelines and training provided quantitatively and qualitatively more significant reports.

Key words: team, nursing, reports


 

 

Introdução

A anotação de enfermagem é um tema que tem interessado os enfermeiros assistenciais e docentes. Vários estudos têm sido desenvolvidos no intuito de avaliar os conteúdos destes registros.

Burgess (1978) ressalta razões pelas quais anotar, entre elas: que a anotação é uma das formas de comunicação entre os indivíduos envolvidos no cuidado; ressalta sua importância na educação do pessoal da área de saúde, na pesquisa, nas razões administrativas e nos aspectos legais e acrescenta o papel relevante que apresenta no processo de tomada de decisão.

Em 1969, Cordeiro conclui que as anotações de enfermagem não proporcionavam informações significativas para que se possa planejar uma assistência integral e contínua ao paciente.

Angerami et al. (1976) chegam a resultado semelhante, pois encontram baixo índice de anotações, anotações incompletas focadas em prescrições medicas e em rotinas pré estabelecidas.

Em estudos mais recentes , outros autores, apontam que analisando conteúdos de anotações encontraram um conteúdo "pobre " tanto no aspecto quantitativo como no qualitativo (MATOS et al,1998).

Apesar de ser uma preocupação dos enfermeiros não observamos modificações relevantes ao longo do tempo. Fernades (1989) aponta que apesar da enfermagem reconhecer os registros como importantes, estes não têm sido revistos e orientados para atender as suas funções. Coloca ainda, que se não existir um objetivo específico a ser atendido pelas anotações, os elementos da equipe de enfermagem parecem não perceber a importância do conteúdo de suas informações para o processo decisório referente ao cuidado ao paciente.

Em estudo anterior Lourenço et al (2000), preocupados com esta temática, analisamos os registros da equipe de enfermagem de um hospital filantrópico tendo como referencial teórico Dugas (1984) e constatamos: que os registros enfatizavam as atividades médicas; o enfoque dos registros da equipe de enfermagem se fundamentava no processo saúde/doença, principalmente na área psicobiológica; os registros davam ênfase nos cuidados rotineiros executados pela equipe, tornando-se anotações repetitivas nos diversos turnos de trabalho; baixo índice de registro na categoria ensinamentos recebidos pelo paciente, levando-nos a inferir que a equipe de enfermagem não valoriza e até mesmo se omite em relação ao seu papel educativo.

Estas constatações nos motivaram a elaborar um roteiro norteador de registros de enfermagem e oferecer um treinamento para a equipe de enfermagem do hospital estudado, visando modificar a sua qualidade.

Fernandes (1989) coloca que a elaboração de um conteúdo mínimo essencial que favoreça a qualidade das anotações de enfermagem torna-se mais complexa e talvez polêmica, dada a inexistência de um padrão ou perfil que delimite o essencial do que anotar, mas ressalta vários autores que referem-se a alguns pontos ou aspectos que devem ser anotados. A própria autora propõe como sugestão para um conteúdo mínimo de anotações : as condições gerais do paciente, seu estado mental e humor, condições físicas, sinais e sintomas, drenos, sondas, cateteres além do dados referentes às necessidades humanas básicas.

Em nosso estudo seguimos Dugas (1984), que propõe seis categorias para os registros de enfermagem.

 

Objetivos

-Elaborar um roteiro norteador de anotação de enfermagem segundo o referencial teórico de Dugas (1984).

-Promover um treinamento da equipe de enfermagem fundamentado no roteiro elaborado.

-Analisar os conteúdos dos registros da equipe de enfermagem tendo como referencial o roteiro proposto.

-Comparar o conteúdo dos registros da pesquisa anterior (LOURENÇO et al, 2000) com o conteúdo dos registros da pesquisa atual.

 

Abordagem do referencial

Dugas (1984) coloca que as anotações servem para registrar e transmitir seis categorias de informações:

1) As medidas terapêuticas executadas pelos vários membros da equipe de saúde; 2) As medidas prescritas pelo médicos e executadas pela enfermagem; 3) Procedimentos de enfermagem não prescritos pelo médico, porém executados pela enfermeira, para atender às necessidades específicas de um paciente; 4) O comportamento e outras observações relativas ao paciente, consideradas pertinentes à saúde; 5) Respostas específicas do paciente à terapia e à assistência; 6) O registro dos ensinamentos recebidos pelos pacientes.

 

Trajetória metodológica

Foi constituída por 3 etapas:

Primeira etapa: Elaboramos um roteiro norteador de anotação de enfermagem, tendo como eixo as categorias propostas por Dugas (1984), mas invertemos a ordem das categorias enfocando como primeira categoria a ser registrada a quarta categoria apontada por Dugas. Outra modificação realizada foi a inclusão de mais uma categoria denominada : aspectos relevantes apontados pelo paciente ou percebidos pelo profissional em anexo

Segunda etapa: Desenvolvemos um treinamento com 25 profissionais (enfermeiros, técnicos e auxiliares) de enfermagem com duração de 2 horas aula /participante no mês de julho de 2001. Neste treinamento foram apresentados os resultados da pesquisa anterior (LOURENÇO et al, 2000) neste hospital e proposto o roteiro norteador como guia das anotações, reforçando aspectos como registro de alta, e ensinamento ao paciente, aspectos estes que apareceram com baixo número de registros na pesquisa anterior.

Terceira etapa : Fizemos uma análise retrospectiva dos registros contidos em 79 prontuários de pacientes de clínica médica, internados no mês de outubro de 2001, onde os profissionais treinados desenvolvem suas atividades.

A coleta dos dados ocorreu em janeiro de 2002 em um hospital filantrópico do interior paulista utilizando um instrumento elaborado a partir do roteiro norteador implantado. O estudo foi submetido aos comitês de Ética Médica e de Enfermagem da instituição e ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de São Paulo.

Os dados foram então comparados com os achados na pesquisa anterior .

 

Apresentação, análise e discussão dos resultados

Para o desenvolvimento deste estudo, foram analisados 79 prontuários de pacientes de clínica médica sendo que 100% dos mesmos continham anotação de enfermagem nos três turnos de trabalho (manhã, tarde, noturno). Todas as categorias propostas por Dugas e incluídas no roteiro implantado, apareceram nos prontuários analisados (tabela 1).

Para efeito de demonstração e análise apresentaremos os resultados da pesquisa atual ,comparando- a com a pesquisa anterior ,destacando cada uma das seis categorias propostas.

A primeira categoria relativa as medidas terapêuticas executadas pelos vários membros da equipe de saúde foram registradas em 55 prontuários (69,6%), sendo que a visita médica especializada aparece registrada 29 vezes e os exames laboratoriais 22, sendo as mais citadas. Comparando os registros nesta categoria tivemos 50,3% de registros na pesquisa anterior e 69,6% na pesquisa atual.

A segunda categoria é relativa as medidas prescritas pelo médico e executadas pela enfermagem. Esta categoria aparece em 39 prontuários (49,36%) ressaltando as medidas prescritas: inalação, repouso e banho como as mais citadas (tabela 2). Na pesquisa anterior constatamos que o item medicação apareceu em 101 registros. Na pesquisa atual não há registro de medicações feitas, ficando o mesmo registro apenas na checagem da prescrição médica, não incorrendo a duplicação de informações da pesquisa anterior .O item inalação aparece em 50 registros na primeira pesquisa e em 13 registros na pesquisa atual. Este procedimento não deveria ter seu registro duplicado, pois o mesmo foi checado também na folha de prescrição médica. Evidenciamos, nesta pesquisa, que dados mais relevantes e pertinentes ao paciente foram anotados, tais como: realização de dextrostix e seu resultado, fleet enema e efeito, controle de diurese, observação do nível de consciência, dados que não constatamos na pesquisa anterior. (tabela 2)

A terceira categoria proposta por Dugas: procedimentos de enfermagem não prescritos pelo médico, porém executados pela enfermagem para atender as necessidades específicas de um paciente aparecem registrados em 59 prontuários (74,68%) sendo que os itens mais registrados foram o banho, sentar fora do leito e repouso no leito (tabela 3).

Na pesquisa anterior esta categoria aparece em 64,2% dos prontuários, sendo que o banho também foi o procedimento mais registrado. Não observamos na pesquisa atual registro relativo a mudança de decúbito. Inferimos que este fato possa estar relacionado ao tempo de permanência em média de 2 a 3 dias. Acreditamos que o maior número de registros nesta categoria pode retratar que na pesquisa anterior havia um sub-registro dos cuidados prestados. Ressaltamos que o aspecto biológico continua sendo o enfoque dado pela equipe de enfermagem nesta categoria de registros .

A quarta categoria é relativa a comportamento e outras observações do paciente consideradas pertinentes a sua saúde. Esta, aparece registrada em 79 prontuários (100%). Acreditamos que isto se deva ao fato desta categoria ter sido colocada como 1º item do roteiro norteador sendo reforçado no treinamento a importância deste registro por conter itens relativos as necessidades humanas básicas. Os itens mais citados foram: nível de consciência 77 registros, seguido por integridade da pele e mucosa 76 registros e hidratação 71 registros (tabela 4). Na pesquisa realizada em 1999 esta categoria aparece registrada em 74,2% dos prontuários.

Com a introdução do roteiro, o enfoque na doença evidenciado na pesquisa anterior muda de abordagem na pesquisa atual para um enfoque no paciente, visto que um dado relevante é o fato do registro sobre o estado emocional do paciente aparecer 63 vezes. O roteiro estimulou a observação, e análise do estado do paciente. Vários autores, dentre eles Dias e Silva (1999) referem que a escrita é uma atividade reflexiva.

Importante, também, referirmos que a anotação deve servir como instrumento no processo de tomada de decisão e esta pode surgir a partir da análise das condições do paciente.

A quinta categoria: respostas específicas do paciente à terapia e à assistência aparece em 66 prontuários (83,54%) sendo respostas mais registradas as alterações no quadro clínico (52 registros), seguido das providências tomadas (28 registros) (tabela 5). Comparando os dados da pesquisa atual com os da pesquisa anterior contatamos que nesta categoria houve um acréscimo de 46% de registros. Este dado é bem significativo, e ao nosso ver, o fato da equipe de enfermagem ter registrado as alterações do quadro clínico denota uma observação mais apurada do paciente ,além disso, o registro das intercorrências, providencias e seus resultados evidenciam uma preocupação da equipe em comunicar efetivamente o que o paciente vem apresentando, para que seja dado continuidade nos demais turnos de trabalho, cumprindo uma das funções dos registros que é servir de fonte de comunicação entre os elementos da equipe.

A sexta categoria: ensinamentos recebidos pelo paciente foi citada em 20 prontuários (25,31%), sendo orientação de receita o ensinamento mais registrado. Esta categoria, na pesquisa anterior, aparece em apenas 2,6% dos prontuários. Houve, portanto, um acréscimo no registro desta categoria de 22,71%. Mesmo entendendo que a orientação da receita é um ato complementar a ação médica, o reforço desta, favorece um compreensão maior por parte do paciente e retrata uma preocupação da equipe na continuidade do tratamento.

Na pesquisa anterior (LOURENÇO et al, 2000) o registro de alta apareceu em 22% dos prontuários e na pesquisa atual em 86,07% dos prontuários. Este dado indica que o treinamento efetuado mudou o quadro de uma diminuição de registros à partir da alta médica. Importa ressalvar que houve um enfoque no treinamento para que tal registro fosse feito.

Acrescentamos no roteiro norteador uma sétima categoria para que a equipe pudesse anotar outros aspectos pertinentes e relevantes na assistência ao paciente. Isto foi feito, com o objetivo de não "fechar "ou limitar o registros ao roteiro implantado, mas abrir possibilidade de um pensar, julgar e anotar dados que fossem significativos e individuais. Foram registrados nesta categoria: a história pregressa; referências a alergias à medicações; dificuldade de dormir, abordagem sobre o estado emocional: (como estar triste; estar alegre; estar preocupado com sua doença) e visita de familiares recebidas pelos pacientes.

 

Considerações finais

Através da análise dos resultados observamos que houve uma melhora significativa dos registros nas diversas categorias em relação à pesquisa anterior. Acreditamos que esta se deva à implantação do roteiro norteador e do treinamento realizado. Estes favoreceram a diminuição da repetitividade e rotinização nos diversos turnos. O roteiro deu abertura para que registros mais significativos não deixassem de ser anotados, refletindo numa melhor comunicação entre a equipe de saúde.

Acreditamos ser importante que as instituições hospitalares desenvolvam critérios norteadores de registros, pois como percebemos favorece um caminho e um objetivo específico a ser seguido pela equipe. Contudo, entendemos que estes critérios não devam inibir ou impedir a observação de outras necessidades que possam emergir e ser atendidas pela equipe de enfermagem.

 

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Anexo (Roteiro norteador de anotação de enfermagem)

1. Comportamento e observações relativas ao paciente

Nível de consciência / Estado emocional / Integridade da pele e mucosa / Hidratação / Aceitação de dieta

Manutenção venóclise / Movimentação / Eliminação / Presença de cateteres e drenos

2. Cuidados prestados aos pacientes prescritos ou não pelo enfermeiro

Mudança de decúbito / Banho / Curativos / Retirada de drenos, etc

3. Medidas prescritas pelo médico e prestadas pela enfermagem

Repouso / Sentar fora do leito/ Trendelemburg / Uso de colete/faixas / Recusa de medicação ou tratamento

4. Respostas específicas do paciente a terapia e assistência

Alterações do quadro clínico / Sinais e sintomas

Alterações de sinais vitais / Intercorrências / Providências / Resultados

5. Medidas terapêuticas executadas pelos membros da equipe

Passagem de intracath / Visita médica especializada ( avaliações)

Atendimento fisioterapeuta e da nutricionista

6. Orientações educativas

De alimentação / Atividade física / Uso de medicações / Cuidados em casa.

7. Outros fatos relevantes ( de qualquer natureza ) referidos pelo paciente ou percebido pelo profissional.

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Registro de enfermagem: sua importância no controle e prevenção da infecção relacionada a cateter venoso em clientes com HIV/AIDS

 

Nursing report: its importance in the control and prevention of infections related with veined catheters of clients with HIV/AIDS

 

 

Laura JohansonI; Claudia de Carvalho DantasI; Joséte Luzia LeiteII; Marluci Andrade Conceição StippIII

IAcadêmica do 6º período da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO. Bolsistas IC/CNPq. Rua André Cavalcanti, 148 ap. 101, Bloco B, Santa Tereza - Rio de Janeiro. Tel. (21) 3390-7125, e-mail: c-dantas@ig.com.br
IIDoutora em Enfermagem, Professora Emérita do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO, Pesquisadora do CNPq
IIIProfessora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ

 

 


RESUMO

Registrar é, além de documentar, uma forma de comunicar, consignando por escrito as ocorrências clínicas do cliente, as ações assistenciais executadas, os problemas reais e potenciais identificados, bem como as medidas implementadas. Este estudo tem como objetivos: 1) Analisar os registros da equipe de enfermagem relacionados ao aceso venoso de clientes com HIV/Aids e; 2) Identificar nos registros de enfermagem subsídios para controle e prevenção de infecção relacionada a cateter nesses clientes. Trata-se de pesquisa quantitativa desenvolvida num hospital universitário do Rio de Janeiro. Os dados foram coletados mediante consulta aos prontuários de clientes com HIV/Aids, através de um formulário. Observou-se que a distribuição das 126 anotações investigadas era de apenas uma em cada turno de serviço. Em sua maioria eram feitas por técnicos, auxiliares e estagiários de enfermagem do nível médio. Constatou-se que tais registros são repetitivos e não abrangem questões importantes como: o curativo, os sinais flogísticos e as complicações locais, o que pode comprometer sua função comunicativa na prevenção e controle da infecção relacionada ao cateter venoso.

Palavras-chave: registro de enfermagem, enfermagem, infecção hospitalar


ABSTRACT

Apart from the documental function, reporting is a way of communicating, writting down clients’ clinical occurrences, rendered care, identified real and potential problems, as well the measures taken. This study aims to:1) Analyze the nursing team records related to veined access of clients with HIV/AIDS and 2) identify, in the nursing records, subsidies for the control and prevention of catheter-related infecctions in these clients. This is a quantitative research developed in a University Hospital in Rio de Janeiro. Data were collected through a search in the HIV/AIDS client registers, using a form It was noticed, among the 126 records that were investigated, only one had occurred in each turn. Most of them were made by nursing technicians, assistants and medium-level trainees. It was also noticed that these records are repetitive and do not cover important questionssuch as: the bandage, phlogistic signs and local complications, which may compromise their communicative function with a view to the prevention and control of infecctions related to the veined catheter.

Key words: nursing record, nursing, hospital infection


 

 

INTRODUÇÃO

De acordo com Daniel (1981, p.4) "a mola mestra que leva a equipe de enfermagem a compreender valor da enfermagem planejada é a comunicação."

Registrar é, além de documentar, uma forma de comunicar, consignando por escrito as ocorrências clínicas do paciente, as ações assistenciais executadas, os problemas reais e potenciais identificados, bem como as medidas implementadas. Assim, tais anotações estão imbuídas de autenticidade e de significado legal.

Segundo Suarez et al (2000, p.12) "a anotação é uma dentre as formas mais importantes de comunicação em enfermagem". Constitui-se num meio básico e imprescindível de comunicar entre toda a equipe multiprofissional, promovendo uma assistência integral e qualificada.

O registro de enfermagem no prontuário constitui-se num(a):

. mecanismo de comunicação entre os profissionais de enfermagem e os membros da equipe multidisciplinar;

. documento de respaldo legal para o cliente, para o profissional e para a instituição,

. fundamento essencial para a avaliação do cliente e desenvolvimento de uma assistência, não fragmentada integral pelas várias categorias da equipe de saúde;

. fonte para coleta de dados para a pesquisa e enfermagem

. importante indicador da qualidade da assistência prestada ao cliente.

Com vistas a atender tais finalidades as anotações de enfermagem devem conter termos descritivos, objetivos, concisos, de redação e ortografia claras, sem rasuras além de possuir horário, identificação da categoria profissional e assinatura legível de quem as fez (DANIEL, 1981, p.92).

Rodrigues e Oliveira (2000, p.84) afirmam que:

"...a comunicação é uma das ferramentas básicas para a sustentação do processo de ‘cuidar’. Sendo um instrumento básico do processo de trabalho em enfermagem, a comunicação assume uma importância fundamental porque está implícita em todas as ações de enfermagem."

Então, por mais elementar que as ações de enfermagem possam parecer, sejam elas de caráter assistencial ou organizativo, a comunicação é o elemento que por elas perpassa, influenciando decisivamente na qualidade da assistência prestada pela equipe de Enfermagem.

Lunardi Filho e Paulitsch (1997, p.64) enfatizam que "o processo comunicacional permite que as ações não sejam executadas de forma indiscriminada, casual e arbitrária, mas sim de forma específica, com vistas ao atendimento das necessidades individuais."

Nosso enfoque nesta pesquisa é sobre a comunicação escrita realizada pela Enfermagem através dos registros nos prontuários de clientes com HIV/Aids em uso de cateter venoso. A escolha por investigar os prontuários de clientes HIV positivo deveu-se ao fato de ser esta a clientela-alvo de nossa linha de pesquisa. Não é intenção deste estudo conotar a esse grupo maior relevância que os demais clientes, mas sim enfatizar a importância da prevenção de infecção relacionada a cateter em clientes imunodeprimidos "...pois são sujeitos em permanente exposição para que diversos microorganismos invadam seu corpo fragilizado pela doença." (LEITE et al, 2000, p.141).

A natureza da infecção pelo HIV tem cada vez mais se expressado como condição crônica. Mas, por ocasião da hospitalização é notável que um dos principais procedimentos invasivos ao qual nossos clientes submetem-se é a punção venosa e conseqüente instalação de um cateter. As finalidades são diversas e essenciais para o tratamento, dentre elas podemos destacar: a administração de infusões endovenosas, medicamentos, sangue e hemoderivados. Todavia, por ser o acesso venoso uma porta de entrada para microorganismos na corrente sangüínea, interpõem se aos benefícios deste procedimento, fatores de risco para infecção. Dentre tais fatores podemos citar os seguintes:

– cateterização prolongada;
– manipulação freqüente do sistema;
– cateteres de inserção central;
– não adoção de práticas de controle de infecção na inserção e manutenção do cateter,
– gravidade da doença de base, presença de outros sítios de infecção, uso de medicações imunossupressoras, dentre outros.

As infecções primárias da corrente sanguínea (IPCS), também chamadas de bacteremia ou sepse primária, são atribuídas altas taxas de morbi-mortalidade, além de aumento dos custos hospitalares. Acredita-se, que 80% das IPCS estejam relacionadas ao uso de dispositivos intravasculares - as infecções relacionadas a cateter (IRC) - e assim, é atribuída grande importância a estas bacteremias no contexto das infecções hospitalares. Contudo, cumpre-nos ressaltar que tais infecções são bastante preveníveis. Assim, nosso objetivo na assistência a clientes com dispositivos intravenosos - "não se deve restringir apenas ao diagnóstico e tratamento destas infecções, mas deve principalmente abranger medidas de prevenção e controle" (RICHTMANN, 1993, p.191).

Então a terapia intravenosa, tão comum no ambiente de trabalho hospitalar, está associada a um risco de infecção que, na maioria das vezes, surge no local da inserção do cateter, podendo estender-se pelo vaso venoso e daí disseminar-se na corrente sangüínea, o que é caracterizado como quadro de extrema gravidade.

No que tange a clientes imunodeprimidos hospitalizados, como aqueles acometidos pela Aids, acresce-se aos fatores de risco acima descritos a progressiva queda da imunidade o que os torna suscetíveis às infecções pelas diversas cepas de microorganismos patogênicos presentes no ambiente nosocommial. Infecções estas de correntes principalmente de procedimentos invasivos como cirurgias, cateterização vesical, cateterização venosa, etc.

Frente a tais considerações, pode-se dimensionar a importância que a comunicação tem nas ações de prevenção e controle de IRC desenvolvidas pela Enfermagem ao cuidar de clientes em terapia intravenosa.

Nosso interesse em explorar esta temática surgiu a partir das dificuldades que vivenciamos, enquanto equipe de pesquisa na construção do projeto intitulada: "Fatores de risco relacionado ao uso de cateter venoso e pacientes HIV positivo, "integrado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq. Como estratégias para coleta de dados desta pesquisa realizamos observação sistemática do local de inserção do cateter e a consulta aos registros contidos no prontuário do paciente. Em relação a esta última, nos deparamos com diversas limitações, dentre as quais podemos citar as falhas nos registros de enfermagem em termos de exatidão, identificação, legibilidade, inconsistência.

Neste sentido, os objetivos do presente estudo são: analisar os registros da equipe de enfermagem relacionados ao acesso venoso de clientes com HIV/Aids; identificar nos registros de enfermagem subsídios para o controle e prevenção de infecção relacionada a catéter nesses clientes.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório, com uma bordagem quantitativa. Foi desenvolvido em duas enfermarias de um hospital universitário, na cidade do Rio de Janeiro, nas quais a investigação direcionou-se para os registros de enfermagem em sete prontuários. A seleção destes ocorreu mediante uma leitura inicial que nos permitiu identificar aqueles que pertenciam a pacientes com HIV/Aids, com internação em curso, que estivessem fazendo uso de algum dispositivo intravenoso, central ou periférico. A partir desta identificação inicial procedemos a uma leitura minuciosa dos registros da enfermagem.

O instrumento para coleta de dados constituiu-se de um formulário com ítens importantes, relacionados o acesso venoso, a serem pesquisados nas anotações de equipe. Tal coleta ocorreu em fevereiro de 2002.

Com vistas a atender as questões éticas e legais relacionadas à pesquisa, o projeto foi exposto à Chefia dos referidos setores recebendo autorização escrita para a circulação nos locais onde seria realizada a investigação dos registros de enfermagem nos prontuários. Ressaltamos também, que a interação com a equipe de enfermagem do setor foi fundamental por nos facilitar o acesso a estes documentos.

Por fim, elaborou-se o tratamento do material recolhido no campo submetendo-o a uma ordenação e a uma análise descritiva, com indicação de freqüências absolutas e relativas.

 

RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

O período de desenvolvimento do estudo compreendeu o mês de fevereiro de 2002, sendo investigados 7 prontuários. Embora este número pareça reduzido, na realidade do campo de coleta de dados ele toma proporções significativas, uma vez que representa todos os prontuários de clientes com HIV/Aids em uso de cateter venoso, com internação em curso. Contidos nestes prontuários, 64 impressos foram analisados no que tange às anotações de enfermagem.

Cumpre-nos ressaltar que a busca por tais anotações deu-se ao longo de todo o prontuário. Entretanto, só foram encontrados registros da equipe de enfermagem no impresso intitulada "prescrição médica". Evidenciou-se que nos setores onde desenvolveu-se o estudo, não havia instrumento para prescrição e evolução de enfermagem. Cabe à criatividade de enfermeiro selecionar ou produzir instrumentos (formulários) adequados a sua prática assistencial.

 

Tabela 1

 

Quanto aos aspectos inerentes ao acesso venoso dos clientes soropositivos para o HIV pesquisados nos registros de Enfermagem, apresentamos a seguinte tabela:

 

Tabela 2

 

A partir dos dados acima expostos, pode-se verificar que os ítens mais registrados pela equipe de enfermagem são os seguintes: sinais vitais (100%); tipo de acesso (60,32%); a medicação infundida (41,27%); a localização do acesso venoso (30,89%), o tipo de cateter utilizado (15,08%). É notável também que estes ítens contidos nos registros apresentam valores equivalentes entre os serviços analisados, ou seja, plantões diurnos e noturnos. Tal fato reflete uma de nossas observações durante a coleta dos dados: a de que as anotações de enfermagem no tocante aos aspectos do acesso venoso estão sendo feitas de forma repetitiva, não abrangendo questões como sinais flogísticos, sinais sistêmicos indicativos de infecção, complicações locais e curativo. Isso pode ser observado através das baixas freqüências, nos dois turnos de trabalho investigados, apresentadas na tabela.

Os ítens investigados que apresentaram maior freqüência nesta pesquisa devem ser avaliados sendo fundamental o seu registro pela enfermagem com vistas à possibilitar uma continuidade do cuidado ao cliente em terapêutica intravenosa. Tal continuidade possibilita a adoção de práticas de prevenção e controle das infecções relacionadas a cateter, refletindo na qualidade da assistência.

O registro dos sinais vitais (temperatura, pulso, freqüencia respiratória e pressão arterial) é primordial pois permite uma monitorização das condições homeostáticas. Assim, febre, calafrios, hipertensão, choque, falência respiratória e hiperventilação, em clientes que utilizam dispositivo intravascular, levantam suspeitas de infecção da corrente sangüínea (ANVISA, 2001, p.46).

O tipo de acesso venoso está relacionado ao tipo de cateter a ser utilizado. De acordo com Pedrosa e Nogueira (1997, p.293, 294) os dispositivos intravasculares podem ser classificados como:

Na primeira classificação enquadra-se o cateter venoso periférico, muito utilizado, que raramente é caso de infecção sistêmica devido a sua localização (rede venosa dos membros superiores). Os dispositivos de longa permanência são os cateteres venosos centrais geralmente inseridos nas jugulares, subclávias e femorais. Estes, estão associados a maiores taxas de infecções relacionada a cateter, sendo um dos fatores a sua proximidade às secreções orofaríngeas e eliminações vesico-intestinais.

É relevante que seja registrado a medicação em curso para permitir uma avaliação da terapêutica, visto que alguns grupos medicamentosos podem predispor à infecção uma vez que possuem ação mielossupressora ou leucopênica.

Outros ítens inerentes ao acesso venoso e que não tiveram freqüencias consideráveis foram os sinais flogísticos no local de inserção (dor, calor, rubor e edema), os sinais sistêmico indicativos de infecção da corrente sangüínea (tremores, sudorese, confusão mental, etc.), complicações locais (flebite, infiltração, etc.) e curativos. Constituem-se aspectos relevantes nas anotações de enfermagem, uma vez que estão intimamente ligados a infecções relacionadas a cateter. Tais registros refletem a assistência prestada ao cliente, no que tange às ações preventivas e curativas da Enfermagem.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados obtidos, o estudo permitiu evidenciar que a equipe de enfermagem tem registrado aspectos fundamentais relacionados ao acesso venoso de clientes com HIV/Aids, tais como: os sinais vitais, o tipo de acesso; a medicação infundida; a localização do acesso e o tipo de cateter utilizado – Todavia, observou-se que as anotações eram superficiais e executadas de forma repetitiva pelos profissionais de enfermagem nos dois turnos de trabalho, diurno e noturno. Os achados correspondem aos de Lourenço et al (2000, p.40) quando afirma que "os registros dão ênfase nos cuidados rotineiros executados pela equipe, tornando-se anotações repetitivas nos diversos turnos de trabalho. Esta forma de registro não favorece a individualização são pouco significativos, não refletindo uma autonomia nas práticas assistenciais."

Outro fato notável nesta pesquisa é que aspectos como: curativo, complicações locais, sinais flogísticos e sinais indicativos de infecção da corrente sangüínea, não têm sido descritos nas anotações de enfermagem, e se o são, apresentam-se de forma incompleta. Assim, os registros sinalizam apenas a realização da punção venosa e a manutenção do acesso, não abrangendo as questões relacionadas as condições venosas do paciente.

As anotações de enfermagem, expressam a assistência prestada ao cliente. Nesse sentido sugere-se que o enfermeiro atue frente a sua equipe de modo a conscientizá-la da importância da comunicação escrita a fim de procederem adequadamente às anotações. Frente a tal desafio, pode-se contar com a parceria da Educação continuada.

"A enfermagem reclama sua visibilidade e através do registro esta visibilidade passa a ocorrer e ao mesmo tempo legitima e protege o seu exercício" (LOURENÇO et al, 2000, p.37).

 

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A enfermagem e o enfermeiro na visão de clientes internados em um hospital privado

 

Nursing and the nurse in the view of in patients at a private hospital

 

 

Alessandra Mazzo CaldonhaI; Isabel Amélia Costa MendesII; Maria AuxiliadoraTrevizanII; Maria Suely NogueiraIII; Miyeko HayashidaIV

IEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem Fundamental do Programa de Pós-graduação do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP (DEGE/EERP-USP). Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem
IIEnfermeira. Professor Titular do DEGE/EERP-USP. Av. Bandeirantes, 3900 14040-902 Ribeirão Preto-SP e-mail iamendes@eerp.usp.br
IIIEnfermeira. Professor Associado do DEGE/EERP-USP msnog@eerp.usp.br
IVEnfermeira. Doutor em Enfermagem Fundamental. Especialista em laboratório da EERP-USP miyeko@eerp.usp.br

 

 


RESUMO

Realizado em um hospital privado do interior paulista, este estudo teve como objetivo identificar e analisar a visão que o cliente tem da enfermagem e do enfermeiro com o propósito de oferecer indicação de possíveis contribuições à definição do papel destes profissionais. Os dados foram coletados através de entrevista norteada por questões abertas acerca da identificação e função dos elementos do serviço de enfermagem. Foram entrevistados 102 clientes internados há mais de 3 dias com idade entre 18 e 88 anos. Verificou-se que os clientes relacionam a enfermagem com a ação de cuidar mas não conseguem identificar o enfermeiro enquanto profissional responsável pelo gerenciamento da assistência ou como prestador do cuidado. Por outro lado, destacou-se que a postura tênue em termos de papel profissional que o enfermeiro tem adotado ao abordar o cliente, revelado pela sua comunicação genérica e informal, dificulta a configuração de uma imagem definida e requerida pela profissão.

Palavras-chave: identidade, enfermeiro, enfermagem, visão, cliente


ABSTRACT

This study was held at a private hospital in the interior of São Paulo State and aimed at identifying and analyzing how the client views nursing and the nurse with a view indicating possible contributions to the definition of these professionals’ roles. Data were collected through an interview guided by open questions about the identification and functions of the nursing service elements. One hundred and two clients were interviewed who had been in hospital for more than three days and whose age ranged from 18 to 88 years old. It was verified that clients relate nursing to the action of caring, but are not able to identify the nurse as a professional responsible for care management or as a care provider. On the other hand, it stood out that the tenuous attitude adopted by the nurse in approaching the client in terms of professional role, which is revealed by generic and informal communication, hinders the configuration of a definite image required by the profession.

Key words: identity, nurse, nursing, view, client.


 

 

1. INTRODUÇÃO

A enfermagem vem enfrentando dificuldades no seu processo de trabalho, agravado pela falta de delimitação do papel do enfermeiro, seja dentro da própria profissão ou na ação conjunta com outros profissionais.

O enfermeiro atuante nas instituições hospitalares tem, ao longo do tempo, assumido diversas atribuições, muitas delas não relacionadas à assistência prestada, seja de cunho puramente administrativo-burocrático visando, sobretudo, ao atendimento das necessidades da instituição, ou ainda que poderiam ser delegadas ao pessoal auxiliar ou a profissionais de outros serviços.

A enfermagem assume a responsabilidade diuturna pelo cliente no âmbito hospitalar. A garantia da presença do enfermeiro ininterruptamente neste ambiente, para fins de cuidado, é um dos fatores que conferem a ele a assunção da função de coordenar a assistência prestada ao cliente pelo pessoal de enfermagem e por todos os outros profissionais. Assim, a constituição multidisciplinar da equipe de saúde que opera no contexto hospitalar, com sua diversidade de domínio de conhecimento, de especialidades, de funções e de especificidades de ações com limites de tempo diversos, direciona a coordenação àquela categoria profissional que está sempre presente.

A bidimensionalidade no compromisso do enfermeiro, ou seja, o compromisso com a profissão e com a organização, tem gerado conflitos e disfunções, cujas soluções beneficiam quase que somente a organização (TREVIZAN et al., 1998).

Paradoxalmente, os enfermeiros são preparados pelos órgãos formadores para a assistência direta ao paciente, tornando-se cada vez mais evidente a dicotomia teoria-prática, "com uma profunda dissonância entre o que é dito que o enfermeiro deve fazer, e o que ele executa de fato" (LUNARDI et al., 1994). Portanto, os enfermeiros ligados à assistência direta ao cliente enfrentam dificuldades ao assumirem sua prática, pois na maioria das vezes deparam-se com o confronto de valores entre a formação oferecida pela academia e a expectativa do mercado de trabalho. Esta situação, classicamente denominada por Kramer (1970) como choque da realidade, propicia a perda da identidade profissional, construída e internalizada durante seu processo de formação acadêmica. Este choque de valores confunde o enfermeiro, influenciando-o a assumir atividades de outros profissionais.

Cada vez mais os enfermeiros têm se afastado do cuidado e da prática clínica e têm assumido funções que não são suas (LUNARDI et al., 1994); muitas vezes assumem os lugares de profissionais que não estão presentes nas equipes de saúde (LOPES, 1983). Acresça-se a isso que a atuação do enfermeiro está alicerçada no modelo médico, caracterizado pela grande especialização e intervenção fragmentada. A este quadro agrega-se a também fragmentada composição da equipe de enfermagem, dividida em categorias, com o pessoal auxiliar representando a maior parte de seu contingente de trabalho.

Nesse cenário, o enfermeiro passa a assumir muitas vezes as funções do pessoal auxiliar e/ou a exercer aquilo que o médico e as instituições esperam dele (FERREIRA-SANTOS, 1973; TREVIZAN, 1978; VARGAS, 1994).

Por todos estes fatores, urge que o enfermeiro tenha seu papel bem definido e internalizado para que possa transmitir aos clientes uma clara imagem de identidade profissional. Desta forma, tendo em perspectiva o propósito de contribuir para uma melhor compreensão do papel do enfermeiro, pretende-se com este estudo identificar e analisar a visão que o cliente tem da enfermagem e do enfermeiro, com o intento de oferecer indicações de possíveis contribuições à definição do papel do profissional em questão.

 

2. METODOLOGIA

Este estudo foi desenvolvido em um hospital privado de grande porte de uma cidade do interior paulista, com 164 leitos distribuídos em alas de internação supervisionadas por 16 enfermeiras, as quais estão subordinadas a uma coordenadora de enfermagem.

Fizeram parte do estudo todos os clientes internados no referido hospital no período de 28/09/1998 a 12/10/1998 e que satisfizeram os seguintes critérios de inclusão: estar internado entre 3 e 5 dias; estar consciente/orientado; ter idade acima de 18 anos; estar instalado nas alas de internação; exercer qualquer ocupação, exceto enfermagem.

Obteve-se autorização dos órgãos competentes do hospital e os clientes foram informados acerca dos objetivos do estudo, da garantia de anonimato e do caráter voluntário de sua participação. Incluiu-se, portanto, aqueles que manifestaram de forma livre e espontânea o interesse em participar.

De posse da lista diária de clientes internados, fornecida pelo setor de processamento de dados do hospital, onde constavam o nome, data de internação, leito e tipo de convênio, selecionou-se os pacientes de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos.

A abordagem aos pacientes ocorreu de forma individual, em seus respectivos quartos, quando observou-se as condições físicas e psicológicas, para verificar a viabilidade de sua participação. Quando favoráveis, apresentou-se a proposta do estudo, oferecendo esclarecimentos quanto ao objetivo e obtendo-se o consentimento de participação e uso das informações. Na seqüência, as entrevistas foram realizadas norteadas por um instrumento de coleta de dados, contendo os itens referentes à caracterização dos clientes e perguntas abertas, questionando sobre quais os profissionais que estavam cuidando deles e o que eles fazem; quais os profissionais do serviço de enfermagem e o que cada um deles faz; qual o profissional responsável pelo serviço de enfermagem e porque atribui à ele esta responsabilidade e, finalmente, quem é o enfermeiro e o que ele faz.

O conteúdo das respostas abertas foi analisado e agrupado em categorias criadas de acordo com a similaridade temática, quantificado e apresentado em freqüência e porcentagem.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Caracterização dos sujeitos da amostra

No período estabelecido para a coleta de dados, estiveram internados 343 clientes nas unidades de internação do hospital em estudo. Destes, 102 (29,7%) satisfizeram aos critérios de inclusão, sendo 60 (58,8%) homens e 42 (41,2%) mulheres. A idade variou entre 18 e 88 anos, com mais da metade (51,0%) dos clientes em faixa menor que 57 anos e maior concentração na faixa etária de 58 a 67 anos (24,5%).

Quando se trata da ocupação atual, a maioria compõe as categorias de aposentado (24,5%), do lar (22,5%) e comerciante (21,6%). O restante, aproximadamente um terço (31,4%), compreende as demais categorias (bancário, motorista, eletricista, professor, zelador, estudante, lavrador, fiscal de campo, pedreiro, pintor, massagista e arquiteto).

Do total de clientes entrevistados, 58 (56,9%) tiveram internação anterior e 44 (43,1%) nunca estiveram internados. Estavam internados para tratamento clínico (51%) ou cirúrgico (49%) em várias especialidades.

 

3.2 Opinião dos clientes sobre os profissionais que prestam cuidado

Ao serem questionados sobre os profissionais que estavam cuidando deles, todos os entrevistados referiram-se ao enfermeiro como o profissional que lhes presta cuidados. O médico foi apontado por 100 (98%) deles e apenas 10 (9,8%) citaram o assistente social. O técnico/auxiliar de enfermagem (4,9%) e fisioterapeuta (4,9%) foram citados igualmente por cinco clientes. Na categoria outros, indicada por oito clientes (7,8%), foram incluídos os funcionários do laboratório e do serviço de nutrição, além da indicação genérica de equipe do hospital e de enfermagem.

Vale ressaltar que os "enfermeiros" aqui citados pelos clientes, correspondem aos profissionais/ocupacionais de enfermagem que lhe prestavam cuidado. Eles não diferenciaram os enfermeiros dos demais membros da equipe de enfermagem. A imagem que o cliente tem a respeito do enfermeiro pode ser definida como o "modelo, que significa nossas crenças e conhecimento de um fenômeno ou situação" como define Normann (1993), ou seja, o cliente percebe o enfermeiro como a própria enfermagem

Na descrição das atividades dos "enfermeiros", desempenhar técnicas foi citada por 59 (57,8%) pacientes e tratar/cuidar por 45 (44,1%). Essas respostas reforçam a idéia de que a enfermagem é reconhecida principalmente pelo seu envolvimento com procedimentos e pelo domínio da técnica do cuidado.

Com base na indicação de atividades relativas ao tratar/cuidar parece claro à quase metade dos clientes que o cuidado é a base do trabalho da enfermagem. Entretanto, como salienta Ferraz (1989), parece que a enfermagem esquece que essa é a sua essência e busca seu aprimoramento em técnicas e outras práticas.

Acreditamos que ao aproveitar a oportunidade de coordenar aquilo que o cliente espera - o cuidado, e deixar de desempenhar as atividades de outros profissionais, poderiam se constituir em um recurso importante para o reconhecimento das ações e, consequentemente, da visibilidade do enfermeiro. Assumir a coordenação pelo cuidado evidenciaria o papel do enfermeiro, uma vez que o cliente deseja e necessita do cuidado.

Ainda, outras duas categorias de respostas relacionar com o paciente foi mencionada por sete (6,9%) pacientes e definida nos seguintes termos: "conversam", "brincam", "dão carinho"; e cinco (4,9%) atribuíram à enfermagem a função de acompanhar/ajudar o médico descrita como "acompanha o médico" e "auxilia o doutor".

Quando perguntamos aos clientes quais as pessoas da equipe de enfermagem que cuidavam deles, 64 (62,7%) identificaram com os termos "enfermeiros" e/ou "enfermeiras". Importa destacar novamente que não foram identificados como profissional enfermeiro, pois muitos clientes responderam a essa questão denominando "enfermeiros e enfermeiras", mas referindo-se aos profissionais da equipe de enfermagem que cuidam deles. Assim, não diferenciam os enfermeiros e referem-se a eles como sendo toda equipe de enfermagem.

Encontramos nove respostas (8,8%) identificando o "chefe" como profissional que lhes presta cuidado; porém, não informaram quem é o profissional designado chefe; seis (5,9%) referem-se ao auxiliar e um (1,0%) ao técnico; dois (2,0%) não sabem quem são os profissionais de enfermagem que cuidam deles e quinze (14,7%) referem outros profissionais: médico, práticos, pessoal do posto e várias pessoas (indefinidas). Alguns clientes não deram respostas definidas e identificaram como "todos atendem igual", "tudo usa branco, é tudo igual", "são todos iguais".

Em seguida perguntamos quais as atividades do enfermeiro e 71 (69,6%) pacientes identificaram como prestar cuidados/procedimentos. Voltamos a salientar o trabalho de Ferraz (1989) que coloca o cuidado como trabalho da enfermagem e instiga a enfermeira a questionar e pensar seu cuidado e sua prática.

Identificaram ainda como função do enfermeiro, ouvir informações sobre o atendimento, citada por sete (6,9%) deles. Mais uma vez, a indefinição da função do enfermeiro volta a emergir já que o hospital mantém um serviço de atendimento ao cliente para este fim. O enfermeiro afasta-se do cuidado para realizar esta função.

E finalmente, o ato de apresentar-se foi identificado como uma das ações do enfermeiro por três clientes (2,9%) e o mesmo número deles (2,9%) não conseguiu apontar as atividades do enfermeiro.

Ao serem indagados quanto às atividades dos técnicos e auxiliares, 74 (72,5%) deles não souberam identificar esses profissionais e indicaram "são todos enfermeiros"; estas respostas vem reforçar a questão de que eles não conseguem identificar, nem diferenciar quais são os profissionais da enfermagem.

Houve 34 respostas onde nenhum dos sujeitos conseguiu diferenciar o técnico do auxiliar, para os quais 20 (19,6%) deles atribuem as atividades de cuidar/fazer técnicas, dois (2%) disseram que auxilia a enfermeira e os 12 (5,9%) restantes não souberam informar.

Em reposta à questão que trata dos profissionais responsáveis pelo Serviço de Enfermagem (Tabela 1), 35 (34,3%) indicaram "enfermeira chefe" como a responsável, 14 (13,7%) a "enfermeira padrão", 13 (12,7%) a "enfermeira". A esse respeito parece que não há uma uniformização do conceito do termo enfermeira, uma vez que várias denominações foram atribuídas como "enfermeira-padrão", "enfermeira-chefe" e "enfermeira" totalizando 60,8%.

 

 

O restante ficou distribuído entre aqueles que identificaram como "chefe" (11,8%) o responsável, sem mencionar a sua qualificação profissional, o médico (5,9%) e o auxiliar de enfermagem (2,0%) como o profissional responsável pelo serviço. Uma parcela considerável de clientes (19,6%) não soube informar qual o profissional responsável pelo serviço de enfermagem.

Quanto ao motivo (Tabela 2) pelo qual os clientes atribuíram aos profissionais a responsabilidade pelo serviço de enfermagem, 45 (44,1%) deles mencionaram a apresentação no momento da visita e 11 (10,8%) atribuíram responsabilidade aos chefes porque estes exercem atividade de coordenação. Outros 7 (6,9%) clientes indicaram o responsável argumentando que sempre existe um chefe, por isso neste serviço também deve haver. Estes resultados indicam que o enfermeiro não está sendo reconhecido pelas suas atividades e sim pela maneira com que se apresenta ao outro.

 

 

Há algum tempo, autores como Trevizan (1988) defendem a função de coordenador da assistência, mas os resultados obtidos em nosso estudo comprovam que o enfermeiro ainda não está assumindo este papel. O estudo realizado por Fernandes (2000), também mostrou que ainda na atualidade as atividades do enfermeiro estão muito mais voltadas para a administração da unidade de internação do que da assistência de enfermagem.

É imprescindível, como afirma Ferraz (1995), enfocar as ações do enfermeiro orientadas para o cuidado do doente com a intenção de recolocar a atividade administrativa num patamar mais qualitativo. Embora considere a função administrativa do enfermeiro de muita importância e utilidade na condução das ações de enfermagem, Favero (1996) aponta também que da forma como tem sido exercida não tem possibilitado uma assistência orientada para a pessoa do cliente, tem preterido os valores da profissão e os anseios dos trabalhadores. A conduta profissional do enfermeiro privilegia as atividades administrativas que visam aos objetivos da organização e se voltam muito mais às atividades administrativas burocráticas (DEIENNO, 1993; CURY, 1999).

Sob a ótica do próprio profissional, Melo (1996) identificou que, quando analisadas em seu conjunto, as ações dos enfermeiros, estão voltadas principalmente para a complementariedade do ato médico, denotando a ausência de um elemento que coordene o trabalho, o que pode contribuir para a não integralidade da assistência de enfermagem.

 

CONCLUSÃO

Pelo presente estudo foi possível observar que embora o cliente saiba que a função da enfermagem é prestar cuidados, ele não consegue identificar o enfermeiro e nem mesmo os integrantes da equipe. As atividades do enfermeiro e do pessoal auxiliar também não foram identificadas, caracterizando indefinição de ações e responsabilidades sob a ótica do cliente. Em termos de papel profissional há que se destacar a postura tênue que o enfermeiro tem adotado ao abordar o cliente, revelada pela sua comunicação genérica e informal que pode ser observada tanto em nosso cotidiano, quanto nas justificativas que os clientes apontaram para indicar o responsável pelo serviço de enfermagem; esta postura está dificultando a configuração de uma imagem definida e requerida pela profissão.

Do exposto, podemos visualizar a inconsistência da imagem que passamos aos clientes, mostrando que não estamos sendo capazes de oferecer-lhes meios que possibilitem o reconhecimento profissional, para que saibam das nossas responsabilidades pela equipe de enfermagem e pelo cuidado prestado. Se assim procedêssemos, os clientes poderiam requisitar ou exigir o trabalho do enfermeiro junto às instituições de saúde. Ainda falta muito espaço e investimento para definir, junto aos usuários do sistema de saúde e à população em geral, a imagem da profissão e conhecer a sua complexa internalidade quanto às funções de diferentes categorias.

 

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^rND^sFERRAZ^nC.A.^rND^sKRAMER^nM.^rND^sLUNARDI^nV.L.^rND^sLUNARDI FILHO^nW.D^rND^sBORBA^nM.R.^rND^sNORMANN^nR.^rND^sTREVIZAN^nM.A.^rND^sTREVIZAN^nM.A.^rND^sMENDES^nI.A.C.^rND^sFERRAZ^nC.A.^rND^sÉVORA^nY.D.M.^rND^sVENTURA^nC.A.A.^rND^sVARGAS^nG.O.P.^rND^sFERRAZ^nC.A.^rND^sKRAMER^nM.^rND^sLUNARDI^nV.L.^rND^sLUNARDI FILHO^nW.D^rND^sBORBA^nM.R.^rND^sNORMANN^nR.^rND^sTREVIZAN^nM.A.^rND^sTREVIZAN^nM.A.^rND^sMENDES^nI.A.C.^rND^sFERRAZ^nC.A.^rND^sÉVORA^nY.D.M.^rND^sVENTURA^nC.A.A.^rND^sVARGAS^nG.O.P.^rND^1A01^nCélia Souza de Araújo^sRamin^rND^1A01^nZaida Aurora Sperli Geraldes^sSoler^rND^1A01^nCélia Souza de Araújo^sRamin^rND^1A01^nZaida Aurora Sperli Geraldes^sSoler^rND^1A01^nC‚lia Souza de Ara£jo^sRamin^rND^1A01^nZaida Aurora Sperli Geraldes^sSoler

O ensino da sexualidade em "xeque" em um curso de enfermagem*

 

Focus on sexuality teaching in a nursing undergraduation course

 

 

Célia Souza de Araújo RaminI; Zaida Aurora Sperli Geraldes SolerII

IEnfermeira, mestranda em Ciências da Saúde, docente do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP. FAMERP- Av. Brigadeiro Faria Lima , 5416 . Bairro São Pedro. São José do Rio Preto-SP
IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, docente do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP, orientadora deste trabalho. FAMERP - Av. Brigadeiro Faria Lima , 5416 . Bairro São Pedro. São José do Rio Preto-SP

 

 


RESUMO

Neste trabalho, de natureza descritiva, enfoca-se o ensino da sexualidade em um curso de graduação em enfermagem, analisando-se a opinião dos docentes quanto a sua capacitação e da forma como ela ministra os conteúdos. Fizeram parte do estudo 10 docentes, vinculados à 7 disciplinas onde abordam-se temas relativos à sexualidade. Verifica-se que os conteúdos ministrados são insuficientes com ênfase nos aspectos anatomo-patológicos e de agravos à saúde, não permitindo maiores reflexões nos aspectos éticos e emocionais. Assim os resultados obtidos, apresentados à coordenação do curso, devem subsidiar propostas de reestruturação nas disciplinas que levem à interdisciplinalidade e na abordagem mais ampla e efetiva desta temática.

Palavras-chave: enfermagem, ensino, sexualidade


ABSTRACT

This descriptive study focuses on sexuality teaching in a nursing graduation course. The teachers’opinion in relation to their ability and the way they approach the subject was analyzed. Ten teachers participated in the study, who deal with 7 subjects related to sexuality. It is verified that the ministered subjects are insufficient with respect to the focus on the anatomical-pathological and health-damaging aspects, which does not allow for further reflection on the ethical and emotional aspects. Thus, the otained results, which were presented to the course coordinator, must be of assistance in proposals for restructuring the subject matters with a view to interdisciplinariness and the broadest and most effective approach of this subject.

Key words: nursing, education, sexuality


 

 

1. INTRODUÇÃO

O sexo já foi considerado tabu, pecado, objeto proibido, assunto pouco discutido mesmo no universo adulto. No entanto, de um modo geral, vários acontecimentos contribuíram para, gradualmente permitir maiores abordagens neste enfoque, como o lançamento da pílula anticoncepcional no mercado, na década de 60, levando a mudanças no comportamento sexual principalmente com aumento da consciência feminina sobre o sexo, revelando-se estratégias para combater os agravos à saúde de transmissão sexual.

Na revisão da literatura sobre sexualidade nota-se que as discussões são conduzidas levando em consideração os aspectos sócio-econômico-políticos e culturais que permeiam o tema. Também fica em destaque as dificuldades sentidas por familiares, instituições sociais, profissionais da saúde e educadores em abordar assuntos ligados à sexualidade, principalmente quando se refere a adolescentes e adultos jovens, fazendo com que as informações neste contexto, sejam obtidas por meio de amigos, literatura e mídia, gerando comportamentos sexuais inadequados, que tornam as pessoas vulneráveis a situações de violência, prostituição, drogatização, gravidez, aborto, DSTs e Aids (EGRY, 1985; VITIELLO, 1994; SUPLICY, 1995; CANO, 1997).

A abordagem da sexualidade tem sido feita de diferentes formas, geralmente não atingindo os objetivos propostos. Constata-se freqüentemente que os meios de comunicação divulgam de forma abusiva a sexualidade, direcionando para as manifestações prazerosas do sexo, enquanto os setores da saúde e da educação fixam sua atenção na reprodução ou nos riscos de contaminação e transmissão de doenças (DOMINGUES, 1997).

A escola possui grande responsabilidade no que tange a educação sexual. No entanto, muitas vezes os professores são despreparados ou encontram dificuldades para atuar neste contexto, acabando por transmitir seus próprios conceitos e preconceitos aos alunos (TIBA, 1994).

É possível que alguns ou muitos profissionais da área de saúde também não se sintam confiantes em abordar o tema sexualidade, dificultando a orientação e a educação sexual dos jovens, inclusive durante a graduação (CANO,1997; PEREIRA,1997; SANCHES,1997). Estes fatos devem ser considerados e reforçam a urgência de melhor planejamento e intervenção na educação sexual para adolescentes e adultos jovens, já que a vergonha, o preconceito, a repressão e a desinformação tornam as pessoas mais vulneráveis aos agravos à saúde ( BRASIL, 1998 ).

Assim, o objetivo deste estudo é descrever como o assunto sexualidade vem sendo tratado e conduzido pelos professores, a cada ano, nas diferentes disciplinas deste curso de graduação em enfermagem. Busca-se informações também sobre a interdisciplinaridade e se ocorre a capacitação dos acadêmicos para atuarem como educadores junto à comunidade no desenvolvimento de ações de tal natureza.

 

2. METODOLOGIA

Este é um estudo descritivo, realizado entre 10 docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP, que ministram disciplinas onde poderia ser feita alguma abordagem da sexualidade enfoque anátomofisiológico, reprodutivo , psicológico ou epidemiológico.

A coleta de dados ocorreu no 2º semestre de 2001, tendo sido preservado os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, com análise e a prévia aprovação do projeto de mestrado, que incluía este estudo, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FAMERP. Utilizou-se para a obtenção dos dados um questionário, estruturado com base no trabalho de Pereira (1997), que continha questões estruturadas acerca de como o tema sexualidade era abordado em cada disciplina, em especial no enfoque de conteúdo, carga horária e estratégias didático-pedagógicas utilizadas.

Após o recolhimento dos questionários, os dados foram agrupados, classificados e analisados, sendo tratados em índices absolutos e percentuais e estão apresentados em tabelas e de forma descritiva.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tendo por referencia cada série, observou-se que na 1ª série realiza-se o estudo anatômico e fisiológico do aparelho reprodutor masculino e feminino, incluindo gravidez ,lactação e parto num total de 30 hs e mesmo assim os docentes sentem necessidade de revisarem os assuntos nas séries subsequentes. Na 2ª série faz-se revisão das DSTs e seu aspecto epidemiológico, ou seja, o docente parte do pressuposto que os alunos já tenham uma bagagem de informações trazidas do ensino já que a sexualidade é um tema transversal, mas nem sempre isso ocorre.

Outros temas que se repetem entre 1º e 2º série são: planejamento familiar, métodos contraceptivos e aborto. Entende-se que o enfoque deva ser diferente visto que são ministradas por socióloga e enfermeira respectivamente. Mas questiona-se: os conteúdos se completam ou se repetem e qual a preocupação no enfoque – informação sanitária ou formação ?

Analisando-se a 3ª série foi observado repetição de conteúdo anatômico e fisiológico, ciclo gravídico e aborto. Chega ser incoerente que numa disciplina onde se lida com saúde da mulher num período de intensas mudanças hormonais, físicas e psicológicas o total de carga horária reservado para sexualidade seja apenas de aproximadamente17% em relação a parte teórica. Cabe ressaltar que os respondentes não tenham pensado na prática quando o aluno trabalha diretamente com o paciente mas, se o assunto lhes parecesse relevante os respondentes teriam esquecido deste detalhe ?

Na ultima série o que chamou a atenção além de novamente fazer-se a revisão dos aspectos anatômicos e fisiológicos dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, fecundação, gravidez, métodos contraceptivos, aborto, principais DSTs é que apesar de estarmos vivendo uma verdadeira pandemia da Aids nas últimas décadas, este assunto só é abordado no final do curso com carga horária de 1h.

Estudos mostram que apesar da comunicação em massa os jovens estão informados em como se previne a Aids, mas não tem isto como formação e sabe-se que as faixas etárias que mais crescem em contaminação são os adolescentes e adultos jovens.

É colocado também pelas respondentes que todo assunto sobre sexualidade abordado na 4ª série, num total de 10 hs não é ministrado na forma de revisão , mas de sensibilização e capacitação dos alunos para ministrarem palestras e lidarem com sentimentos destes adolescentes.

Observa-se um total de 83 hs de teoria sobre temas de sexualidade durante o curso de graduação em enfermagem, sendo parte dele ministrado na forma de revisão. Ressalta-se que se somássemos o tempo de orientações e palestras proferidas aos pacientes a carga horária total sobre o tema sexualidade seria muito maior.

Antecipando a análise do Quadro 1 é necessário mencionar que os professores estudados lecionam nas respectivas disciplinas de 4 a 20 anos sendo a média de 7 anos e duas não responderam. Desta forma vê-se que não são professores iniciantes e que entendem qual deve ser o papel do educador na área da sexualidade, pois têm opinião semelhante à de Suplicy et al. (1995) que colocam ser a orientação sexual um processo formal e sistematizado no preenchimento das lacunas deixadas pela educação informal, erradicando tabus e preconceitos, abrindo discussões sobre as emoções e valores que impedem o uso dos conhecimentos, como também propiciando uma visão mais ampla, profunda e diversificada acerca da sexualidade.

 

 

No entanto, muitos não desempenham o papel que preconizam já que apenas 40% responderam fazer abordagens clara e sistematizadas do assunto e 80% nunca convidaram especialistas em suas aulas. Alguns docentes responderam que acreditam não ser necessário um aprofundamento dos temas devido a um suposto conhecimento do aluno adquirido com a família e durante o ensino médio.

Fica evidente, pelas respostas que assim como vem acontecendo no ensino médio, alguns professores apenas transmitem conteúdos sobre a sexualidade e que esta temática não tem suscitado maior interesse e participação dos alunos, como se nota no aspecto da freqüência às aulas. Deve-se deixar claro neste momento, que muitas vezes o aluno chega à sala de aula sem saber o tema que será abordado, não se interessa ou não é disponibilizado o calendário das disciplinas, como também em sua grande maioria são escritos temas amplos não estando explícito o seu conteúdo.

Mesmo assim, 90% dos docentes não acham que possuam dificuldades em abordar conteúdos e a grande maioria (90%) acha que possui preparo satisfatório (50%), ou razoável (40%) neste aspecto. Pereira (2000) destaca que muitas vezes o educador não tem consciência de suas dificuldades para abordar um tema, enquanto Jesus (2000) coloca que o processo educativo das pessoas é resultado do modo como as mesmas reagem às questões sexuais e na maneira como vivem a sexualidade.

Considera-se que as distorções e dificuldades para tratar assuntos pertinentes à área sexual podem estar ligadas à enorme carga afetiva que a sexualidade tem para as pessoas, à falta de conhecimentos, ou até mesmo às atitudes negativas que acompanham tradicionalmente o tema (JESUS, 2000) . Os professores, em especial os de graduação, são muito importantes no processo de educar os futuros profissionais que são multiplicadores no exercício da profissão, visto que educar, como explica Vitiello (1994) consiste em " fornecer a alguém subsídios e modelos para o crescimento pessoal e para a ascensão de ideais e de comportamentos próprios. É um processo complexo, que requer tempo e influência de pessoas significativas."

As respostas emitidas pelos docentes estudados vem ao encontro com os comentários de Moraes (1997) onde o ensino da sexualidade nas escolas separam-se em temas; o exercício da sexualidade ao exercício das funções reprodutoras, ou seja, essencialmente como um fenômeno biológico, objetivo, palpável através dos filhos gerados; outro, vincular sexualidade à sujeira, ao pecado, à imoralidade, ou seja, " sexo é perigoso que pode pegar Aids a qualquer hora ou qualquer outra doença", apesar disto privilegiam o caráter preventivo da gravidez indesejada e contaminação por HIV; mas sempre deixando de lado o aspecto subjetivo e afetivo da sexualidade. Também outros autores relatam que muitas escolas ao trabalhar orientação sexual, abordavam apenas a reprodução, anatomia do aparelho genital, prevenção de DSTs, alertas sobre gravidez na adolescência deixando de lado os aspectos emocionais, éticos e culturais (SUPLICY et al. 1995; DOMINGUES, 1997; CANO, 1997; SANCHES, 1997)

Na Tabela 1 apresenta-se como os docentes percebem sua capacitação e qualificação nos assuntos relativos à sexualidade, no que se refere ao ensino formal, no âmbito da família e meio social e por outros meios, atribuindo notas 0 (insatisfatório), 5 ( razoável) e 10 (satisfatório) em cada item destacado.

 

 

Na Tabela 1 chama a atenção o fato do docente nº 10 não ter respondido a nenhum dos itens. No que concerne à contribuição familiar na educação sexual na opinião de 60% dos respondentes é razoável, enquanto 30% considera insatisfatória. Alguns autores enfatizam que a educação sexual deve ter como base a família, mas esta não está preparada para lidar com o tema sexualidade deixando para a escola suprir esta lacuna (VITIELLO,1994; SUPLICY et al.,1995; CANO,1997).

Quanto ao ensino médio 50% dos respondentes tiveram educação sobre sexualidade de forma razoável, enquanto 40% acredita que foi insatisfatório. Já no âmbito da graduação a maioria considera que foi satisfatório (30%) ou razoável (40%), informações diferentes das encontradas por Pereira (1997) onde a graduação é pouco citada como de importante contribuição.

Ainda fica em destaque nesta tabela que 60% dos respondentes referiram grande contribuição dos cursos na sua qualificação como educador no âmbito da sexualidade, mostrando que os mesmos procuraram aprimoramento na área. Também, alguns respondentes destacam que também adquiriram conhecimentos sobre esta temática com amigos e pesquisa, assim como foram adquirida mais maturidade neste enfoque.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do presente estudo ficam destacados alguns aspectos , como segue:

– que os conteúdos são abordados em cargas horárias pequenas, insuficientes para discussão e reflexão da temática;

– que são enfatizados os aspectos anatômicos e funcionais em detrimento de uma visão mais profunda e diversificada sobre a sexualidade;

– que a cada ano repetem-se as revisões, em cargas horárias mínimas, não deixando entrever qualquer aspecto da interdisciplinalidade;

– que na disciplina de Enfermagem em Doenças Transmissíveis existe uma melhor estruturação dos conteúdos, no sentido de capacitar o aluno para atuar como educador no âmbito da sexualidade. Mesmo assim é pequena a carga horária referida, apesar de ser possível entender que nos estágios repetem-se os conteúdos, preparados pelos alunos;

– que os professores não têm consciência de que estão sendo superficiais e pouco reflexivos na abordagem do tema sexualidade

Percebe-se que os docentes "pincelam" informações sobre sexualidade, nas diferentes disciplinas, com ênfase aos aspectos anatomo-fisiológicos. Pretende-se apresentar os resultados deste estudo aos docentes envolvidos e para a Coordenação Geral, de forma a motivar uma discussão neste aspecto, que propicie condições de buscar a interdisciplinalidade.

Queremos contribuir para a interiorização de conhecimentos e sentimentos e talvez possamos evitar situações de gravidez indesejadas em nosso curso, que ocorrem entre2 a 4 alunas a cada ano e abortos que só tomamos conhecimento quando se complicam.

 

5. Referências bibliográficas

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação Geral do PN DST/AIDS. Drogas, AIDS e Sociedade. Brasília, 1995. 152p.

CANO, M.A.T. A percepção dos pais sobre sua relação com os filhos adolescentes: reflexos da ausência de perspectivas e as solicitações de ajuda. Ribeirão Preto, 1997. 142p. Tese (Livre Docência) Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto- Universidade de São Paulo.

DOMINGUES, C.M.A.S. Identidade e Sexualidade no discurso adolescente. São Paulo, 1997.180p. Dissertação ( Mestrado) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

EGRY, E.Y. O docente de enfermagem e o ensino da sexualidade humana: ação educativa através da pesquisa participante. São Paulo, 1985. 157p. Tese (Doutorado) Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

JESUS, M.C.P. Educação sexual e compreensão da sexualidade na perspectiva da enfermagem in Projeto Acolher : um encontro da enfermagem com o adolescente brasileiro. Brasília : ABEn/Governo Federal, 2000.

MORAES, C.J. Pais e Educadores – Reflexão inicial sobre Adolescência e Sexualidade. Campinas, 1997. Monografia de conclusão do curso de Psicologia Escolar, PUCCAMP.

PEREIRA, V. M. Sexualidade e a formação do profissional de enfermagem – O estudo da sexualidade humana nos cursos de enfermagem no Estado de São Paulo – 1997 in Sexualidade em temas, FUNPEC , cap. 8 , 2000.

SANCHES, S.E.P. Gênero e Sexualidade : um estudo em adolescentes nos centros educativos de segundo grau. Cajamarca, Peru – 1996 . São Paulo, 1997.Dissertação( Mestrado) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

SUPLICY, M. at al. Sexo se aprende na escola. São Paulo. Olho d’água. 1995

TIBA, I. Adolescência – O despertar do sexo São Paulo. Ed. Gente. 1994

VITIELLO, N. Reprodução e sexualidade : um manual para educadores. São Paulo, CEICH, 1994.

 

 

* Este trabalho constitui-se em parte da dissertação de mestrado, desenvolvido junto ao programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).

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A música como elemento facilitador na interação docente-aluno

 

Music as a facilitating element in teacher-student interaction

 

 

Célia Souza de A. Ramin; Claudia Bernardi Cesarino; Rita de Cássia H. M. Ribeiro; Vânia Zaqueu Brandão

Docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 – CEP: 15090-000

 

 


RESUMO

A interação docente-aluno nem sempre é fácil, o que pode prejudicar o processo ensino-aprendizagem. Esta relação pode ser facilitada com o uso da música, pois desperta os processos sensório-perceptível do cérebro. O objetivo deste estudo foi verificar a influência da música na interação docente-aluno e o papel da música enquanto elemento facilitador na concentração do aluno em sala de aula e foi desenvolvido durante as aulas teóricas da disciplina de Enfermagem Cirúrgica, no decorrer de 05 dias, quando os alunos tiveram a oportunidade de ouvirem a música "Fuga" de Bach em dois momentos e nestes, a sala ficava na penumbra, a porta era fechada e solicitava-se a cooperação de todos durante aproximadamente 05 minutos. Depois foi solicitado aos alunos para exporem suas opiniões. Os depoimentos obtidos foram dados de forma espontânea e realizado a análise temática de Bardin. Constatou-se que a música pode ser considerada um elemento facilitador na interação docente-aluno, além de ter demonstrado influência na capacidade de concentração do aluno. Portanto, a música foi um elemento altamente positivo no processo ensino-aprendizagem e deve ser considerada como uma aliada na interação docente-aluno.

Palavras-chave: música, facilitador, interação


ABSTRACT

Teacher/student interaction is not always easy, which may impair the teaching-learning process. This relation can be facilitated by means of music, since it stimulates the sensory-perceptive brain processes. This study aimed to verify the influence of music in teacher-student interaction and the role of music as a facilitator for the student’s concentration in the classroom. During 5 days, the students were asked to listen to Bach’s "Fuga" at two moments during classes in Surgical Nursing. The room was made dark, the door was closed and everybody was asked to cooperate for about five minutes. Afterwards, all students were asked to express their opinion. Bardin’s subject analysis was used for processing the spontaneously obtained stories. The results showed that music can be considered a facilitator in teacher/student interaction. Moreover, it was demonstrated that music influenced the students’ concentration capacity. Therefore, music was a highly positive element in the teaching-learning process and should be considered an ally in student/teacher interaction.

Key words: music, facilitator, interaction


 

 

Introdução

A música tem acompanhado a história da própria humanidade exercendo diferentes funções, despertando os mais variados tipos de respostas do ser humano como a expressão de sentimentos, a comunicação, o relacionamento, o estado de ânimo, ainda que de uma forma não totalmente esclarecida, além de sempre existir a tentativa de explorá-la enquanto recurso terapêutico (MATEUS, 1998).

A civilização egípcia é uma das mais antigas do mundo. Nas encenações arqueológicas realizadas em templos, pirâmides e tumbas, foram encontrados baixos relevos, murais, mosaicos e objetos que atestam atividades musicais de caráter religioso, militar e social, bem como a existência de instrumentos de música, muitos séculos antes da era cristã (McCLELLAND, 1994).

Dos povos da antiguidade, os gregos, sem dúvida alguma, foram os mais adiantados em todas as artes. A palavra música significa "arte das musas", e na mitologia grega as musas representavam os seres celestiais, que eram divindades que inspiravam as artes e as ciências. Orfeu, filho de Apolo, era o deus da música e poesia. À Pitágoras é atribuído a descoberta da relação matemática dos princípios da nota musical. O ensino da música era obrigatório e ela estava presente em todas as manifestações da vida pública, tais como festas religiosas, jogos esportivos, teatros, funerais e combates (MATEUS, 1998).

No Brasil, a primeira influência musical é indígena. Os jesuítas notaram a disposição dos índios para a música. Manoel da Nóbrega dizia: "com a música e a harmonia me arrisco a atrair todos os indígenas". Os colonizadores portugueses trouxeram a canção romântica e foi com o elemento africano que a música brasileira sofreu importante influência, pois animou a vida doméstica do brasileiro e transformou a melancólica música trazida pelos portugueses em alegria (MATEUS, 1998).

Para Smith (1990) a música é ritmo, harmonia e melodia que mobiliza com exclusividade todo ser humano, e assim, contribui ativamente para a formação ou restauração da ordem mental do homem. No processo de comunicação o som faz com que as pessoas se relacionem, trabalhem e vivam em sociedade interagindo. O som é vida. O som da voz do docente dirigida ao aluno pode ser um elemento facilitador ou não da interação entre ambos.

Ruud (1991) enfatiza que a exposição ao som desperta os processos sensório-perceptível do cérebro e que a sua adequada utilização estimula a atenção, propriedade intensificada quando o som se faz sob a forma de música.

Som é vida, e quando a vida é embalada por música, esta vida se torna mágica ou trágica dependendo do estilo musical. Dourado (1992) afirma que a música pode tencionar ou relaxar independentemente de nossa capacidade ou vontade. A música desperta a atenção e estimula a confiança do indivíduo em si mesmo; ela pode dar vigor, levantar ânimo, ou mesmo deprimir, dependendo do estilo musical (SILVA, 1994).

A música tem entendimento universal e sua utilização como elemento de comunicação acontece desde há muito tempo com Platão e Aristóteles. Pela música podemos evocar ou realçar as imagens, rir ou chorar, dispersar ou concentrar, ficar tenso ou relaxar (RUUD, 1991).

Santos (1992) relata ser difícil encontrar uma parte do corpo que não esteja sujeita aos efeitos musicais, pois a música influi na pulsação, na respiração, na atividade muscular, nas secreções internas e na circulação acelerando ou diminuindo seu ritmo. Os organismos vivos são osciladores e quando vibram aproximadamente na mesma frequência, tendem a entrar no mesmo ritmo. Estar relaxado é estar em harmonia consigo mesmo e com o mundo.

Como docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), tendo que ensinar e aprender o tempo todo, a interação docente-aluno sempre foi uma preocupação, uma vez que se a mesma não for eficaz, o processo de ensino-aprendizagem com certeza é prejudicado. Então vislumbramo-nos com a possibilidade de utilizarmos a música como elemento facilitador na comunicação, ou seja, interação docente-aluno.

Utilizando a música como recurso para o desenvolvimento do ser humano, da sociedade e das relações interpessoais, elaboramos nosso estudo com os seguintes objetivos: verificar a influência da música na interação docente-aluno; verificar o papel da música enquanto elemento facilitador na concentração do aluno em sala de aula.

 

Metodologia

O estudo foi realizado com 28 alunos da 3ª série do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto durante o desenvolvimento das aulas teóricas da disciplina de Enfermagem Cirúrgica. No decorrer de 05 dias, os alunos tiveram a oportunidade de ouvirem a música "Fuga" de Bach em dois momentos. O primeiro momento aconteceu antes do início da aula e o segundo momento antes do reinício da aula, após o intervalo de 20 minutos. Nestes momentos a sala ficava na penumbra, a porta era fechada, solicitava-se a cooperação de todos e iniciava-se a música com duração de aproximadamente 05 minutos. No último dia os alunos foram convidados a exporem suas opiniões sobre a nova experiência vivenciada. Espontaneamente 18 alunos (64,3%), dos 28 que estavam presentes, deram seus depoimentos na própria sala de aula, que foram gravados e posteriormente transcritos. Para análise dos dados, foi utilizado a análise de conteúdo temática de Bardin.

 

Análise e discussão dos dados

Os depoimentos obtidos foram dados de forma espontânea, e todos alunos que se dispuseram a responder (18) relataram ter sido positiva, a experiência vivenciada, em vários aspectos, pois ajudou na concentração facilitando a assimilação do conteúdo, proporcionou melhor relacionamento com o docente, além de propiciar momentos de relaxamento. Dos depoimentos obtidos emanaram as seguintes categorias:

 

Relaxamento e diminuição do estresse

Nesta categoria foi encontrada a maioria dos depoimentos (15), ou seja 83,3%. Para Claret (1996) estar relaxado é estar em harmonia consigo mesmo e com o mundo, é estar em equilíbrio, e para se conseguir este efeito é necessário aprender a ouvir música. Summers apud Mateus (1998) comenta sobre o efeito da música na diminuição da ansiedade em estudantes de enfermagem.

Esses resultados demonstram que a música provoca um relaxamento, quando utilizada no processo ensino-aprendizagem, de acordo com os relatos abaixo:

"... a música em mim primeiramente causou um relaxamento ..."; "... proporcionou momentos de relaxamento físico e mental ..."; "... foi muito relaxante ..."; "... faz com que relaxemos e esqueçamos dos problemas ..."; "... o pessoal se manteve mais calmo e relaxado depois da música ..."; "... relaxou o corpo e me fez viajar ..."; "... eu me sentia relaxado após a música, porque sempre venho para a aula com a cabeça a mil ..."; "... gostei muito, pois achei que relaxa, descontraí ...’; "... é relaxante, torna o dia mais agradável ..."; "... relaxa e faz com que a gente fique com a mente aberta ..."; "... foi relaxante ..."; "...a idéia é ótima e nos ajuda a relaxar para enfrentarmos uma jornada dura e sofredora ..."; "... serviu para relaxar em alguns momentos ..."; "... proporcionou a todos um local agradável e menos estressante ...".

 

Atenção e interesse

Silva (1994) atribui à música efeitos sobre a atenção, enquanto que Ruud (1991) enfatiza que sua adequada utilização estimula a atenção.

Segundo os depoimentos, a música provoca alterações no comportamento dos alunos, que em 55,5% (10) referiram maior atenção e interesse no decorrer do desenvolvimento da aula, demonstradas nas falas abaixo:

"... a música proporcionou uma atenção mais aguçada ..."; "... houve uma maior atenção na aula ..."; "... eu prestei mais atenção nas aulas ..."; "... a aula se tornou menos cansativa e mais interessante ..."; "... houve mais interesse da classe em participar da aula ..."; "... ficamos muito mais atento às explicações ..."; "...me deixando interessada e pensativa ..."; "... ajudou a melhorar minha atenção na aula e da classe como um todo ..."; "... com a mente aberta e mais atenta às aulas ...".

 

Aumento da concentração e melhoria da aprendizagem e rendimento

Mateus (1998) destaca a música como elemento facilitador para a compreensão e aprendizagem do ser humano, e neste estudo tal categoria teve 38,9% (07) dos depoimentos, vindo a confirmar a música como elemento positivo no processo ensino-aprendizagem, já que segundo os entrevistados, melhora a concentração, o que contribui significativamente para a melhoria do rendimento, conforme os exemplos abaixo:

"... a música causou em mim um melhor aprendizado ..."; "... um melhor rendimento da matéria ..."; "... facilitando um melhor raciocínio ..."; "... aumentando o nível de concentração ..."; "... mais preparada para me concentrar na aula ..."; "... facilita a nossa concentração na aula ..."; "... acho que rende mais o nosso aprendizado ...".

 

Alteração no padrão cárdio-pulmonar

A música equilibra o metabolismo do corpo, atividade muscular e a respiração; influencia a velocidade do pulso e a pressão arterial, além de minimizar os efeitos da fadiga (CLARET, 1996). Neste estudo 16,7% (03) alunos confirmam as achados citados, descritos abaixo:

"... a música tornou minha respiração mais leve e meu coração diminuiu o número de batimentos cardíacos ..."; "... senti uma mudança no padrão cárdio-pulmonar ..."; "... com o passar dos dias, senti um declínio nos meus batimentos cardíacos e na minha respiração ..."

 

Interação docente-aluno

Silva (1996) refere que somos seres da comunicação e o existir do homem é possível por meio dela. Sabemos que o relacionamento consiste do encontro entre duas ou mais pessoas, encontro este facilitado pela música que é uma linguagem universal. Na interação docente-aluno, a presença da música teve um papel significativo segundo os depoimentos abaixo, que totalizaram 11,1% (02):

"... a música quebrou um pouco do tabu que os alunos tinham em relação ao professor, o que melhorou a comunicação e a interação docente-aluno .."; "... ocorreu uma maior interação docente-aluno ...".

 

Considerações finais

Com base nos depoimentos dos alunos, pudemos constatar que a música pode ser considerada um elemento facilitador na interação docente-aluno, além de ter exercido influência no comportamento dos alunos, pois a mesma, segundo relatos, relaxou, descontraiu e até mesmo alterou os batimentos cardíacos e a respiração dos alunos. Também influenciou na capacidade de concentração do aluno, aumentando a atenção no transcorrer da aula e consequentemente o aprendizado. Outro aspecto interessante observado, foi a redução do estresse e da agitação, o que vem ao encontro de Manzolli (1996), que introduziu a música em sala de aula com a finalidade de relaxar o aluno nas situações estressantes de avaliação e auxiliar na sua criatividade entre outras.

Portanto, a música foi um elemento altamente positivo no processo ensino-aprendizagem, devendo ser mais utilizada. Nós como docentes, certamente, passaremos a conter com a música como aliada na interação docente-aluno, visando um aumento da qualidade do nosso curso de graduação.

 

Referências bibliográficas

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^rND^sSILVA^nA.L.^rND^sSILVA^nR.^rND^sSMITH^nM.^rND^sSILVA^nA.L.^rND^sSILVA^nR.^rND^sSMITH^nM.^rND^1A01^nIsabel C.^sBonadio^rND^nMárcia D.^sKoiffman^rND^nMárcia M.^sMinakawa^rND^1A01^nMárcia A. Ferreira de^sOliveira^rND^1A01^nIsabel C.^sBonadio^rND^nMárcia D.^sKoiffman^rND^nMárcia M.^sMinakawa^rND^1A01^nMárcia A. Ferreira de^sOliveira^rND^1A01^nIsabel C^sBonadio^rND^nM rcia D^sKoiffman^rND^nM rcia M^sMinakawa^rND^1A01^nM rcia A. Ferreira de^sOliveira

Da relação conflituosa ao respeito mútuo: a consolidação do papel da enfermeira obstétrica na assistência ao nascimento e parto*

 

From conflicting relationship to mutual respect: consolidation of the role of midwives in childbirth care

 

 

Isabel C. BonadioI; Márcia D. KoiffmanII; Márcia M. MinakawaII; Márcia A. Ferreira de OliveiraIII

IEnfermeira Obstétrica. Profa. Dra. do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psquiátrica da EEUSP (icbonadio@osite.com.br)
II Aluna do Curso de Graduação em Enfermagem da EEUSP. Bolsista IC-FAPESP (koiffman@uol.com.br)
IIIEnfermeira. Profa. Dra. do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psquiátrica da EEUSP

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho, de abordagem qualitativa, é discutir os aspectos relacionais da equipe obstétrica evidenciados na descrição da experiência dos profissionais que integravam o Projeto da SES/SP "Inserção da enfermeira obstétrica na assistência ao parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo". Os sujeitos da pesquisa são enfermeiras obstétricas e médicos obstétras de quatro maternidades da rede estadual. Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada. A análise consistiu em leituras atentas e criteriosas dos depoimentos, levando a seleção de grupos de pensamentos comuns, que receberam uma identificação temática, compondo assim uma categoria. Este trabalho enfoca as categorias relação conflituosa e relação de respeito mútuo, autonomia e colaboração. O relacionamento conflituoso da equipe obstétrica, provavelmente foi movido pelo contexto histórico e social entre as duas categorias. Os resultados mostraram que o momento atual requer a participação da enfermeira obstétrica para se organizar enquanto categoria profissional, para consolidar a importância de seu papel na assistência ao nascimento e parto.

Palavras-chave: enfermagem obstétrica; trabalho em equipe; relacionamento interpessoal


ABSTRACT

This study uses a qualitative approach and aims to discuss the relational aspects about the obstetric staff, which were evidenced in the description of the experience of the professionals that took part in the SES/SP Project "Insertion of the midwife in childbirth care in the São Paulo State Health Department". The research subjects were midwives and obstetricians from four maternity hospitals of the state network. Data were collected through semi-structured interviews. Analysis consisted of careful and detailed reading of the interviews, leading to a selection of groups with common thoughts, which received a thematic identification, thus making up a category. This study focused on two categories: conflicting relation and relation of mutual respect, autonomy and collaboration. Conflicting relations among members of the obstetric staff were probably influenced by the historical and social context. The results showed that the current situation requires the participation of midwifes, for them to become organized as a professional category with a view to consolidating the importance of their role in childbirth care.

Key words: obstetric nursing; teamwork; interpersonal relationship


 

 

Introdução

A Organização Mundial de Saúde (OMS), acompanhando uma tendência mundial de se resgatar a qualidade e a humanização da assistência ao nascimento e parto elaborou uma série de recomendações descritas no documento "Assistência ao Parto Normal: um guia prático". Segundo esta publicação, o objetivo principal da assistência ao parto normal deve ser o de "ter uma mãe e uma criança saudáveis, com o menor nível de intervenção compatível com a segurança" e que qualquer intervenção deve estar respaldada por uma razão válida e fundamentada. Dentro deste contexto, o prestador de serviços no parto normal deve estar preparado para dar apoio à mulher, ao seu parceiro e à sua família durante o trabalho de parto, no momento do nascimento e no pós-parto (OMS, 1996). Dentre os profissionais de saúde capacitados para atuar na assistência ao parto, a OMS tem apontado, não apenas no documento acima mencionado, mas também em outras proposições para estimular o parto normal e a maternidade segura, a enfermeira obstétrica ou obstetriz como o provedor de cuidados primários de saúde mais adequado para esta função. Neste sentido, a OMS tem recomendado maior participação deste profissional na assistência à gestante de baixo risco e ao parto normal sem distocia.

A progressiva incorporação da tecnologia e a elevação das taxas de cesarianas produziram, por sua vez, um impacto negativo sobre as oportunidades de capacitação e atuação das enfermeiras obstétricas no parto, cujo reflexo pode ser observado pelo limitado número de profissionais qualificadas nos últimos 20 anos pelas escolas de enfermagem do Brasil (BONADIO et al., 1999). Atualmente, observa-se um movimento de reabilitação da atuação dos profissionais não-médicos (parteiras, obstetrizes e enfermeiras obstétricas) na assistência ao parto com o objetivo de se resgatar a qualidade e humanização da assistência para redução dos índices de morbimortalidade materna e perinatal, a despeito dos obstáculos para a atuação destes profissionais, entre eles a dificuldade de comunicação e de trabalho em equipe com profissionais médicos. Para que o trabalho em equipe ocorra de uma maneira eficiente Peduzzi (1998) aponta que não basta a eficiência técnica, mas também é preciso boas relações interpessoais como amizade, respeito, união e envolvimento no grupo além da preocupação em conhecer, reconhecer e considerar o trabalho dos demais, seja ou não, da mesma área de atuação.

Com o objetivo de vencer estes obstáculos e otimizar resultados maternos e perinatais no Estado de São Paulo, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP), através da Coordenadoria de Saúde da Região Metropolitana da Grande São Paulo, a partir de maio de 2000, implementou em quatro das maternidades da rede o projeto "Inserção da Enfermeira Obstétrica na Assistência ao Parto na Secretaria de Estado da Saúde", vinculado à diretriz política do Ministério da Saúde para a área de saúde da mulher e ao Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. O acompanhamento do desenvolvimento do Projeto previu avaliação por meio de investigação científica dos resultados maternos e perinatais, da satisfação da clientela e da experiência da equipe obstétrica, que foi obtida pela descrição da experiência das enfermeiras e dos médicos obstetras. O Projeto da SES/SP teve repercussões importantes na assistência ao parto, no entanto existem ainda muitas situações difíceis a serem superadas, dentre elas o relacionamento da equipe obstétrica.

Diante disso, o objetivo deste trabalho é discutir os aspectos relacionais da equipe obstétrica evidenciados na descrição da experiência dos profissionais que integravam o Projeto da SES/SP

 

Método

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa que é utilizada para observar, descrever e analisar características e dimensões subjacentes de um fato ou experiência vivida. Segundo Silva (1997), a intenção da análise qualitativa é responder às questões da pesquisa por meio de organização, interpretação e categorização dos dados, de tal modo que se possa descobrir temas, com finalidade de adquirir conhecimento e dar significado a uma determinada experiência. Portanto, esta abordagem é adequada ao alcance do objetivo proposto para este estudo.

Sujeitos da pesquisa - Os sujeitos da pesquisa são todas as enfermeiras obstétricas e alguns médicos da área de obstetrícia das quatro unidades participantes do Projeto "Inserção da Enfermeira Obstétrica na assistência ao parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo". Foram entrevistados 39 profissionais, sendo 30 enfermeiras obstétricas, uma obstetriz e 8 médicos.

Coleta de dados - Os dados foram coletados por meio de entrevista individual semi-estruturada, realizada com cada um dos sujeitos. As entrevistas foram feitas nos meses de julho, agosto e setembro de 2001, gravadas em fita cassete e transcritas na íntegra pelas pesquisadoras, procurando preservar os depoimentos com relação às idéias, à seqüência e à linguagem que foram utilizadas pelos entrevistados. Antes do início das entrevistas, foi apresentado "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido", previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, que descreve o objetivo da pesquisa, explica sobre o uso do gravador, garante o anonimato e o sigilo profissional e oferece a liberdade de escolha entre participar ou não do estudo. Nenhum dos profissionais se recusou a participar do estudo.

Análise dos dados – A análise iniciou-se com leituras atentas e criteriosas de cada depoimento com o objetivo inicial de identificar o sentido global da experiência vivenciada pelos profissionais participantes do Projeto. Após algumas leituras foram selecionados trechos dos depoimentos de cada sujeito quanto aos aspectos comuns que emergiram com maior destaque e considerados relevantes para a discussão. Desta forma, cada um dos grupos de pensamentos comuns recebeu uma identificação temática que representa a idéia central de todos os trechos ali contidos, compondo, assim, uma categoria temática.

 

Apresentação dos resultados

A experiência dos profissionais participantes do Projeto da SES/SP foi compreendida pela análise dos temas que compõem as categorias identificadas nos depoimentos. Este trabalho enfoca duas categorias temáticas referentes a aspectos relacionais da equipe obstétrica: relação conflituosa e relação de respeito mútuo, autonomia e colaboração.

 

Relação conflituosa

É por meio das interações positivas e das comunicações entre as diversas categorias profissionais, é que se constróem negociações, pactos e consensos quanto a possibilidade de executar atividades cotidianas no trabalho em equipe (PEDUZZI, 1998).

Na assistência obstétrica existe uma superposição de funções, sendo que algumas atividades são da competência tanto do médico quanto da enfermeira obstétrica, gerando uma disputa de poder entre estes profissionais. Neste caso, é necessário que a rotina de serviço e a determinação de quem executará as funções superpostas, sejam estabelecidas por decisão dos profissionais envolvidos, que deverão levar em consideração a finalidade e características da instituição (BERNI, 1994). O depoimento a seguir caracteriza o conflito de papéis existente na equipe obstétrica das maternidades integrantes do Projeto da SES/SP.

"(...) o que eu vejo nos profissionais ... é que eles (enfermeiros) não sabem o que cabe a eles fazer, ficam perdidos e perguntam o que cabe a eles e o que cabe aos médicos (...) são duas equipes distintas em que você tem que lidar com tanto com o que cabe ao médico e o que cabe ao enfermeiro, o médico tem muitas dúvidas sobre o que o enfermeiro pode fazer e o enfermeiro, por sua vez não sabe o que pode fazer" (MO1.1).

A falta de um protocolo comum para as condutas obstétricas foi um dos fatores que propiciaram os conflitos e desgaste no relacionamento com os médicos obstetras, conforme demonstram o depoimento abaixo:

"Existia no Projeto um protocolo, que até hoje nunca saiu do papel, que nós estaríamos fazendo as prescrições. Mas não dá porque cada equipe aqui prescreve uma coisa no trabalho de parto e no pós-parto, aí complica" (EO1.8).

Apesar de existir uma recomendação amplamente divulgada da OMS em relação às condutas adequadas para a assistência ao parto normal sem distócia, existe ainda muitas divergências neste sentido e nem todas as recomendações são aceitas de forma unânime por todos os profissionais, tanto médicos obstetras como enfermeiras obstétricas, principalmente por se tratar de um modelo novo de assistência em nosso país. Neste sentido, a existência de um protocolo comum dentro do Projeto poderia minimizar os conflitos e garantir uma assistência similar às parturientes atendidas.

Massarolo (1991) salienta que a falta de comunicação entre profissionais e a instituição é algo comum e que advém de uma estrutura organizacional prescritiva e normativa que inibe a criatividade e a participação dos funcionários no desenvolvimento e na otimização de assistência comum a toda equipe multiprofissional. No depoimento abaixo, podemos observar a desmotivação por parte do profissional frente a uma estrutura organizacional que desconsidera totalmente a sua capacidade de se expressar.

"O Projeto não foi explicitado nem discutido antes, nem o objetivo, nem quem ia fazer o que, e isto foi uma falha muito grande (...), ficou como "terra de João ninguém, ninguém sabia quem era para fazer" (MO 2.1)

Neste estudo algumas enfermeiras obstétricas expressaram sentimento de revolta por acreditar que estão atuando apenas para aliviar o trabalho dos médicos. Acreditamos que a sensação de estar com sobrecarga de trabalho em relação aos médicos pode ser decorrente não do trabalho em si, mas do fato dos médicos serem melhor remunerados, mesmo tendo diminuído muito sua carga de trabalho após a implantação do Projeto. Esta situação está desmotivando as enfermeiras obstétricas, fato que pode contribuir para aumentar a dificuldade de composição das equipes.

"Então dá a impressão que a gente só veio para amenizar o trabalho do médico e não para formar uma equipe " (EO1.8).

"Eu vejo da seguinte maneira, se nós fizemos uma faculdade, somos graduados, nós temos uma especialização, ... e às vezes eles (médicos) enxergam a gente como mão-de-obra para eles. Eu acho isso desonesto, isso está desmotivando muita gente" (EO1.9).

Os trechos a seguir evidenciam sentimento de desvalorização das enfermeiras obstétricas com relação aos profissionais médicos em virtude do não reconhecimento financeiro do seu trabalho e de sua posição de submissão dentro da equipe.

"Os médicos estão sendo pagos por produtividade, quer dizer, nós fazemos os partos e eles recebem em nosso lugar, isso causou uma revolta terrível nas enfermeiras obstétricas" (EO1.5).

"Isso é uma desvalorização do nosso trabalho e toda desvalorização, queira ou não acaba vindo de cima, existe discriminação. Se você deu oportunidade, abriu, então vamos igualar as coisas, porque assim o profissional se sente mais estimulado" (EO1.12).

Uma das justificativas para situações como esta persistirem, a despeito de ambos os profissionais desempenharem funções que implicam o mesmo nível de responsabilidade, é que até o início da década de 80 a força de trabalho no país era composta de profissionais médicos e atendentes. Com o passar do tempo, houve um incremento de outras categorias profissionais na assistência, como enfermeira, terapeuta ocupacional, farmacêutico, atingindo um número significativo na década de 90. Segundo Spink (1992) estas diferentes profissões, no entanto, ainda mantém uma posição subalterna diante da categoria médica, devido o conhecimento sobre saúde/doença desta categoria, apesar do aspecto transdiciplinar do campo da saúde.

Segundo Peduzzi (1998) o substrato da autonomia profissional também se insere no conhecimento e legitimidade social da categoria, quanto maior a legitimidade social e do saber, maior o âmbito de autonomia profissional. Assim, pelo fato de estar submetida ao condicionamento histórico e depois por perceber-se submissa ao poder do médico, a enfermeira obstétrica ao inserir-se na equipe multiprofissional, enfrenta dificuldades para conquistar um espaço próprio e ser reconhecida como uma profissional capaz, portanto é fundamental instigar um comportamento questionador dos seus próprios valores, uma atitude autoconfiante, enfim, uma mudança que se deve originar no interior desta categoria profissional.

Para tanto, se faz necessário uma capacitação profissional por meio de uma conscientização crítica dos aspectos políticos, econômicos e sociais da realidade histórica da profissão, na qual a competência técnica torna-se realidade profissional quando acompanhada do comprometimento político e do autoconhecimento como força de trabalho e como pessoa (OLIVEIRA, 1994).

Os depoimentos apresentados a seguir mostram que existe um clima tenso entre médicos e enfermeiras dentro de algumas unidades, gerando situações que prejudicam o ambiente de trabalho dificultando o relacionamento entre enfermeiras e médicos.

"(...) eu vejo problemas entre médicos e enfermeiras obstétricas, relacionamento, hoje o que eu vejo pior é o relacionamento. O enfermeiro tem que respeitar o médico assim como o médico tem que respeitar o enfermeiro, (...) os enfermeiros estão batendo de frente com os médicos, isso não deveria estar acontecendo (...)" (MO1.1).

"Você trabalha 12 horas por dia e tem médicos que não dá "bom dia", não é difícil?..." (EO 3.2).

"Logo no início do projeto eles ficaram agressivos, não agressivos assim a ponto de xingar, mas aquela certa distância tá, entre o médico e a enfermagem.." (EO 3.9)

Antunes e Sant Anna (1996) salientam que o clima organizacional predominantemente negativo reflete no comportamento dos profissionais que pode acabar induzindo outros membros da equipe adotarem a mesma postura ou mesmo desempenhando uma assistência às pacientes de uma forma não tão eficaz, portanto a questão de relacionamento e comunicação dentro das equipes multiprofissionais é de extrema importância para o bom andamento e desenvolvimento de atividades no centro obstétrico ou em qualquer unidade hospitalar.

Segundo Peduzzi (1998), a interação entre os profissionais significa o estabelecimento da comunicação entre os mesmos para entendimento dos cuidados prestados, dos procedimentos, além de proporcionar uma assistência adequada e integral ao mesmo.

O trabalho desintegrado com o da equipe médica foi apontado pelas enfermeiras obstétricas, comprovando que uma especialidade profissional isoladamente não consegue, por si só, atender integralmente às necessidades de saúde dos pacientes, necessitando estimular a interdisciplinaridade e a complementaridade das práticas entre as equipes de enfermeiras e de médicos.

"...não há uma integração muito grande, eles são médicos e nós somos enfermeiras, então, às vezes, é difícil conseguir trabalhar junto. O pré- parto a gente que controla, quando a gente acha que precisa de uma avaliação, eles são solicitados, eles não assumem nada, a gente assume totalmente o pré-parto, então acho que não está havendo uma integração..." (EO 3.5)

"... uma paciente que entra, você não sabe nada, como aconteceu algumas vezes, é que os médicos estão na porta eles avaliam, entra mecônio, e aí eles não avisam que é um mecônio. Eles não são capazes de chegar e falar ... aí entro em desespero, poxa vida!" (EO3..).

É importante salientar que apesar dos saberes serem peculiares, tanto do profissional médico obstetra quanto da enfermeira obstétrica assistem à parturiente e o seu bebê com enfoque diferente. Pelo fato da enfermeira obstétrica colocar em prática suas habilidades humanísticas ao assistir o trabalho de parto, as duas categorias profissionais se complementam, possibilitando responder e atender as necessidades de saúde ou doença diferentemente e, ainda, criando oportunidades de troca de conhecimentos.

 

Relação de respeito mútuo, autonomia e colaboração

Em contrapartida aos depoimentos citados anteriormente, os relatos abaixo nos remetem aos aspectos positivos destacados no relacionamento entre os profissionais envolvidos no Projeto.

Os depoimentos a seguir mostram que a competência técnica da enfermeira obstétrica constitui um facilitador das relações dentro da equipe, sobretudo em relação aos médicos.

"A interação com a equipe médica depende do perfil do enfermeiro, porque se você mostra conhecimento, se você mostra interesse no que está fazendo, se você mostra que aprendeu, o médico acaba respeitando e assumindo a paciente junto com o enfermeiro. Agora se o enfermeiro não demonstra isso, eles acabam atropelando" (EO1.6).

"Então a aceitação está sendo bem melhor agora e a partir do momento que você mostra seu trabalho também confiam, porque assim que a gente entrou eles não conheciam o nosso trabalho e a partir do momento que a gente começou trabalhar em equipe eles começaram a conhecer o nosso trabalho, então ficou mais fácil." (EO 2.5)

A conquista de espaço pela enfermeira obstétrica depende, sobretudo, da oportunidade destes profissionais em demonstrar seu conhecimento técnico e, consequentemente, afirmar seu papel dentro da equipe. Machado (2000), em um estudo sobre a manifestação de poder segundo a percepção de enfermeiros, chegou a conclusão de que o conhecimento é uma arma para o exercício do poder tanto nas relações com a equipe de enfermagem e médica e com os pacientes.

Peduzzi (1998) aponta, no entanto, que a eficiência técnica não é suficiente para o bom andamento do trabalho em equipe, mas também é preciso boas relações interpessoais, preocupação em conhecer, reconhecer e considerar o trabalho dos demais, seja da mesma área de atuação, seja de outras, a fim de que o trabalho em equipe ocorra de uma maneira eficiente.

A esse respeito Lunardi Filho citado por Alves-Pereira (1999) considera que a confraternização e a intimidade e a conseqüente informalidade nas relações pessoais e profissionais favorecem o desenvolvimento de um trabalho de equipe solidário, desse modo, mais tranqüilo e prazeroso.

Foram também identificadas situações nos depoimentos que mostram existir respeito e autonomia de trabalho para a enfermeira obstétrica na relação com a equipe médica.

"Nós trabalhamos numa sintonia muito afinada, não sinto dificuldade (...). Parece que atualmente existe uma conscientização de outras disciplinas em relação à enfermagem obstétrica (...) existe muito respeito pelo nosso trabalho" (EO1.11).

"Eu sinto que o trabalho da enfermeira obstétrica é muito respeitado e aqui você tem muita autonomia, você pode tomar determinadas condutas, desde que você tenha o conhecimento para isso" (EO1.12).

Neste sentido, podemos fazer uma previsão otimista ao afirmar que grande parte dos obstáculos apresentados no relacionamento médico-enfermeira obstétrica se dão em função da falta de (re)conhecimento por parte dos médicos do papel e competência da enfermeira na assistência ao parto, obstáculos estes que podem ser superados quando a sua situação se consolidar na equipe, ao longo do tempo. É claro que não podemos deixar de lado as características pessoais de cada um dos profissionais envolvidos nesta relação, que podem tanto facilitar como dificultar o bom entrosamento da equipe.

Ressaltamos ainda a necessidade de conscientização de toda a equipe de enfermeiras da importância da competência e experiência profissional na superação dos obstáculos para a atuação da enfermeira obstétrica, como revela a fala "desde que você tenha conhecimento para isso...".

 

Considerações finais

O relacionamento conflituoso entre enfermeiras obstétricas e médicos na equipe, provavelmente foi movido pelo contexto histórico e social entre as duas categoria profissional, em que prevalece a supremacia médica diante de outras categorias profissionais. É importante ressaltar, no entanto, que estas dificuldades devem ser superadas na medida que as enfermeiras obstétricas consolidem a sua presença na assistência ao parto nas Unidades participantes do Projeto da SES/SP. Uma vez ocupado e consolidado este espaço de atuação, os novos profissionais que vierem a fazer parte das equipes poderão encontrar um ambiente mais favorável, acolhedor e que possibilite a ampliação dos conhecimentos adquiridos durante sua formação específica.

Portanto, com este trabalho pretendemos despertar nos profissionais participantes do Projeto, principalmente as enfermeiras obstétricas, a perspectiva de se tornarem sujeitos ativos no processo de superação das dificuldades encontradas. Superado o impacto inicial causado pela inserção da enfermeira obstétrica na assistência ao parto nas unidades participantes do Projeto, acreditamos que o momento atual requer a participação ativa destes profissionais no sentido de se organizar enquanto categoria profissional, para consolidar a importância do seu papel na assistência ao nascimento e parto conforme denota a relação de respeito mútuo, autonomia e colaboração que já vem ocorrendo entre os profissionais de algumas unidades.

 

Referências bibliográficas

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* Extraído do relatório de pesquisa "Atuação da enfermeira obstétrica no nascimento e parto: avaliação da experiência da equipe obstétrica", financiado pela FAPESP.

^rND^sANTUNES^nA. V.^rND^sSANT ANNA^nL. R.^rND^sBERNI^nN. I. O .^rND^sBONADIO^nI.C.^rND^sRIBEIRO^nS.A.O.^rND^sRIESCO^nM.L.G.^rND^sORTIZ^nA.C.V.^rND^sMASSAROLO^nM. C. K. B.^rND^sSPINK^nM. J. P.^rND^sANTUNES^nA. V.^rND^sSANT ANNA^nL. R.^rND^sBERNI^nN. I. O .^rND^sBONADIO^nI.C.^rND^sRIBEIRO^nS.A.O.^rND^sRIESCO^nM.L.G.^rND^sORTIZ^nA.C.V.^rND^sMASSAROLO^nM. C. K. B.^rND^sSPINK^nM. J. P.^rND^1A01^nSueli Ap. Frari^sGalera^rND^1A01^nMargarita Antonia Villar^sLuis^rND^1A01^nSueli Ap. Frari^sGalera^rND^1A01^nMargarita Antonia Villar^sLuis^rND^1A01^nSueli Ap. Frari^sGalera^rND^1A01^nMargarita Antonia Villar^sLuis

O princípio da neutralidade como estratégia de interação enfermeira – família

 

The neutrality principle as nurse - family interaction strategy

 

 

Sueli Ap. Frari GaleraI; Margarita Antonia Villar LuisII

IDepartamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP. Doutoranda em enfermagem do Programa de Doutorado Interunidades das Escolas de Enfermagem da Universidade de São Paulo. sugalera@glete.eerp.usp.br
IITitular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP

 

 


RESUMO

Dada a ênfase atual na questão da família, surgiu o interesse de trazer para a discussão o principio da neutralidade como estratégia de interação enfermeira – família. Este principio fundamenta a abordagem sistêmica da família em cuidados de enfermagem, que tem como principal instrumento a entrevista familiar. Procurou-se fornecer exemplos práticos que facilitassem a compreensão dos conceitos, bem como sua aplicabilidade.

Palavras-chave: família, relacionamento enfermeira-família


ABSTRACT

In view of the current emphasis on the family question, it became of interest to discuss the neutrality principle as nurse-family interaction strategy. This principle underlies the systemic approach to family nursing care, whose main instrument is the family interview . In this paper, we aimed to supply practical examples that could facilitate the understanding of the concepts as well as their applicability.

Key words: family, nurse-family interaction


 

 

Introdução

A família guarda uma relação de proximidade com a enfermagem, pois ambas são ligadas ao cuidado à saúde. Desde Florence Nigthingale a enfermagem reconhece a família como objeto de sua intervenção, no entanto, na maioria das vezes o foco da atenção da enfermagem tem sido o indivíduo. A inclusão da família no cuidado de enfermagem vem ocorrendo em diversas especialidades, com maior ou menor ênfase dependendo da época.

O contexto atual de assistência caracteriza-se por mudanças profundas em nossa maneira de pensar e praticar o cuidado à saúde, colocando a comunidade e a família no centro do nosso enfoque. A criação do Programa de Saúde da Família, a redução do tempo de internação, o incentivo para tratamentos ambulatoriais e para uma rede de suporte mais ampla e flexível na assistência a portadores de doenças crônicas, são exemplos de mudanças que tem exigido a inclusão da família no plano de cuidados.

A família, enquanto célula vital para a saúde humana, é o contexto dentro do qual evolui a saúde do indivíduo. Ela influencia de maneira significativa as crenças de seus membros, suas atitudes e seus comportamentos relativos à saúde e à doença. Hábitos como alimentação, uso de álcool e tabaco, a prática de exercícios físicos e a maneira de lidar com situações de estresse se desenvolvem dentro do contexto familiar (DUHAMEL, 1995).

Portanto, incluir a família como objeto da intervenção de enfermagem é atualmente uma exigência e um desafio. Diversos autores questionam se a enfermagem está preparada para enfrentar este desafio, porém, preparadas ou não, os profissionais da atualidade são colocados cada vez mais em situações de interação com a famílias (HARTRICK et al., 1993).

O objetivo deste trabalho é discutir um dos princípios básicos na interação enfermeira - família: o princípio da neutralidade; e oferecer exemplos práticos de sua utilização.

 

Definição do princípio

O princípio da neutralidade é adotado na abordagem do sistema famíiliar em enfermagem, desenvolvida por Lorraine M. Wrigth e Maureen Leahey na Unidade de Enfermagem Familiar da Universidade de Calgary (WRIGTH; LEAHEY, 2000).

Esta abordagem adota a família como unidade do cuidado e se inspira na Teoria Geral de Sistemas, na Teoria da Cibernética, na Teoria do Conhecimento elaborada pelo biólogo Humberto Maturana e seus colaboradores, em Conceitos de Enfermagem e da Terapia Familiar, principalmente nos trabalhos da "equipe de Milão".

A abordagem sistêmica da família em enfermagem reconhece que a relação entre a dinâmica familiar e uma problemática de saúde é complexa, sendo impossível distinguir claramente os efeitos diretos de uma sobre a outra. Pode-se porém, observar uma co- evolução, onde a dinâmica familiar influencia a evolução da problemática de saúde e esta, por sua vez, influencia a dinâmica da família que, sendo outra, irá interferir na evolução da problemática, num processo contínuo ao longo do tempo.

 

O princípio da neutralidade refere-se à necessidade da enfermeira ser imparcial frente ao sistema familiar

Segundo Tomm (1987) a neutralidade como um princípio da entrevista familiar é uma noção pouco compreendida, pois estritamente falando, é impossível permanecer absolutamente neutro. Apesar desta dificuldade, a neutralidade é importante na abordagem sistêmica, vejamos porque.

Na abordagem sistêmica a família é definida como um grupo de indivíduos vinculados por uma ligação emotiva profunda e por um sentimento de pertença ao grupo, isto é, que se identificam como parte daquele grupo. (WRIGHT et al., 1990).

Segundo Maturana e Varela (1995) toda entidade viva somente pode perceber, responder, pensar, acreditar e agir de acordo com os limites de sua estrutura única como um ser. A realidade descrita por uma pessoa não existe independente dela, pois é uma reformulação de sua experiência. Consequentemente, a realidade que cada membro da família descreve não é uma "realidade objetiva", mas sim uma realidade entre parênteses, pois é uma reformulação de sua experiência vivida.

Nesta perspectiva a neutralidade diz respeito ao interesse da enfermeira pela realidade de cada membro da família, pois ela entende que cada ser humano é único, sendo única também suas experiências em relação aos fenômenos saúde e doença.

Segundo Duhamel (1995) a enfermeira que acredita que a objetividade não existe além dos parênteses terá mais facilidade para manifestar sua neutralidade, pois ela não considera que existe uma "verdade", ou uma visão que seria a mais correta que a outra. Por isso, ela não julga que uma pessoa em particular seja responsável por um problema, ao contrário ela considera que é todo o sistema que mantém o problema.

Assim, ao interagir com a família a enfermeira deve ter uma atitude que reflita respeito e interesse pela "realidade" de todos os membros do grupo, de modo que cada um possa afirmar que a enfermeira não defende um membro em detrimento de outro.

Cechin (1987) defende que uma atitude de neutralidade é mantida pela curiosidade. A curiosidade convida a uma busca contínua de informações, que impedem a enfermeira de adotar uma descrição única do sistema analisado. A curiosidade permite também explicitar diferentes posições ou percepções dentro da família, as quais, muitas vezes, são desconhecidas do próprio grupo.

 

Exemplos práticos

A seguir apresentamos algumas situações vividas por nós em interações com famílias no Programa de Atendimento de Famílias que tem entre seus Membros um Portador de Esquizofrenia (GALERA; LUIS, 2001), nas quais o princípio da neutralidade pode ser observado.

Uma família composta pela paciente, sua mãe, o irmão da mãe e sua filha foi convidada a participar do Programa citado acima. Apesar do convite ter sido estendido para todo o grupo, compareceram aos encontros somente a paciente e sua mãe.

Com o objetivo de manter nossa curiosidade frente a todos os membros do grupo elaboramos as seguintes questões:

Para a paciente: Se o seu tio estivesse presente e eu perguntasse qual a preocupação dele em relação ao seu problema de saúde. Qual seria a resposta dele?

Para a mãe da paciente: Nas conversas da senhora e seu irmão, quais as dúvidas que ele expressa em relação ao problema de saúde de sua filha?

Estas perguntas, embora tratem da percepção da paciente e de sua mãe, permitiram colocar as pessoas ausentes (tio e prima da paciente) no contexto das entrevistas, indicando que as enfermeiras valorizam as opiniões de todos os membros da família.

Em outra família composta pela paciente, sua mãe, sua irmã e seu padrasto, atendidas no mesmo programa, a mãe da paciente nos colocou, desde o início das interações, que seu marido (padrasto da paciente) tinha uma opinião diferente sobre a doença da paciente. Por isso ela achava melhor que ele não participasse. Porém, em todos os encontros, o padrasto estava presente, permanecendo quieto.

Nossa estratégia nesta situação foi de solicitar a opinião do padrasto, procurando criar um espaço para que ele se expressasse. Tão logo sua esposa parava de falar sobre um determinado assunto, solicitávamos a opinião do marido sobre o assunto. No início, quando o marido começava falar, a mãe e as filhas riam ou iniciavam uma conversa paralela. Ao longo do tempo, estas reações foram diminuindo. Pode-se então trabalhar com duas opiniões diferentes sobre o problema de saúde da paciente, a opinião da mãe (o problema é uma doença difícil de controlar) e a do padrasto (o problema é rebeldia e a mãe deveria ser mais enérgica).

Duhamel (1995) sugere que as enfermeiras que se propõem a ajudar famílias com alguma problemática de saúde, devem convidar e estimular a participação do maior número possível de pessoas da família. É importante recolher a percepção de cada membro quanto ao funcionamento da família, pois são elas que influenciarão os comportamentos de cada um, assim como o funcionamento de todo o sistema familiar. A saúde familiar depende dessas percepções e deste funcionamento.

 

Considerações finais

As enfermeiras estão habituadas a coletar dados, identificar problemas e propor intervenções para seus pacientes e familiares. Estas tarefas geralmente estão centradas nas concepções que a enfermeira tem sobre necessidade e sobre o quê é melhor para o paciente. Assim, freqüentemente, as enfermeiras visam convencer os pacientes a adotarem certos comportamentos, acreditando que existe uma visão correta da situação.

Duhamel (1995) salienta que nessa concepção poderá ser difícil dar provas de neutralidade e de flexibilidade no início da relação com a família. É impossível ser curioso se existe a crença em uma única verdade.

 

Referências bibliográficas

CECHIN, G. Hypothesizing, circularity and neutrality revisited: an invitation to curiosity. Family Process, v.26, n. 4, p. 405-413, 1987.

DUHAMEL, F. La santé et la famille: une approche systémique en soins infirmiers. Montréal, Gaëtan Morin Editeur, 1995.

GALERA, S. A. F.; LUIS, M. A. V. Programa de atendimento na comunidade ao portador de esquizofrenia e sua família. Projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2001

HARTRICK, G. ; LINDSEY, A. E. ; HILLS, M. Family nursing assessment: meeting the challenge of health promotion. J. Adv. Nurs., v. 20, p. 85-91, 1993.

MATURANA R.. H; VARELA G, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas. Editorial Psy II,1995.

TOMM, K. Interventive interviewing: Part 1 strategizing as a fourth guideline for the therapist. Family Process, v. 26, n. 3, p. 3-13, 1987.

WRIGHT, L. M. ; LEAHEY, M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. Philadelphia, F. A. Davis Company, Third edition, 2000.

WRIGHT, L. M., WATSON, W. L. & BELL, J. M.. The familiy nursing unit: a unique integration of research, education and clinical practice. In: J. M. Bell; W. L. Watson & L. M. Wright (dir). The cutting edge of family nursing, Calgary' Family Nursing Unit Publications, 1990.

^rND^sCECHIN^nG.^rND^sHARTRICK^nG.^rND^sLINDSEY^nA. E.^rND^sHILLS^nM.^rND^sTOMM^nK.^rND^sWRIGHT^nL. M.^rND^sWATSON^nW. L.^rND^sBELL^nJ. M.^rND^sCECHIN^nG.^rND^sHARTRICK^nG.^rND^sLINDSEY^nA. E.^rND^sHILLS^nM.^rND^sTOMM^nK.^rND^sWRIGHT^nL. M.^rND^sWATSON^nW. L.^rND^sBELL^nJ. M.^rND^1A01^nMargarita A.V.^sLuis^rND^1A01^nSandra C^sPillon^rND^nLílian A.^sCosta^rND^nPatrícia P.^sOliveira^rND^1A01^nMargarita A.V.^sLuis^rND^1A01^nSandra C^sPillon^rND^nLílian A.^sCosta^rND^nPatrícia P.^sOliveira^rND^1A01^nMargarita A. V^sLuis^rND^1A01^nSandra C^sPillon^rND^nL¡lian A^sCosta^rND^nPatr¡cia P^sOliveira

O que os estudantes captam nas propagandas sobre álcool e drogas: um estudo piloto

 

What students pick up from preventive advertisements about alcohol and drugs: a pilot study

 

 

Margarita A.V. LuisI; Sandra C PillonII; Lílian A. CostaIII; Patrícia P. OliveiraIII

IProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP-USP
IIProfessora Assistente do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP-USP. Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. Laboratório de Pesquisa em Álcool e Drogas. Av: Bandeirantes, 3900 - Ribeirão Preto-SP. CEP 14040-902 pillon@eerp.usp.br
IIIAlunas de Graduação em Enfermagem – Iniciação Cientifica –Bolsistas CNPq

 

 


RESUMO

Estudos epidemiológicos indicam que a adolescência tem sido considerado um grupo vulnerável ao experimento de substâncias psicoativas e vários são os fatores que podem contribuir para isso. A presente investigação constitui-se de um estudo piloto afim de obter subsídios para uma investigação maior sobre a opinião e o conhecimento sobre a propagandas preventivas do uso de álcool, fumo e drogas dos estudantes do ensino médio. Através de uma amostra estratificada por sorteio, foram avaliados 45 estudantes (33,74%) do ensino médio de uma escola particular. Os dados mostram que as propagandas preventivas foram vistos e lembrados pela maioria dos entrevistados, sugerindo que para esta amostra foi satisfatória. A televisão por unanimidade, foi um dos meios de comunicação de maior representatividade pelo qual os participantes captaram tais propagandas. Concluindo que há uma incongruência entre as respostas dos alunos, relativo ao contato, principalmente através da televisão com propagandas preventivas e o que eles conseguiram descrever do que assistiram, o objetivo de que aparentemente a campanha, ou seja a conscientização sobre as questões referentes ao álcool, fumo e drogas e a prevenção do seu uso, não está sendo plenamente atingida. As propagandas preventivas mais lembradas referiam–se ao uso do álcool seguido pelo fumo.

Palavras-chave: adolescentes, propaganda, drogas


ABSTRACT

Epidemiological studies indicate that adolescents has been considered a vulnerable group for experimenting psychoactive substances and various factors can contribute to this situation. This research consists of a pilot study aimed at obtaining subsidies for a larger research on the opinion and knowledge concerning preventive advertisements against the use of alcohol, tobacco and drugs among high school students. Through a random sample, 45 (33.74%) high school students from a private school were evaluated. Results show that preventive advertisements had been seen and remembered by most of the interviewees, which suggested that the sample was satisfactory. Television was unanimously mentioned as one of the most representative media through which the participants had been in contact with the advertisements. It was conclude that there was an incongruence between the students’ answers about this contact, particularly through television, and what they were able to describe with regard to what they had seen, it seems that the objective of the campaign, that is, awareness development concerning questions related to alcohol, tobacco and drugs and the prevention of their use, is not being fully achieved. The most frequently remembered preventive advertisements referred to the use of alcohol, followed by tobacco.

Key words: adolescents, advertisement, drugs


 

 

Introdução

A população jovem, particularmente os adolescentes, tem sido alvo de vários estudos, cujo resultados tem conduzido à percepção de que esse grupo etário é o mais vulnerável ao comportamento do consumo de substâncias psicoativas.

Os adolescentes tem mobilizado os pesquisadores na produção do conhecimento relacionado ao fenômeno drogas. Vários estudos epidemiológicos tem sido realizado, abordando o consumo de substâncias psicoativas em grupo de jovens institucionalizados e não institucionalizados, bem como em meninos de rua.

Estudo divulgado pelo CEBRID (1997), mostrou os resultados do 4º Levantamento sobre o uso de drogas entre estudantes de 1º e 2º graus em dez capitais brasileiras, revelando através de comparações com os três levantamentos realizados anteriormente, que o uso de drogas psicotrópicas entre os estudantes de rede pública de ensino vem aumentando significativamente e que a tendência do uso freqüente cresceu para diversas drogas e em várias capitais, assim como o uso pesado e inadequadas abordagens realizadas até aqui para controlar o uso de drogas psicotrópicas. A pesquisa também mostrou, que não houve predomínios de usuários para determinados segmentos sociais, então na elaboração dos programas preventivos, este aspecto não necessitaria de cuidados especiais(1).

Contudo no mesmo estudo verifica-se algumas peculiaridades, dentre elas as preferências entre as substâncias psicoativas indicando a necessidade de reflexão quanto à generalização dos dados encontrados e na escolha de estratégias dos programas de prevenção. Estudos epidemiológicos no Brasil mostram a prevalência do uso de drogas, na maioria das vezes, de maneira esporádica e a título de experimentação entre estudantes de 1º e 2º graus, principalmente de drogas lícitas(2).

Pesquisa buscando identificar as características da população de usuários de drogas, realizada em um centro de tratamento para dependentes, mostrou a partir da análise de 468 prontuários de dependentes que a idade média de início de consumo nesse grupo foi de 17,4 anos. Idade essa pouco acima da média dos estudantes de ensino médio, onde se devem centrar as campanhas preventivas afim de evitar a cronificação do problema, desestimulando o uso experimental das drogas(3).

Outro exemplo de estudos sobre consumo de substâncias psicoativas entre estudantes do ensino privada, mostrou a tendência de iniciação precoce (11-12 anos) do uso de álcool e fumo, seguido de drogas consideradas "menos pesadas" como inalantes e maconha, ocorrendo em idades mais tardias (15-16 anos) a iniciação de outras drogas(4).

Cabe ressaltar, algumas características do comportamento, presentes em maior ou menor grau, tais como o gosto pela aventura, a sensação de que nada vai atingí-lo, e a impulsividade, tornam o jovem mais propenso a comportamentos considerados por especialistas(5) como auto-destrutivos, dentre eles o consumo de cigarros, o uso nocivo de álcool e a dependência de drogas.

Os fatores de risco que maior influenciam os adolescentes, e favorecem à experimentação de substâncias psicoativas são: a curiosidade natural dos adolescentes impulsionando-os a experimentar novas sensações e prazeres, a opinião de amigos, modismo, fácil acesso às drogas e oportunidade de uso bem como o ambiente propício para a experimentação de drogas.(6)

Parece evidente, que adolescentes na fase escolar em especial durante o 2° grau constituem uma população de risco para experimentação das substâncias psicoativas. Explicações como busca pela independência, que acende uma verdadeira luta interna para o adolescente, oscilando entre o desejo de conservar o mundo confortável de sua infância e a necessidade imperiosa de adquirir sua autonomia, auxiliam a justificar a iniciação das drogas.

É importante destacar que o primeiro contato com a substancia química na adolescência, pode provir de um incentivo da própria cultura doméstica, ou através da influencia da publicidade dos meios de comunicação, sugerindo que a necessidade de compreender o verdadeiro significado das atuais propagandas aos adolescentes. Em pesquisa realizada pelo DataTeen(7) com 425 adolescentes de 13 a 18 anos em uma escola pública de Taubaté e uma privada em São Paulo, apenas 3,9 % dos fumantes admitiram ser influenciados pela mídia e 11,8% consideraram que a pressão ou exemplos de amigos eram justificativas para tal comportamento. Esse resultado, contradiz com o estudo publicado no Archives of Pediatric and Adolescent Medicine, revista da Associação Médica Americana, segundo o qual crianças que usavam objetos promocionais de cigarros, como bonés e camisetas, ou tinham amigos fumantes, o risco era quatro vezes mais de se tornarem fumantes na adolescência (8).

O uso de drogas pela população estudantil brasileira não atingiu ainda níveis dramáticos, como o que ocorre nos Estados Unidos da América e países da Europa, razão pela qual deve haver uma maior dedicação às ações preventivas evitando que o problema atinja dimensões maiores(2).

Os resultados obtidos em campanhas preventivas, mostram que elas atingem o público alvo, embora na maioria das vezes não seja possível avaliar a extensão e profundidade dessa exposição, nem o grau de alterações do conhecimento sobre o assunto abordado. De maneira geral, parece que as campanhas preventivas não produziram mudanças significativas nas atitudes e comportamentos, seus resultados não tem sido animadores, sugerindo dúvidas quanto a validade do modelo que vem sendo utilizado no seu desenvolvimento(9).

Relatórios do NIDA (National Institute on Drug Abuse) dos Estados Unidos da América, mostrou através de pesquisas que programas efetivos de prevenção do uso de drogas apresentam relação custo - benefício favorável: para cada 1 dólar gasto em prevenção, economizam-se 4 a 5 dólares em custos com tratamento de dependências químicas(10). Isso só justifica o investimento em campanhas preventivas.

O caminho para a prevenção passa também pelo estímulo a uma sociedade mais crítica em que o adolescente seja incentivado em sua criatividade e seus questionamentos e opiniões sejam ouvidos com tolerância e respeito.

A efetividade dos programas de prevenção dependem do conhecimento prévio das condições do ambiente e das características sócio - demográficas da população. São essas informações que irão definir o tipo de intervenção que deve ser realizada, daí a importância de se conhecer a expectativa do público alvo através do levantamento de opiniões e conhecimentos sobre temas relacionados as drogas.

Buscando identificar as características da população de jovens nessa faixa etária no município de Ribeirão Preto, o presente trabalho objetiva investigar o conhecimento e opinião sobre propagandas preventivas de álcool, fumo e drogas, entre estudantes do ensino médio, visando obter informações para futuras campanhas preventivas.

 

Metodologia

A presente investigação constitui-se de um estudo piloto afim de obter subsídios para uma investigação maior sobre a opinião e o conhecimento de estudantes do 2º grau de uma escola particular sobre a propagandas preventivas do uso de álcool, fumo e drogas.

Inicialmente, foi solicitado a permissão, autorização e apoio para a realização dessa pesquisa à diretoria de uma escola privada, selecionada ao acaso. Foi nos concedido uma listagem das três turmas de alunos do ensino médio existentes nesta instituição, perfazendo um total de 163 (100%) estudantes. Procedeu-se então o estabelecimento da população a ser investigada através da amostra estratificada por sorteio, correspondendo a 45 (33,74%) ou seja um terço dos alunos matriculados no segundo grau, dos quais 15 (33,04%) alunos do 1º colegial, 22 (33,33%) alunos do 2º colegial e 18 (33,96%) alunos do 3º colegial participariam da pesquisa. Caso o aluno sorteado não se encontrasse presente no dia da pesquisa, estabeleceu-se que por sorteio entraria um novo participante.

A pesquisa foi realizada no mês de fevereiro de 2002, através da aplicação de um questionário contendo informações sócio-demográficas (idade, sexo, ano de escolaridade) outras quatro questões com respostas alternativas e duas questões abertas para cada tema (álcool, fumo e droga), por questões éticas e confidenciais não foi necessário a identificação pessoal. A aplicação foi realizada em uma sala de aula pré - estabelecida, onde após o sorteio o aluno se dirigia até o local determinado.

No primeiro dia de coleta de dados, após explicação prévia, os alunos sorteados foram convidados a participarem da pesquisa, foi solicitado que assinassem o termo de consentimento, caso não tivessem completado a maioridade, foram orientados a entregá-lo aos seus responsáveis e trazê-lo no dia seguinte. Com o termo de consentimento devidamente assinado, foram distribuídos os questionários e reafirmado os objetivos do trabalho, assim como os direitos enquanto participantes. De posse desse material, constatou-se que a amostra se restringiu a 45 sujeitos.

 

Tratamento dos dados

Para a análise dos dados foi confeccionado um banco de dados, através do programa de estatística SPSS (Statistical Package Social Science). As questões abertas foram submetidas à análise temática(11) através da leitura das respostas de todos participantes, procurando agregar os conteúdos que revelavam um significado semelhante e cujos componentes apresentassem similaridade, procedendo-se a seguir a interpretação do material.

 

Análise e discussão dos resultados

Esta amostra consiste de 45 (100%) estudantes, em relação ao sexo equivalente entre feminino 23 (51%) e masculino 22 (49%), com idade média de 15,65 anos (Dp. 1,02) (máx. de 17 anos e mín. 14 anos). Cursando o 3º colegial 12 (26%), o 2º colegial 24 (53%) e 1º colegial 18 (17%).

A tabela 1 apresenta a freqüência em números e porcentagem das respostas quanto ao que lembravam das propagandas preventivas do uso álcool, fumo e drogas. No geral, os dados mostram que propagandas preventivas de álcool, fumo e drogas foram vistos e lembrados pela maioria dos entrevistados, sugerindo que para esta amostra foi satisfatória.

A tabela 2 mostra os meios de comunicação pelo qual os participantes captaram tais propagandas preventivas, sendo considerado unânime a televisão, seguido por revista e de agrupamentos compostos por outras mídias com pouca representatividade para propaganda preventivas do álcool, fumo e das drogas, sendo os meios mais recordados pelos participantes. Em contrapartida, quando solicitado aos estudantes que citassem um exemplo de propaganda para os meios de comunicação, houve uma certa incompatibilidade nas respostas,

No caso, das campanhas preventivas do uso de álcool, embora 82,2% dos participantes citassem haver visto na televisão alguma propaganda dessa natureza, 31,1% não fizeram a descrição da mesma e dos 35.8% que lembravam, descreveram situações que associavam o beber ao dirigir e a acidentes. Os demais citaram propagandas referentes ao fumo e transito, ou inventaram slogans. Essas incongruências evidenciam-se nas respostas referentes a outras mídias e válida também para o fumo e as drogas.

Quanto ao fumo, 93,3% dos alunos tiveram contato com a propaganda através da televisão, porém 22,2% não responderam a esse respeito. Dos demais, 69% descreveram matérias divulgadas nesse meio referentes em sua maioria à propaganda do cigarro e as advertências do Ministério da Saúde no final.

Em relação às drogas 84,4% se manifestaram como telespectador de propagandas preventivas de drogas, porém 69% foram capazes de relatar algum conteúdo dessas matérias, slogans (42,4%), imagens da campanha (13,3%) e depoimentos de entrevistados no assunto e "artistas" de programa de televisão e do esporte (13,3%). Parece que em relação às drogas não houve confusão com as campanhas relativas a outras substâncias, talvez por não estarem vinculadas a comerciais de incentivo ao uso ou a outros temas associados (dirigir veículos). Cabe a ressalva de que nos depoimentos, os estudantes parecem haver captado o conteúdo de maneira geral ou vaga ("cara falando um monte de coisas que as drogas fazem", "citaram várias situações, falando o que acontece") não expressando pontos específicos, abordados no depoimento apresentado.

A tabela 3 nos mostra a eficácia das mensagens apresentada nas campanhas preventivas divulgada pela mídia, mostrando um equilíbrio para o álcool, o fumo e as drogas, sugerindo que o objetivo da matéria ou campanha foi "mais ou menos" atingido.

 

Considerações finais

Este estudo mostrou que os alunos de ensino médio pouco ou nada se lembram dos conteúdos veiculados pelas campanhas preventivas, fazendo inclusive associações dessas com outras cuja temática é diferente. Por unanimidade entre os alunos, os meio de comunicação que se destacaram foram a televisão, seguido de revistas com ofertas de propagandas preventivas de drogas. Aparentemente os objetivos dessas campanhas, ou seja a conscientização sobre as questões prejudiciais do uso do álcool, tabaco e drogas, não estão sendo plenamente atingidas entre os adolescentes. Quanto ao tipo de substância psicoativa abordada na propaganda oferecida pela mídia que os estudantes recordaram, o álcool confirmou – se como a mais freqüente.

 

Referências bibliográficas

1. Noto, A.R.; Nappo, S.; Galduroz, J.C.F.; et al. IV Levantamento sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua de seis capitais brasileira. CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - UNIFESP, 1998.

2. Carlini, E.A.; Carlini-Cotrim, B.; Silva-Filho, A.R.; et al.Levantamento Nacional sobre o uso de psicotrópicos em estudantes de 1º e 2º Graus. CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - Escola Paulista de Medicina, São Paulo, 1990.

3. Passos, S.R.L.; Camacho, L.A.D. Características da clientela de um centro de tratamento para dependência de drogas. Revista de Saúde Pública, São Paulo. v.13, n.1, p.64-71, 1998.

4. Godói, A.M.M.; Muza, G.M.; Costa, M.P.; Gama, M.L.T. Consumo de substâncias psicoativas entre estudantes de rede privada. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v.25, n.2, p.150-156, 1991.

5. Carssola, R.M.S. Jovens que tentam suicídio. Antecedentes mórbidos e de condutas auto – destrutivas, um estudo comparativo com jovens normais e com problemas mentais (II). Jornal Brasileiro de Psiquiatria. v.33 n.2, p.93 – 98, 1984.

6. Scivoletto, S.; Morihisa, R.S. Conceitos básicos em dependência de álcool e outras drogas na adolescência. Jornal Brasileiro de Dependência Química. v.2, n.1, p.30-33, 2001.

7. IPA - Pesquisa DataTeen Virtual 98. [Disponível em :http://www.instadolescente.com.br/datateen/cigarro.html ]. Acesso em:08 de Março de 2002.

8- Duffy, SA., Burton, D. Cartoon Characters as Tobacco Warning Labels. Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine. v.154, n. 12, p.1230 – 1236. December 2000

9. PINSKY, I.; SILVA, M.T.A. As bebidas alcoólicas e os meios de comunicação: Revisão de literatura. Revista ABP – APAL. v.7, n.3, p. 115 – 121, 1995.

10. Slobda, Z.; David, S.L. Preventing drug use among children and adolescents: a research – based guide. National Institute on Drug Abuse – NIDA. 99 – 4212, 1997. [http://www.nida.nih.gov]

11. Bardin, L. Análise de Conteúdo. Ed. 70 PERSONA, Lisboa 1977.

^rND^sPassos^nS.R.L.^rND^sCamacho^nL.A.D.^rND^sGodói^nA.M.M.^rND^sMuza^nG.M.^rND^sCosta^nM.P.^rND^sGama^nM.L.T.^rND^sCarssola^nR.M.S.^rND^sScivoletto^nS.^rND^sMorihisa^nR.S.^rND^sDuffy^nSA^rND^sBurton^nD.^rND^sPINSKY^nI.^rND^sSILVA^nM.T.A.^rND^sPassos^nS.R.L.^rND^sCamacho^nL.A.D.^rND^sGodói^nA.M.M.^rND^sMuza^nG.M.^rND^sCosta^nM.P.^rND^sGama^nM.L.T.^rND^sCarssola^nR.M.S.^rND^sScivoletto^nS.^rND^sMorihisa^nR.S.^rND^sDuffy^nSA^rND^sBurton^nD.^rND^sPINSKY^nI.^rND^sSILVA^nM.T.A.^rND^1A01^nMaria José Bistafa^sPereira^rND^1A01^nSilvana Martins^sMishima^rND^nCinira Magali^sFortuna^rND^nSilvia^sMatumoto^rND^1A01^nMaria José Bistafa^sPereira^rND^1A01^nSilvana Martins^sMishima^rND^nCinira Magali^sFortuna^rND^nSilvia^sMatumoto^rND^1A01^nMaria Jos‚ Bistafa^sPereira^rND^1A01^nSilvana Martins^sMishima^rND^nCinira Magali^sFortuna^rND^nSilvia^sMatumoto

Assistência domiciliar produzindo subjetividades e possibilidades de (re) criação do trabalho em saúde*

 

Home care producing subjectivity and possibilities of (re)creation of health work

 

 

Maria José Bistafa PereiraI; Silvana Martins MishimaI; Cinira Magali FortunaII; Silvia MatumotoII

 

 

IEnfermeiras. Doutouras em Enfermagem de Saúde Pública. Professoras do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da EERP-USP. zezebis@eerp.usp.br smishima@eerp.usp.br
IIEnfermeiras da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto e doutorandas em Enfermagem de Saúde Pública na EERP-USP. cinirafortuna@yahoo.com.br smatcmoto@uol.com.br

 

 


RESUMO

O trabalho da enfermeira no Serviço de Assistência Domiciliar da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto constitui-se o objeto deste estudo. Partimos da premissa que prestar assistência domiciliar possibilita reflexão no sentido de rever o modo de agir na saúde. Objetivamos analisar o processo de trabalho desenvolvido pela enfermeira no SAD enquanto um disparador para a transformação da prática de enfermagem e do modelo assistencial e identificar as tecnologias envolvidas pelas enfermeiras no SAD. Elegemos a abordagem metodológica qualitativa para desenvolver esta investigação e como instrumento para coleta de dados, o grupo focal, Morgan (1997). Oito enfermeiras do Serviço de Assistência Domiciliar da SMS-RP foram sujeitos deste estudo. Para a ordenação, organização do material produzido nos grupos focais realizados com as enfermeiras nos apoiamos no processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC - uma proposta recentemente elaborada por Lefèvre et al. (2000). Ordenados os dados, procedemos a análise temática (MINAYO, 1993), permitindo nesse processo identificar a categoria subjetividade.A AD é revelada pelos trabalhadores com potencialidade para reflexão, tendo potência para um agir comprometido com uma prática de saúde/enfermagem voltada para relações de responsabilização, vínculo e humanização, significando incorporação das tecnologias leves na produção de saúde.

Palavras-chave: subjetividade, assistência domiciliar, processo de trabalho


ABSTRACT

The nurse's work in the Home Care Service provided by the Ribeirão Preto Municipal Health Secretariat made up the object of this study. We started from the assumption that delivering home care allows for reflection in order to review how to act in health care. We aimed at analyzing the work process developed by nurses in the Home Care Service as a trigger for the transformation of the nursing practice and care model as well as at identifying the technology used by nurses in the Home Care Service. The qualitative methodological approach was adopted in order to develop this investigation and the focal group, as proposed by Morgan (1977), was used as a data collection instrument. Eight nurses from the Home Care Service of the Ribeirão Preto Municipal Health Secretariat served as research subjects. In order to arrange and organize the material produced in the focal groups conducted with the nurses, we based ourselves on the methodological process as proposed by the Collective Subject's Discourse – DSC, which has recently been elaborated by Lefèvre et al. (2000). As soon as data had been arranged, we proceeded to the thematic analysis (MINAYO, 1993), which allowed for the identification of the subjectivity category. In this process, home care was revealed by workers with the potential for reflection and who had the power to perform in a way committed with a health/nursing practice directed at responsibilization, attachment and humanization relationships, which means the incorporation of low technology in health production.

Key words: subjectivity, home care, work process


 

 

Apresentando o problema

Discutir e buscar formas alternativas para o desenvolvimento da assistência à saúde tem sido pauta constante na agenda das organizações governamentais e não governamentais, bem como das instituições formadoras e de serviços da área da saúde, ainda que com diferentes enfoques, sejam circunstanciadas por medidas racionalizadoras ou propostas de alargamento da cidadania. Esse processo é revestido de uma multiplicidade de objetivos, encontrando-se na mesma arena os que tomam a saúde enquanto um bem público, e aqueles que a tem como um bem de mercado, dando conformações distintas nas formas de organizar os serviços de saúde, bem como na de produzir e distribuir as ações de saúde.

Esta pauta tem sido bastante instigante e nos coloca ao lado daqueles que se preocupam em apresentar contribuições de intervenções no cotidiano que possibilitem uma forma de operar nos serviços de saúde pautada por uma relação trabalhador de saúde/usuário acolhedora; marcada pelo compromisso e co-responsabilidade, também pela preocupação com o desenvolvimento da autonomia do usuário, visando que este vá se apropriando de diversas tecnologias, possibilitando-lhe cada vez mais ir resolvendo ou minimizando parte daquilo que lhe tem causado sofrimento.

Sabemos que esse caminho requer um olhar que não se fixe apenas no que está sendo, mas que ao ver o presente necessariamente se busque os fundamentos deste acontecer em articulações com o passado, ou seja, com o contexto histórico-social. Também consideramos que este olhar deva ter um foco bem iluminado para as relações entre os trabalhadores e entre estes e os usuários dos serviços de saúde, ou seja, a partir da micropolítica (CAMPOS, 1994; MERHY, 1997; MATUMOTO, 1998; FORTUNA, 1999).

Partindo da premissa que a maneira de assistir as pessoas tem uma relação bastante estreita com a concepção de homem e com o processo de construção histórico do conhecimento, e que estes articulam-se à concepção do processo saúde-doença na conformação do processo de trabalho em saúde, pensamos que o estabelecimento de estratégias alternativas de intervenção na realidade necessita considerar estas dimensões

Entendemos que a ação dos trabalhadores no processo de trabalho, como também no processo de trabalho em saúde é permeada por dimensões objetivas, aparentes, explícitas e ao mesmo tempo subjaz dimensões subjetivas, implícitas, não aparentes, implicando num reconhecimento e numa revisão constante dos processos instituídos e instituintes (BAREMBLITT, 1994; MERHY, 1997; FORTUNA, 1999). Nesse sentido, o movimento institucionalista foi um grande aliado para análise desta investigação e ainda, enfrentarmos nosso desafio – contribuir na transformação dos modelos de atenção à saúde.

Em suas características mais gerais, o movimento institucionalista é o conjunto de escolas, comportando diversas tendências, mas independentemente das divergências todas se "propõem propiciar, apoiar, deflagrar com comunidades, nos coletivos, nos conjuntos de pessoas processos de auto análise e processos de autogestão" (BAREMBLITT, 1994, p. 14) significando fundamentalmente reconhecer a capacidade do conjunto de pessoas de explicitar, compreender, adquirir ou readquirir seus conhecimentos, produzindo um saber, gerado no interior heterogêneo do coletivo, acerca de seus problemas, de suas condições de vida, suas necessidades, suas demandas e de seus instrumentos, seus recursos para decidir e deliberar na perspectiva de resolver seus problemas. Os institucionalistas definem instituições como: composições lógicas que regem as relações e o comportamento humano. A depender da forma e grau de formalização dessas lógicas, podem adquirir a configuração de leis, de normas, ou mesmo sem esta configuração, regulam as relações e padrões de comportamentos dos homens na sociedade.

Baremblitt (1994) nos traz duas vertentes plasmadas nas instituições: a vertente do instituinte e do instituído, consideradas como forças produtoras e produtos do processo das relações. Explicitando instituinte são "[...] forças que tendem a transformar as instituições ou também a estas forças que tendem a fundá-las [...] são as forças produtivas de códigos institucionais" (BAREMBLITT, 1994, p. 32).

Por instituído, considera-se o resultado das forças de transformação, o produto, "é o efeito da atividade instituinte" (BAREMBLITT, 1994, p. 32). O instituinte é revestido de um caráter processual, já o instituído apresenta uma característica estática, mas isso não deve ser entendido de forma maniqueísta de valores, respectivamente, bom e ruim, uma vez que: "Na realidadee [...] o instituinte careceria completamente de sentido se não se plasmasse, se não se materializasse nos instituídos. Por outro lado, os instituídos não seriam úteis, não seriam funcionais se não estivessem permanentemente abertos à potência instituinte" (BAREMBLITT, 1994, p. 33).

Estamos assim, ancorando nossos olhares também nessa lógica composta de forças e movimentos dinâmicos/congelados, por reconhecer nas práticas de saúde/enfermagem essas características. Portanto, é aí que também temos possibilidade de encontrar brechas para caminhos potentes de transformações do modo de agir em saúde, na perspectiva de um modelo em defesa da vida

Portanto, iniciativas na área de saúde que busquem instituir intervenções para além da terapêutica individual medicamentosa, não restringindo o atendimento somente às demandas da doença mas considerando o estabelecimento de espaços intercessores, como um momento de se manter diálogos, que valorize a fala e a escuta, os anseios, angústias e expectativas dos usuários, buscando ações intercomplementares entre trabalhadores da saúde, usuários e sociedade.

Assim, estamos aqui investindo nosso olhar nas tecnologias soft (leve), ou seja, aquelas que estão relacionadas "às sabedorias, às experiências, atitudes e compromissos, responsabilidades" (MEHRY, 1994, p. 125), para pensarmos em mudanças e nesse sentido Campos (1994, p. 30) nos encoraja, ao afirmar que o processo de grandes transformações envolve a dimensão subjetiva – o desejo, a vontade de alterar o status quo – e o domínio de uma certa ciência / razão – estar envolvido com um projeto conscientemente construído.

Isto posto, sem contudo, estarmos atribuindo todo peso desta tarefa aos trabalhadores de saúde, acreditamos ser estes um dos pilares importantes para as mudanças e, neste sentido, concordamos com Mehry (1997, p. 72), quando afirma ser a mudança do atual modelo "tarefa coletiva do conjunto de trabalhadores de saúde, no sentido de modificar o cotidiano do seu modo de operar no interior dos serviços de saúde, ou os enormes esforços de reformas macro-estruturais e organizacionais [...] não servirão para quase nada" (MEHRY, 1997, p. 72).

Estamos apostando que nos microespaços de trabalho em saúde existe potência para implementarmos um outro modo de agir em saúde e neste processo de investigação, buscaremos analisar se na conformação do processo de trabalho da enfermeira na assistência domiciliar (AD) há possibilidades/brechas de se instituir mudanças no modo de operar as ações de saúde, imprimindo no cotidiano dos serviços de saúde um fazer na perspectiva da assistência integral.

É nesta perspectiva que tomamos o trabalho da enfermeira no domicílio, como objeto de estudo nesta investigação, olhando aqui para o Serviço de Assistência Domiciliar da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto – (SAD), por apostar que o assistir no âmbito domiciliar possibilita reflexão no sentido de rever o modo de agir na produção de saúde, fugindo de uma conduta estrita de controle da clientela., e de uma prática alicerçada em um único saber. Diante do exposto o estudo tem por objetivo: analisar o processo de trabalho desenvolvido pela enfermeira no SAD apontando seus limites e potencialidades enquanto um disparador para a transformação da prática de enfermagem e do modelo assistencial; identificar as tecnologias envolvidas na prática de enfermagem, e mais especificamente aquela desenvolvida pelas enfermeiras no SAD.

 

Percurso metodológico

Encontramos na abordagem metodológica qualitativa o caminho para desenvolver esta investigação, na medida em que tal perspectiva dá abertura à apreensão da complexidade presente nas relações sociais.

Olhamos para a conformação da prática de enfermagem, tomando o trabalho da enfermeira do SAD, nos atentando para suas potencialidades e limites, enquanto um disparador possível para processos de transformação do modelo assistencial, focalizamos alguns elementos que desenham a conformação de modelos como: a concepção do processo saúde/doença, os procedimentos envolvidos na prática de enfermagem e os processos de subjetivação - objetividade / subjetividade. Assim, elegemos como instrumentos para "coleta de dados" (aspas do termo coleta de dados indicam nossa concordância com Baz e Barriga (1991, p.135) onde os autores nos alertam que nas pesquisas sociais os dados não são "naturais" e não estão prontos na natureza, são produzidos socialmente, são discursos) a serem utilizados, o grupo focal, Morgan (1997), técnica que permite a captação de aspectos relacionais explícitos e implícitos presentes, que por mais que pareçam ser distintos, e /ou estanques analiticamente, sabemos que se apresentam num movimento contínuo de complementaridade, sobreposição e de contradição, ou seja, do interjogo que objetividade/subjetividade representam numa unidade em movimento que compõem a realidade.

Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP, oito enfermeiras constituiram o grupo de pesquisa, sendo enfermeiras das Unidades de Saúde que compõem o Distrito de Saúde Castelo Branco de Ribeirão Preto e enfermeiras do nível central da SMS-RP que estavam realizando o SAD, com atuação no domicílio junto à usuários que necessitassem seguimento.

Para a ordenação e organização do material empírico produzido nos grupos focais realizados com as enfermeiras selecionadas para este estudo nos apoiamos no processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC - uma proposta recentemente elaborada por Lefèvre et al. (2000). Para ajudar a ordenação dos depoimentos prevê-se a utilização de quatro figuras metodológicas, as expressões chaves, as idéias centrais, a ancoragem, e o discurso do sujeito coletivo, que devem ser observadas cuidadosamente para se obter um resultadoque expresse uma representação fidedigna daquilo que foi pesquisado, ou de sua intencionalidade.

Ordenados os dados, procedemos a análise temática (MINAYO, 1993) nos DSCs, permitindo nesse processo identificar a categoria subjetividade, que desenvolvemos sob o título de: Revisitando a prática assistencial: a subjetividade como matéria prima para a reorganização do processo de trabalho (PEREIRA, 2001).

 

A Análise - Assistência Domiciliar produtora de tecnologias leves

O trabalho em saúde se materializa nas relações do homem com outros homens e com a natureza, no qual a criatividade, a adaptação crítica à realidade, a alienação, e processos subjetivos estão presentes no emaranhado da produção em saúde. Bleger (1989, p. 56) afirma que "entre os instrumentos sociais de alienação está, em lugar relevante, o ensino e a forma com que - em geral - se realiza: desumanizada e desumanizante". Afirmação que pode ser aplicada sobre a forma com que em geral, se age na produção de saúde.

As enfermeiras revelam que a AD vem proporcionando experiências que possibilita rever a prática de enfermagem e também está mesma revisão em relação ao usuário, ao expressarem

[...] não buscávamos a cultura porque ela pôs isso ou aquilo . [...] só que muita atenção que ela dá ao nenê, o cuidado pro adulto é cultural, tem a questão da segurança, tem um monte de coisa, que a gente não media [...].eu vejo que a gente passou por um processo de enxergar as coisas de um modo diferente [...].Essa visita a gente valoriza principalmente quando vai até em bolsões mesmo de pobreza, eu acho que quando a gente faz sente o impacto da vida que valoriza muito [...], tem muita coisa que a gente não valoriza e que a partir do momento que você vai, vê, olha, a gente passa a valorizar e a ter outros valores que às vezes passariam desapercebidos. Isso deu um impacto na minha vida profissional sim, da forma que eu olho o paciente, que eu atendo [...]. DSC.

É o reconhecimento da diferença entre você e o outro e pensamos ser esta dimensão da relação um dos importantes passos na sensibilização para um projeto de trabalho no eixo da defesa da vida e da cidadania.

Ainda, pode ocorrer a satisfação ou não das expectativas ou necessidades trazidas por essas pessoas neste encontro, pode-se gerar ações de cumplicidades, portanto, estabelecer co-responsabilidade em torno do problema a ser enfrentado, conformando uma relação de confiabilidade e produzindo relações de vínculos e revisão de concepções acerca do processo saúde/doença/cuidado, de seus valores e simultaneamente no seu modo de agir.

A AD aparece, no depoimento abaixo, com potência de realizar uma outra leitura da realidade, de forma a ir desenvolvendo a capacidade crítica, ir fazendo uma releitura das intervenções realizadas cotidianamente nos serviços de saúde, favorecendo sentimentos de solidariedade com a dor e com o sofrimento do outro. Não podemos dizer que seja uma exclusividade da AD, mas ao sair dos serviços de saúde para o domicílio, entendemos que já existe a permissão de enfrentar o desafio, de tentar romper o medo e, portanto, até de arriscar viver o par contraditório sofrimento/satisfação:

A AD incomoda a gente um pouco porque você vai no domicílio e vê muita coisa que você precisaria mudar, por exemplo situação de pobreza. Por ai vê a nossa realidade, que você tem que ficar trabalhando isso, as dificuldades até compreendo dominar nas situações, porque tem momentos que você não tem muito onde lançar mão, não tem resposta pra tudo [..]. Acho que é por ai e com isso você vai crescendo, trocando com os colegas idéias pra poder melhorar e em cada situação você vai estar discutindo DSC

As enfermeiras , sujeitos desta investigação, afirmam que ao prestarem a AD se estabelece uma relação mais personalizada, a assistência vai além de realizar o procedimento técnico, falam de conhecer o paciente, de possibilidades de seguimento, de um outro envolvimento onde se cria vínculo, empatia, auto-confiança, solidariedade, explícitos nos fragmentos a seguir.

[...] conhecer o paciente lá na casa dele é outra reflexão que a gente faz, dentro do domicílio a gente cria muito mais, e a assistência é mais personalizada, é pensar bem essas besteiras de mandar dar banho na bacia estéril, tinha aprendido isso e repassava [...].e quem vai no domicílio passa a conhecer o paciente, cria um outro vínculo, um outro envolvimento, você tem condições de marcar um retorno, dar uma seqüência, coisa que na Unidade você não tem como fazer. [...] No domicílio a gente pode ir muito além, a gente não pode ficar só na história que a gente vai fazer um curativo, pude perceber isto [...]e é fundamental, , Aí a gente não quer abrir mão também, porque o envolvimento, o vínculo é diferente. Isto não é exclusivo da assistência domiciliar, mas na AD isso aparece mais forte também. [...]nos pacientes que eu acabo indo no domicílio, eu acho que isso acaba até sendo mais forte, criando mais vínculo, mais empatia . Estabelece confiança no sentido profissional e como pessoa. Assim paciente chora o que tem que chorar , quando não chorou no posto. Te coloca situação que ela não colocou na Unidade [...], produz a integração das pessoas, isso que é importante, auto-confiança, solidariedade. DSC

Articulando os enunciados dos outros depoimentos com este último já permite-nos ler que a experiência da AD tem possibilitado a conformação de um modo de (re) pensar, de sentir e, portanto, de agir que configura um modelo de sensibilidade, apresentando características que não estão pautadas apenas em indicadores biológicos, mas em outros, como por exemplo, querer continuar ver, escutar, saber o que está acontecendo com o usuário, demonstrando estarem se aproximando de um cuidar traduzido com preocupação com o outro, em solidariedade, em responsabilização, conforme estabelecido por Pessini (2000) "Cuidar, mais que um ato isolado, é uma atitude constante de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento de ternura com o semelhante". Este jeito de cuidar é apontado por Merhy (1997, p. 2) como uma forma de atender parte das necessidades dos usuários uma vez que afirma "do ponto de vista do usuário [...] em geral, este não reclama da falta de conhecimento tecnológico no seu atendimento, mas sim da falta de interesse e de responsabilização dos diferentes serviços em torno de si e de seu problema".

Quando as relações são estabelecidas de maneira que possa compartilhar o sofrimento, a dor, a alegria e os prazeres aumentam-se as chances de se produzir um outro "fazer em saúde", procurando dar mais vida a quem busca e quem trabalha na saúde. Nesta perspectiva, acreditamos que estas situações vividas, há brechas para visualizar possíveis aproximações de um agir na direção de se construir projetos que contemplem outro modo de interagir e de de produzir uma outra prática de saúde /enfermagem. O espaço domiciliar é território de domínio do usuário e ali o trabalhador passa a ser destituído do espaço do serviço de saúde que lhe confere segurança e, muitas vezes, obstaculiza o trabalhador escutar, enxergar e agir de modo mais resolutivo e humanizado.

 

Conclusão

Acompanhando o DSC temos em diferentes momentos e situações, expressões comprometidas com uma prática de saúde/enfermagem voltada para relações de responsabilização, vínculo e prática humanizada e nessas experiências precisamos encontrar brechas no sentido de possibilitar um espaço coletivo de trabalho, onde constantemente seja questionado o instituído, os determinantes internos e externos do contexto em que se dá o trabalho em saúde, exercitando o pensar crítico dos espaços institucionais, prevendo assim as resistências às mudanças e construindo, de forma prática e operacional, um projeto de saúde onde os trabalhadores se sintam co-responsáveis, onde o prazer se manifeste em decorrência da realização do trabalho e das reflexões geradas nesse processo, assim como também a angústia seja produto inerente à criatividade e ao processo de revisão constante. A AD é revelada pelos trabalhadores com potencialidade para rever o significado das tecnologias utilizadas na produção de saúde. No modelo de saúde hegemônico, as tecnologias predominantes no processo de trabalho são as duras e leve-duras, sendo as leves discretamente ou quase não utilizadas. No domicílio as tecnologias leves emergem com maior visibilidade e necessidade.

A incorporação de forma mais presente na prática de saúde/enfermagem pode provocar insegurança, medo de estar fazendo tudo errado, medo de estar desviando-se da assistência, e nesse movimento é preciso ter claro que angústia - dimensão subjetiva do processo de trabalho - é produto inerente a criatividade e ao processo de revisão constante (ADAMSON, 2001). No modelo atual hegemônico não temos tido o traço da estrutura vincular da dimensão da sensibilidade, dos afetos como vicissitudes conformadoras das ações de saúde e, portanto, não podem ser assim reproduzidas, significando que essa dimensão precisa ser construída e mesmo valorizada nas ações de saúde.

 

Referências bibliográficas

ADAMSON,L.G. Concepción de subjetividade en E. P. Rivière. Disponível em: Http://www.geocities.com/athens/forvn/5396/subjetividad.html. Acesso em 03 de outubro de 2001.

BAREMBLITT, G.F. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 2.ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1994.

BLEGER, J. Grupos Operativos no Ensino. In: Temas de Psicologia entrevista e grupo. 4º ed. São Paulo:Martins Fontes, 1989.

CAMPOS, G. W. S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas. O caso da saúde. In: CECÍLIO, Luiz C. de O. (org.) Inventando a mudança na saúde. São Paulo, Hucitec, 1994, cap. 2, p. 29-87.

FORTUNA, C.M. O trabalho de equipe numa unidade básica de saúde: produzindo e reproduzindo-se em subjetividade: em busca do desejo, do devir e de singularidades. Ribeirão Preto, 1999. 236f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto.

LEFREVE, F.; LEFREVE, A.M.C.; TEIXEIRA, J.J.V. O discurso do sujeito coletivo. Uma nova abordagem metodológica em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: EDUCS, 2000, p. 138.

MATUMOTO, S. O acolhimento: um estudo sobre seus componentes e sua produção em uma unidade da rede básica de serviços de saúde. Ribeirão Preto, 1998, 219 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto.

MERHY, E. E. Em busca da qualidade serviços de saúde: os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial em defesa da vida (ou como aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços de saúde e colegiadamente reorganizar o processo de trabalho na busca da qualidade das ações de saúde. In: CECÍLIO, Luiz C. de O. (org.) Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Hucitec, 1994. Cap. 3, p. 117-160.

MERHY, E.E. et al. Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: a informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (Org.) Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; Buenos Aires: Lugar Editorial, 1997. P.385.

MERHY,E.E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde – uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: CAMPOS, C.R. et al. (Orgs.) Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte : reescrevendo o público. São Paulo, Xamã, 1998. Pt II, p. 103 – 120.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento : metodologia de pesquisa social (qualitativa) em saúde. 2.ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1993.

MORGAN, D.L. Focus Groups as Qualitative Research. 2nd ed. Thousand Oaks, London, New Delhi. Sage Publications, 1997,p.80..

PESSINI, L. O cuidado em saúde. O mundo da saúde. São Paulo, ano 24, v. 24, nº 4 jul/ago, 2000.

 

 

* Este trabalho é exerto da produção - PEREIRA, M.J.B. O trabalho da enfermeira no serviço de assistência domiciliar – potência para (re) construção da prática de saúde e de enfermagem. Ribeirão Preto, 2001, 246f. Tese (Doutorado)- Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

^rND^sBLEGER^nJ.^rND^sCAMPOS^nG. W. S.^rND^sMERHY^nE. E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sPESSINI^nL.^rND^sBLEGER^nJ.^rND^sCAMPOS^nG. W. S.^rND^sMERHY^nE. E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sPESSINI^nL.^rND^nLaura Misue^sMatsuda^rND^nAna Cleide Soares^sVictor^rND^1A02^nYolanda Dora^sMartinez Évora^rND^1A01^nGustavo Adolfo Ramos de^sMello Neto^rND^nLaura Misue^sMatsuda^rND^nAna Cleide Soares^sVictor^rND^1A02^nYolanda Dora^sMartinez Évora^rND^1A01^nGustavo Adolfo Ramos de^sMello Neto^rND^nLaura Misue^sMatsuda^rND^nAna Cleide Soares^sVictor^rND^1A02^nYolanda Dora^sMartinez vora^rND^1A01^nGustavo Adolfo Ramos de^sMello Neto

A comunicação verbal da equipe de enfermagem de uma UTI-adulto durante o processo de visita: perspectiva dos visitantes

 

The verbal communication of the nursing staff from an adult intensive care unit during the visiting process: the visitors' perspective

 

 

Laura Misue MatsudaI; Ana Cleide Soares VictorII; Yolanda Dora Martinez ÉvoraIII; Gustavo Adolfo Ramos de Mello NetoIV

IEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem Fundamental – EERP – USP. Docente do DEN – UEM – PR. Rua Francisco Glicério, 1345, ap. 604. Zona 7. CEP: 87.030-050. Maringá – PR. E-mail: lmisue@terra.com.br
IIEnfermeira da UTI-adulto do HURM – PR. Mestranda em Administração – UEM – PR
IIIEnfermeira. Prof.ª Associada do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP – USP
IV
Psicólogo. Prof. Dr. do Departamento de Psicologia da UEM – PR

 

 


RESUMO

O presente estudo investigou o conteúdo e a forma da comunicação verbal efetuada pela equipe de enfermagem de uma UTI-adulto, segundo a percepção de 25 visitantes. Os resultados apontaram que a grande maioria das informações fornecidas diz respeito aos procedimentos de higiene e normas/rotinas para realização da visita como: lavagem das mãos, uso de avental, horário de visitas, número de pessoas permitidas e tempo de permanência na enfermaria. 17 respondentes afirmaram que antes da visita, gostariam de receber informações da enfermagem a respeito do estado geral do cliente e 3, de como se comportar perante este. Ainda quanto às informações recebidas, 19 referiram que entenderam tudo. 23, que nunca receberam nenhuma informação/orientação por escrito e 25 (100%) afirmaram que não receberam nenhum estímulo para fornecer feedback do que foi comunicado. Apesar de 5 respondentes respectivamente referirem não ter recebido nenhuma informação antes da visita e não ter ocorrido nenhuma comunicação na forma verbal durante todo o processo, 9 não emitiram nenhuma sugestão para melhoria. Os resultados apontam que no setor estudado, os profissionais da enfermagem necessitam utilizar a comunicação verbal de maneira mais efetiva para com os visitantes.

Palavras-chave: comunicação verbal, enfermagem, visitantes


ABSTRACT

The present study investigated the content and the form of the verbal communication realized by the nursing team of an Adult Intensive Care Unit, according to the perceptions of 25 visitors. The results pointed out that the large majority of the supplied information concerns the hygiene procedures and norms/routines for making the visit, such as: washing hands, apron use, visiting hours, number of people allowed and time of permanence in the unit. 17 respondents affirmed that before the visit, they would like to receive information from the nursing staff regarding the patient’s general condition and 3 respondents about how they ought to behave in the presence of the patient. Moreover, 19 mentioned that they understood everything. 23, that they never received any written information/orientation and 25 (100%) affirmed that they never received any incentive for providing feedback to what was communicated. Although 5 respondents mention that they did not receive any information before the visit and that no verbal communication occurred during by the entire process, 9 respondents did not make any suggestion for improvement. The results show, in the studied unit, that the nursing professionals need to use verbal communication with the visitors in a more effective way.

Key words: verbal communication, nursing, visitors


 

 

INTRODUÇÃO

A comunicação é um fator indispensável à sobrevivência humana. Não obstante os meios e o volume das informações ter produzido inúmeros benefícios à sociedade, esses mesmos recursos têm resultado em isolamento e despersonalização, principalmente nos serviços de saúde, conforme publicação de Soares (2001).

No âmbito da comunicação organizacional, Vestal apud Marquis e Huston (1999), referem como sendo: ‘‘... troca de significados entre e no meio de indivíduos através de um sistema compartilhado de símbolos (verbal e não-verbal) que possui o mesmo sentido tanto para o emissor, quanto para o receptor da mensagem".

De acordo com Silva (1997; 1996) comunicação verbal é aquela expressa em palavras por meio da linguagem escrita ou falada. A comunicação não-verbal (a mais expressiva e freqüente), é observada através dos gestos, expressões faciais, toque, e outros. A paraverbal, "... é um outro item da comunicação não verbal que ocorre junto com a verbalização... é como pronunciamos as palavras".

Consideramos que informação é sinônimo de comunicação e que ela pode ser vista segundo a perspectiva da humanização (que é muito mais ampla e complexa) e da interação, pois estas dimensões, ao nosso ver, são interdependentes e complementares mas não iguais.

Na enfermagem sabemos que a comunicação entre os clientes hospitalizados, muitas vezes, ocorre de forma breve e pouco freqüente. Labronici et al. (1998) e Matsuda et al. (2000) citam as possíveis causas da pouca interação (que afeta a comunicação) desses profissionais com o cliente.

Consideramos que muitos são os obstáculos que interferem na comunicação enfermagem-familiares: o ritmo acelerado das tarefas, a atuação contínua da enfermagem na assistência a clientes graves, e até a ausência de local apropriado para conversar com a família são fatores que geram impedimentos na realização do processo.

No que tange a comunicação entre a equipe de saúde e a família/visitantes (para efeitos deste estudo os termos visitantes/familiares serão utilizados como sendo correspondentes) de clientes internados em hospitais, não são muitos os estudos sobre o tema, entretanto Nascimento e Martins (2000); Santos et al. (1999) e Scarelli (1993) que abordam a humanização e/ou visitação do cliente e da família em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) pela equipe de enfermagem, trazem importantes contribuições.

Consideramos que a família e outras pessoas próximas ao cliente, também se angustiam e sofrem as conseqüências da sua hospitalização. Assim, a comunicação é um meio que deve ser amplamente utilizado no sentido de amenizar as angústias daqueles que desejam e podem contribuir na recuperação do seu ente doente.

Entendemos que em razão dos riscos e das dificuldades inerentes a má compreensão das informações tanto ao nível de equipe como de visitantes, a comunicação necessita ser efetuada de maneira objetiva, simples e no momento apropriado, de modo que o interlocutor compreenda tudo o que lhe for informado.

Silva et al. (2001) atesta que àqueles que desconhecem o meio hospitalar, a UTI é considerada como um local crítico onde "as pessoas vão lá para morrer"; "quando estão nas últimas" ou "quando estão muito graves". Estereótipos como esses, poderiam ser desfeitos também por meio da interação/comunicação eficiente.

No âmbito de uma UTI, Mendes e Linhares (1996) ao abordarem a respeito da prática do enfermeiro com clientes de UTI citam alguns fatores que levam esses profissionais a evitarem a comunicação com os clientes e familiares. Essas autoras apontam que o comportamento do enfermeiro nesse serviço para com os familiares é impessoal e mecânico, o que gera sentimentos contraditórios no profissional, favorecendo a manifestação de atitudes defensivas diante da atividade de cuidar.

Pressupomos que, em parte, as afirmações apontadas pelas autoras são coerentes, mas ainda assim os aspectos humanos e interacionais àquele que vivencia o drama de uma hospitalização, não podem ser esquecidos.

Por considerarmos de suma importância a captação de informações a respeito de como os visitantes da UTI percebem a comunicação verbal efetuada pela equipe de enfermagem é que propomos a realização do presente estudo. Entendermos que quando esta é processada de modo que satisfaça as necessidades dos visitantes, as chances de melhor qualidade nas interações e no processo de recuperação do cliente são maiores.

 

OBJETIVO

Investigar o conteúdo e a(s) forma(s) de comunicação verbal efetuada pela equipe de enfermagem de uma UTI-adulto, segundo a percepção dos visitantes de clientes internados nesta unidade.

 

MATERIAL E MÉTODO

Estudo exploratório-descritivo, cuja amostra consistiu de 25 visitantes, maiores de 18 anos, de uma UTI-adulto de um hospital universitário situado na região noroeste do Estado do Paraná.

Os dados foram coletados no mês de fevereiro de 2002, por meiode um formulário contendo na primeira parte, questões relacionadas à obtenção de dados pessoais do cliente e do visitante. A segunda parte, com 7 questões, destinou-se a coleta de dados específicos sobre o tema.

O procedimento para coleta dos dados iniciou pela obtenção do parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade na qual o hospital está vinculado, e a obtenção da anuência do Diretor Superintendente e da Diretora de Enfermagem da Instituição onde o trabalho se realizou. A etapa seguinte consistiu na abordagem do visitante pela pesquisadora, para apresentação da mesma e dos objetivos do estudo.

Mediante a concordância em participar da pesquisa, os visitantes foram orientados para que, após conversarem com o médico, se dirigissem até um local pré-estabelecido para efetuarmos a entrevista que só foi consolidada após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1). Nas vezes em que o visitante se apresentava choroso e/ou com alteração de comportamento, a entrevista não ocorreu.

 

TRATAMENTO DOS DADOS

As respostas às questões abertas foram tabuladas utilizando-se em parte a técnica da pesquisa qualitativa. Assim, primeiramente, foi realizada leitura das respostas e destacadas as partes que se relacionavam à questão apresentada. A seguir, os trechos com o mesmo conteúdo/sentido para uma mesma questão e repondente, foram desconsideradas permanecendo apenas uma. As respostas de todos os respondentes para uma mesma questão, foram agrupadas e contadas para se obter o número de freqüências.

Quanto às respostas às questões fechadas e mistas, as freqüências foram somadas de maneira direta, de acordo com a alternativa apresentada.

 

RESULTADOS E ANÁLISES DOS DADOS

Dentre os 25 participantes, 15 (60%) possuíam idade entre 31 a 50 anos e 13 (52%) eram mulheres. Quanto a escolaridade, a maioria 19 (76%) consistia em mão-de-obra não qualificada, isto é, não tinham completado o 2.º Grau. Isso pode ser observado pelo nível de complexidade dos trabalhos executados por eles como: encanador, secretária, dona-de-casa, sericultor e outros. Os demais 6 (24%) haviam concluído o 2.º Grau e 2 (8%) cursavam o nível superior. O grau de escolaridade segundo Scarelli (1993), "é importante para o nível de compreensão a respeito das informações recebidas." A condição socioeconômica é outro fator que pode criar barreiras na comunicação e gerar situações de stress no familiar e/ou cliente, pois os termos utilizados pela equipe de saúde podem ser incompreensíveis àqueles que não convivem no meio hospitalar.

Quanto ao grau de parentesco com o cliente internado, 21 (84%) eram parentes de 1.º grau (filho, pai, mãe ou irmãos), 3 (12%) eram de segundo grau (primo, tio...) e apenas 1 (4%) referiu ser conhecido. A nosso ver essa resposta se justifica pelo fato da UTI ser um local crítico onde, o número de visitantes e o tempo de permanência são restritos visto que, tanto o cliente como a equipe que o assiste, exigem períodos maiores de isolamento e atenção. O risco de infecção também é outro importante fator.

A seguir apresentaremos os resultados da parte específica. Lembramos que os dados serão agrupados nas tabelas 1 e 2, de acordo com o tipo de pergunta (aberta, mista ou fechada) e não na seqüência em que foram apresentadas ao visitante no momento da entrevista.

Na Tabela 1 verificamos que na primeira questão referente à compreensão das informações fornecidas pelos profissionais da enfermagem, 5 (20%) referiram que não houve comunicação verbal desses profissionais. Apesar de considerar que possa ter havido um equívoco por parte dos respondentes, pois habitualmente uma Enfermeira ou Auxiliar de Enfermagem recepciona o visitante (ainda que o faça no hall de entrada/saída da UTI), dificilmente deixariam de comunicar algum evento ou acontecimento ao visitante. Ainda na mesma questão, 1 respondente referiu não ter entendido a informação e também não lembrar a respeito do que se tratava.

Entre os 25 respondentes, 23 (93%) afirmaram nunca ter recebido informações por escrito da enfermagem. Nesse sentido, Knobel (1998) e Scarelli (1993) salientam que as informações escritas contribuem para a desmistificação do ambiente e também para aumentar o vínculo do familiar com a equipe.

Quanto a repetição/confirmação das informações fornecidas pela enfermagem, a totalidade referiu não ter recebido nenhuma menção à respeito. Segundo alguns visitantes, essa conduta serviria para compreender melhor o que foi comunicado e, assim teriam mais condições de repassar às outras pessoas da família.

A questão seguinte (de número 4), buscou saber se os profissionais da enfermagem permitiram a realização de perguntas. As respostas mostraram que apenas 13 (52%) responderam sim. Esse fato nos preocupa, pois de acordo o estudo de Scarelli (1993) mesmo depois das orientações os visitantes referiam ter dúvidas. Concordamos com esta autora quando menciona que ao final da orientação, devemos permitir que os visitantes manifestem as suas dúvidas e angústias referentes ao tratamento e recuperação do seu ente que se encontra hospitalizado . A nosso ver, ações desse tipo só tendem a produzir benefícios à todos que estejam envolvidos no processo de recuperação do cliente.

Conforme observamos na Tabela 2, 19 respondentes mencionaram que receberam informações à respeito da higiene (lavagem das mãos e uso de avental) necessária para adentrar na enfermaria. 10 referiram as normas/rotinas que segundo informações de alguns, relacionava-se aos horários, tempo de duração e número de pessoas permitidas para a visita. As orientações a respeito do(s) aparelho(s) em uso, foi mencionado por 3 visitantes. Uma questão que merece ser destacada e que também nos preocupa é que 5 respondentes afirmaram não ter recebido nenhuma informação.

De acordo com os resultados apresentados até o momento, percebemos que a enfermagem utiliza-se da comunicação verbal para informar principalmente aspectos os quais Labronici et al. (1998) denominam de "aqui e agora" do cliente. Isso quer dizer que a comunicação verbal da equipe para com o cliente (e aqui transpomos para os visitantes), contempla em sua maior parte as situações mais imediatas relativas à facilitação das visitas e ao tratamento do cliente. Ainda os mesmos autores afirmam que, nessa perspectiva, a enfermagem perde a oportunidade de conhecer, orientar e individualizar o cliente.

Quanto à questão de número 6, a grande maioria (17 respondentes) referiu que gostaria de receber informações a respeito do estado geral do cliente antes da realização da visita. Segundo eles, informações desse gênero contribuiriam para que se sentissem mais seguros e tranqüilos para permanecer e/ou conversar com o cliente. Scarelli (1993) corrobora com a resposta apresentada.

A respeito das sugestões para melhoria da comunicação verbal entre a equipe de enfermagem e o visitante, 9 mencionaram aspectos relacionados à humanização como: mais atenção, simpatia, acompanhá-los até o leito e oportunidades de fazer perguntas. O detalhamento das informações a respeito do estado geral do cliente e o fornecimento de informações por escrito, também obtiveram um número considerável de menções (6 e 4 respectivamente).

Apesar de 5 respondentes terem referido que não houve nenhuma comunicação verbal entre eles e a equipe de enfermagem durante a visita (Tabela 1, questão número 1) e também 5 mencionarem não ter recebido nenhuma informação antes da visita (Tabela 2, questão 5), 9 não emitiram sugestões para melhoria. Esse fato pode ser decorrência do stress emocionalvivenciado por eles e/ou pela pouca escolaridade e nível sócio-econômico desfavorecido da maioria dos participantes deste estudo. Considerando nossa vivência pessoal e profissional, sabemos que esses fatores podem desencadear sentimentos de conformismos e não-reação das pessoas principalmente num ambiente onde muitas vezes a vida ou a morte depende principalmente da habilidade e dos conhecimentos dos que lá atuam. Isso a nosso ver, e a literatura também confirma, atribui um status mais elevado aos profissionais desses serviços o que pode comprometer a interação/comunicação com os clientes e familiares.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os resultados, alguns fatos que merecem destaque quanto ao aspecto favorável da comunicação efetuada pela equipe de enfermagem, é a compreensão por parte de 19 respondentes, de todas as informações. Outra questão é que 9 participantes não emitiram nenhuma sugestão para melhora da comunicação. Como dissemos anteriormente, isso pode ser decorrência de outras causas e não por estarem satisfeitos com a comunicação da equipe.

Quanto aos aspectos desfavoráveis, destacamos o fato de que os 25 (100%) dos respondentes afirmaram não ter observado nenhum estímulo por parte dos profissionais da enfermagem para que realizassem algum tipo de feedback das informações recebidas. 5 pessoas referiram não ter recebido nenhuma informação da equipe de enfermagem antes de realizar a visita na enfermaria e também 5 mencionaram não ter havido nenhuma comunicação na forma verbal durante todo o processo. Lembramos mais uma vez que as duas últimas colocações podem ter sido mal interpretadas pelo visitante visto que, normalmente, um profissional da equipe recepciona todos os que chegam no setor.

Segundo os respondentes, antes de adentrarem na enfermaria, se a enfermagem fornecesse informações pertinentes ao estado geral do cliente e de como se deve comportar perante ele, sem dúvida, se sentiriam mais seguros e tranqüilos.

De acordo com os resultados obtidos, percebemos que no serviço estudado, não obstante o número de leitos e de profissionais da enfermagem ser reduzido, a comunicação verbal para com os visitantes necessita ser abordada com mais atenção e de maneira sistematizada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KNOBELL, E. Condutas no paciente grave. 2.ª ed. ,São Paulo, Atheneu. 1998.

LABRONICI, M. L.; VIANA, R. D.; MAZZA, V. A.; STEFANELLI, M. C. a comunicação verbal das pessoas da equipe de enfermagem vista pelo cliente. Cogitare enfermagem. v. 3, n. 2, p. 87-91, jul/dez. 1998.

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MATSUDA, L. M.; ÉVORA, Y. D. M.; BOAN, F. S. O foco no cliente no processo de atendimento de enfermagem: visão dos enfermeiros. Nursing. Edição brasileira. n. 29, p. 16-20. Outubro, 2000.

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SCARELLI, E. M. Orientação à família do paciente internado em Unidade de Terapia Intensiva. Ribeirão Preto,1993, p.96, Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP.

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SOARES, L. Doutores na berlinda. São Paulo, Revista Veja, edição 1731, n.º 50, p. 1-15, dezembro. 2001.

 

 

ANEXO 1 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

^rND^sLABRONICI^nM. L.^rND^sVIANA^nR. D.^rND^sMAZZA^nV. A.^rND^sSTEFANELLI^nM. C.^rND^sMATSUDA^nL. M.^rND^sÉVORA^nY. D. M.^rND^sBOAN^nF. S.^rND^sMENDES^nA. M.^rND^sLINHARES^nN. J. R.^rND^sNASCIMENTO^nE. R. P.^rND^sMARTINS^nJ. J.^rND^sSANTOS^nC. R.^rND^sTOLEDO^nN. N.^rND^sSILVA^nS. C.^rND^sSILVA^nM. J. P.^rND^sSOARES^nL.^rND^sLABRONICI^nM. L.^rND^sVIANA^nR. D.^rND^sMAZZA^nV. A.^rND^sSTEFANELLI^nM. C.^rND^sMATSUDA^nL. M.^rND^sÉVORA^nY. D. M.^rND^sBOAN^nF. S.^rND^sMENDES^nA. M.^rND^sLINHARES^nN. J. R.^rND^sNASCIMENTO^nE. R. P.^rND^sMARTINS^nJ. J.^rND^sSANTOS^nC. R.^rND^sTOLEDO^nN. N.^rND^sSILVA^nS. C.^rND^sSILVA^nM. J. P.^rND^sSOARES^nL.^rND^1A01^nSilvia^sMatumoto^rND^1A02^nSilvana Martins^sMishima^rND^1A01^nCinira Magali^sFortuna^rND^1A01^nSilvia^sMatumoto^rND^1A02^nSilvana Martins^sMishima^rND^1A01^nCinira Magali^sFortuna^rND^1A01^nSilvia^sMatumoto^rND^1A02^nSilvana Martins^sMishima^rND^1A01^nCinira Magali^sFortuna

Acolhimento: uma reflexão acerca da alteridade na relação entre trabalhador e usuários no trabalho da rede básica de saúde

 

Welcoming reception: a reflection on alterity in the relation among workers and clients in the work of the basic health network

 

 

Silvia MatumotoI; Silvana Martins MishimaII; Cinira Magali FortunaIII

IEnfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto. Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública (DMISP) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). smatumoto@uol.com.br
IIEnfermeira, Professora Doutora da EERP–USP. Av Bandeirantes 3900 – Campus da USP – CEP: 14040-901. smishima@eerp.usp.br
IIIEnfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto. Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública do DMISP da EERP-USP. cinirafortuna@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Neste trabalho propomos uma reflexão acerca da alteridade presente na relação de acolhimento. O acolhimento se constitui na relação trabalhador-usuário, durante o processo de produção das ações de saúde. Esse encontro ocorre no espaço intercessor onde se processa a micropolítica do trabalho vivo em saúde (MERHY, 1997) que se efetiva através da relação com o outro, de um diálogo, da linguagem e de ações. Utilizamos de alguns conceitos teóricos que fundamentam a análise do discurso de linha francesa nesta reflexão acerca da alteridade na relação trabalhador-usuário. A análise dos indícios lingüísticos revelam as posições que os sujeitos dos discursos assumem - simetria e assimetria - e os seus movimentos - reversibilidade - assim como revelam os sentidos desses mesmos discursos. A análise do discurso produzido no encontro trabalhador-usuário pode ser utilizada como disparador de processos que visem a conscientização do trabalhador acerca de sua posição na relação e sensibilização para a necessidade de mudança no modo de fazer saúde.

Palavras-chave: processo de trabalho em saúde, alteridade, comunicação


ABSTRACT

In this paper, we propose a reflection on the alterity present in the welcoming reception relation. The welcoming reception consists in the relationship worker-client, during the production process of health actions. This encounter happens in the interceding space where the micropolitics of live health work is processed (MERHY, 1997) which is done through the relation with others, a dialogue, language and actions. In this reflection about the alterity in the worker-client relation, we use some theoretical concepts that underlie the French line in discourse analysis. The analysis of the linguistic tokens reveals the positions assumed by the discourse subjects – symmetry and assymmetry – and their movements – reversibility – as well as the meaning of this same discourse. The analysis of the discourse produced in the worker-client encounter may be used as a trigger for processes that aim at conscientization of the workers with respect to their position in the relation and at sensibilization towards the need for changing the way of realizing health services.

Key words: work process in health, alterity, communication


 

 

Introdução

Pensar o acolhimento como estratégia de mudança do modelo assistencial para o Sistema Único de Saúde tem sido uma das alternativas previstas por alguns municípios frente a crise deste setor (MERHY, 1994; FRANCO et al, 1998; MALTA et al, 1998).

O propósito e a finalidade da estratégia do acolhimento podem ser os mais diversos, a depender de cada um dos sujeitos que a elabora e a coloca em ação, de sua visão de mundo, sua formação ideológica, técnica, ética e do contexto em que esteja inserido.

Da perspectiva aqui tomada, o acolhimento se conforma a partir de um fazer cotidiano em que se busca tomar a crise da saúde como um desafio, essencialmente como uma forma de resgate da missão do setor saúde, a produção de vida e de saúde, enfim, de pessoas felizes. Essa proposta de acolhimento se apoia no reconhecimento das relações entre as pessoas no momento do atendimento como uma das questões chave, e em especial a relação trabalhador-usuário (MATUMOTO, 1998).

Esta relação veio se constituindo histórica e socialmente partindo do reconhecimento do poder/saber entre o técnico e o leigo, estabelecendo uma relação de subordinação do segundo pelo primeiro, não reconhecendo e retirando da população o seu saber, criando uma relação de dependência, especialmente do saber médico (MERHY, 1994).

Compreender melhor a relação trabalhador-usuário poderia ajudar a elaborar melhor as estratégias para o resgate do humano, da cidadania e da vida na saúde.

Na posição de trabalhadores de saúde temos a responsabilidade social de lidar com necessidades, dores e sofrimentos do outro. Quem é esse outro? Como me relaciono com ele? Para quê ?

Entendemos que a compreensão da relação com o outro - alteridade - produzida no cotidiano do trabalho em saúde podem nos trazer elementos para re-pensar o acolhimento enquanto estratégia de mudança de modelo assistencial. Essa relação com o outro é sempre efetivada através da linguagem e por sujeitos que falam, que portam desejos, projetos, sentimentos.

Isto nos leva a refletir neste texto acerca das possíveis interpretações do que é falado, das diferentes posições dos sujeitos envolvidos na relação, o que se torna possível através do referencial da análise de discurso que tem como pressuposto a não transparência do sentido do discurso, que busca a compreensão do movimento do sentido do discurso e do movimento dos sujeitos dos discursos.

Na saúde, o acolhimento se constitui na relação trabalhador-usuário a partir de um encontro em que se estabelece um diálogo e neste cada um vai assumir uma posição, trazer um tema-problema-necessidade e vai se colocar com uma certa disponibilidade. Como o trabalhador de saúde apreende o que é falado pelo usuário? Como o usuário apreende o que o trabalhador fala? Qual o sentido do discurso de cada um? Qual a posição ou posições cada sujeito assume?

Além disso, nessa relação sempre vamos nos deparar com o outro, um diferente que vai nos causar um certo estranhamento e desencadear um olhar para dentro e para fora muito dinâmico da própria imagem de cada um dos envolvidos; uma expressão através de um discurso, de gestos e de ações práticas. É nessa relação que nos construímos e re-construimos como sujeitos no mundo.

Desta forma, estamos nos propondo a uma reflexão sobre a alteridade presente nessa relação trabalhador-usuário sob a luz de alguns conceitos teóricos que fundamentam a análise do discurso (AD).

 

O trabalho em saúde é um trabalho de relações

O trabalho em saúde sob a égide do paradigma cartesiano e da sociedade capitalista vive a contradição entre o técnico e o humano, com predomínio do primeiro. Entretanto, a saúde não é um bem de consumo, que se vai e pega numa prateleira.

A saúde é um bem simbólico, cujo valor é dado pela possibilidade de possuí-la para gozar a vida, sendo que sua produção se faz no mesmo ato em que se a consome, na relação, no encontro entre trabalhador e usuário em um dado contexto.

O atendimento em saúde se dá a partir desse encontro em que ambos se apresentam como seres de necessidades, conformadas dentro de um contexto sócio-histórico cultural e de uma concepção ideológica, ou seja, tanto o trabalhador quanto o usuário quando se encontram possuem uma espessura, de passado e de futuro, de histórias, experiências, desejos e projetos, que freqüentemente é ignorada e o atendimento se processa a partir do que é apresentado como queixa, tomando o sentido literal, evidente das palavras proferidas, caracterizando o que denominamos de uma prática pautada na queixa-conduta.

O acolhimento é produzido nesse processo relacional, neste encontro que Merhy (1997) denomina espaço intercessor, onde cada uma das partes, usuário e trabalhador se coloca com toda sua inteireza, isto é, suas necessidades, projetos, ansiedades, dores, medos, desejos, sonhos, potencialidades, em dado contexto.

Nesse espaço intercessor está a potência do trabalho vivo em ato. O conceito de trabalho vivo em saúde vem de Merhy (1997) quando estuda a micropolítica do trabalho em saúde, identificando dois componentes operadores, o trabalho morto e o trabalho vivo. O primeiro são os produtos-meio como ferramentas ou matéria-prima e que são os resultados de um trabalho humano realizado num momento anterior. O trabalho vivo é aquele que está em ação, vai se dando, vai se fazendo no próprio ato pelo trabalhador, dando a ele (trabalhador) uma certa autonomia à sua ação, seu poder de decidir coisas em seu micro espaço, segundo um certo recorte interessado desse trabalhador. A esta autonomia Merhy (1997) denomina autogoverno.

Integrar os conceitos da análise de discurso nas reflexões sobre a produção do trabalho em saúde pode abrir um pouco mais as brechas para o trabalho vivo em ato. E voltamos novamente às questões: Quem é o outro do meu dia-a-dia? Como me relaciono com ele? Para quê ?

Desta forma, o trabalho em saúde não se configura como uma prática técnica, mas sim como uma prática de relações entre homens, que também se constituem em suas relações com outros homens e com o mundo, produzindo-se e reproduzindo-se a si e ao meio

 

O discurso e o atendimento em saúde

No espaço intercessor de produção de ações de saúde teremos um confronto de discursos que segundo Freire (s/d) é determinado na relação inter discursiva, isto é, o discurso de um dos sujeitos só se dá em relação ao discurso do outro, situação em que se evidenciam as diferenças entre o discurso de quem orienta e de quem quer ser orientado.

Discurso, segundo a escola francesa de análise do discurso, é definido como "efeito de sentidos entre locutores" (FREIRE, s/d), considerando as condições de produção, ou seja, o contexto sócio-histórico e cultural.

Orlandi (2001) refere que para Pêcheux todo discurso é uma seqüência de enunciados que compõe sua estrutura, o sistema de regras da língua; e também pontos de deriva que abrem a possibilidade de acontecimentos e acrescenta que esses pontos de deriva se caraterizam pelos deslizes, efeitos metafóricos, equívocos, atos falhos, através dos quais torna-se possível a ligação da língua e da história, torna possível o lugar do trabalho ideológico, da interpretação, da constituição do sentido do discurso e da constituição do sujeito.

Assim sendo, o discurso na AD, e também no atendimento em saúde, vai muito além das palavras, do sentido literal, daquele que encontramos nos dicionários. O discurso comporta inúmeras interpretações a depender da posição que o sujeito ocupa em um dado momento.

A AD se opõe à lingüística estruturalista, que toma o discurso como tendo uma função comunicativa enquanto veículo de informações no modo clássico com os elementos: emissor, mensagem, receptor, código, canal e referente (TFOUNI 1988). Nessa visão se privilegia os aspectos técnicos do saber lingüístico, não há lugar nos discursos para equívocos, distorções, mal-entendidos, ambigüidades, esquecimentos involuntários (TFOUNI, 1988). Nessa concepção de comunicação não há diferenças em termos de posição social entre os sujeitos, o discurso é claro e evidente e os mal-entendidos são tomados como dificuldades do indivíduo, que não soube se expressar ou entender o que foi dito.

A comunicação que mais usualmente se estabelece nos serviços de saúde parece ser aquela determinada por diferentes formas de assujeitamento do indivíduo segundo os interesses da ideologia dominante (CAMPOS, 1994; MERHY, 1994). É o usuário que não entende o que o trabalhador de saúde fala. O trabalhador de saúde é o que sabe, que fala claramente sem equívocos ou ambigüidades e cujo discurso é evidente, suas palavras não terão outro sentido senão aquele por ele pensado. Também há na saúde outras formas de interlocução, que possibilitam respeito, escuta, vínculo, troca, solidariedade, mas que não tem sido reconhecido como trabalho como no caso identificado por Matumoto (1998) em auxiliares de enfermagem.

Não podemos nos esquecer que o trabalho em saúde se dá em meio a uma divisão social e técnica do trabalho, determinada histórico, social e culturalmente, estabelecendo as atribuições por categorias profissionais, cuja interação na prática cotidiana se faz de forma fragmentada.

Alguns fatores como a hegemonia da lógica de mercado, o poder/saber técnico, a divisão social e técnica do trabalho em saúde e a prática fragmentada acentuam e contribuem para que as "ilusões" ou "esquecimentos" do sujeito se façam presentes nos discursos da saúde.

O que se denomina "ilusão" ou "esquecimento" N° 1 é a ilusão do sujeito de que "ele é a fonte (origem) do sentido do que diz." (TFOUNI, 1988, p. 509). Aqui há um ocultamento da determinação histórica e ideológica do que pode ser dito.

O trabalhador de saúde "não se lembra" de que o seu estar ali, no espaço de relação com o usuário, traz com ele determinações históricas e ideológicas que o fazem pensar, sentir e agir de uma dada forma e não de outra, e que esse seu fazer ações de saúde não começou naquele aqui e agora.

Na "ilusão" ou "esquecimento" N° 2 "o sujeito tem a ilusão de que aquilo que ele diz é idêntico aquilo que ele pensa" (TFOUNI, 1988, p. 509). Ocorre um ocultamento lingüístico. O sujeito em pensamento acredita que elencou todas as formas possíveis de dizer algo e escolheu a que melhor expressasse a realidade de seu pensamento. Nesta ilusão pensamos que dissemos tudo o que pensamos, mas na realidade não o fizemos.

Considerando os diversos aspectos apontados, podemos acreditar na ocorrência de problemas de comunicação que podem ser gerados no momento do encontro trabalhador/usuário no atendimento em saúde.

O usuário, assim como o trabalhador de saúde, também é acometido dessas ilusões; ambos estão imersos em uma formação social que determina e forma o sujeito no sentido de permitir ou proibir coisas. Essa possibilidade de o sujeito ter permissão ou não, não depende de sua livre escolha, sofre a influência da ideologia dominante. Assim, a formação social e a formação ideológica estarão presentes nas formações discursivas dos sujeitos que assumirão diferentes posições em diferentes contextos (PÊCHEUX, 1993).

Essas posições do sujeito também vão explicitar as formações imaginárias decorrentes dessa determinação ideológica. O sujeito imagina antecipadamente o que o outro vai pensar dele e essa formação imaginária passa a fazer parte da determinação do sentido que o sujeito dá a seu discurso (TFOUNI, 1988). É comum em pediatria a mãe recitar corretamente ao médico a dieta que supostamente dá ao filho, ocultando o que realmente oferece à criança. Sabemos que uma série de possíveis formações imaginárias poderiam estar determinado esta atitude dessa mãe.

A ideologia atua sobre a formação imaginária fazendo parecer "natural" que se diga "X" quando se poderia dizer "Y". Na saúde, parece natural que se diga ao usuário que "não tem mais vaga" para consulta médica e que por isso não terá atendimento, ao invés de se buscar formas alternativas de atendimento.

Nessa perspectiva, entendemos que no espaço intercessor da relação trabalhador-usuário estarão presentes diferentes formações discursivas e sujeitos em diferentes posições que terão uma tarefa comum, a de buscar solução para um problema ou necessidade de saúde/doença. Nessa interlocução haverá muitos ditos e não-ditos determinados histórica, social e culturalmente.

É importante destacar a construção da alteridade nesse processo relembrando que o discurso de um não se faz sem o discurso do outro, sem a relação de produção mútua de sujeitos, trabalhador-usuário, trabalhador-trabalhador. E que, há sempre um outro que "atrapalha", que não faz o que deve e que não entende. Assim, quem atrapalha quem? Quem não faz o que? Quem não entende quem? Como cada um se posiciona na relação de atendimento em saúde? Como e em que me modifico nessa relação?

Em suma, quem é esse outro com quem me deparo no trabalho em saúde?

 

Simetria e assimetria nas relações trabalhador de saúde e usuário

O trabalho de Sette e Ribeiro (1984) de análise de diálogos espontâneos registrados em lugares como lojas, feiras e restaurantes, podem trazer elementos para esta reflexão acerca das relações discursivas em saúde.

As autoras colocam que na interação face-a-face ocorre uma alternância nas posições de falante e ouvinte entre os interlocutores, levantando a questão da simetria e assimetria nas relações. Identificaram que alguns fatores externos à linguagem interferem sobre esse posicionamento dos sujeitos como: classe social, categoria sócio-profissional, grau de instrução, sexo, idade; lembrando que esses fatores estão sempre referidos a uma sociedade específica.

A hipótese inicial do referido trabalho era que a assimetria ou simetria nasceria da relação de poder existente entre os interlocutores sendo determinante na construção da estrutura dialógica. No entanto constataram que "em muitos casos, a relação de poder entre os interlocutores nasce da própria dinâmica do processo de interação verbal." (SETTE; RIBEIRO, 1984, p. 89).

As autoras identificaram, nas interações analisadas, marcas lingüísticas características e responsáveis pela relação simétrica ou assimétrica interna, ou seja, marcas que poderiam ser consideradas produto da interação lingüística.

Essas marcas foram agrupadas em cinco itens:

  1. o tema da negociação, principalmente o periférico, proposto por um dos sujeitos tornava-se uma marca importante de simetria (quando a proposta é aceita, possibilitando novos diálogos) ou assimetria (negação do tema periférico);
  2. os tipos de perguntas, as "fechadas" apontam para uma direção, marca de assimetria, as "abertas" permitindo maior flexibilidade, abrindo-se para a opinião do outro, marca de simetria;
  3. formas de tratamento através dos quais os interlocutores se colocam como diferentes ou como iguais;
  4. formas de pedido assinalam assimetria ou simetria como uma ordem ou interrogação e
  5. reversibilidade nos papéis entre falante e ouvinte, podendo apresentar-se em diferentes graus, desde um mínimo em que não há qualquer expressão de tratamento introdutório até a possibilidade de interações que marcam simetria.

Estas marcas podem servir como indícios, pistas, dados aparentemente negligenciáveis e de pouca importância, mas que serviriam para reconstituir as condições de produção do diálogo (TFOUNI, 1992).

Esse tipo de análise evidencia a posição que os sujeitos, falante e ouvinte, assumem na relação: alguém superior, inferior ou igual, gerando em conseqüência, um outro inferior, superior ou igual, ao dizer ou ao fazer algo (SETTE; RIBEIRO, 1984). Estes posicionamentos também podem ser investigados nas relações entre trabalhador de saúde e usuários.

Na saúde podemos observar essas marcas lingüísticas que ajudam a caracterizar a interação, evidenciam os indícios de como cada sujeito está se posicionando e tomando o outro e os diferentes movimentos dos sentidos dos discursos, especialmente nas interações em que ocorrem conflitos mais evidentes como discussões entre usuários e trabalhadores. Relações que iniciam de forma conflituosa podem terminar em relações respeitosas e de produção de ações de saúde satisfatórias para ambos, assim como relações que iniciam de forma tranquila e aparentemente sem grandes dificuldades, podem no transcorrer da interação resultar em agressividade.

As marcas lingüísticas que caracterizam as interações identificadas por Sette e Ribeiro (1984) se configuram indícios das diferentes formas de ver , entender e interagir com o outro na saúde.

 

Considerações finais

O acolhimento no enfoque da relação trabalhador-usuário pode configurar um elemento que contribua para o processo de mudança de modelo assistencial.

O caminho aqui enfocado foi olhar mais para o interior das relações, refletindo sobre como lidamos com o outro, o "não eu", um outro que é um diferente com o qual interagimos através de um diálogo, construído neste encontro.

Uma análise indiciária dos diálogos entre trabalhador e usuário pode oferecer material muito rico para refletirmos e analisarmos as relações no trabalho em saúde, se acolhemos ou não, o que estamos produzindo, a quem estão servindo nossas ações, em que contexto.

Os indícios podem nos ajudar a repensar o acolhimento nos dando pistas dos sentidos dos discursos e dos movimentos dos sujeitos. Entretanto, no cotidiano do trabalho em saúde tais indícios por si só não promovem a mudança. O agente de mudança são os sujeitos. Precisamos então sensibilizar o trabalhador para essa necessidade. Um caminho possível é o da reflexão pelo próprio trabalhador acerca por exemplo, do seu trabalho, das diferentes posições que tem tomado ao realizar suas ações, de como vem construindo a relação com os usuários; que pode ser disparada através da análise do discurso produzido no encontro trabalhador-usuário, evidenciando os indícios que podem revelar os sentidos ocultos na opacidade.

Esse tipo de análise pode favorecer o crescimento dos sujeitos das ações de saúde, na medida em que evidencia equívocos e contradições, promovendo a tomada de consciência dos nossas "ilusões".

 

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Reflexões acerca da comunicação enfermeiro-paciente relacionada à invasão da privacidade

 

Reflections about nurse-patient communication with respect to privacy invasion

 

 

Jussara Simone Lenzi PupulimI; Namie Okino SawadaII

IProfessor Auxiliar da Disciplina Enfermagem na Saúde do Adulto do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá. Mestranda do Programa de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). E-mail: jslpupulim@bol.com.br
IIProfessor Doutor do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP, Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem. Av. Bandeirantes, 3900. Ribeirão Preto – SP E-mail: sawada@eerp.usp.br

 

 


RESUMO

Este estudo tem por objetivo alertar os enfermeiros sobre como a invasão da privacidade pode dificultar a relação interpessoal enfermeiro/paciente. Destaca-se a importância da comunicação como instrumento facilitador do processo de interação, bem como a de atitudes e comportamentos que demonstrem respeito e consideração pelas características individuais de cada paciente. Ressalta-se a comunicação não-verbal como meio de transmissão de mensagens, por vezes mais expressiva e influente que a forma verbal. Concomitantemente, é necessário conquistar a confiança do paciente respeitando e protegendo a sua privacidade. Para tal, o enfermeiro deve ser capaz de captar as mensagens emitidas e de interpreta-las, procurando compreender as necessidades de cada indivíduo, a fim de estabelecer um relacionamento fundamentado na confiança e respeito mútuo. A enfermagem precisa aprimorar a sua comunicabilidade, que muitas vezes é um dom, mas pode e deve ser desenvolvida. Um processo de comunicação eficiente é imprescindível para a implementação de uma assistência de enfermagem de qualidade, personalizada e holística.

Palavras-chave: comunicação, relações interpessoais, privacidade, enfermagem


ABSTRACT

This study aimed at warning nurses about how the invasion of privacy can hinder nurse/patient interpersonal relations. We highlight the importance of communication as a facilitating instrument for the interaction process, as well as that of attitudes and behaviors demonstrating respect and consideration for the individual characteristics of each patient. Non-verbal communication is emphasized as a means of message transmission, which is at times more expressive and influential than the verbal form. Concomitantly, it is necessary to conquer the patient's confidence, respecting and protecting his privacy. To that end, the nurse must be capable of capturing and interpreting the produced messages, seeking to understand the needs of each individual in order to establish a relationship that is based on trust and mutual respect. Nurses must improve their communicability, which is frequently a gift, but can and must be developed. An efficient communication process is essential for the implementation of quality, personalized and holistic nursing care.

Key words: communication, interpersonal relations, privacy, nursing


 

 

Introdução

O ser humano está em constante interação e relacionamento com o mundo que o cerca, família, comunidade, trabalho, tradições, cultura, espiritualidade, ou seja, o contexto social onde vive. É através destas relações que o homem desenvolve sua consciência ética, definida por Gelain (1992) como sendo "a voz interna, o julgamento interior dos atos humanos". Portanto, o indivíduo traz consigo uma carga de valores morais e éticos que são apreendidos no decorrer de sua existência. Dentre estes valores, queremos destacar o direito e o dever ao resguardo da identidade e privacidade do indivíduo/cidadão, enquanto cliente e sujeito do processo de trabalho da enfermagem.

A privacidade tem sido considerada um importante componente de desenvolvimento e manutenção de sentido do "self". A habilidade para descobrir e selecionar informações que revelam o verdadeiro "self" contribui para o desenvolvimento de interações e relacionamentos. Ao mesmo tempo, a manutenção da privacidade permite ao indivíduo um sentimento de controle pessoal e expressão de autonomia, favorecendo a reflexão e auto-avaliação, além da liberação social e do contexto situacional para compartilhar informações pessoais. Portanto, a perda da privacidade pode ter sérias conseqüências para o indivíduo (Applegate; Morse, 1994).

Quando internados em instituições de cuidado à saúde, os pacientes reconhecem a dificuldade em manter a sua privacidade e individualidade, encarando a hospitalização como fator de despersonalização. Embora ações para proteger a sua intimidade sejam implementadas e vistas como importantes, alguns membros da equipe de saúde podem considerar inviável a sua preservação durante o exercício do seu papel e responsabilidades para a execução do trabalho.

Considerando especificamente a enfermagem, esta invadirá invariavelmente a privacidade do paciente durante a realização de alguns cuidados e procedimentos, como higiene corporal, sondagem vesical, entre outros. Por isso, concordamos com Glen e Jowlnally (1995) quando afirmam que o enfermeiro além de resguardar a privacidade do paciente, deve também auxiliá-lo a lidar com a perda da mesma. Mas como, efetivamente, o enfermeiro pode ajudar o paciente nesta circunstância?

 

Discussão

A condição de enfermidade e o internamento, que envolve inúmeros procedimentos, comprometem a independência do paciente e o controle sobre si mesmo, implicando em sentimentos como incapacidade, insegurança e impotência. Além disto, o paciente tem que dividir seu espaço pessoal, considerado por Bradley e Edinberg (1982) como o quarto, a cama e os objetos que o circundam, assim como os pertences pessoais. Ele compartilha seu espaço na enfermaria tanto com outros pacientes, quanto com visitantes e com a equipe de saúde que os assiste.

A natureza do relacionamento entre a equipe de saúde e os pacientes segundo Applegate e Morse (1994), requer pessoas que assumam a responsabilidade pelo cuidado das funções pessoais íntimas deles, sendo que muitas destas atividades de cuidado são freqüentemente executadas em áreas compartilhadas com outros pacientes na enfermaria. As autoras ressaltam que quando a interação é personalizada, os pacientes percebem que os membros da equipe são mais do que indivíduos responsáveis pelo cuidado. E sugerem que o diálogo, a troca de informações sobre temas em comum (esportes, trabalhos manuais, hobby, entre outros) pode ser a base para uma interação eficiente entre enfermeiro e paciente, a fim de estabelecer uma relação de confiança.

Kadner (1993) lembra que o enfermeiro é o profissional de saúde que permanece mais tempo com o paciente e enfatiza que atitudes como estar disponível, demonstrar sentimentos verdadeiros, encorajar um certo nível de intimidade, promoveriam uma comunicação e compreensão clara sobre os cuidados. Ressalta que a intimidade capacita o enfermeiro a compreender a personalidade do paciente e capacita o paciente a conversar sobre o que mais o incomoda. Mesmo quando a comunicação não é verbalizada, permite o desenvolvimento de um relacionamento terapêutico, fundamentado na confiança e respeito mútuo.

A comunicação como instrumento fundamental para a interação na área de enfermagem, vem sendo estudada por vários pesquisadores com o objetivo de melhorar a relação entre este profissional e o sujeito de seu trabalho. Alguns destes estudos referem-se à comunicação como veículo facilitador relacionado ao resguardo da privacidade dos indivíduos, uma vez que sua proteção está se tornando uma responsabilidade conjunta entre equipe de saúde e paciente, com independência e envolvimento, sendo promovida através de orientação e educação (Marr; Pirie, 1990).

É impossível imaginar o desenvolvimento das atividades de enfermagem sem uma comunicação eficiente, seja esta verbal ou não-verbal. A prestação da assistência de enfermagem vem exigindo, cada vez mais, que o enfermeiro desenvolva e aprimore esta habilidade com o intuito de promover uma relação de confiança, almejando facilitar a interação terapêutica.

Comunicação é o "processo pelo qual idéias e sentimentos se transmitem de indivíduo para indivíduo, tornando possível a interação social" (Michaelis, 1998). Esta definição reforça a necessidade de se investir nesta arte e dom que é comunicar, uma vez que é imprescindível para desenvolver o planejamento da assistência de enfermagem, orientar sobre cuidados e procedimentos, treinar para o auto-cuidado, entre outros. Para tal, corrobora-se com as funções da comunicação enumeradas por Arnold e Boggs (1989) que consistem em: conhecer a si mesmo e ao outro, estabelecer relacionamento significativo, examinar e estimular mudança de atitude e comportamento.

A finalidade dessa discussão é chamar a atenção dos profissionais de enfermagem e dos demais da área da saúde para a importância de se estabelecer um vínculo com o paciente comunicando-se com ele através de atitudes e comportamentos que demonstrem respeito pela sua privacidade. É intrínseca à natureza humana a necessidade de valorização dos seus princípios morais, das características pessoais, da identidade e da individualidade.

A equipe de enfermagem tem que estar ciente que a percepção do paciente sobre suas atitudes e comportamentos devem confirmar o discurso teórico, ou seja, o paciente percebe quando as manifestações não-verbais não são consonantes com as verbais. Ele observa as condutas e as reações do enfermeiro e quando estas não versam com o discurso, as palavras perdem o sentido. Isto gera insegurança, colocando em risco o processo de interação.

Ao observar as reações dos pacientes quando sentem sua privacidade ameaçada, ou mesmo invadida, percebem-se sentimentos como constrangimento, vergonha, embaraço, revolta. Por outro lado, demonstram satisfação e agradecimento através de expressões corporais ou verbais ao sentirem-se mais seguros quando a porta do banheiro é fechada, quando se colocam biombos durante a higiene corporal no leito, para a execução de procedimentos, ou mesmo quando seu estado clínico não é compartilhado com os demais pacientes da enfermaria. Isto acontece quando o respeito e a confiança são recíprocos nas relações entre a enfermagem e o paciente, condição necessária para o cuidado, e uma obrigação moral para quem, de algum modo, é responsável pelo bem-estar do outro.

O processo de cuidar envolve preocupação, dedicação envolvimento respeito, solidariedade e responsabilidade de quem cuida para com quem é cuidado. A demonstração de tais sentimentos por parte da equipe de enfermagem transmite segurança, favorecendo assim o relacionamento interpessoal. Quando a assistência é individualizada, os pacientes tendem a participar e colaborar com o processo de manutenção e recuperação da sua saúde.

A privacidade é um conceito abstrato e culturalmente definido, sendo dependente da situação. Portanto, as normas de privacidade definidas pela cultura dominante são redefinidas na relação profissional/cuidado entre o enfermeiro e o paciente (Applegate; Morse, 1994). Para que isto ocorra satisfatoriamente é importante conhecer a natureza física, cultural, espiritual, social e emocional do indivíduo, pois ele é um ser humano e como tal tem personalidade e dignidade.

Em concordância com Sawada (1995) ao ressaltar que a privacidade é uma necessidade e um direito do ser humano, sendo indispensável para a manutenção da sua individualidade, é importante lembrar que o paciente possui:

"o direito a atendimento humano, atencioso e respeitoso, por parte de todos os profissionais de saúde. Tem o direito a um local digno e adequado para seu atendimento.

o direito a manter a sua privacidade para satisfazer suas necessidades fisiológicas, inclusive alimentação e higiênicas, quer quando atendido no leito, no ambiente onde está internado ou aguardando atendimento"(Gauderer, 1998)

A enfermagem não pode ignorar que ao cuidar do paciente toca e expõe o seu corpo, sendo necessária em algumas situações, a nudez parcial ou total do indivíduo. Alguns estudos constataram que eles sentem desconforto, vergonha e constrangimento ao sujeitarem seus corpos despidos à ação dos enfermeiros (Pastore, 1995; Figueiredo; Machado, 1996, Silveira, 1997). Entretanto, a enfermagem parece "disfarçar" não perceber tais sentimentos, demonstrados em sua maioria através de manifestações não-verbais, como expressão facial e corporal, ou verbais, como recusar a higiene corporal alegando indisposição ou outro motivo.

Silveira (1997) ressalta que o "estar despido" é um fator a mais de estresse e sofrimento para o paciente, dificultando sua adaptação ao ambiente hospitalar, salientando que os enfermeiros apresentam falhas na proteção da privacidade dos pacientes. O enfermeiro precisa desenvolver habilidade para interpretar as diversas reações dos indivíduos, procurando compreender seus significados, para então poder intervir com a implementação de ações no sentido de ajudar o paciente a superar a perda da sua individualidade e privacidade.

Sabe-se que a maior parte das mensagens é emitida através da comunicação não-verbal, caracterizando a importância da enfermagem aprimorar sua comunicabilidade, uma vez que para prestar uma assistência holística, de qualidade, é necessário captar e compreender todas as mensagens transmitidas pelo paciente. Para que o processo de comunicação transcorra significativamente, é imprescindível que o enfermeiro conquiste a confiança e respeito dos pacientes, o que ocorrerá como resposta a atitudes de consideração, respeito e preservação da sua privacidade.

 

Considerações finais

A humanização do cuidar vem sendo enfatizada na prestação da assistência de enfermagem. Isto nos leva a refletir sobre a importância da comunicação como facilitadora no levantamento das necessidades do ser humano que está sob a responsabilidade da equipe de enfermagem.

Deste modo, ao realizar os cuidados o enfermeiro se aproxima do paciente, toca e algumas vezes expõe o seu corpo, ferindo o seu espaço pessoal e territorial, caracterizando como invasão da privacidade, o que gera ansiedade e desconforto. O enfermeiro tem que estar atento à manifestação destes sentimentos, demonstrar ao paciente que reconhece os seus direitos, como também, perceber qual a melhor forma de transmitir a ele que se preocupa com seus sentimentos e respeita sua individualidade.

Concorda-se com a colocação de Waldow (2001) ao apontar que as ações do cuidar propiciam a interação entre o cuidador e o ser cuidado, todavia esta interação vem tornando-se cada vez mais "impessoal, breve e formal", conseqüência da realização de procedimentos e cuidados de maneira mecanizada e rotinizada. Além disto, o avanço tecnológico e científico distanciam o enfermeiro do paciente, influenciando no tipo de relacionamento, em detrimento do conhecimento das características subjetivas do paciente.

Ao abordar a questão da privacidade no contexto da enfermagem, as colocações discutidas têm o propósito de provocar uma reflexão por parte dos enfermeiros acerca da importância de posturas e condutas que demonstrem preocupação com a intimidade e individualidade do paciente, respeitando os aspectos pessoais de cada indivíduo. Como afirma Barbosa (2000), "cuidar de pessoas significa uma vivência entre seres humanos, e em seu conteúdo estão incluídas as respostas humanas desses seres, tanto por parte de quem recebe quanto de quem presta o cuidado".

Palavras nem sempre expressam os sentimentos e as emoções das pessoas, que na maioria das vezes são mais evidentes através da expressão corporal e facial, ou seja, a comunicação não-verbal por vezes comunica com mais ênfase as necessidades e angústias do ser humano. Cabe ao enfermeiro, enquanto cuidador, buscar a compreensão das mensagens emitidas, o que, conseqüentemente, propiciará a efetividade das relações interpessoais.

 

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Comunicação por imagem aplicada como estratégia de ensino da taxonomia da NANDA: relato de experiência

 

Pictorial communication applied as a strategy for teaching the NANDA taxonomy: experience report

 

 

Cristina Arreguy-SenaI; Rosamary Aparecida Garcia StuchiII; Emília Campos de CarvalhoIII

IFaculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora, Rua Olegário Maciel nº1716-204 Bairro Paineiras, Juiz de Fora-MG
IIEscola de Enfermagem da UNIOESTE, Cascavel-PR
IIIEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, Ribeirão Preto-SP

 

 


RESUMO

O uso do diagnóstico de enfermagem para descrever as situações pelas quais o profissional enfermeiro é o responsável é uma tendência crescente, sendo a taxonomia da NANDA a modalidade mais divulgada no Brasil. A assimilação da estrutura e da articulação dos componentes dos cinco tipos de diagnósticos de enfermagem por alunos de graduação e pós-graduação é uma dificuldade que temos constatado em nossa prática docente. Diante do exposto, descrevemos nossa experiência com o uso da comparação dos componentes de um trem aos elementos que formam cada tipo de diagnóstico de enfermagem com vistas a favorecer a comunicação e a assimilação da estrutura da taxonomia da NANDA. Comparamos o título do diagnóstico com uma locomotiva, a definição com os trilhos, as características definidoras, os fatores relacionados e os fatores de risco aos vagões e os conectores aos elos da ligação entre a locomotiva e os vagões e destes entre si. A utilização da similaridade dos componentes dos diagnósticos de enfermagem à estrutura de um trem foi testada em curso de capacitação e no ensino de graduação, especialização, mestrado e doutorado tendo sido de êxito a avaliação dos participantes para sua compreensão.

Palavras-chave: comunicação, enfermagem, ensino


ABSTRACT

The use of the nursing diagnosis to describe the situations for which the nursing professional is responsible is an increasing tendency, in relation to which the NANDA taxonomy is the most spread modality in Brazil. The undergraduate and postgraduate students’ assimilation of the structure and articulation of the components of the five kinds of nursing diagnoses is a difficulty we have been noticing in our teaching practice. In view of the aforesaid, we describe our experience in using the comparison between the components of a train and the elements that make up each kind of nursing diagnosis, with a view to improving the communication and assimilation of the NANDA taxonomy structure. We compare the diagnosis title to a locomotive; the definition to the rails; the defining features, the related factors and the risk factors to the railway wagons and the connectors to the linking between the locomotive and the railway wagons and among the wagons. The use of the similarity of nursing diagnosis components to a train structure was tested in a qualification course and in the undergraduation, specialization, master’s and doctoral courses, and was evaluated successfully by the participants in all cases.

Key words: communication, nursing, education


 

 

Introdução

O uso de uma forma comum para nomear os problemas e as situações para as quais o profissional enfermeiro é o responsável legal é uma necessidade reconhecida que tem estimulado os cursos de graduação e pós-graduação a incluírem o ensino do diagnóstico de enfermagem. A taxonomia da NANDA, divulgada, inicialmente por meio das Escolas de Enfermagem da Paraíba, Ribeirão Preto e São Paulo é, atualmente, a forma mais conhecida no Brasil de abordar os problemas de enfermagem e que possibilita uniformizar a linguagem entre enfermeiros de regiões e países distintos e permutar experiências.

Nossa primeira aproximação com a taxonomia da NANDA, no ensino, remonta ao início da década de 90. Nossa experiência com o uso da taxonomia da NANDA nos permitiu constatar a dificuldade dos profissionais que foram formados no modelo biomédico e de alunos de graduação para assimilarem os tipos, os elementos de composição e a forma como eles são agrupados e se inter-relacionam na construção do raciocínio e do enunciado de um diagnóstico de enfermagem (CARVALHO, 1995; CARVALHO et al., 1993). O presente trabalho objetiva descrever nossa experiência na construção e na utilização de uma forma de abordagem do diagnóstico de enfermagem da NANDA utilizando a comunicação visual como recurso auxiliar para o ensino.

A taxonomia da NANDA apresenta 5 tipos de diagnóstico de enfermagem (real, de risco, potencial, síndrome e de bem-estar), sendo que cada tipo de diagnóstico é composto por determinado tipo e número de componentes. O número e os componentes dos diagnósticos diferem, sendo exemplo o diagnóstico real que possui o título (ou também chamado de categoria diagnóstico), a definição, as características definidoras e os fatores relacionados, e o diagnóstico de risco que possui como componentes o título, a definição e os fatores de risco (NANDA 1994, 1996, 2000; NAKATANI, 2000).

O esforço de associar uma estratégia de comunicação ao processo de ensino e de aprendizagem da taxonomia da NANDA justifica-se na medida em que aproxima a estrutura de composição dos diagnósticos da taxonomia a um objeto (trem) que possui representação concreta para os aprendizes, tornando o assunto menos teórico e mais pragmático do ponto de vista das experiências vividas pelos aprendizes, o que favorece a desmistificação da dissociação da teoria com a prática e intensifica a assimilação do conteúdo pelo processo de concretização e associação de imagens. Cabe recordar que a imaginação e uma das formas de retenção do saber.

 

Referencial teórico

Dentro do processo comunicacional, concebido pela teoria de significado e pensamento proposto por Boulding, as experiências, funcionam como informações, as quais influenciam à construção da imagem, ou seja, a representação internalizada que cada indivíduo possui sobre um objeto, coisa ou situação e que reflete a forma como cada um concebe o mundo. Essa influência pode ser chamada de mensagem. A importância de uma mensagem, sob essa concepção, advém da possibilidade de mudança que ela pode produzir sobre a imagem, somando-se a compreensão subjetiva prévia do objeto enfocado (LITTLEJOHN, 1991).

Assim sendo um objeto por si só possui para o indivíduo uma imagem internalizada que reflete como ele o vê, o sente, o percebe e reage diante dele. No processo comunicacional intencional o emissor pode utilizar-se de um objeto para desencadear no receptor uma percepção diferenciada daquela que ele já possui a respeito do significado dele. Analisado essa possibilidade na perspectiva do processo ensino/aprendizagem a sobreposição de um mesmo objeto carreando mensagens distintas pode potencializar os recursos disponíveis no ensino e favorecer a aprendizagem.

 

Metodologia

Quanto maior proximidade existe entre a realidade do educando e o método de abordagem do educador maiores serão as chances de êxito no processo ensino-aprendizagem (FREIRE, 1987, 1996; ARREGUY-SENA et al., 1999). Partindo desse pressuposto e considerando que, inicialmente, nossa proposta foi elaborada para ser utilizada na Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora, cidade do interior de Minas Gerais, empregamos a similaridade ou imagem formada a respeito da estrutura de composição de um "trem", elemento muito comum à cultura local. Estabelecemos, assim, o paralelo dessa estrutura com os elementos que compõem os 5 diferentes tipos de diagnóstico de enfermagem descritos na taxonomia da NANDA.

Assim como um trem necessita de uma estrutura propulsora comparamos a máquina locomotiva com o título do diagnóstico ou com a categoria diagnóstica; os trilhos, que dão direção a máquina e viabilizam o deslizamento do comboio ferroviário, foram equiparados à definição de cada título; os vagões foram assemelhados ao(s) componente(s) de um diagnóstico; os engates dos vagões foram comparados com as palavras de conexão usadas entre cada elemento que compõe o diagnóstico.

De posse desses princípios, a segunda etapa consistiu em representar, por meio da figura de um trem que possuísse o número de estruturas correspondentes a cada diagnóstico, cada tipo de diagnóstico. Tivemos a preocupação com o tratamento da imagem divulgada, baseando-nos nos seguintes critérios para defini-las: 1) a imagem dos elementos do trem deveria permitir uma comunicação auto-explicativa; 2) cada estrutura deveria permitir sua apresentação por composição em etapas de acordo com a necessidade e a participação dos aprendizes até que a figura fosse totalmente apresentada; 3) as representações visuais usadas deveriam ser esquemáticas, refletiu a experiência dos educandos e sua familiaridade com a imagem do trem conforme Figuras 1 a 4.

O formato final das figuras passou por avaliação de 4 profissionais com experiência com diagnóstico de enfermagem há mais de 2 anos na prática de ensino e assistência, sendo consideradas pelos avaliadores como uma das estratégias para abordagem dos componentes de cada tipo de diagnóstico da taxonomia da NANDA.

O mesmo encadeamento de idéias que era utilizado no ensino teórico passou a ser usado nas atividades de ensino práticas, quando buscávamos resgatar a comparação do comboio ferroviário para cada possível diagnóstico que era sugerido para a clientela que os alunos ou profissionais atendiam.

 

Descrição da aplicação do material elaborado

Como nossa primeira experiência de aplicação da figura comparativa de um comboio ferroviário com a estrutura de cada tipo de diagnóstico de enfermagem segundo a taxonomia da NANDA, ocorreu durante o ensino teórico da taxonomia para uma clientela de alunos de graduação de enfermagem e de profissionais enfermeiros em fase de capacitação que desenvolviam seus estudos ou suas atividades profissionais em cidades mineiras, a figura do trem ficou bem caracterizada para o regionalismo local. Cabe destacar que a comparação favoreceu a assimilação da estrutura de composição de cada tipo de diagnóstico da taxonomia, remetendo os participantes a representação internalizada que cada um deles possuía do objeto (trem) e acrescendo a esse objeto a mensagem pretendida (estrutura da taxonomia para cada tipo de diagnóstico). Aproveitamos a mesma idéia de abordagem da taxonomia da NANDA para o ensino teórico de profissionais enfermeiros que realizaram curso de especialização em Unidade de Terapia Intensiva, buscando diversificar a especialidade dos participantes e compreender como a estratégia da comunicação por imagem era assimilada por cada especialidade. Notamos que quanto os participantes tinham experiência apenas com modelos assistenciais semelhantes ao biomédico, maiores eram os benefícios do uso da estratégia da comunicação por imagem, pois esse recurso favorecia a construção mental da proposta por nós abordada.

Tivemos a oportunidade de utilizar recursos diversificados para abordagem da comparação dentre os quais destacamos: slides, painéis confeccionados com cartolina, barbante e velcro, projeção direta por meio de aparelho multimídia, massa de modelar, fantoche confeccionado com papel maché, dentre outros. Em todas as situações os materiais serviram de apoio a apresentação dialogada.

Diante dos resultados favoráveis na utilização da aproximação do trem com a taxonomia da NANDA, aplicamos a mesma experiência aos alunos do curso de mestrado e doutorado de outras regiões e reforçamos o resgate dessa comparação em atividades práticas, o que nos permitiu constatar que a mesma figura poderia ser usada em outros grupos de aprendizes da população brasileira, já que o objeto escolhido (trem) faz parte do senso comum.

 

Considerações finais

A utilização da similaridade dos componentes dos diagnósticos de enfermagem à estrutura de um trem foi testada em curso de capacitação e no ensino de graduação, especialização, mestrado e doutorado, tendo sido a avaliação dos participantes favorecedoras para sua compreensão diante do assunto abordado. No ensino teórico e prático da taxonomia da NANDA, utilizamos de subsídios da teoria de significado e do pensamento proposto por Boulding, (LITTLEJOHN, 1991) para potencializar o processo de comunicação, resgatando a representação internalizada que cada indivíduo possui sobre um trem. Emitimos, então, nossa mensagem, ou seja, a explicação da estrutura de cada tipo de diagnóstico de enfermagem da referida nomenclatura com a intenção de desfazer idéias preconceituosas do uso do diagnóstico na enfermagem, potencializar o ensino e favorecer a aprendizagem sobre esse assunto. Embora nossa estratégia tenha sido aplicada a profissionais com diferente grau de formação, atuações distintas e entre aqueles que tinham contato com clientela de diversos níveis de complexidade, a figura comparativa do trem para exemplificar a estrutura da taxonomia da NANDA mostrou-se satisfatória desde que usada como recurso adicional a técnica da exposição dialogada. Em vários recursos a figura do trem foi usada, sendo proveitosa desde que o facilitador do ensino domine a técnica escolhida.

 

Referências bibliográficas

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^rND^sARREGUY-SENA^nC^rND^sHALLACK^nK.A.^rND^sRODRIGUES^nP.R.^rND^sMIELO^nM.^rND^sSENA^nK.A. de^rND^sCARVALHO^nE.C de^rND^sCARVALHO^nE.C.de^rND^sARREGUY-SENA^nC^rND^sHALLACK^nK.A.^rND^sRODRIGUES^nP.R.^rND^sMIELO^nM.^rND^sSENA^nK.A. de^rND^sCARVALHO^nE.C de^rND^sCARVALHO^nE.C.de^rND^1A01^nCristina^sArreguy-Sena^rND^1A02^nEmília Campos de^sCarvalho^rND^1A01^nCristina^sArreguy-Sena^rND^1A02^nEmília Campos de^sCarvalho^rND^1A01^nCristina^sArreguy-Sena^rND^1A02^nEm¡lia Campos de^sCarvalho

A comunicação da equipe de enfermagem sobre a localização do sítio de inserção de dispositivo(s) endovenoso(s): construção e manuseio de instrumento

 

The communication of the nursing team about the localization of the place of insertion of intravenous device(s): instrument making and maintenance

 

 

Cristina Arreguy-SenaI; Emília Campos de CarvalhoII

IFaculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora. Endereço para contato: Rua Olegário Maciel nº 1716-204 Bairro Paineiras, Juiz de Fora, Minas Gerais. CEP:36016011
IIEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, São Paulo

 

 


RESUMO

A punção e a manutenção de uma veia periférica ou central ou de artéria são atividades que envolvem a atuação multidisciplinar. Embora a enfermagem possua uma interface de destaque na responsabilidade de inserção das punções venosa periféricas, na manutenção e remoção das outras modalidades de punção, as informações a respeito das punções precisam ser compartilhadas com toda a equipe de saúde, pois parte delas são geradas por outros profissionais ou podem subsidiar tomada de decisões à respeito do assunto. Objetivamos descrever a construção e o manuseio de um instrumento destinado a localização do sítio de inserção dos dispositivos venosos e capaz de identificar o tipo, o calibre, a data de inserção, ou seja, requisitos indispensáveis ao controle do sítio de inserção e áreas adjacentes. O instrumento, criado em out/nov/2001, foi antecedido por testagem em 72 pessoas e aplicado a 492 clientes de ambos os gêneros que se encontravam internados. Foram 1480 sítios endovenosos periféricos e centrais registrados diariamente durante 62 dias de acompanhamento. Em diferentes situações o instrumento comporta o registro da dinâmica de uso dos vasos sanguíneos e foi manuseado pela equipe multiprofissional e multidisciplinar, quando os códigos usados eram previamente conhecidos.

Palavras-chave: comunicação, enfermagem, punção venosa


ABSTRACT

The puncture and maintenance of a peripheral or central vein or an artery are activities that demand multidisciplinary actions. Although nursing has a big interface in the responsibility for inserting the peripheral venous punctures and maintaining and removing other puncture modalities, the information about the punctures needs to be shared with the entire health staff, since part of them is generated by other professionals or can be of assistance in making decisions about the subject. We intend to describe the making and the handling of a tool used to localize the puncture place for the intravenous devices and capable of identifying the kind, caliber and puncture date, that is, indispensable requirements for controlling the puncture place and adjacent areas. The tool, which was created in October-November 2001, was preceded by testing in 72 persons and used in 492 interned clients of both genders. 1480 peripheral and central intravenous places were registered on a daily basis during 62 days of observation. In different situations, the tool admitted for the registration of the dynamic use of the blood vessels and was handled by the multi-professional and muti-disciplinary staff, when the used codes were previously known.

Key words: communication, nursing, venous puncture


 

 

Introdução

Qualquer procedimento de punção venosa e/ou arterial pode ser abordado na perspectiva do preparo para sua execução, da instalação do dispositivo vascular, da sua manutenção e manuseio, da sua remoção e dos cuidados posteriores dispensados ao sítio de inserção do dispositivo e áreas adjacentes e compreendido na dimensão da pessoa que se encontra com o vaso sendo usado, na dimensão do profissional que executa tal procedimento e na interação entre eles.

De acordo com Arreguy-Sena (2002), embora o uso das veias possua indicações terapêutica, diagnóstica ou de avaliação hemodinâmica, algumas manifestações de efeitos indesejáveis, denominado pela autora como "trauma vascular", podem ser identificados por processos mórbidos que intensificam o período de internação hospitalar. Corroboram com esta constatação Polimeno et al. (1995), Maki e Ringer (1991), Arreguy-Sena e Carvalho (2000) e Phillips (2001).

Algumas manifestações do trauma vascular secundário à punção venosa periférica, identificado por Arreguy-Sena (2002) como hematoma, desconforto e dor, têm sido observados por nós, em nossa prática profissional nos traumas de artérias e nas punções venosas centrais.

As manifestações do trauma vascular surgem de forma progressiva caso o fator desencadeador não seja removido e/ou bloqueado, como, por exemplo, a dor (uma das manifestações do trauma que possui como forma de detecção mais confiável o relato do cliente) e também a prevenção e o agravamento do trauma requer uma vigilância contínua do local de inserção do dispositivo endovenoso, da área adjacente, do tipo de dispositivo usado e do tempo de permanência dele num mesmo local. Desta forma a permuta de informação entre os elementos da equipe de saúde e destes com os clientes adquire uma importância fundamental.

O manuseio dos vasos sanguíneos é uma atividade que envolve categorias e especialidades profissionais distintas, tais como equipe de enfermagem, anestesistas, angiologistas, radiologistas, bioquímicos e técnicos de laboratório e de radiologia, cirurgiões e intensivistas, sendo a manutenção e a disponibilização contínua do fluxo de informações para toda a equipe de saúde e para o usuário o grande desafio que o processo de punção venosa periférica e/ou central e de punção arterial traz para os profissionais da equipe de saúde.

Por mais que a passagem de plantão das equipes de trabalho da área de saúde promova o compartilhamento de informações entre pessoas de uma mesma categoria, raramente ela congrega todas as categorias que possuem interesse no uso dos vasos, tem-se que considerar que as informações passadas por essa modalidade de transmissão nem sempre são passíveis de serem relembradas ou recapituladas pelos trabalhadores com a fidedignidade requerida para fundamentar o processo decisório no momento do cuidado. Além do mais, em instituições nas quais é padronizada a necessidade de abordagem de aspectos referente ao processo de punção (tais como a data de inserção de qualquer dispositivo nas veias ou nas artérias, o tipo, o calibre dos dispositivos, o tempo de permanência e sua localização) e supondo que todas as categorias realizem com rigor tais registros essas anotações ficam diluídas no prontuário do cliente, dificultando sua imediata localização.

Visando a rápida disponibilização das informações a respeito do uso dos vasos sanguíneos durante o período de internação hospitalar para todos os trabalhadores da equipe de saúde, independente da capacidade mnemômica dos clientes ou dos profissionais, descrevemos nossa experiência. O presente estudo tem como objetivo descrever a construção e o manuseio de um instrumento destinado a localizar os sítios de punção dos vasos sanguíneos, assegurando a identificação da sequência em que eles foram usados durante o período de internação. Tal fato justifica-se pela possibilidade do instrumento contribuir na rápida recapitulação de informações, além do registro dos vasos favorecer uma visualização panorâmica dos pontos em que os vasos foram usados, sendo que essas informações contribuem para evitar que locais onde anteriormente foram realizadas punções sejam reutilizados, ou seja, haja a prevenção do trauma vascular por processo cumulativo de fatores desencadeantes.

 

Metodologia

Inicialmente cabe destacar que o instrumento foi criado em outubro e novembro de 2001 para fins de pesquisa clínica e evidenciou sua aplicabilidade em situações práticas. A primeira versão do instrumento foi testada em 62 pessoas que se encontravam internadas em diferentes setores de um hospital público e de ensino, do interior de Minas Gerais. A versão final foi utilizada para fins de pesquisa em 492 clientes da mesma instituição, de ambos os sexos, que se encontravam internados nos seguintes setores: clínica médica, clínica cirúrgica, unidade de terapia intensiva, unidade destinada a internações de pessoas com doenças infecciosas e transmissíveis.

 

Resultados

Os resultados serão apresentados em três etapas a saber: a construção do instrumento, o manuseio e a apreciação do uso.

A construção do instrumento de localização do(s) sítio(s) de inserção de dispositivo(s) endovenoso(s)- O instrumento foi confeccionado em lauda de papel formato A4, no módulo de paisagem, conforme apresentado na Figura 1.

O manuseio da ficha de localização dos sítios de inserção dos dispositivos e/ou das punções intravenosas - O ideal é que o acompanhamento dos locais de inserção de dispositivos vasculares disponíveis no instrumento, conforme apresentado na Figura 1, comece a ser usado no momento em que o cliente internado inicia o uso dos vasos para fins terapêuticos, diagnósticos ou para avaliações hemodinâmicas. Entretanto, caso ele não possa ser iniciado nesse momento, como, por exemplo, quando aplicado na coleta de dados de pesquisa, recomendamos que antes de registrarmos a primeira punção seja realizada uma observação minuciosa para identificação de possíveis evidências de lesões em locais previamente puncionados, visando evitar fatores de confusão (identificação de trauma vascular). Assim sendo, ao realizarmos os registros utilizamos códigos para designar cada dispositivos instalado de forma a permitir a identificação da seqüência de punções em todas as possibilidades da área corporal de uma pessoa e dentro de uma mesma estrutura corporal. O impresso destinado a permitir tais registros é composto de nove figuras, que mantêm a proporcionalidade com uma estrutura corporal humana e apresentam delineados os principais vasos sangüíneos. Conforme consta na Figura 2, as figuras identificadas pelos números 1 a 4 possuíam dois desenhos cada, sendo ambos referentes ao mesmo epsilateral (face anterior e face posterior). As figuras que possuem número ímpar referem-se ao lado direito e aquelas de número par, ao lado esquerdo. Para registrar a face anterior, usamos letras do alfabeto e, para registrar a face posterior, números arábicos, ambos seqüenciais ao(s) respectivo(s) número(s) de evento(s) de punção(ões) que ocorrem em cada participante. Na figura 1, registramos os dispositivos endovenosos que foram puncionados no braço ou na articulação do braço com o antebraço do dimítrio direito e, na figura 2, encontram-se as mesmas estruturas, porém do lado esquerdo; já na figura 3 e 4, registramos os dispositivos endovenosos que foram puncionados na articulação do braço com o antebraço, no antebraço, na articulação do punho, na mão e nos quirodáctilos, utilizando números para referirmo-nos à face posterior e letras para representarmos a face anterior.

As figuras 5 e 6 dizem respeito à face anterior da região inguinal, da coxa, joelho, perna, pé e pododáctilos e as figuras 7 e 8, às mesmas estruturas vistas pela face posterior (excetuando os quirodáctilos que, pela posição, não eram visualizados) e a figura 9 possibilitava a visualização do tronco e o início dos membros (face anterior do pescoço, região subclávia, tórax, abdome, região inguinal e início das coxas e dos MMSS). Embora algumas estruturas corporais não fossem recomendáveis para serem puncionadas, criamos um instrumento o mais amplo possível com vistas a abranger todas as possibilidades de localização das punções endovenosas. Utilizamos uma única folha para o acompanhamento diário das punções de uma mesma pessoa. Tal estratégia nos permitiu identificar com facilidade as alterações de sítios e/ou de dispositivos que haviam ocorrido de um dia para outro, sem que, para isso, houvesse necessidade de consultarmos os participantes. Cabe destacar que, embora, utilizando-nos desse artifício, continuamos a confirmar as informações sobre alterações de sítios e/ou dispositivos com aquelas pessoas que conseguiam expressar-se, verbalmente, com coerência. Em todas as figuras, realizamos registros, junto aos sítios de inserção dos dispositivos endovenosos, a respeito do tipo de dispositivo e do calibre, desde que eles fossem passíveis de identificação no momento das visitas diárias. As informações existentes sobre os adesivos tinham os seus conteúdos transcritos junto aos sítios a que se referiam.

Foram avaliados 1480 sítios endovenosos periféricos e centrais, registrados diariamente, durante 62 dias de acompanhamento por meio do instrumento referido. O uso efetivo do instrumento ocorreu por meio de registro manual com marcação puntiforme na estrutura corporal correspondente ao exato local em que um dispositivo venoso foi inserido, sendo realizada uma seta para a área externa ao desenho, onde registramos o tipo e calibre do dispositivo e a data de sua instalação. O instrumento foi manuseado por acadêmicos de medicina, de bioquímica e de enfermagem e por profissionais médicos (intensivista, radiologista, angiologista e cirurgião), bioquímicos e enfermeiros.

Apreciação da versão final do instrumento de localização dos sítios de inserção dos dispositivos venosos- O manuseio desse impresso, contendo os códigos criados, permitiu-nos resgatar informações instantaneamente e compilar informações distintas (como o dimítrio e a face da estrutura corporal; o tipo, o calibre e a data de instalação do dispositivo e a seqüência de utilização dos vasos por estrutura corporal ou no cômputo geral da área corporal). Assim sendo, referir-se ao sítio "4d" equivale a dizer que estávamos diante da quarta punção realizada na face anterior do lado direito, que está localizada em sentido terminal da articulação do braço com o antebraço.

Em pessoas que tiveram o uso dos vasos sangüíneos concentrados num determinado momento do período de internação ou que o uso foi de menor intensidade mais por um longo, o impresso mostrou-se capaz de armazenar todos os registros previstos. Outro fato que merece menção é a praticidade que gerou utilizamos estruturas corporais nas quais mantivemos a proporcionalidade da figura com o corpo humano. Esse procedimento permitiu-nos localizar com precisão anatômica os sítios de punção atuais e anteriores mesmo que eles fossem próximos além de possibilitar a rápida identificação das variações anatômicas. Todos os profissionais que o manusearam reafirmaram sua importância na permuta de informações entre categorias profissionais distintas e entre trabalhadores de uma mesma profissão.

 

Considerações finais

Independente do grau de dependência, da gravidade do cliente, da quantidade e periodicidade de infusões, punções e dispositivos instalados nas pessoas internadas, o instrumento criado por nós foi passível de comportar o registro da dinâmica de uso dos vasos sangüíneos e de ser manuseado pela equipe multiprofissional e interdisciplinar, quando os códigos usados eram previamente conhecidos.

 

Referências bibliográficas

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^rND^sARREGUY-SENA^nC.^rND^sCARVALHO^nE.C.de^rND^sMAKI^nD.G.^rND^sRINGER^nM.^rND^sPOLIMENO^nN.C.^rND^sHARA^nM.H^rND^sAPPEZZATO^nL.F^rND^sFERNANDES^nV.^rND^sCINTRA^nLA^rND^sHARA^nC.A.^rND^sARREGUY-SENA^nC.^rND^sCARVALHO^nE.C.de^rND^sMAKI^nD.G.^rND^sRINGER^nM.^rND^sPOLIMENO^nN.C.^rND^sHARA^nM.H^rND^sAPPEZZATO^nL.F^rND^sFERNANDES^nV.^rND^sCINTRA^nLA^rND^sHARA^nC.A.^rND^1A01^nMaria Aparecida^sMunhoz Gaíva^rND^1A02^nCarmen Gracinda Silvan^sScochi^rND^1A01^nMaria Aparecida^sMunhoz Gaíva^rND^1A02^nCarmen Gracinda Silvan^sScochi^rND^1A01^nMaria Aparecida^sMunhoz Ga¡va^rND^1A02^nCarmen Gracinda Silvan^sScochi

A comunicação entre a equipe e os pais em uma UTI neonatal de um hospital universitário*

 

The communication between the team and parents at a neonatal intensive care unit of a university hospital

 

 

Maria Aparecida Munhoz GaívaI; Carmen Gracinda Silvan ScochiII

IEnfermeira. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem e Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso. Rua General Valle, 431, ap. 1304. Bairro Bandeirantes. CEP- 78010-100 Cuiabá-MT, e.mail mgaiva@zaz.com.br , fone: 65-6245803
IIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EEP-USP

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudo descritivo numa perspectiva qualitativa, com o objetivo de analisar o processo de comunicação entre a equipe de saúde e os pais em uma UTI Neonatal de um hospital universitário de Cuiabá-MT. Os dados foram coletados através da observação participante. Percebemos que a interação da equipe com os pais se dá, na maioria das vezes, de forma automatizada, impessoal e mecanizada, inexistindo comunicação não verbal afetiva no contexto do trabalho. Em geral, são discursos autoritários com assimetria na comunicação, colocando os pais como meros ouvintes. Apreendemos que as mães têm necessidades especiais, como ser ouvida e expressar seus sentimentos, e a equipe não está instrumentalizada com conhecimentos e tecnologias de interação para atender a essas necessidades. A comunicação deve favorecer o cuidado de qualidade, portanto, o conhecimento e a implementação de instrumentos que facilitem a interação com a família são fundamentais na busca por uma assistência humanizada.

Palavras-chave: processo de comunicação, interação equipe-família, UTI Neonatal, humanização do cuidado


ABSTRACT

This is a descriptive study from a qualitative perspective, aimed at analyzing the communication process between the health team and the parents at a neonatal ICU of a university hospital in Cuiabá – MT. The data were collected through participant observation. We realized that the interaction between team and parents mostly happens in an automatic, impersonal and mechanic way, while non-verbal affective communication does not exist in the context of the work. In general, authoritarians discourse occurs with asymmetric communication, putting the parents in the position of mere listeners. We perceived that the mothers have special needs, such as being listened to and expressing their feelings, and the team does not possess interactional knowledge and technologies to accomplish these needs. Communication must favor quality care; therefore, the knowledge and the implementation of tools that facilitate the interaction with the family are basic in the search for a more humanized care.

Key words: communication process, interaction team-family, neonatal ICU, care humanization


 

 

Introdução

A internação do bebê na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) é uma situação de crise para toda a família, principalmente para a mãe. Esse é um ambiente estranho e assustador, além de que o bebê real é diferente do imaginado e o sentimento de culpa pelos problemas do filho atuam como fatores inibidores do contato espontâneo entre pais e bebês. Nesse sentido, o acolhimento, a interação e a comunicação da equipe com os pais desempenham papel fundamental para que as experiências emocionais que venham ocorrer nesse período sejam melhor elaboradas e o sofrimento dos pais minimizados.

A comunicação é uma atividade que intermedia as relações, portanto é essencial no dia-a-dia do hospital. As interações na UTIN são mediadas pela necessidade de comunicação que se estabelecem através de diálogo, de troca de informações e de mensagens não verbais. No entanto, no cotidiano do trabalho a ênfase é o controle biológico do neonato, centrado na doença, não se percebendo preocupação dos profissionais em decodificar termos técnicos que utilizam na comunicação com os pais, muito menos a disposição para ouvir e acolher os familiares dos recém-nascidos (RNs).

As informações contidas nesta investigação são um recorte de um estudo de caso, realizado em uma UTIN de um hospital universitário de Cuiabá-MT (GAÍVA, 2002). A partir de informações coletadas através de observação participante buscamos analisar o processo de comunicação entre a equipe de saúde e os pais nessa UTIN.

 

Metodologia

A pesquisa é de natureza qualitativa, caracterizada como um estudo de caso, que segundo Ludke e André (1986) é um tipo de pesquisa que se constitui como uma representação singular da realidade, que é multidimensional e historicamente situada.

A pesquisa foi realizada na UTIN de um hospital universitário de Cuiabá-MT, dispondo de 10 leitos neonatais (4 de alto e 6 de médio risco). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital. A coleta de dados foi realizada no período de março a setembro de 2000, utilizando-se da observação participante e da análise de documentos como o prontuário dos RNs. As observações foram registradas em um diário de campo. Os pais dos prematuros observados foram comunicados da proposta do pesquisa e concordaram participar da pesquisa, assinando Termo de Consentimento Pós-Informado.

Para captar como se processa a comunicação entre a equipe e os pais, o foco de observação foi o ambiente de cuidado ao bebê prematuro, as visitas das famílias ao RN e a dinâmica de todo trabalho realizado no setor, nos turnos manhã, tarde e noite, de segunda a domingo. Para manter o anonimato e sigilo dos sujeitos pesquisados, as mães, os pais e os bebês foram identificados com codinomes e os profissionais números.

A análise dos dados foi realizada utilizando-se, como passos operacionais, a ordenação dos dados, a classificação dos dados e análise final (MINAYO, 1994).

 

Resultados e discussão

A disciplina nas unidades de alta complexidade, como a UTIN, induz os profissionais a perceber e tratar os bebês e família como meros objetos de cuidado chegando à dominação, fazendo com que os sujeitos se moldem pelas exigências, sem exteriorizar resistência aos rígidos padrões que lhe são impostos pela organização do trabalho.

Através da observação da dinâmica do trabalho na UTIN, foi possível analisar como e em que momentos ocorrem a comunicação e não comunicação entre os diferentes profissionais e os pais.

A relação dos profissionais com os pais tem como característica principal a despersonalização dos sujeitos.

O residente (2) se aproxima da incubadora e fala para Ana (mãe de Gabriel): "Mãe! Nós o colocamos no capacete, mais ele não agüentou bem, é muito pequenininho né?". (Diário de Campo, 04-07-00)

Nesse relato, observa-se que o residente de uma certa forma explica a evolução e piora do quadro clínico do bebê, mas no processo de comunicação despersonaliza tudo por meio da palavra mãe, desconsiderando a sua individualidade. Na maioria das vezes, a equipe quando se dirige aos pais trata-os como "mãe" e "pai" e, raramente chama-os pelo nome. Isso foi observado em vários momentos.

Na comunicação dos pais dirigida à equipe são utilizadas formas variadas de tratamento interpessoal: você, mocinha, senhor... Os familiares, principalmente as mães, usam o pronome você ou o próprio nome do profissional para dirigir-se a ele, mas em algumas situações os pais reproduzem o tratamento impessoal, despersonalizado que recebem dos profissionais. Nesse sentido, tivemos oportunidade de observar em vários momentos a mãe ou pai dirigindo-se ao profissional diretamente com uma pergunta que lhes era de maior interesse como: Meu filho vai ter alta hoje?

No entanto, quando consideramos a perspectiva do continnum do cuidado, aquela mãe cujo prematuro está há muito tempo internado, portanto no médio risco, já é chamada pelo nome, principalmente pela equipe de enfermagem, com quem estabelece um vínculo maior pela proximidade e convivência.

No horário da visita a mãe do Adolfo chega e o enfermeiro (2) vem recebê-la dizendo: "Apareceu uma mãe! Angelina! Quer que eu enrole ele para você pegar? Não precisa eu tenho de aprender". (Diário de campo, 02-08-00)

Observamos ainda, que a equipe informa os pais, principalmente sobre o estado de saúde do bebê e complicações, mas em termos da sua evolução diária, é os pais que buscam informações acerca do filho junto aos médicos, residentes e equipe de enfermagem.

O pediatra (1) se aproxima da incubadora e a mãe Angelina lhe pergunta do crescimento da cabeça do filho e ele responde: "a cabeça dele está com um crescimento muito rápido e nós iremos providenciar o neurocirurgião para ele fazer a programação da cirurgia porque agora ele não pode operar pelo peso do bebê, mas como o bebê vai reagir a gente não pode dizer qual vai ser a evolução. É preciso acompanhar o desenvolvimento e só então ver como a criança vai se desenvolver". A mãe nada responde. (Diário de campo, 29-06-00).

Cabe salientar que essa mãe já havia recebido informações, acerca da hidrocefalia, do residenteresponsável pelo bebê.

Há uma relação de assimetria entre equipe e familiares, na medida que os profissionais estruturam a comunicação sem dar espaço para os pais se colocarem, dominando o diálogo.

O interno (5) chega com o resultado do hemograma e diz para a Amália que aguardava o resultado para o bebê Mateus ter alta: "Mãe nós não podemos dar alta para seu bebê, o exame não veio bom, você pode vir a amanhã? Aí se ele tiver de alta você leva ele, senão você fica com ele e dá de mamar". Vai embora sem dar oportunidade para a mãe falar. (Diário de campo, 03-08-00)

Angelina, mãe do Adolfo está sentada ao lado da incubadora e o residente (3) se aproxima e diz: "mãe a cabeça do bebê está crescendo muito, isso é comum em prematuros e o tratamento é cirúrgico só que agora ele não tem peso para fazer a cirurgia, mas assim que tiver ele vai ter que fazer". A mãe olha para ela e pergunta: "Ele corre risco de morrer?" O residente responde: "sim ele corre" e vai embora. A mãe começa a chorar e acaricia e toca o filho com as mãos. Mais tarde ela procura um estudante de enfermagem (1) para conversar: "Por que o bebê teve isso?" O estudante lhe diz que é uma complicação comum em bebês prematuros e ela lhe responde: "Não quero ter outro filho e se ele não tivesse nascido prematuro hoje estaria com oito meses e eu com a barriga grande". Mais tarde, a mãe procura novamente o estudante de enfermagem (1) e pergunta se depois da cirurgia o bebê vai apresentar crise convulsiva e ele lhe responde: "é difícil dizer como vai ser a evolução da criança, mas poderá apresentar crise sim". Ela parece satisfeita com a informação e volta para perto do filho se despede dele tocando seu rosto e vai embora. (Diário de campo, 26-06-00)

A comunicação entre o médico e os pais dos bebês é quase sempre um monólogo, apenas um fala (profissional) e o outro escuta e acata (pais). Na UTIN, o papel da mãe é muito mais de receptora de mensagem do que de emissora. Constatamos também, a necessidade da mãe em dialogar com outros membros da equipe para entender as informações dadas pelo médico e esclarecer suas dúvidas sobre o estado de saúde e riscos de seu filho prematuro.

Lamy (2000), ao estudar as interações no espaço da UTIN, observou que as mães têm dificuldades em comunicar-se com a equipe médica e, muitas vezes, necessita de mediação de outros profissionais para fazê-lo. Para a autora, um dos obstáculos na efetivação da comunicação entre mães e médicos é a questão do saber que este detém, o que o torna detentor de verdade e poder.

Farias (1999) reafirma esta situação quando descreve que a prática comunicativa na saúde está centrada no modelo tradicional de comunicação, em que a relação é entendida como linear; geralmente a comunicação entre os profissionais de saúde e paciente é assimétrica.

A relação entre profissionais e pais é tão assimétrica que, mesmo diante da comunicação interpessoal, é difícil para eles exteriorizarem algo; o máximo que fazem é esboçar movimentos corporais, balançando a cabeça afirmativa ou negativamente, não conseguindo manifestar suas dúvidas. Algumas vezes, eles buscam esclarecer suas dúvidas com aquele que está numa relação mais próxima, em geral auxiliar de enfermagem.

Ao discutir o cuidado do bebê prematuro, Rodrigues (2000) caracteriza a UTIN como um palco onde os atores principais têm sido os profissionais de saúde, donos do saber científico, e os pais, com suas concepções, são expectadores e ouvintes muitas vezes passivos de todo o espetáculo.

O bebê Juliano acaba de ser admitido na UTIN, veio de outro hospital acompanhado de seu pai. O pai está parado no hall de entrada, todas as atenções estão voltadas para a criança, somente depois de alguns minutos é que o residente (2)se aproximae lhe diz que ainda não sabe o que a criança tem e retorna para examinar o bebê. O pai continua em pé olhando para a incubadora onde está o filho e chora silenciosamente. (Diário de campo, 24-04-00)

Assim que a mãe Amália chega, o interno (5) lhe diz que vai ter que colher outro sangue do bebê, pois o anterior coagulou e sai. Amália não responde e olha para o filho com lágrimas nos olhos. (Diário de campo, 02-08-00)

Estes relatos ilustram o fato de que os profissionais de saúde nem sempre têm considerado na comunicação os aspectos da intersubjetividade dos pais, ignorando emoções, sentimentos inerentes ao ser humano que se encontra em situação de estresse por ter o filho hospitalizado.

Em contrapartida, há situações em que os profissionais estabelecem uma relação interpessoal adequada com a clientela, atentando-se para comunicação verbal e não-verbal e ao que está transmitindo:

A mãe Ana está esperando o resultado do exame para a alta do filho Gabriel, o interno (6) chega e lhe comunica que o resultado do exame manteve o padrão infeccioso e, portanto, o bebê não poderá ir embora. A mãe começa a chorar e o interno diz: "Você sabe mãe que ele estava ruim quando estava do outro lado (alto risco), lembra-se? Agora está quase igual ao outro (irmão gemelar), suga bem, acompanha com o olhar; a gente considera a clínica também não só o resultado do exame". A mãe continua chorando e dizendo: "Eu não agüento mais, eu sabia que ele nunca ia sair daqui, estou cansada, agora só venho aqui no dia que tiver alta, vocês avisam e eu venho pegar ele!" O interno fala: "Mãe, você não pode falar assim, o bebê precisa de você, ele já sente seu cheiro, sua voz e precisa de você, vamos colher outro sangue hoje e amanhã cedo você vem para saber se pode ou não levar ele para casa". (Diário de campo, 03-08-00)

Essa mãe é adolescente, solteira, está com o filho internado há 38 dias, o qual nasceu em outro hospital e foi transferido para esta UTIN, mas seu irmão gêmeo já recebeu alta do outro hospital há uma semana e ela está angustiada porque tenta conciliar o horário para cuidar do outro filho e visitar e amamentar o que está internado. Em sua última visita, Ana foi notificada de que a depender do resultado do hemograma o filho teria alta, veio buscá-lo e trouxe o irmão, mas sua expectativa foi frustrada com a notícia da manutenção da internação. Quando a mãe está inserida no cuidado, a ansiedade e expectativa pela alta é menor, pois ela conhece e participa mais das rotinas da unidade.

Percebemos na conduta anterior que apesar do interno notificar a mãe sobre a condição do bebê em resposta às manifestações verbais e não-verbais maternas, a sua conduta atêm-se às necessidades afetivas e emocionais do bebê, não demonstrando sensibilidade para as necessidades da mãe adolescente e de suas dificuldades no cuidado do outro bebê no domicílio.

O espaço comunicacional compreende além da expressão verbal, também os gestos, o olhar, o escutar, o lugar onde se dá a inter-relação. Para Farias (1999), esses elementos não têm sido considerados pelos profissionais no relacionamento com os clientes, dando prioridade em repassar a mensagem técnica sem levar em consideração os aspectos da relação.

Segundo Silva (1996), a comunicação não-verbal ocorre na relação pessoa-pessoa, em que as informações são obtidas por meio de gestos, posturas, expressão facial, escuta, orientações do corpo. Nesse tipo de comunicação cabe ao profissional perceber os sentimento do paciente/familiares e as dificuldades em verbalizar suas dúvidas. Ainda para a autora, esse tipo de comunicação emite mensagens sobre o significado e o interesse que temos em relação à interação com o outro.

Durante o trabalho de campo, raras foram as vezes que observamos aproximação maior com os pais, através do estar junto, dedicar tempo para ouvir suas dificuldades, ansiedades, sentimentos e outras manifestações não-verbais.

Lamy (2000, 1995) destaca o aspecto da adequação da informação dada aos pais, as quais, no cotidiano do trabalho, não atendem as necessidades e expectativas da família; o médico pouco conhece acerca dos familiares dos bebês, fala da doença enquanto a família quer ouvir sobre seus filhos. Além disso, os médicos falam muito e ouvem pouco, usam sempre o mesmo discurso como se todos os pais necessitassem do mesmo tipo de abordagem. Isso também foi observado por nós no trabalho de campo, em vários momentos.

Na comunicação entre o fisioterapeuta e os pais constatamos a preocupação em usar palavras que o interlocutor pudesse compreender:

O fisioterapeuta (2) responde à indagação do pai de Melissa sobre a fisioterapia: "estou fazendo exercícios para fortalecer o pulmãozinho dela e também para aumentar a atividade, pois ela é prematura e demora mais para ter os movimentos normais". O pai parece satisfeito com a resposta e continua observando a filha. (Diário de campo,15-08-00)

Essa preocupação com o entendimento do que se fala se justifica no fato de que a grande maioria da população atendida na unidade é de baixa escolaridade e, muitas vezes, tem dificuldades concretas para o entendimento de alguns discursos. No caso acima relatado, o pai e a mãe de Melissa são analfabetos.

Entretanto, em algumas situações de relação direta de outros profissionais de saúde com os pais não observamos essa preocupação:

Às 13horas o residente (4) chega com um bebê do alojamento conjunto para submeter-se a uma exsanguíneotransfusão. A mãe acompanha o filho, ouve atentamente o diálogo do médico com o professor e, de repente, começa a chorar e então é notada. O residente olha para ela e diz: "mãezinha! O bebê está com a taxa de bilirrubina alta e nós vamos precisar fazer uma transfusão". A mãe balança a cabeça em sinal afirmativo e sai da sala, vai para seu quarto. (Diário de campo, 18-04-00)

O relato mostra o uso de termos técnicos não adequados ao entendimento da mãe e reforça também a questão da assimetria nas relações, em que o médico sabe o que faz e através de seu poder/saber ele impõe o que deve ser feito com o bebê, caracterizando uma relação de dominação e controle.

A assimetria nas relações decorre também do modelo tecnológico de atenção vigente, que tem como foco recuperar o corpo biológico. Cabe assinalar que a hospitalização de um filho na UTIN é uma situação de muita dor e estresse para a família, principalmente para a mãe, e que o apoio da equipe de saúde é fundamental na superação dessa crise.

Para amenizar as dificuldades de ter um filho doente/prematuro internado em uma UTIN, algumas estratégias vêm sendo implementadas em alguns serviços, uma delas é o grupo de apoio aos pais, que constitui estratégia que pode ajudar a superar essa situação, criando espaços de comunicação para que os pais possam falar sobre seus sentimentos, o que estão vivendo, sanar suas dúvidas e perguntar sobre as condições de saúde do filho (SCOCHI, 2000).

Na pesquisa que realizamos com mães participantes de um grupo de apoio aos familiares de bebês internados em uma UTIN privada de Cuiabá-MT, os resultados mostram que as mães necessitam de um espaço onde possam compartilhar medos e ansiedades e que o grupo tem papel de orientação e informação, além de apoiar e confortar os familiares (SANTOS; GAIVA; GOMES, 2001).

Urge portanto, implantar estratégias dessa natureza na instituição em estudo.

 

Conclusão

Apreendemos que a interação dos profissionais com os pais configurou-se, na maioria das vezes, de forma automatizada, impessoal e mecanizada; não observamos afetuosidade e comunicação não verbal calorosa no contexto do trabalho. Ampliando a discussão acerca das relações de poder, podemos dizer que a comunicação assimétrica é o principal instrumento de submissão dos pais aos profissionais.

Neste contexto, o autoritarismo destes profissionais coloca a mãe como mera executora de uma ordem. Apreendemos que as mães têm necessidades especiais, como a de ser ouvida, de expressar seus sentimentos, de apoio familiar, mas a equipe ainda não está instrumentalizada com conhecimentos e tecnologias de interação para dar conta dessa amplitude de necessidades que a mãe traz.

Não podemos esquecer que a comunicação deve acontecer de modo a favorecer o cuidado de qualidade e, portanto, o conhecimento e a implementação de instrumentos que facilitem a interação com a família são fundamentais na busca por uma assistência humanizada.

Este estudo trouxe subsídios para repensar o modelo de atenção vigente na UTIN e colaborar no processo de construção de uma assistência mais integral e humanizada em que os pais possam ser vistos como parte do assistir, não no sentido passivo de receber informações, mas como sujeito participante do processo de decisão do tratamento do filho.

 

Referências bibliográficas

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LAMY, Z.C. Unidade neonatal: um espaço de conflitos e negociações. Rio de Janeiro: 2000. 160p. Tese (Doutorado). Fundação Oswaldo Cruz. Instituto Fernandes Figueira.

LUDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D. A pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 99p.

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SCOCHI, C.G.S. A humanização da assistência hospitalar ao bebê prematuro: bases teóricas para o cuidado de enfermagem. Ribeirão Preto, 2000. 245p. Tese (Livre Docência). Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo.

SILVA, M. J. P. A comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde. 6.ed. São Paulo: Ed. Gente, 1996. 133p.

 

 

* Artigo elaborado a partir da tese Organização do trabalho na assistência ao prematuro e família em uma UTI neonatal de Cuiabá-MT, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP).

^rND^sFARIAS^nE. M.^rND^sSANTOS^nD.S.D.^rND^sGAÍVA^nM.AM.^rND^sGomes^nM.M. F.^rND^sFARIAS^nE. M.^rND^sSANTOS^nD.S.D.^rND^sGAÍVA^nM.AM.^rND^sGomes^nM.M. F.^rND^1A01^nLuiza Akiko Komura^sHoga^rND^nCarla Cristiane Paz^sFélix^rND^nPatrícia^sBaldini^rND^nRaquel Cunha^sGonçalves^rND^nThaís Rodrigues de Almeida^sSilva^rND^1A01^nLuiza Akiko Komura^sHoga^rND^nCarla Cristiane Paz^sFélix^rND^nPatrícia^sBaldini^rND^nRaquel Cunha^sGonçalves^rND^nThaís Rodrigues de Almeida^sSilva^rND^1A01^nLuiza Akiko Komura^sHoga^rND^nCarla Cristiane Paz^sF‚lix^rND^nPatr¡cia^sBaldini^rND^nRaquel Cunha^sGon‡alves^rND^nTha¡s Rodrigues de Almeida^sSilva

Relacionamento interpessoal: fator relevante da assistência ao parto na avaliação de puérperas*

 

Interpersonal relationship: important birth care factor  according to the evaluation by the mothers

 

 

Luiza Akiko Komura HogaI; Carla Cristiane Paz FélixII; Patrícia BaldiniII; Raquel Cunha GonçalvesII; Thaís Rodrigues de Almeida SilvaII

IProfessora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 419, São Paulo, SP, Brasil. CEP 05403-000
IIEx-bolsistas de iniciação científica da FAPESP

 

 


RESUMO

Trata-se de parte dos resultados da pesquisa "Atuação da enfermeira obstétrica na assistência ao nascimento e parto: avaliação da experiência da mulher e sua família", que teve o objetivo geral de avaliar a assistência ao parto entre mulheres atendidas em unidades hospitalares participantes do projeto "Inserção da enfermeira obstétrica na assistência ao parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo". Um dos objetivos específicos da pesquisa acima mencionada foi conhecer a avaliação das mulheres e seus acompanhantes em relação à assistência ao parto recebida, a partir da perspectiva individual e subjetiva deles. Os resultados referentes a este objetivo específico demonstraram que o relacionamento interpessoal representa um dos fatores mais relevantes da assistência ao parto, segundo a avaliação feita por puérperas e respectivos familiares. Assim sendo, a avaliação da assistência ao parto foi positiva quando do estabelecimento de relacionamento interpessoal adequado por parte dos profissionais e negativa, quando estes se mostraram negligentes neste aspecto.

Palavras-chave: parto, avaliação, enfermagem obstétrica


ABSTRACT

This research shows a part of the results of the research "The midwife´s care in childbirth and delivery: evaluating the experience of women and their families". The general aim of this research was the evaluation of childbirth care among women who received care in hospitals participating in the project "Insertion of the midwife in delivery care in São Paulo State Health Institutions". One of the specific objectives of this research was to know about the evaluation of women and their families in relation to the care received during childbirth and delivery, on the basis of their individual and subjective perspective. The results related to this specific objective have demonstrated that the interpersonal relationship is one of the main factors of delivery care, according to the evaluation of women and their families. Thus, the evaluation of delivery care was positive when an adequate interpersonal relation was established by the professionals, and negative when they had neglected this aspect.

Key words: childbirth, evaluation, midwifery


 

 

Introdução

A Coordenadoria de Saúde da Região Metropolitana da Grande São Paulo da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (CSRMGSP-SES/SP) e a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) desenvolveram em conjunto o projeto "Inserção da Enfermeira Obstétrica na Assistência ao Parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo". Este projeto visou incorporar a enfermeira obstétrica na equipe de saúde para a prestar assistência no trabalho de parto e parto normal, e foi implantado em quatro hospitais da rede da Coordenadoria. A participação da EEUSP referiu-se à formação de especialistas em enfermagem obstétrica vinculadas à Coordenadoria, para compor parte do quadro de enfermeiras obstétricas a serem incorporadas ao projeto e à avaliação do processo e dos resultados alcançados pela atuação destas profissionais.

A CSRMGSP-SES/SP mantém uma rede de maternidades e, em maio de 2000 implantou o referido projeto em quatro delas e foi objeto da avaliação acima citada. O referido projeto consiste, portanto, em uma iniciativa interinstitucional e vincula-se à diretriz política do Ministério da Saúde e ao Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento, instituído pela Portaria nº 569 de 1º de junho de 2000, para implementação da humanização do parto e redução da morbimortalidade materna e perinatal (Brasil, 2000). A avaliação da inserção da enfermeira obstétrica em serviços de maternidade da SES/SP visa fornecer uma base de dados sistemática e científica para a análise do processo e resultados da atuação dessa profissional na assistência ao nascimento e parto. Visando avaliar parte dos resultados, foi desenvolvida a pesquisa intitulada "Atuação da enfermeira obstétrica na assistência ao nascimento e parto: avaliação da experiência da mulher e sua família", que teve como objetivo geral descrever a experiência das mulheres e respectivas famílias por ocasião de seu parto e um de seus objetivos específicos foi verificar a satisfação da assistência recebida a partir da perspectiva individual e subjetiva da mulheres.

 

Objetivo

Identificar aspectos relativos ao relacionamento interpessoal estabelecido por profissionais no decorrer da assistência ao parto mencionados por puérperas.

 

Metodologia

Local: Esta pesquisa foi realizada em quatro unidades hospitalares da CSRMGSP-SES/SP, localizadas na região metropolitana de São Paulo. que participaram do Projeto "Inserção da enfermeira obstétrica na assistência ao parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo", e foram denominadas como Hospitais 1, 2, 3 e 4, respectivamente.

A abordagem da pesquisa: Foi adotado o paradigma qualitativo, que propicia um conhecimento profundo e sistematizado sobre o que se deseja conhecer por meio da pesquisa (Janesick, 1998). Este paradigma permitiu apreender os múltiplos fatores que interferem sobre a forma como as mulheres e respectivas famílias avaliam a questão do relacionamento interpessoal na assistência ao parto.

Coleta de dados: Os dados foram coletados no período compreendido entre fevereiro de 2000 a junho do mesmo ano, por meio de entrevistas. Foi adotado um tipo de entrevista não estruturada, sugerido por Fontana & Frey (1994). Ao entrevistarmos alguém, devemos considerar que cada pessoa possui a sua própria história social e cada qual assume uma perspectiva individual no mundo. O cerne das questões colocadas às mulheres e seus familiares orientaram-se no sentido de verificar a satisfação em relação à assistência recebida no decorrer da internação para o parto, considerando a perspectiva individual e subjetiva delas. As entrevistas foram agendadas em comum acordo entre entrevistadoras e puérperas, por via telefônica e na ausência deste recurso, as pesquisadoras foram diretamente ao domicílio das puérperas. As entrevistas foram realizadas pelas quatro bolsistas do projeto, tendo sido tomado o cuidado de sempre estarem em duplas ou trios devido à localização das residências em bairros muito distantes ou periféricos da cidade.

População do estudo e amostra: A população do estudo foi constituída por puérperas que foram atendidas nas quatro unidades hospitalares participantes do projeto. A amostra da população foi determinada pelo critério do sorteio, a partir de uma lista do total de mulheres atendidas no período de coleta de dados. Teve-se o cuidado de contemplar na amostra, puérperas atendidas em todos os dias da semana e turnos de trabalho. Este processo foi realizado nos quatro hospitais participantes da pesquisa. Foram entrevistadas 14 puérperas de cada hospital e este número de entrevistadas decorreu da ocorrência de saturação e repetição contínua dos dados, que se iniciou por volta da décima segunda entrevista. A adoção destes critérios para encerramento de coleta de dados qualitativos é sugerida por Morse (1998).

Aspectos éticos e de rigor: Existiu a prévia anuência do dirigente de cada unidade hospitalar para a realização da pesquisa. As entrevistas com as puérperas foram realizadas em observância às determinações da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996) e o respectivo projeto foi préviamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEUSP. Foi solicitada a permissão para gravar as entrevistas, explicitando que cada colaboradora receberia uma denominação fictícia, que impossibilitaria a identificação delas por terceiros e manteria o seu anonimato. Houve algumas recusas na participação da pesquisa, apesar das explicações dadas quanto à preservação do anonimato e impossibilidade de prejuízos relativos ao atendimento futuro nos hospitais e este desejo foi respeitado. Nesses casos, passou-se para a próxima puérpera da lista preliminarmente obtida nos registros dos hospitais. Quanto aos princípios de rigor, esta pesquisa baseou-se nos critérios estabelecidos por Morse (1998). O crédito que se atribui à pesquisa está diretamente relacionada ao preparo dos pesquisadores, que devem estar atentos para não induzir respostas. As bolsistas foram devidamente treinadas e orientadas quanto ao desenvolvimento das entrevistas. A credibilidade desta pesquisa foi alicerçada no fato da categoria construída - aspectos relacionados ao relacionamento interpessoal – e seus conteúdos terem sido levados ao conhecimento e validados junto a algumas puérperas, por via telefônica.

 

Análise dos dados

Os conteúdos das entrevistas foram submetidos a um processo de transcriação, ou a passagem da foram oral para a escrita, de textualização e transcriação, ou edição das entrevistas com manutenção do sentido intencional dado pelas puérperas e estabelecimento das idéias centrais contidas no texto. A partir destas, foi realizado um processo contínuo de estabelecimento de categorias, inclusive a referente ao relacionamento interpessoal, exposta neste artigo. Para a descrição desta categoria procurou-se manter o senso de liberdade, de forma a refletir a realidade encontrada, de forma fidedigna e, ao mesmo tempo criativa, segundo recomendação de Janesick (1998).

 

RESULTADOS

O relacionamento interpessoal foi um fator relevante da assistência ao parto na avaliação de puérperas e respectivas famílias. Os atributos positivos e negativos serão expostos a seguir, separados por hospitais.

Hospital 1: Houve menção de um tipo de relacionamento interpessoal construtivo por muitas puérperas e isso fez com que elas tivessem avaliado positivamente este aspecto da assistência. A identificação pessoal foi avaliada de forma muito positiva e aquelas que foram chamadas de "mãezinhas" também avaliaram o relacionamento tido de forma positiva, pois essa forma de referir-se às pacientes foi feita de maneira carinhosa na percepção delas.

"...Quem fez o meu parto foi uma enfermeira, e ela me tratou muito bem, ela me chamava pelo nome" (H1E5);

Muitas mulheres ressaltaram a forma como os estagiários se relacionavam com elas e estes estudantes foram avaliados positivamente pelas puérperas, e esta avaliação esteve relacionada com a atenção que eles dispensavam, ao relacionamento interpessoal estabelecido e à continuidade do cuidado durante a evolução do trabalho de parto e parto.

"...Eu gostei muito foi dos estagiários, pois eles eram atenciosos e vinham me perguntar as coisas e ver se estava tudo bem..." (H1 E1) ; "... Tinham uns estagiários que ficavam toda hora conversando com a gente, comigo e as outras mulheres que estavam esperando o bebê nascer. Eu gostei da presença deles porque eles nos davam atenção..." (H1 E9).

Houve menção de um profissional que, na avaliação de uma mulher, não estabeleceu relacionamento interpessoal de forma positiva.

"... A única lembrança negativa que eu tenho do hospital é de uma pediatra, pois eu achei que ela não foi carinhosa com as crianças..." (H1 E1)

HOSPITAL 2: Houve diversidade nas avaliações, positivas e negativas, em relação ao relacionamento interpessoal estabelecido por eles. Entretanto, foi possível notar que as avaliações negativas referiam-se exclusivamente a alguns profissionais médicos, visto que nenhuma outra categoria profissional foi avaliada negativamente pelas puérperas ou seus acompanhantes.

"A médica que fez meu parto foi muito legal. As enfermeiras brincando, relaxando a gente. Elas ficaram o tempo todo ali do lado." (E2, H2) ; "(...)comecei a chorar porque tava com medo, era primeiro filho, e depois fui para a sala, aí dois médicos fizeram meu parto e um médico ficou conversando comigo(...)" (E8, H2).

As narrativas demonstraram que as mulheres possuem um imaginário sobre o "comportamento ideal" esperado das parturientes por parte dos profissionais e muitas delas se esmeraram em corresponder a esta expectativa. Esta correspondência, na visão delas, seria uma forma de receber assistência adequada por parte dos profissionais, e em razão disso, percebeu-se que muitas delas se abstiveram da demonstração de dor ou medo no trabalho de parto.

"Mas no meu parto foram muito legal, eu não gritei, porque tem menina que grita, aí eu peguei e só fazia força, não gritei, não fiz escândalo, nem nada, aí foi bom." (E10, H2)

HOSPITAL 3: A atenção que os profissionais destinaram ás puérperas e a seus acompanhantes foi avaliada como tendo sido determinante para um bom atendimento, sobretudo as medidas de conforto emocional. A consideração demonstrada às parturientes também foi fundamental para o sucesso do atendimento, aspecto este foi mencionado por muitas puérperas.

"Todas as pessoas me trataram muito bem, gostei também do jeito que eles trataram minha prima. Eles estavam sendo muito atenciosos e um bom atendimento somente acontece quando temos atenção das demais pessoas"; "Na sala de parto, eles foram muito pacientes, me tranqüilizaram bastante, falavam que tudo iria acabar bem. E isso foi ótimo para mim. Eles me deram muita segurança (H3E4).

A identificação nominal das parturientes foi valorizada e muitos cuidados ministrados às parturientes representaram formas de demonstrar atenção e estas medidas proporcionavam-lhes a sensação de conforto, segurança e consideradas como aspectos positivos da assistência recebida.

"... eu gostei muito dos atendimentos dos profissionais, eles foram ótimos. A médica que fez o meu parto me chamava pelo meu nome (H3E2); " Mas havia uma enfermeira que me marcou, ela estava sempre comigo quando eu estava precisando de algo" (H3 E5).

O aspecto negativo do relacionamento interpessoal, mencionado por uma puérpera tratou-se da menção de recriminação recebida como conseqüência de seu comportamento durante o trabalho de parto e parto. A parturiente, por sua vez, demonstrou uma atitude passiva diante do fato, devido ao seu estado geral.

"Uma enfermeira me deu bronca porque eu tinha gritado muito e dei muito trabalho aos médicos. Mas eu não tinha gritado, era outra mulher. Na verdade eu nem liguei para o que ela tinha me falado, pois estava muito cansada." (H3 E8).

HOSPITAL 4: Foram destacados aspectos relativos à atenção dispensada pelos profissionais e do processo de cuidar, no seu conjunto.

"... Eu fui muito bem tratada, me senti muito respeitada por todos, todos mesmo eles me examinavam toda hora demonstravam muita preocupação comigo e com o meu nenê, eu gostei mesmo e terei meus outros filhos lá ..." (H4 E13.)

Não observou-se a valorização maior de uma categoria profissional em particular, mas sim, uma avaliação positiva do conjunto de profissionais envolvidos com a assistência. Percebeu-se que quando a avaliação da assistência é positiva, há a tendência de considerar os profissionais como membros de uma equipe bem integrada.

"...Foi tudo muito bom, lá, os médicos são bons, as enfermeiras são boas tudo é muito bom lá, eu pelo menos gostei muito e todas as mulheres que eu conheço que tiveram bebê lá também gostaram ..." (H4 E12); "... Quem fez meu parto foi uma médica, ou uma enfermeira, não sei! A gente não conversou muito não, é que nasceu rápido, não demorou muito. Ela não explicou nada... (H4 E1); "... não sei se eram médicos ou enfermeiros mas também tanto faz são tudo a mesma coisa eles cuidam da gente..." (H4 E13)

 

Considerações finais

O relacionamento interpessoal foi um fator relevante da assistência ao nascimento e parto segundo a avaliação das puérperas. Este fato foi evidenciado nos quatro hospitais, que avaliaram muito positivamente a assistência e os próprios profissionais quando elas foram tratadas com respeito, dignidade e atenção por parte deles. Quando, ao contrário, elas foram tratadas com distanciamento, falta de atenção e educação, estes fatos foram razão de avaliação muito negativa da assistência.

Alguns fatores fazem com que a experiência do parto seja dramática e traumatizante, sobretudo quando há relacionamento interpessoal inadequado, pois este viola a humanização da assistência e os direitos dos usuários dos serviços de saúde. É desejável que os profissionais estejam atentos a esses aspectos em prol da humanização da assistência ao parto e nascimento que consiste, basicamente, pelo respeito ao outro na sua individualidade e especificidade, considerando-se suas idéias, valores e bagagem cultural (Rattner, 1998).

A pouca atenção dirigida a este aspecto da assistência pode ser um reflexo das posturas hegemônicas adotadas por muitos profissionais, em especial os médicos, sobretudo diante das mulheres atendidas nos serviços públicos de saúde, o que é possível observar no cotidiano desses hospitais. As relações de poder que os profissionais estabelecem com as pacientes faz com que as informações sobre os procedimentos realizados não sejam devidamente esclarecidas, muitas vezes, por considerarem que elas são incapazes de entendê-las (Boltanski, 2000).

Em relação à identificação nominal das mulheres, esta se configura como um direito das usuárias e dever do profissional. Conforme o projeto de lei nº 546/97, que versa sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo, "ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome"; e "não ser identificado por números; códigos; ou de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso" são direitos dos usuários dos serviços de saúde. Deve-se, portanto, evitar o uso de termos como "mãezinha", "dona" etc. (São Paulo, 1999).

Embora muitas mulheres tenham referido ser chamadas por "mãe" ou "mãezinha" e não terem sido designadas pelo nome, não foi visto como uma falha da assistência. Isso corrobora o fato de que as usuárias dos serviços de saúde, por se submeterem a uma assistência biologicista e desumanizada nos hospitais, principalmente os da rede pública, mecanicamente deixam de lado seu papel de sujeito social para o de objeto na relação com profissionais de saúde. A relação profissional-paciente se caracteriza pelo processo de dominação e dominado que aparece de forma sutil e que está arraigada na cultura, fazendo com que pareçam naturais. (Nogueira, 2000).

A identificação do profissional se constitui num dever e direito do usuário. Além disso, apresentar-se, dizer qual o nome, sua inserção na equipe e o que compete a ele executar propicia uma relação de confiança com a usuária, diminuindo a ansiedade e angústia da mulher. Humanizar a assistência pressupõe o desenvolvimento de algumas características essenciais ao ser humano, entre elas, as que se fazem urgentes e necessárias em todos os aspectos: a sensibilidade, o respeito e a solidariedade (Zampieri, 1997).

As mulheres deste estudo não referiram a falta de identificação do profissional como assistência inadequada. Consideramos que o fato da maioria das usuárias dos serviços públicos de saúde no Brasil não conhecerem seus direitos como cidadãs e pacientes contribui para esse tipo de comportamento. Existiram, porém, aquelas que evidenciaram um tratamento desrespeitoso pois relataram ter passado por violências de vários tipos na passagem por esses locais, desde agressões verbais e, até mesmo, físicas. Este fato denota, mais uma vez, o descaso, a negligência e o desrespeito que continua sendo a prática de muitos profissionais. Esta prática se configura como uma violência institucional visto que retrata a inadequação de recursos materiais e humanos e na relação profissional-paciente (Alves; Souza, 2000).

Este é um exemplo de que a melhoria da qualidade da assistência ao parto e nascimento como parte de uma conjuntura mais ampla que engloba a saúde reprodutiva, deve estar alicerçada por um desenvolvimento socioeconômico e conjuntural do país. A diminuição das desigualdades e melhor eqüidade na relação profissional-cliente é passo fundamental para a melhoria da qualidade da assistência em todos os âmbitos da saúde reprodutiva. Esta consideração se insere na definição atual da saúde reprodutiva que inclui, além dos aspectos técnicos relativos ao aconselhamento e assistência, a melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais, ou seja, a visualização do conceito na perspectiva dos direitos humanos, que foi um dos principais avanços obtidos na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrido na cidade do Cairo, em 1994 (Berquó, 1998).

Este conjunto de dados indicam que conteúdos que contemplem o relacionamento terapêutico entre os profissionais e clientes (Stefanelli, 1993) devem ser reforçados durante a grade curricular dos cursos de graduação em enfermagem e, na fase de especialização, eles devem ser aprofundados para contemplar o conhecimento relativo aos aspectos psicológicos do ciclo grávido e puerperal cujo necessidade de atendimento a estas demandas tornou-se evidente nesta pesquisa.

Tornou-se evidente, também, que as escolas médicas devam incorporar conteúdos de relacionamento interpessoal nos seus curriculos básicos, visto que a falta está acarretando grandes prejuízos à qualidade da assistência, como foi constatado nesta pesquisa. A ausência destes conteúdos foi mencionada como uma grande falha das escolas médicas (Silva, 1999) pelos próprios profissionais médicos, visto que eles, mesmo quando possuem o desejo de estabelecer um relacionamento interpessoal adequado com a clientela, o fazem com base nos conhecimentos adquiridos no decorrer da formação familiar, pois não tiveram a oportunidade de aprendê-los formalmente na escola. Estes conceitos permitem considerar que os docentes das escolas de enfermagem e, especialmente, os de medicina, devem fazer uma autocrítica do "modelo" profissional, sobretudo no que concerne às relações que estabelece com os pacientes, seus familiares e os próprios estudantes.

 

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* Extraído do relatório de pesquisa "Atuação da enfermeira obstétrica na assistência ao parto e nascimento: avaliação da experiência da mulher esua família". Agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelas bolsas de iniciação científica concedidas.

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A comunicação como ferramenta para o acolhimento em unidades de saúde

 

Communication as a tool for the welcoming reception in health units

 

 

Silvia MatumotoI, Silvana Martins MishimaII, Cinira Magali FortunaI, Maria José Bistafa PereiraII

IEnfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto. Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. smatumoto@uol.com.br; cinirafortuna@yahoo.com
IIEnfermeira, Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Av Bandeirantes 3900 – Campus da USP – CEP: 14040-902 smishima@eerp.usp.br ; zezebis@eerp.usp.br

 

 


RESUMO

Objetiva-se analisar a comunicação como um instrumento para a efetivação do acolhimento nas unidades de saúde, uma vez que se tem por pressuposto que a comunicação que se estabelece neste processo pode favorecer a estruturação de uma relação entre trabalhadores e usuários que favoreça a emancipação destes últimos. Para o desenvolvimento desta investigação, a perspectiva teórica adotada foi o processo de trabalho em saúde, sendo o cenário de estudo o Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Foram selecionados como instrumentos de aproximação ao empírico a observação participante e entrevista semi-estruturada. Observou-se que foram raras as relações de maior proximidade, em geral, o trabalho foi realizado mecanicamente, com mínima interação, quase sem diálogo, o que é uma contradição entre a representação do trabalhador e sua prática. As explicações dadas pelos trabalhadores foram: grande demanda nos horários de pico, determinando falta de tempo para se relacionar e para escutar; procura desnecessária pelo serviço pelo usuário. Embora a escuta seja considerada essencial na interação trabalhador/usuário, não apareceu como relevante para o trabalhador, os registros demonstraram a não valorização e não reconhecimento da escuta, enquanto instrumento de trabalho, o que poderia se constituir um cuidado de saúde e de enfermagem.

Palavras-chave: processo de trabalho em saúde, acolhimento, comunicação


RESUMO

This study aims to analyze communication as a welcoming reception instrument in health units, since it is presupposed that the communication established in this process can favor the structuring of a relationship among workers and users that favors the latter group’s emancipation. For the development of this investigation, we adopted the work process in health as a theoretical perspective. The study was held in the Health School Center of the University of Medicine at Ribeirão Preto-USP. Participant observation and semi-structured interview were selected as empiric instruments. It was observed that closer relationships were rare; in general, the work was accomplished mechanically, with minimal interaction, almost without dialogue, which is a contradiction between the worker's representation and his practice. The explanations given by the workers were: great demand in the rush hour, which determines the lack of time to establish relations and to listen; the user’s unnecessary call for the service. Although listening was considered essential in the worker/user interaction, it didn not appear as relevant for the worker. The records demonstrated the non-valuation and non-recognition of listening as a work tool, which could be a health and nursing care.

Key words: work process in health, welcoming reception, communication


 

 

I. Apresentando o acolhimento

Investigar o acolhimento ao usuário na unidade de saúde é olhar para as relações que se estabelecem durante seu atendimento. Para Merhy et al. (1997), o acolhimento constitui-se num dos exemplos a que chama tecnologia de relações. Denomina-as como "tecnologias leves" do trabalho em saúde, estas que operam criando um modo próprio de governar os processos, construindo seus objetos, recursos e intenções, agindo de uma certa maneira em ato; no espaço intercessor, momento de encontro do trabalhador com o usuário, para a produção de bens/produtos, os "bens-relações".

Bueno e Merhy (1997, p.3) trazem que o acolhimento na saúde "como produto da relação trabalhadores de saúde e usuários, vai além da ‘recepção, atenção, consideração, refúgio, abrigo, agasalho" [...] Passa pela subjetividade, pela escuta das necessidades do sujeito, passa pelo processo de reconhecimento de responsabilização entre serviços e usuários, e abre o começo da construção do vínculo." E nesta mesma direção Matumoto (1998), em seu estudo de mestrado aponta o acolhimento enquanto um processo, resultado de práticas de saúde, constituindo-se assim em um conjunto de atos executados de modos distintos no momento do atendimento.

A autora aponta ainda que na construção das relações entre o serviço e usuários, entre trabalhadores e usuários a comunicação é um dos aspectos fundamentais para este entendimento de acolhimento. Tomando estas questões, o presente estudo tem por objetivo analisar a comunicação como um instrumento para a efetivação do acolhimento nas unidades de saúde, uma vez que se tem por pressuposto que a comunicação que se estabelece neste processo pode favorecer a estruturação de uma relação entre trabalhadores e usuários que favoreça a emancipação destes últimos.

Para o desenvolvimento desta investigação, a perspectiva teórica adotada foi o processo de trabalho em saúde (MENDES GONÇALVES, 1992) considerando-o um trabalho produzindo homens em relação com outros homens e com a natureza em um dado processo sócio-histórico. "Lida com homens (seus agentes e usuários) cujas necessidades também são constituídas histórica e socialmente." (MATUMOTO, 1998, p.26) e que irão conformar a finalidade que encaminha o desenvolvimento do trabalho. Sendo o homem o objeto de trabalho em saúde, é preciso apreendê-lo e reconhecê-lo "em seu processo de objetivação do que é saúde/doença, ou seja, enquanto movimento de objetivar suas necessidades de saúde, quando externaliza sua subjetividade em relação ao processo saúde-doença" (MATUMOTO, 1998, p.27)

No movimento de atender às necessidades expressas por este homem, e que não são necessidades humanas quaisquer, ou seja "[...] aparecem como aquilo que precisa"necessariamente"ser satisfeito para que este ser continue sendo um ser" (MENDES GONÇALVES, 1992, p. 19) em um dado espaço-tempo, lança-se mão de instrumentos de trabalho específicos, saberes e fazeres que possibilitam o atendimento das necessidades expressas. Nesta direção, Merhy (1997b, 121) expressa que no trabalho em saúde utilizamos de saberes tecnológicos que podem se as tecnologias duras (equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, equipamentos, normas, estruturas organizacionais), as leve duras (saberes bem-estruturados presentes no processo de trabalho em saúde, como por exemplo, a clínica, a epidemiologia, a psicanálise, dentre outros) e as leves (tecnologias de relação, tais como o vínculo, escuta).x

 

II. O cenário da pesquisa

O município de Ribeirão Preto constitui-se importante centro regional pela extensa rede de serviços em geral, mas com forte vocação para a área educacional e de saúde, apresenta cerca de 504.000 habitantes (IBGE, 2002) (http://www.ibge.gov.br/cidades; capturado em 02 de Março de 2002). Sua rede de serviços básicos é composta por 27 unidades básicas de saúde e 5 Unidades Básicas e Distritais de Saúde, com funcionamento 24 horas e distintas áreas de assistência à saúde.

A unidade selecionada para o estudo foi a o Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Unidade Distrital, desenvolvendo atividades de assistência ambulatorial programáticas, especializadas, serviços de apoio e diagnóstico, aplicação de tratamentos, pronto atendimento 24 horas e vigilância epidemiológica.

Considerando que o acolhimento se dá durante todo o processo de atenção à saúde, e neste sentido a comunicação perpassa de forma contínua todos os processos presentes, foram selecionados como instrumentos de aproximação ao empírico a observação participante e a entrevista semi-estruturada. Para a organização da observação participante, foi utilizado o Fluxograma analisador do modelo de atenção de um serviço de saúde (MERHY, 1997b) (Mais informações acerca desta ferramenta podem ser obtidas em: MERHY, E.E. et al. Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde. A informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (orgs). Agir em saúde:um desafio para o público. São Paulo, Hucitec/Lugar Editorial, 1997b. Parte 2, p. 113-150). Foram realizadas 19 observações de atendimento, sendo selecionadas as situações a partir da anuência do usuário para que pudesse ser acompanhado seu percurso dentro da unidade de saúde. A entrevista semi-estruturada foi realizada com 9 dos 41 trabalhadores envolvidos nos atendimentos observados, sendo considerados para a seleção dos trabalhadores de diferentes categorias profissionais e de diferentes áreas de atendimento. Na etapa de análise dos dados foi utilizada a análise temática segundo Bardin (1995).

Para a realização do presente estudo foram consideradas as recomendações da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, acerca dos procedimentos éticos envolvendo a pesquisa com seres humanos.

 

III. A construção de teias de relações - analisando a comunicação estabelecida entre os trabalhadores e usuários

A comunicação apresentou-se neste estudo, como um veículo da relação. Está sendo tomada como instrumento que opera o trabalho vivo em ato (Trabalho vivo, aquele que vai se dando em ato, podendo ser expressas a criatividade, a vontade do trabalhador e trabalho morto, aquele, onde se expressa trabalho vivo capturado, ou seja, trabalho já materializado, resultado de trabalho humano anteriormente produzido (MERHY, 1997), isto é, "um conjunto de técnicas e processos relativos aos planos verbal, não-verbal e simbólico" (L’ABBATE, 1997, p.268), que se faz em ação e na ação de atendimento. Deixa-se claro que não se trata da comunicação como um processo fechado de emissor-mensagem-receptor, e sim de um processo que vai se instituindo no espaço intercessor de atendimento ao usuário.

Espaço intercessor compreendido na direção apontada por Merhy (1997), como espaço de encontro entre o trabalhador de saúde e o usuário, onde se processa a produção de ações de saúde, e tanto o trabalhador como o usuário poderão ser modificados no processo e passarão a ter outras necessidades. "O importante é que nesta intercessão ocorre muito mais que a simples soma das produções que cada um dos envolvidos é capaz de desenvolver para a resolução dos problemas, mas juntos potencializam-na, podendo encontrar alternativas mais criativas, considerando principalmente o jogo das intencionalidades e necessidades de cada um como instituintes do trabalho em saúde em ato" (MATUMOTO, 1998, p. 31)

Neste processo de operação do trabalho vivo em saúde, a comunicação expõe como os princípios do Sistema único de Saúde - SUS se fazem presentes na relação. A universalidade e acessibilidade podem ser detectadas através da definição de quem será (ou não) atendido; a integralidade e a eqüidade evidenciam-se na forma como aquele que será atendido e tratado. Além disso, explicita como o projeto de saúde em curso se posiciona concernente à produção dos sujeitos envolvidos, mais ou menos autônomos na gerência de suas vidas.

Percebe-se também que a comunicação se estabelece antes mesmo do encontro do trabalhador com o usuário, como um momento anterior em que há o preparo para a relação que irá se estabelecer.

Miranda e Miranda (1996), em seu estudo, dentre outros aspectos, enfatizam a importância do primeiro contato, como o chamar pelo nome, cumprimentar, individualizar o atendimento, concentrar-se sobre aquele usuário em especial, dispensando-lhe atenção completa, não se ocupando de outras coisas ao mesmo tempo.

Para o acolhimento, outros cuidados também são valiosos, pois favorecem a abertura a certa disponibilidade para a relação, como por exemplo, sinalizando a percepção de sua presença com um olhar, acomodando o usuário, buscando rapidamente alívio para sua dor ou sofrimentos mais imediatos, transmitindo receptividade e interesse, valorizando a presença do usuário, dando atenção ao acompanhante, expressando a importância de seu envolvimento na situação.

Estes cuidados, simples, de respeito para com o outro, de solidariedade, de confiança, atenção individualizada também são colocados como importantes por outros autores como Gasquez (1996) quando discute o acolhimento do povo como uma prática necessária na igreja católica e por Pilares (1991), discutindo qualidade do atendimento do cliente em empresas, além de Miranda e Miranda (1996), enfocando o acolhimento como uma das etapas da construção da relação de ajuda.

Pitta et al. (1995), na mesma linha, denomina procedimentos de acolhida: cortesia, afabilidade, discrição, solidariedade e atenção aos acompanhantes e os aponta como relevantes nas práticas em saúde mental. São cuidados que resgatam a humanização do atendimento caminhando na direção apontada por este estudo, ou seja, que o acolhimento implica em relações entre pessoas de modo humanizado.

A humanização aqui vai além destes cuidados para com o outro no atendimento; é tomada a partir do resgate do homem e da satisfação de suas necessidades mais essenciais, que o mantém como um homem que trabalha, vive e se faz socialmente, com direitos e deveres, com consciência e liberdade de escolha sobre sua própria vida. Este olhar tem sua base na perspectiva apontada por autores como Merhy (1994, 1996, 1997a, 1997b), Campos (1994, 1997) e Schraiber e Mendes Gonçalves (1996) que discutem e defendem um trabalho em saúde mais humano, resgatando a integralidade do homem, defendendo a cidadania, instrumentalizando-o a lidar com a própria vida.

Esses cuidados devem ser tomados não só com referência aos usuários, mas também com os trabalhadores, que enquanto homens também se fazem e se re-produzem no trabalho e manifestam sua humanidade intrínseca. No decorrer deste estudo, percebeu-se que alguns trabalhadores não se sentem acolhidos pelo estabelecimento, não tendo sua disponibilidade facilitada para acolher os usuários. Aqui nos referimos ao acolhimento, enquanto processo de relações humanizadas, concretizado no momento da produção do trabalho em saúde.

O trabalhador expressa, em sua comunicação, o tratamento dado ao usuário, como se processa o emprego das tecnologias (leve, leve-duras e duras) no atendimento, ou seja, o processo de captura do trabalho vivo pelo morto e como o trabalhador pode encontrar alternativas para tornar o trabalho vivo, dentro de uma organização do trabalho com alguns elementos bem estruturados e fixos.

A preocupação da auxiliar é com os carimbos, datas, entrega de impressos como as receitas e pedidos de exames. Parece não conseguir escapar da captura pelo trabalho morto e, trabalhar, neste momento de intercessão, questões relativas a outras necessidades da usuária que dificultaram o seguimento da conduta definida no atendimento anterior, pois conforme referiu ao médico a filha se queimou e não pode fazer o exame solicitado. A comunicação verbal estabelecida é mínima, observável através das orientações para os exames, que fica presa a uma forma fixa de fazê-lo, dificultando encontrar outra que não se limite ao "Não precisa de jejum absoluto.", dando a impressão de que a fala é suficiente por si mesma.

A comunicação apresentou-se nos dados coletados de diferentes formas, desde compreensiva, receptiva, continente, até o extremo de ser negada, ignorando totalmente o usuário. "... toca o telefone. A recepcionista atende de costas viradas para o balcão. Chega uma senhora que fica de pé à frente do balcão (...) Chega outra paciente que se posiciona atrás desta e aguarda. A recepcionista continua ao telefone e de costas para o balcão. Entra um casal de jovens, olha as senhoras aguardando atenção e seguem para dentro (...) a senhora que está atrás vê que o casal entrou e sai da fila e (...) entra no prédio" (OBS 10).

Foram identificados alguns fatores que cercearam a comunicação. Estruturas como o vidro da recepção e outras não convencionais como a disponibilidade interna para se relacionar e se comunicar. O vidro ao mesmo tempo que representa trabalho morto capturando o vivo, "protegendo" o trabalhador, distanciando-o do usuário, sendo transparente, pode permitir a visualização do usuário e a percepção de manifestações de necessidades como ansiedades, dores e outras, que podem ser observadas ou não; representam pontos de partida para uma possível relação de intercessão mais próxima e humanizada.

Nos registros das observações realizadas, encontram-se também diferentes formas de cumprimentos; em sua maioria, o tratamento se faz pelo nome do usuário e algumas acrescentam um aperto de mão. Independente da forma verbal de expressão, o cumprimento é uma forma de individualizar o atendimento, de aproximar as pessoas, favorecendo o vínculo entre os envolvidos, favorecendo o acolhimento.

Outros aspectos como a observação e a escuta tornam-se imperiosos no estabelecimento da comunicação, na perspectiva do acolhimento. Leitão (1995), faz uma reflexão sobre a importância de uma escuta mais acolhedora e minuciosa nos serviços de saúde, destacando a necessidade de um atendimento individualizado, com respeito ao outro, em sua vida e em seu contexto; no quotidiano, porém, refere que "observa-se pouca preocupação dos trabalhadores, ou muitas vezes não percebem a importância em entender algumas características próprias do usuário, que serviriam de pistas para realizarem os seus trabalhos" (LEITÃO, 1995, p. 47).

O usuário demonstra de várias formas suas necessidades. É preciso estar atento a qualquer tipo de expressão dessas necessidades, seja através da comunicação verbal, não verbal, corporal, expressão facial, tornando-as fontes de informação na interação com o usuário.

Em muitos momentos pode-se perceber que a atenção da auxiliar de enfermagem está sobre a tarefa pré-consulta. A comunicação que se estabelece no espaço é restrita ao ato técnico de pesar e, a trabalhadora não utiliza a observação ou outras formas de captação de informações para aproximar-se da usuária e ampliar as possibilidades de se relacionar. Assim como não utiliza o espaço de interseção da pré-consulta como oportunidade para cuidar e acolher o usuário em suas necessidades. Novamente aqui, o trabalho morto captura o vivo. A auxiliar encontra-se presa na "padronização" produzida pela estruturação do trabalho.

A escuta ultrapassa a captação de mensagens verbais, buscando o significado do falado, retendo os pontos mais importantes. O trabalhador, através da escuta, deve buscar ver o usuário além de sua queixa.

Miranda e Miranda (1996) relacionam comportamentos que facilitam a escuta tais como ficar calado, não interromper, evitar distrações externas e internas, suspender julgamentos; acrescento, ainda, esperar o tempo necessário de interseção para eclodir uma produção.

Embora a escuta esteja sendo considerada, na perspectiva deste estudo, como essencial na interação trabalhador/usuário, não apareceu como relevante para o trabalhador nas observações; pelo contrário, os registros demonstraram a não valorização e o não reconhecimento da escuta, enquanto instrumento de trabalho, o que poderia se constituir um cuidado de saúde e especialmente de enfermagem.

No quotidiano, observa-se não haver espaço de escuta, para além daquele padrão para o qual se está preparado, ou seja, a escuta está de certa forma condicionada pelas tecnologias duras e leve-duras a medida em que estas se fazem presentes na definição do problema, em cada uma das etapas do processo de trabalho já discutidas.

Em cada uma das etapas pelas quais passam os usuários, este têm a atenção e a escuta conforme o "programado": na recepção o problema é com a definição do local que irá ser atendida e a regionalização, a escuta dirige-se para o endereço e a identificação quando se trata de caso agudo para o PA ou outro para a clínica. Na recepção da clínica médica o problema é a falta de vagas e informar a usuária como proceder para "tentar vaga", sendo que a escuta, neste caso, da queixa referida, só se dá frente à insistência da usuária, resultando na indicação do PA para seu atendimento. Na recepção deste setor, a escuta se dá somente, quando a usuária diz que quer consultar ainda naquele dia; assim mesmo o diálogo se estabelece somente para decidir que a usuária passará por atendimento médico. As tecnologias duras e leve-duras têm enrijecido o olhar e a escuta nestes espaços intercessores.

A escuta, entretanto, pode ser acolhedora, com valorização das queixas, dispensando atenção e respeito pelo usuário, ajudando-o a percorrer o caminho da resolução de seu problema, como o ocorrido:

Outras comunicações se estabeleceram durante o processo de atendimento, como as observadas para obter atendimento nas especialidades. O usuário deveria passar por atendimento nas áreas básicas, para pegar a ficha de referência de pacientes, impresso utilizado como instrumento de comunicação, um veículo de informações de um setor para outro. Para obtê-lo, ocorre a intercessão trabalhador/usuário que fica presa à moldura dada pela estruturação, reproduz-se pelo trabalhador, através de uma atitude de não responsabilização pelo problema, uma comunicação impessoal, não se abrindo para escuta, especialmente na perspectiva de resgatar sua integralidade e aumentar seu coeficiente de autonomia (CAMPOS, 1994).

A comunicação entre o médico e as auxiliares (por exemplo da consulta para a pós consulta, da consulta para a sala de medicação) teve intermediários impressos, o prontuário, a ficha de atendimento do PA e a receita médica, no caso das trabalhadoras da farmácia. O parêntesis foi colocado para explicar, mas explicita a comunicação presa (apesar dos meus esforços para escapar dela, demonstrando minhas contradições) aos instrumentos da estruturação do serviço; estabelece-se de forma fria e não humana, esquecendo-se de que se dá entre as pessoas que desenvolvem o processo de trabalho nos diferentes setores.

A organização do trabalho não favorece o estabelecimento de relações saudáveis, não promove diálogos francos para que se possa esclarecer e elaborar quaisquer desentendimentos, que ocorram durante o processo de produção do trabalho em saúde. Foi relatado em entrevistas as diferenças de conduta entre colegas, indiferença pelo que acontece com o colega, comunicação por escrito em lugar de diálogo, falta de repasse de informação entre as áreas e falta de reconhecimento do trabalho do outro, além de uma certa onipotência, que leva ao individualismo e falta de espírito de equipe.

Observa-se um trabalho voltado para o fazer técnico, com atos isolados, sem relação entre suas partes, fragmentado, mecânico, auto-suficiente por si mesmo, o que contradiz a própria concepção do trabalho em saúde, que se faz em parcelas; de certa forma, contradiz também o referido nas entrevistas a respeito das relações entre membros da equipe, entre trabalhadores de diferentes áreas, como as de cooperação, colaboração, companheirismo e complementaridade.

 

IV. A título de considerações finais

Nas observações realizadas foram raras as relações de maior proximidade, demonstrando vinculação trabalhador/usuário; em geral, o trabalho foi realizado de forma mecânica, com mínima interação, quase sem diálogo, o que é uma contradição entre a representação do trabalhador e sua prática. Este afastamento do trabalhador do usuário decorre de um processo de trabalho "que impede ou dificulta o efetivo exercício da Clínica"(referimo-nos aqui, à Clínica de relações, que não se limita aos saberes tecnológicos tradicionais da clínica, enquanto uma disciplina, mas ao exercício que compete a todos os trabalhadores, cujo domínio não é exclusivo ou excludente de nenhuma disciplina; pelo contrário, necessita de todas as disciplinas e de todas as modalidades do saber e do fazer (BAREMBLITT, 1997). (CAMPOS, 1997, p. 236) e o estabelecimento de vínculos, produzindo trabalho e trabalhadores alienados e descomprometidos, distanciando-se da "Obra".

As razões e explicações dadas pelos trabalhadores foram a grande demanda nos horários de pico, determinando falta de tempo, para se relacionar e para escutar; o usuário procura desnecessariamente, não sabe usar o serviço e deve assumir a responsabilidade pelo seu problema (o problema é dele, usuário).

A relação parece ser entendida pelas duas partes — trabalhadores e usuários — com objetivos divergentes, em que um tenta vencer o outro, convencê-lo, persuadi-lo a se subjugar. Caracteriza-se como um conflito de guerra, cada um vendo o outro como inimigo, como ameaça. Um "atrapalha" o outro, no entanto, especialmente o trabalhador parece não perceber que ele só existe, enquanto trabalhador de saúde, em função da existência do usuário.

Embora a escuta esteja sendo considerada, na perspectiva deste estudo, como essencial na interação trabalhador/usuário, não apareceu como relevante para o trabalhador nas observações; pelo contrário, os registros demonstraram a não valorização e o não reconhecimento da escuta, enquanto instrumento de trabalho, o que poderia se constituir um cuidado de saúde e especialmente de enfermagem.

 

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^rND^sBAREMBLITT^nG.F.^rND^sCAMPOS^nG.W.S.^rND^sCAMPOS^nG.W.S.^rND^sL’ABBATE^nS.^rND^sLEITÃO^nL.R.G.^rND^sMENDES GONÇALVES^nR.B.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sPITTA^nA.M.F.^rND^sSCHRAIBER^nL.B.^rND^sMENDES GONÇALVES^nR.B.^rND^sBAREMBLITT^nG.F.^rND^sCAMPOS^nG.W.S.^rND^sCAMPOS^nG.W.S.^rND^sL’ABBATE^nS.^rND^sLEITÃO^nL.R.G.^rND^sMENDES GONÇALVES^nR.B.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sMERHY^nE.E.^rND^sPITTA^nA.M.F.^rND^sSCHRAIBER^nL.B.^rND^sMENDES GONÇALVES^nR.B.^rND^1A01^nSilvia^sMatumoto^rND^1A02^nSilvana Martins^sMishima^rND^1A01^nCinira Magali^sFortuna^rND^1A02^nMaria José Bistafa^sPereiraII^rND^1A01^nSilvia^sMatumoto^rND^1A02^nSilvana Martins^sMishima^rND^1A01^nCinira Magali^sFortuna^rND^1A02^nMaria José Bistafa^sPereiraII^rND^1A01^nSilvia^sMatumoto^rND^1A02^nSilvana Martins^sMishima^rND^1A01^nCinira Magali^sFortuna^rND^1A02^nMaria Jos‚ Bistafa^sPereiraii

Preparando a relação de atendimento - ferramenta para o acolhimento em unidades de saúde?

 

Preparing the service relationship - tool for the welcoming reception in health units?

 

 

Silvia MatumotoI; Silvana Martins MishimaII; Cinira Magali FortunaI; Maria José Bistafa PereiraII

IEnfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto. Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
IIEnfermeira, Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Av Bandeirantes 3900 – CEP: 14040-901 smatumoto@uol.com.br; smishima@eerp.usp.br; cinirafortuna@yahoo.com; zezebis@eerp.usp.br

 

 


RESUMO

Tem-se por objetivo identificar e analisar aspectos pertinentes ao preparo para relação estabelecida entre trabalhador usuário em unidade de saúde da rede básica de Ribeirão Preto, tendo por perspectiva o acolhimento. Este é entendido enquanto processo, constituindo-se em um conjunto de atos executados de modos distintos no momento do atendimento. Tomou-se para o desenvolvimento deste estudo a perspectiva teórica do processo de trabalho em saúde segundo MENDES GONÇALVES (1992). Foram selecionados como instrumentos de aproximação ao empírico a observação participante e entrevista semi-estruturada.e, na etapa de análise dos dados, a análise temática. Identificou-se que para o acolhimento se processar há um "momento" de preparo do trabalhador, do seu espaço físico e das relações presentes no trabalho para que se dê o atendimento ao usuário, onde nem sempre são consideradas as necessidades do usuário que demanda aos serviços de saúde. Embora haja dificuldades quanto à disponibilidade de recursos, especialmente do setor público, é preciso nos determos para a preparação da relação serviço/usuário e trabalhador/usuário, buscando na estruturação do serviço, considerarmos os aspectos ligados a um relacionamento mais humano, mais acolhedor, uma vez que é no trabalho vivo em ato, nesta intercessão, que se configura a qualidade do atendimento.

Palavras-chave: processo de trabalho em saúde, acolhimento, espaço intercessor


ABSTRACT

This study aims to identify and analyze aspects pertinent to the preparation for a relationship established between workers and user at health units of the basic health services in Ribeirão Preto from the perspective of the welcoming reception. This is understood as a process, consisting of a group of actions executed in different manners in the moment of the service. For the development of this study, we adopted the theoretical perspective of the work process in health according to MENDES GONÇALVES (1992). To instruments to collection of data were selected the Participant observation and semi-structured interview were selected as research instruments, and thematic analysis was selected for analyzing data. It was identified that, for the welcoming reception to happen, there occurs a preparation "moment" involving the worker, the physical space and the relationships present at work with a view to user attendance, which does not always consider the needs expressed by the user towards the health services. Although there are difficulties with respect to resource availability, especially in the public sector, we have to stop for preparing the relationship service/user and worker/user, seeking to consider aspects linked up with a more human and welcoming relation in the structuring of the service, since it is in live, on-the-spot work, in this intercession, that the quality of care is configured.

Key words: work process in health, welcoming reception, intercession space


 

 

I. Apresentando o acolhimento

No trabalho em saúde, encontros únicos e singulares caracterizam seu desenvolvimento, ao que MERHY (1997) denomina do estabelecimento de espaços intercessores, espaços em que a subjetividade e as singularidades tanto do trabalhador como do usuário são expressas e que se configuram, portanto, na existência de momentos únicos, que demandam relações e intervenções específicas às necessidades expressas pelo usuário.

Neste estudo, as relações que serão aqui exploradas referem-se àquelas produzidas no contexto do Sistema único de Saúde - SUS, orientadas em princípio pela integralidade, universalidade, eqüidade e acessibilidade, em que se destacaram aspectos relativos ao preparo para a relação que caracterizaram o acolhimento em uma unidade de saúde do município de Ribeirão Preto.

Estamos considerando o acolhimento enquanto um processo, resultado de práticas de saúde, constituindo-se assim em um conjunto de atos executados de modos distintos no momento do atendimento. Com isto não estamos considerando o acolhimento apenas como recepção do usuário em um serviço de saúde qualquer, mas como ação de responsabilização do trabalhador pelo usuário durante sua permanência no serviço de saúde (MATUMOTO, 1998).

"O acolhimento na saúde, como produto da relação trabalhadores de saúde e usuários, vai além da ‘recepção, atenção, consideração, refúgio, abrigo, agasalho", do conceito do Aurélio. Passa pela subjetividade, pela escuta das necessidades do sujeito, passa pelo processo de reconhecimento de responsabilização entre serviços e usuários, e abre o começo da construção do vínculo. Componentes fundamentais para um reinventar a qualidade da assistência"(BUENO; MERHY, 1997, p.3)

Muito antes do encontro trabalhador/usuário, a unidade de saúde como um todo se prepara para esta relação. Esta preparação se dá desde a concepção de sua finalidade, operacionalizada através da estruturação do trabalho, segundo seu modelo de assistência, da destinação de um ambiente físico, da definição do quê, de quem e em quais circunstâncias irá acolher bem como da presença de determinadas condições de trabalho, contexto em que os trabalhadores de fato concretizarão o atendimento, em nome da unidade de saúde.

Assim este estudo tem por objetivo identificar e analisar os aspectos pertinentes ao preparo para relação estabelecida entre trabalhador usuário em unidade de saúde da rede básica do município de Ribeirão Preto, tendo por perspectiva o acolhimento.

 

II. O percurso da pesquisa

Tomou-se para o desenvolvimento deste estudo a perspectiva teórica do processo de trabalho em saúde (MENDES GONÇALVES, 1992) considerando-o um trabalho como outro qualquer produzindo homens em relação com outros homens e com a natureza em um dado processo sócio-histórico. "Lida com homens (seus agentes e usuários) cujas necessidades também são constituídas histórica e socialmente. (MATUMOTO, 1998, p.26)" e que irão conformar a finalidade que encaminha o desenvolvimento do trabalho. Neste sentido, sendo o homem o objeto de trabalho em saúde, é preciso apreendê-lo e reconhecê-lo "em seu processo de objetivação do que é saúde/doença, ou seja, enquanto movimento de objetivar suas necessidades de saúde, quando externaliza sua subjetividade em relação ao processo saúde-doença" (MATUMOTO, 1998, p.27)

No movimento de atender às necessidades expressas por este homem, e que não são necessidades humanas quaisquer, ou seja "[...] aparecem como aquilo que precisa"necessariamente"ser satisfeito para que este ser continue sendo um ser" (MENDES GONÇALVES, 1992, p. 19) em um dado espaço-tempo, lança-se mão de instrumentos de trabalho específicos, saberes e fazeres que possibilitam o atendimento das necessidades expressas. Nesta direção, MERHY (1997b, 121) expressa que no trabalho em saúde utilizamos de saberes tecnológicos que podem ser as tecnologias duras (equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, equipamentos, normas, estruturas organizacionais), as leve duras (saberes bem-estruturados presentes no processo de trabalho em saúde, como por exemplo, a clínica, a epidemiologia, a psicanálise, dentre outros) e as leves (tecnologias de relação, tais como o vínculo, escuta).

Assim, tendo por sustentação este conjunto de conceitos este estudo teve como cenário uma unidade de saúde da rede básica de serviços de saúde do município de Ribeirão Preto – SP. O município, importante centro regional pela extensa rede de serviços em geral, mas com forte vocação para a área educacional e de saúde, apresenta cerca de 504.000 habitantes (IBGE, 2002) (http://www.ibge.gov.br/cidades; capturado em 02 de Março de 2002). Sua rede de serviços básicos é composta por 27 unidades básicas de saúde e 5 Unidades Básicas e Distritais de Saúde, com funcionamento 24 horas e distintas áreas de assistência à saúde.

A unidade selecionada para o estudo foi a o Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Unidade Distrital, desenvolvendo atividades de assistência ambulatorial programáticas, especializadas, serviços de apoio e diagnóstico, aplicação de tratamentos, pronto atendimento 24 horas e vigilância epidemiológica.

Considerando que o acolhimento se dá durante todo o processo de atenção à saúde, foram selecionados como instrumentos de aproximação ao empírico a observação participante e a entrevista semi-estruturada. Para a organização da observação participante, foi utilizado o Fluxograma analisador do modelo de atenção de um serviço de saúde (MERHY, 1997b) (Mais informação acerca desta ferramenta pode ser obtida em: MERHY, E.E. et al. Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde. A informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (orgs). Agir em saúde:um desafio para o público. São Paulo, Hucitec/Lugar Editorial, 1997b. Parte 2, p. 113-150). Foram realizadas 19 observações de atendimento, sendo selecionadas as situações a partir da anuência do usuário para que pudesse ser acompanhado seu percurso dentro da unidade de saúde. A entrevista semi-estruturada foi realizada com 9 dos 41 trabalhadores envolvidos nos atendimentos observados, sendo considerados para a seleção dos trabalhadores de diferentes categorias profissionais e de diferentes áreas de atendimento. Na etapa de análise dos dados foi utilizada a análise temática segundo Bardin (1995).

 

III. Olhando e conversando com o empírico – o preparo para a relação

Efetivar o trabalho em saúde exige a preparação do ambiente físico, enquanto espaço de relações. O atendimento representa a aproximação de pessoas, para tentarem solucionar algum problema, condições mínimas de privacidade e conforto tornam-se necessárias.

Observou-se, nesse estudo, que em alguns ambientes físicos preparados para a relação, como os balcões com vidro com um pequeno orifício, no setor Pronto –Atendimento - PA (Assim denominado o setor da Unidade de Saúde para onde demanda pacientes que necessitam de atenção imediata, caracterizando-se por um atendimento de urgências e emergências clínico, cirúrgicas etc.), ou balcões em ambiente aberto, na clínica médica, o usuário deveria expor o motivo de sua procura, sem nenhuma privacidade. Nestas circunstâncias, tanto o usuário quanto o trabalhador tiveram que falar alto, para conseguir se comunicar e serem ouvidos um pelo outro. Em um ambiente aberto, a relação sofre interferência do som ambiente (conversas de pessoas, choros de crianças, sirene de ambulâncias, comunicação pelo auto-falante e outros); somam-se ainda ocorrências do momento como interrupções para informações, pessoas que passam e cumprimentam, pessoas que "passam mal", que desviam a atenção do trabalhador para fora do espaço intercessor que tenta se estabelecer.

Este ambiente interfere sobre o acolhimento, pois o usuário fica constrangido, limitando-se a expressar rapidamente seu problema, ou sua queixa. Não há reservado para si um espaço privativo, o que faz com que não respeite o espaço do outro, em circunstâncias semelhantes, dando-se o direito de interromper outras relações.

"chego às sete, eu gosto de chegar mais cedo (...) aí os pacientes chegam, - a gente pega o cartão e as pastas (...) a gente pesa os pacientes e manda os pacientes ir ali pro médico. – nesse intervalo, tem, paciente pra saber onde é a oftalmo, onde é o raio X, onde é o elétro, onde é a coleta (...) esquece a papeleta em casa e a gente tem que fazer outra papeleta – não marcou os exames direitinho (...) não colocou número, ou não colocou o nome e vem pra gente fazer isso pra eles, que eles, mesmo você explicando, tem muitos que não entende e vem pra gente fazer, isso é tudo no intervalo que você tá vendo e pesando o paciente . Pressão..., a gente vê pressão, - (...) sempre... (...) informação, alí é direto... Onde é a farmácia (...)" (Entrevista 6).

Mesmo em ambientes fechados como no caso do consultório médico, durante as observações registraram-se interrupções diversas. Estas apontam para a necessidade de uma reflexão sobre o quanto se respeita os diversos espaços de relação do processo de trabalho em saúde.

As pós consultas da clínica médica são realizadas em uma sala preparada para atender dois usuários ao mesmo tempo. Nela trabalham duas auxiliares de enfermagem. Uma delas apontou este fato, em sua entrevista, como exemplo de condições de trabalho desfavoráveis, devido às interrupções freqüentes, as mais diversas, que interferem no cumprimento de suas tarefas. Acrescenta-se o fato de que não demonstram preocupação com as interferências do ambiente, para o estabelecimento de relações de atendimento mais próximas, mais humanas, possibilitando auxiliar o usuário a lidar com seus problemas de saúde, assumindo uma posição conformada, "não tem jeito, isso aí não tem solução", considerando a situação praticamente "normal".

"(...) você tá conversando, fazendo pós consulta, o paciente entra lá dentro da sua sala e te corta e você, porque a porta tá aberta, e corta tua pós consulta pra perguntar ou alguma informação... (...) você sempre é interrompida aií... Eu acho péssimo, detesto, já reclamei, já, mas não teve como você fechar a porta porque é eu e a colega trabalhando... A colega tá com paciente e eu tô com outro, sempre tem acompanhante... e aquela sala é pequena... e não tem nem como você fechar a porta alí. Se você fechar a porta não entra paciente ali. A porta tem que ficar aberta... Eu acho horrível, não gosto... já reclamei, já falei, mas não tem condições... não tem jeito... Isso aí não tem solução..." (Entrevista 6).

Outro aspecto da preparação do ambiente, para a relação de atendimento diz respeito ao cuidado com as condições de limpeza. Um ambiente limpo, claro, organizado reflete uma atenção antecipada para com o usuário e com o trabalho a ser desenvolvido. Uma usuária assinalou a importância da limpeza do ambiente comparando este serviço de saúde aos da cidade em que morava anteriormente. "No Rio os postos são muito ruins, mal cuidados, sujos, os médicos usam roupas sujas, as cidades estão sujas, com mal cheiro, o povo não cuida. Aqui para saúde é bem melhor." (OBS 6). É clara a relação limpeza e saúde e esta também compõe parte do que o usuário busca no serviço de saúde.

O respeito e atenção para com o usuário também podem ser demonstrados pelo trabalhador através do cuidado com que prepara sua vestimenta para o trabalho e a adequação da mesma. Estes cuidados causam boa impressão para iniciar a relação de atendimento. Isto foi explicitamente colocado pela usuária que demonstrou confiança no serviço de saúde em que se encontrava.

O cuidado com a aparência e a vestimenta também é observado nos usuários, demonstrando preocupação em apresentar-se da melhor maneira possível ao outro, preparando-se para a relação que irá construir.

"(...) a gente vê muito o paciente aqui (...) Vê ele limpo, vem passear... no CS, né? Ele limpo, as crianças, limpas, bonitas... eu não esqueço um dia que eu estava fazendo visita agora... há um mês (...) Tinha chovido... estava um barro na favela... e todo mundo estava de chinelinho, né? Tomando cuidado para não sujar o pé, de roupinha muito bonitinha... Na hora que chegou na esquina da Rondônia... ela saiu daquele quadrilátero da favela, todo mundo colocou sapatinho e meia, as crianças, 3 crianças, a mãe... sabe? Pegou a sacola jogou num canto, a sacola, com os chinelos sujos... e veio para o centro de saúde que eu encontrei com ela na sala de vacina, depois fazendo curativo numa criança, né?" (Entrevista 1 - Piloto (Entrevistas piloto para testar o roteiro de entrevista).

A preocupação para com o outro, o usuário, pode ser observada também pela forma com que se utiliza da sinalização e se informa a localização das salas e setores de atendimento, isto é, como se lança mão da tecnologia dura, placas, cartazes, painéis informativos e outros. Desde a entrada são pouco destacadas, as placas são pouco evidentes e os setores, em muitas situações, ficam sem ninguém para informar.

Não se está dizendo que toda a sinalização do local deva ser mudada, e sim que o serviço como um todo, através de seus trabalhadores, devem considerar a sinalização tal como se encontra, orientando os usuários, segundo suas necessidades; ficando assim, atentos para identificar dentre o conjunto de usuários, aqueles que apresentam no momento, dificuldades em localizar-se espacialmente na unidade de saúde, seja por limitação de escolaridade, seja por dificuldades circunstanciais como dor, ansiedade, medo, em um exercício constante da eqüidade e acessibilidade.

"Às 14h38min chegamos ao RX. Há uma senhora no final do corredor, olha para uma das portas e para o balcão e pergunta para nós que nos aproximamos: ‘não tem ninguém aqui? É a senhora que atende?’ Respondi que o atendimento seria após às 16 horas e que estaríamos aguardando. A paciente agradece dizendo: ‘Ah! Então eu vou embora’, e sai em seguida.(...).

Às 15h08min chega uma senhora com vários papéis à mão e pergunta sobre o atendimento. Informamos sobre o início às 16 horas. (...)" (OBS 6).

Na situação acima, parece que não se percebeu a importância deste cuidado, o usuário não teve qualquer tipo de informação ou atenção, o preparo do ambiente para o atendimento neste momento foi nulo, gerando sensação de incerteza. Se não estivesse realizando esta pesquisa naquele momento, aquelas pessoas teriam que procurar algum outro informante para saber sobre o horário de funcionamento do RX.

O preparo do ambiente não é meramente o preparo de um espaço físico, mas diz respeito ao cuidado que o serviço de saúde e o trabalhador têm ao executá-lo, expondo sua disponibilidade para a relação e para transformá-la em um espaço de acolhimento.

Outro cuidado com o preparo para a relação com o usuário pode ser considerado a adoção do agendamento por horário na clínica médica. "Lá no postinho da Vila Tibério tem médico bom também, mas gosto mais do Dr. X ... Meu horário é sempre este...Venho depois do almoço... Agora é tudo com hora marcada, né?" (OBS 17).

No entanto, nem sempre o programado é cumprido.

"Uma senhora que também aguarda consulta diz: "Dia que elas tá de veia boa dá tudo certo. Dia que elas tão de veia ruim tá perdido.(...) Teve um dia que tive que fazer um escândalo. Minha consulta estava marcada para às 7 horas e eles foram me atender só às 11. Fui lá e falei um monte para elas. Elas foram passando gente na minha frente... Foram passando gente ... Aí fui lá falar! Aí elas me atenderam.. (...) mas elas pegam muita gente para a mesma hora..." (OBS 19).

Este relato demonstra o outro lado do agendamento por horário, ou seja, a adoção desta forma de organização do trabalho atende às necessidades e prioridades do próprio serviço, regulação de um fluxo de demanda mais adequado para o desempenho do trabalho, sem preocupação com as necessidades dos usuários determinando para estes um horário de chegada e não o horário de seu atendimento, o que é contraditório com a expectativa que se cria, quando se diz que o serviço adota agendamento por horário.

Este choque entre a estruturação do serviço e a expectativa do usuário gera, neste último, uma certa falta de disponibilidade em relacionar-se com os trabalhadores de saúde, no caso as auxiliares de enfermagem, que são responsabilizadas pelo não atendimento, conforme o programado, demonstrando falta de credibilidade e confiança, que certamente refletirá no vínculo e no acolhimento.

Em algumas situações, a regra é tomada de forma rígida, não facilitando o acolhimento, distanciando-se daquilo para a qual foi implantada, ou seja, diminuir o tempo de espera, diminuir o número de pessoas circulando na unidade, para evitar tumultos e som ambiente elevados.

"(...) uma senhora entrega seu cartão de agendamento ao auxiliar: ‘Tenho consulta hoje... , Dr. PPP.’

Auxiliar olha o cartão: ‘Só que é as 14 horas. Só poderá descer às 13 e 30.’

Paciente: ‘Mas eu trabalho... as moças já-já estão lá. Elas pegam meu cartão e depois vou trabalhar.’

Auxiliar: ‘Só pode entrar meia hora antes do horário marcado. Pode aguardar. Às 13 e 30 a senhora desce’" (OBS 17).

Essa produção, de um certo padrão de prática burocratizada,decorre das circunstâncias em que se executa um projeto terapêutico, que se organiza parcelando o trabalho e fixando o trabalhador em uma determinada etapa. Nesse processo, o trabalhador executa "atos esvaziados de sentido, ou cujo sentido depende de uma continuação que o trabalhador não somente não controla como até desconhece" (CAMPOS, 1997, p. 235); Tal postura faz com que este não se sinta um sujeito ativo neste processo de produção, situação que o aborrece e o embrutece.

Tanto o agendamento por horário, como a normatização de fluxo de entrada dos usuários na unidade apresenta mais a tônica de disciplinar o usuário do que o intuito da unidade de saúde em voltar a atenção para ele. Essa disciplinarização evidencia a presença do poder na relação trabalhador/usuário desde a preparação das mesmas. No quotidiano, o que aparece como predominante é o usuário submetendo-se a essas normatizações e poderes do serviço e dos trabalhadores, nesse processo de "disciplinarização"(Forma de demonstração de poder semelhante ao observado em unidade hospitalar (CARAPINHEIRO, 1993) , que enquadra a demanda à oferta de atenção, ao cardápio disponível.

Essa relação de poder é desigual, é dada pelo papel - de usuário e de trabalhador, uma relação hierárquica socialmente determinada pelas próprias relações, pelo domínio do conhecimento, pela detenção de informações. Usuário e trabalhador, de certa forma, se preparam para a mesma, a medida em que se reconhecem mutuamente, de alguma forma naquele espaço intercessor. Este reconhecimento denominado como "a obra", trata do "reconhecimento tanto por parte do trabalhador como do cliente e da sociedade, do resultado do trabalho" (CAMPOS, 1997, p. 234).

O usuário que ora se submete ao trabalhador para ter seu problema acolhido, ora em outros momentos atua enquanto sujeito, também se faz presente de forma inteira na relação dentro do mesmo contexto, prepara-se para obter o que deseja. O trabalhador, por sua vez, pode fazer uso mais livremente deste poder utilizando-o das mais diversas formas no espaço de intercessão com o usuário, evidenciando ainda mais seu poder ou utilizando-o em uma relação mais horizontal em que ambos estão juntos na construção de uma resposta para o problema apresentado pelo usuário.

"No balcão há dois rapazes sendo orientados pela auxiliar. Um dos rapazes diz: ‘retorno.’
Auxiliar: ‘O senhor perdeu. Era há uma e meia, já foi.’
Paciente: ‘mas o serviço... não deu para vir antes...’
Auxiliar: ‘Acabei de colocar os pacientes que não tinham consulta marcada.’" (OBS14).

Antes de relacionar-se com o usuário, o trabalhador se depara com seu próprio trabalho. Sua representação quanto ao trabalho, dada pela concepção que tem dele, pelas condições em que este se concretiza, pelo retorno que pode obter, pela representação que tem do usuário e de suas necessidades. Este quadro gera certa disponibilidade deste trabalhador em relacionar-se com o usuário e de que forma, além do que vai interferir sobre a maneira como o trabalhador lançará mão das tecnologias (leve, leve-duras e duras) do trabalho em saúde, sobre o quanto e pelo quê se responsabilizará e qual finalidade norteará seu atendimento.

Um dos médicos referiu que apesar de ouvir os gritos do conflito entre as auxiliares e os usuários não sai do consultório, isto é, não ajuda, não sabe nem se o usuário foi atendido ou não. Reconhece o problema, mas não se envolve. Este relato traz à tona a questão do trabalho em equipe, no aspecto da cooperação entre seus membros, para tentar solucionar os problemas do setor de atendimento. A forma de atuação descrita pelo profissional nos leva a pensar que este está preso a uma matriz de divisão de trabalho, onde o médico só consulta e os problemas da recepção e agendamento, de preparação das condições de atendimento são da competência das auxiliares de enfermagem ou de qualquer outro trabalhador que atue fora do consultório médico.

O não envolvimento do médico com o acolhimento na recepção demonstra sua captura pelo trabalho morto ( Trabalho vivo, aquele que vai se dando em ato, podendo ser expressas a criatividade, a vontade do trabalhador e trabalho morto, aquele, onde se expressa trabalho vivo capturado, ou seja, trabalho já materializado, resultado de trabalho humano anteriormente produzido. (MERHY, 1997) , confirmado em sua entrevista, quando referiu que a estrutura e organização do trabalho o impedem de atender seus pacientes em intercorrências, sendo este um limitante de seu trabalho. Nestas situações, o trabalhador coloca-se na relação de atendimento como um não-sujeito protagonista da ação de saúde.

 

IV. Considerações finais

A observação do atendimento, assim como as entrevistas dos trabalhadores parecem revelar que é a sua finalidade que estrutura a relação a ser construída. Esta tal finalidade não se apresenta explicitamente, isto é, surge na relação como a resposta eleita, a melhor e mais viável naquelas circunstâncias, dentro de um cardápio de intervenções possíveis, pensadas pelo trabalhador, a partir e naquele espaço intercessor. Além disso, a estruturação do atendimento e das respostas que irão constituir o cardápio de intervenções pode se dar de forma mais ou menos abrangente; a partir da concepção de homem e de saúde/doença que embasa a finalidade dada ao atendimento. Neste processo, o trabalhador demonstra pelo quê e por quanto se responsabiliza, o que revela também suas concepções presentes na relação de atendimento, ou seja, a decisão tomada expressa a objetivação do trabalhador em relação ao processo saúde/doença e da finalidade que dá ao trabalho.

Assim, podemos considerar que a disponibilidade do trabalhador para o preparo do ambiente, de si próprio e da relação de atendimento propriamente dita, passa por dentro do próprio trabalhador (seus afetos, desejos, projetos) e pelo contexto no qual está inserido, entendendo-o muito além dos muros da unidade de saúde. Esta afirmação se baseia na percepção do trabalhador, enquanto homem de relações no mundo, que sofre e produz ações recíprocas de manutenção e transformação. Em seu quotidiano, entretanto, o trabalhador normalmente não se percebe assim, vive atribulado, correndo o tempo todo, com grande dispêndio de energia, sem parar para refletir sobre o que faz.

Embora haja dificuldades no setor saúde referente à disponibilidade de recursos, especialmente do setor público, é preciso nos determos para estes pontos levantados quanto à preparação para a relação serviço/usuário e trabalhador/usuário, buscando incorporá-los na estruturação do serviço, investindo no aumento de sua capacidade resolutiva, não só em termos de eficácia e eficiência, mas através de um relacionamento mais humano, mais acolhedor, uma vez que é no trabalho vivo em ato, nesta intercessão, que se configura a qualidade do atendimento.

 

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Os desafios da comunicação administrativa na enfermagem

 

Challenges of administrative communication in nursing

 

 

Luciana de Freitas CamposI; Marcia Regina Antonietto da Costa MeloII

IEnfermeira do Centro de Terapia Intensiva da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto-SP, Mestranda do Programa de Pós-graduação na Área de enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP. E-mail campos_lu@zipmail.com.br
IIEnfermeira. Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP

 

 


RESUMO

Considerando a necessidade da comunicaçãoadministrativa no contexto da enfermagem, o presente estudo buscou, através de consultas aos ANAIS do Simpósio Brasileiro de Comunicação em Enfermagem e Sistema de Catálogo de Dissertações, Teses e Livre-Docência da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), identificar o que tem sido produzido na enfermagem sobre comunicação administrativa. Foi encontrado apenas um estudo específico sobre o tema, no Sistema de Catálogo da Sala de Leitura Glete de Alcântara da EERP-USP que versava sobre comunicação administrativa escrita na enfermagem. Foram encontrados aspectos ligados a esta temática e estes foram categorizados. Este tema consiste em ampla área para investigação.

Palavras-chave: comunicação, administração, enfermagem


ABSTRACT

Considering the need for administrative communication in the nursing context, this work aimed at identifying what has been produced in the nursing area concerning administrative communication by consulting the PROCEEDINGS of Simpósio Brasileiro de Comunicação em Enfermagem (Brazilian Symposium on Nursing Communication) and the Theses and Dissertations Catalog System of the College of Nursing at Ribeirão Preto -University of São Paulo (EERP-USP). Only one specific study on the theme was found in the Catalog System of the Glete de Ancântara Reading Room of the EERP-USP, which dealt with written administrative communication in nursing. Aspects related to this theme were found and categorized. This theme comprises a large area for investigation.

Key words: communication, administration, nursing


 

 

INTRODUÇÃO

O trabalho da enfermagem está inserido na área de prestação de serviço, em particular de saúde, tendo como começo, meio e fim o ser-humano. Na prestação deste serviço destacamos a empresa hospitalar, pública e privada, detendo o maior número de pessoal de enfermagem da área da saúde.

Sabemos que o hospital enquanto empresa é norteado por uma administração cuja cultura organizacional é influenciada significativamente por políticas sociais e de saúde. Tratando, em particular da administração em enfermagem, percebemos que ela absorve estas influências em sua prática profissional.

Na organização do serviço de enfermagem, para contemplar os aspectos administrativos gerais e os específicos da enfermagem, visando a qualidade do cuidado de enfermagem ao cliente em seu processo saúde-doença, observamos que faz-se fundamental a comunicação administrativa eficiente.

Para Stoner (1995) "a comunicação eficaz é importante para os administradores por dois motivos. Primeiro, a comunicação eficaz é o processo através do qual os administradores realizam as funções de planejamento, organização, liderança e controle. Segundo, a comunicação é uma atividade a qual os administradores dedicam uma enorme proporção de seu tempo. Raramente os administradores estão sozinhos em suas salas, pensando, planejando ou contemplando alternativas".

A comunicação administrativa consiste no processo de transmissão de mensagem/informação entre um emissor e um receptor, direta ou indiretamente, envolvendo a organização de serviço, seja ela no plano teórico-filosófico ou prático, mas que implica no desenvolvimento deste serviço. Também pode ser entendida como comunicação gerencial ou organizacional.

Silva (1991; p.30) refere que "comunicações administrativas são os processos comunicativos relacionados com as funções administrativas da organização."

De acordo com Thayer (1979; p.122) é "a comunicação que altera (ou poderia fazê-lo), explora, cria ou mantém as relações situacionais entre as funções – tarefas pelas quais é responsável, ou entre sua subseção e qualquer das outras da organização global". Ainda diz que " nas organizações é necessário que se determine o sistema de comunicação que, ao mesmo tempo, capacite a entidade a lidar com o meio ambiente, a manter seu funcionamento interno e a estar bem informada e apta a executar as modificações necessárias ou oportunas."

Neste estudo consideraremos como comunicação administrativa aquelas que os enfermeiros usam no desempenho de suas funções.

No hospital, independente do setor de atendimento, faz-se necessário conhecer o contexto para que o processo de comunicação administrativa seja eficaz.

Espera-se que o enfermeiro seja o elo na cadeia de comunicação no serviço, por estar em contato com toda equipe multiprofissional sendo a ele que a administração do hospital se reporta para que as normas e rotinas sejam implantadas, quer seja assunto ligado diretamente a enfermagem ou não. Os demais profissionais também recorrem ao enfermeiro se precisam resolver questões ligadas a dinâmica do serviço. Para que a informação veicule, faz-se necessário que o enfermeiro utilize da comunicação verbal e não-verbal.

A comunicação administrativa verbal utilizada pode ocorrer através da informação oral que é transmitida a todos os elementos do grupo no mesmo momento, individualmente ou ainda de um para o outro. Talvez este meio não seja eficaz pois não se pode garantir necessariamente que a idéia central se mantenha. Deve-se atentar para as estratégias utilizadas, para evitar falsa interpretação, boatos ou fofocas (ETIZIONI, 1974).

A comunicação administrativa não-verbal apontada por Silva (1991) em sua investigação cerca da "comunicação administrativa escrita na enfermagem" foi a escrita representada por: memorando, circular, portaria, relatório, convocação. A autora afirma que "as comunicações escritas são importantes não só pelas informações que transmitem como por servirem para referências futuras, para a pesquisa, ensino e informação legal. Por isso, recomendam-se clareza e concisão, pois, precisam ser compreendidas por aqueles que a recebem, sem a ajuda de quem as emite." Neste caso, garante-se a essência da informação mas pode-se correr o risco da equipe não ler, quer seja por excesso de trabalho, desmotivação, dificuldade para entender alguns termos técnicos, pelo não hábito de leitura ou mesmo desinteresse.

Um outro meio de comunicação que vem sendo utilizado no hospital é a informação disseminada pela rede de computadores, seja ela interna, através de programas, ou via on line, por meio da internet. Este advento em alguns setores ou serviços vem ocorrendo de forma lenta e gradual e em outros, mais abrupta, porém é uma realidade inevitável. É um sistema prático, dinâmico, que traz economia de tempo, pode ser acessado a qualquer momento e por toda equipe multidisciplinar.

Na comunicação administrativa da enfermagem, voltada a aspectos ligados ao cuidado direto e indireto observamos empiricamente que as orientações que são emitidas pelos enfermeiros nem sempre são apreendidas com eficácia pelos demais membros da equipe e não são suficientes para promover mudança de comportamento.

Em nossa experiência profissional, atuando no ensino e na assistência, atentamo-nos para a questão da comunicação administrativa devido a barreiras na comunicação, observadas na prática diária da enfermagem e os prejuízos que esta causa tanto para saúde do cliente/paciente quanto à saúde do trabalhador, acarretando danos à instituição e o desenvolvimento da enfermagem enquanto profissão.

Sabidamente estamos na era do conhecimento e a informação tornou-se, ainda mais, um valioso instrumento para o relacionamento humano. Atentos a temática comunicação, um grupo de pesquisadores da EERP-USP, promoveram o primeiro Simpósio Brasileiro de Comunicação em Enfermagem (SIBRACEn), em 1988. Este evento proporcionou à Enfermagem um amplo espaço de discussão acerca da comunicação na profissão e desde então, a cada dois anos, ele vem acontecendo e ganhando vulto expressivo. Os três primeiros SIBRACEn foram editados em ANAIS sendo que, a partir de 1994, contou com publicação dos trabalhos na íntegra, favorecendo, assim, maior alcance na disseminação do conhecimento produzido sobre o tema (MENDES, 1996).

Ainda evidenciou-se neste período um avanço significativo na produção científica na enfermagem, que vem ocorrendo desde a década de 70 e, possivelmente sobre a temática de comunicação em enfermagem de forma concomitante ao movimento da Globalização e a repercussão desta na empresa hospitalar, em especial.

Buscando uma maior aproximação com a temática e tendo em vista as questões colocadas até o momento, este estudo objetivalevantar o que tem sido produzido na enfermagem acerca da comunicação administrativa.

 

METODOLOGIA

Almejando alcançar o objetivo proposto, optou-se por realizar um levantamento bibliográfico, que consiste na documentação metódica do assunto em questão, considerando critérios pré-determinados, tais como: tipo de estudo, autor, data, descrição do conteúdo, possibilitando ampliar conhecimento sobre o tema, e ainda, identificar áreas de estudo não suficientemente exploradas. Para Barros et al. (1986) a pesquisa exploratória é realizada para "obter conhecimentos, procurando encontrar informações publicadas em livros e documentos (catálogos, folhetos, artigos)." Afirma ainda que "este tipo de pesquisa propiciará na maioria da vezes a elaboração de trabalhos: recapitulativos, teóricos e sintetizados, a partir da coleta, análise e interpretação das contribuições teóricas sobre determinado fato, assunto ou idéia, da reflexão e crítica pessoal e da documentação escrita."

Selecionou-se o período de 1988 à 2002. Utilizou-se, como fonte de coleta de dados, os ANAIS e publicações do SIBRACEN e o cadastro, via computador, de Dissertações, Teses e Livre-Docência (Relação do acervo de Teses) da Sala de Leitura Glete de Alcântara da EERP-USP. Realizou-se a busca manual dos ANAIS. Para busca no computador usou-se as palavras-chaves: comunicação, administrativa, administração, organizacional, gerencial e gerenciamento. Os dados foram coletados, do material selecionado em fevereiro de 2002.

Na leitura dos resumos em questão, tomou-se o cuidado de selecionar aqueles que na sua essência pendiam mais para aspectos administrativos tendo a comunicação como cenário, entendendo que é através dela que há entendimento da equipe sobre a dinâmica do trabalho (subsidiada em uma determinada filosofia ou cultura organizacional).

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Através do levantamento bibliográfico realizado nos ANAIS do SIBRACEn, do primeiro ao sétimo evento (1988-2000), não encontrou-se estudo específico sobre comunicação administrativa em enfermagem. Entretanto, evidenciou-se aspectos ligados ao tema e, então, procedeu-se a categorização dos mesmos:

Durante a leitura dinâmica dos resumos e introdução destes estudos observamos a tendência da enfermagem em abordar aspectos administrativos voltados específica e diretamente ao cuidado do cliente/paciente, o que pode ser explicado pelo alto grau de humanismo do profissional de saúde.

Encontrou-se no Sistema de Catálogo de Dissertações, Teses e Livre-Docência, apenas um assunto específico sobre esta temática, sendo a dissertação de mestrado de Silva (1991) acerca de Comunicação Administrativa Escrita (CAE) na enfermagem. Esta autora considera em seu estudo que a CAE não está atingindo seu propósito no âmbito da enfermagem sendo necessário aos enfermeiros, completar o conhecimento das mesmas.

Pode-se inferir que a comunicação é o elo no trabalho global do enfermeiro. Desta habilidade o enfermeiro é capaz de articular a esfera administrativa com a assistencial, seja de forma direta ou indireta.

Observou-se que estudos voltados a comunicação administrativa em enfermagem, visando a compreensão de como se dá esse processo na prática, ainda é um desafio para os enfermeiros. Este tema, bastante abrangente, carece de estudos que contribuam com estes profissionais para operacionalizar a comunicação administrativa entre a equipe multidisciplinar e a melhor utilização das informações veiculadas, para efetivamente haver mudança de comportamento na equipe e na prática de enfermagem.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo levantar o que tem sido produzido na enfermagem acerca da temática comunicação administrativa na enfermagem, no período de 1988 à 2002, através da busca nos ANAIS do SIBRACEn e Sistema de Catálogo de Dissertações, Teses e Livre-Docência da Sala de Leitura Glete de Alcântara da EERP-USP.

Foi localizado apenas um estudo sobre este tema no Sistema de Catálogo de Dissertações, Teses e Livre-Docência que versava sobre comunicação administrativa escrita na enfermagem.

Nos ANAIS do SIBRACEn não foi encontrado estudo específico sobre o tema, mas investigações que se aproximavam da temática em questão como: passagem de plantão, comunicação e liderança, barreiras na comunicação, comunicação no serviço de enfermagem, procedendo-se, então, uma categorização. Foi possível identificar nestes estudos uma abordagem dos aspectos administrativos mais ligados ao cliente/paciente, confirmando que a comunicação administrativa na enfermagem constitui-se de uma área ampla para pesquisa e necessita ser melhor explorada.

 

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A mulher como objeto/sujeito da assistência*

 

The woman as a care object/subject

 

 

Débora Vendrúsculo LageI; Lilian Denise MaiII; Mariza Silva AlmeidaIII

IDoutoranda do Programa Interunidades da USP/EERP
IIDoutoranda do Programa Interunidades da USP/EERP. Professora Assistente da Universidade Estadual de Maringá/PR
IIIDoutoranda do Programa Interunidades da USP/EERP. Professora Assistente da Universidade Federal da Bahia. R. Adalberto Pajuaba 957, Bl. B. apto. 2 Sumarezinho, Cep: 14055-220 tel:39631174- e-mail. marizaal@bol.com.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho procura refletir sobre a organização e as relações interpessoais estabelecidas em um serviço de saúde, à luz da categoria trabalho, no que tange o atendimento à mulher. Utilizando-se a técnica da dramatização, os passos de um determinado atendimento (verídico) foram sendo discutidos mediante referencial teórico previamente selecionado. Concluiu-se que, os problemas de saúde da mulher revelam a sua determinação social, o que torna de fundamental importância a compreensão de como estes serviços se organizam para resolvê-los. As ações nestes efetivadas implicam no exercício da cidadania, devendo fomentar, entre outros elementos, a participação da usuária no diagnóstico e tratamento do seu problema, a noção de sujeito social e não de doente/paciente, a igualdade nas relações com os profissionais de saúde e o acesso às informações e saberes sobre os cuidados necessários. Reitera-se, com a discussão desse caso, a importância da criação de laços de solidariedade, a partir da socialização das experiências particulares, bem como da reflexão sobre a condição feminina não como algo natural, mas histórica e socialmente construída.

Palavras-chave: serviços de saúde, mulher, cidadania


ABSTRACT

This paper tries to reflect on the organization and interpersonal relations established in a health service, in view of the work category, with respect to attendance to women... Using the drama technique, the events of a certain (veridical) care session were discussed by means of a previously chosen theoretical reference base. It was concluded that woman health problems reveal their social determination, which makes it fundamentally important to understand how these services are organized to solve them. The accomplished actions imply in the practice of citizenship, with the obligation to encourage, among other elements, user participation in the problem diagnosis and treatment, the notion of social subject and not ill person/patient, equality in the relations with health workers and the access to information and knowledge about necessary care. The discussion of this case reaffirms the importance of creating solidary relations on the basis of the socialization of private experiences, as well the reflection about the female condition not as something natural, but historical and socially constructed.

Key words: health care, woman, citizenship


 

 

Introduzindo a questão

Os problemas de saúde da mulher revelam a sua determinação social e, como tal, não existe qualquer alternativa de solução restrita à necessidade de consumir serviços de saúde. No entanto, a compreensão de como estes serviços se organizam para resolver estes problemas, parece de fundamental importância, pela possibilidade de alcançar a cidadania de garantia do direito à saúde que estes serviços podem oferecer.

O presente trabalho baseado no relato de um atendimento a uma mulher, visa refletir sobre a organização desse serviço de saúde e as relações que são construídas nesse atendimento, a luz da categoria trabalho.

Sabe-se que trabalhoé um ato tecnicamente orientado, que faz uso de instrumentos e absorve materiais diversos. Mas, está em curso um processo de transformação, do qual resulta um produto determinado e concreto, um bem, externo ao produtor e ao consumidor.

Nas ações em saúde, existe a racionalidade técnica, porém, como transformação, não é possível determinar o resultado exato do trabalho executado (quer-se uma transformação útil: a cura).Cada ato técnico tem seu fim parcial e pode ter sua particular transformação útil, mas a utilidade final está separada dele pelo tempo e por um muro de subjetividade (o/a paciente quer ser curado(a), quem o(a) garante?). O importanteé que o indivíduo aparece como consumidor de cada um desses atos isolados. Isso é diferente do que ocorre com o produto industrial: na indústria, apesar do trabalho realizar-se também por uma multiplicidade de ações isoladas, o que se consome e se tem expectativa de utilidades, é apenas o produto final. Na saúde criam-se valores de uso objetivo (Rx; prótese...) sem ter seu uso universal e sim específico e percebe-se, características de fragmentariedade nas atividades imediatas(exames laboratoriais, cirurgia. e mediatas (terapia medicamentosa), sendo a utilidade dessas, assumida por quem exerce tecnicamente esses atos e presumida por quem as consome (NOGUEIRA, 1994).

A organização das práticas de saúde tanto nos serviços públicos quanto privados, tem priorizado o período reprodutivo e traduzem nas suas articulações internas e externas as mais diversas hierarquias, próprias de uma sociedade segmentada como a nossa. O fato da rede pública de saúde atender principalmente mulheres de camadas sociais menos favorecidas possibilita para que nestes locais, sejam construídas relações sociais diversas, resultantes das inúmeras combinações entre classes sociais diferenciadas, gênero, etnia e geração em um mesmo espaço social, sendo este um próprio espaço de trabalho desigual, entre as pessoas que detém o saber e as que dependem desse saber, para alívio da dor e sofrimento (FERREIRA, 1996).

Para Mendes Gonçalves (1994), o processo de trabalho é compreendido como prática social sendo uma construção dos homens e mulheres para satisfazerem suas necessidades em uma estrutura social determinada, realizados por agentes sociais, os trabalhadores de saúde, dentro de uma divisão social do trabalho é, histórica e socialmente determinada.

A forma encontrada para análise do presente exercício no processo de trabalho em saúde no atendimento à mulher inspira-se na concepção dialética devendo ser compreendido na sua historicidade, no seu desenvolvimento e na sua transformação histórica, visando identificar as ideologias, utopias ou visões de mundo que lhes dão suporte. Outro elemento essencial é a categoria da totalidade em suas relações com o conjunto da vida econômica, social e cultural, buscando-se identificar também as contradições internas da realidade presentes nas ideologias, crenças e valores que sustentam os discursos no atendimento à mulher; enfim compreender a realidade para transformá-la (LOWY, 1985).

 

Os caminhos de um atendimento

O caso

— Mulher negra, 36 anos, enfermeira, solteira, procura serviço de saúde às 2:00 h da madrugada, por apresentar hemorragia uterina e dor abdominal intensa.

 

A recepção

— Recepcionada pelo vigilante, que a questiona sobre a queixa principal e a encaminha para o setor de triagem.

Considerando o trabalho em saúde e toda gama de funções e atividades que se realizam nos estabelecimentos de saúde, esse conceito encerra coisas muito distintas umas das outras. Não há homogeneidade de agentes/instrumentos e processos. Tem-se então, como áreas de atividades em estabelecimentos de saúde, os serviços gerais; os serviços de apoio técnico-administrativo; os serviços administrativos; os serviços intermediários de diagnose e terapia; os serviços finais de diagnose, terapia e cuidados com os pacientes.

 

O atendimento na sala da triagem

— A auxiliar de enfermagem, pergunta a queixa principal, chama o estudante de medicina que está no repouso e este, após tomar conhecimento do caso, chama o médico plantonista. Após um tempo de espera, o médico chega irritado e solicita à paciente que exponha a verdade sobre a forma como provocou o aborto. Diante da negativa, irrita-se mais ainda, o que é reforçado por ter que esperar um pouco pela providência da luva para exame ginecológico. Durante o exame, agride a paciente física e verbalmente e delega ao estudante os encaminhamentos necessários (Soro fisiológico com ocitócito; exames laboratoriais, Rx. de tórax, ultra-sonografia e indicou a realização de dilatação do colo do útero com velas de Hegar pela manhã)

O conhecimento técnico do profissional aliado às desigualdades de classe social entre profissionais e paciente constitui-se em um "caldo de cultura" propício ao desenvolvimento de relações de poder (e ou violência). Percebe-se portanto, relações interpessoais coercitivas pautadas na falta de confiança, interesse, justiça e cordialidade, em um ambiente tenso com demonstração de muita insatisfação com o trabalho.

Para Ayres (2001, p. 68 e70)

Quando esses dois sujeitos – o(s) sujeito(s) profissional(is) de saúde e o(s) sujeito(s) pessoa(s) - alvo das ações de saúde – se constitui um diante do outro, naturalmente que um processo de objetivação e "objetificação" está colocado. Há uma técnica que justifica e estabelece a presença de um diante do outro(..) é como se houvesse entre sujeito – profissional de saúde e sujeito-população um vazio. É como se cada sujeito saísse de repente de seu nicho individual, de sua mesmidade, e fosse em alguma arena neutra, desde sempre existente, desde antes de nós, para se encontrar e buscar a saúde.

O modelo organizativo do hospital moderno reforça a relação de poder a partir da introdução denormas disciplinares e a montagem de uma estrutura onde o trabalho é marcadamente segmentado e subordinado a uma rígida hierarquia. A introdução desse poder disciplinar no hospital não se deu de forma homogênea. Sem dúvida, ainda hoje o hospital continua sendo o que se convencionou denominar de "instituição total", principalmente sob a perspectiva do(a) paciente que, ao ingressar neste serviço, deveria "deixar fora qualquer esperança de autonomia sobre seu corpo e sua vida".

Associado á esse extremo grau de dependência do paciente encontram-se os profissionais em diferentes situações: alguns na situação intermediária –técnicos, profissionais auxiliares e enfermeiros(as) que, em geral, trabalham com um grau de controle semelhante ao da indústria moderna com horários de trabalho bem definidos, supervisão direta, papéis e tarefas precisas e subordinação técnica aos superiores; e outra situação de maior grau de liberdade – médicos(as) e alguns outros profissionais que obedecem a padrões disciplinares mais suaves como autonomia para definir seu próprio horário de trabalho, para compor o conteúdo de suas tarefas, não estando submetidos a supervisão técnica nem ao controle direto. Os hospitais, portanto, transformaram-se em centros de produção e de difusão de saberes, ideologias e projetos políticos.

— Paciente se identifica como enfermeira e se recusa a usar a medicação prescrita por não estar grávida. O estudante após consultar médico mantém o soro fisiológico, prescreve um antiespasmódico injetável e solicita o leito para internação. Surpresa com a identificação da paciente, a auxiliar chama a enfermeira de plantão. A paciente queixa-se da atitude do médico, obtendo apoio da enfermeira. Foi acompanhada até a enfermaria por uma funcionária da limpeza de uma firma terceirizada, pois o maqueiro estava ocupado no momento.

Percebe-se na atualidade, na gestão hospitalar, a contratação de terceiros para a execução de atividades de apoio que nada tem de muito específico no setor onde se inserem (limpeza e desinfecção, segurança...) Nesses casos, reconhece-se que o processo de trabalho no âmbito hospitalar é funcionalmente equivalente a outros que se dão no seguimento da economia de serviços gerais e, eventualmente, substituíveis por estes.

Sendo a cooperação marca registrada dos serviços de saúde, cada um executa uma tarefa parcial, mas integrada com as dos demais, concorrendo para um fim comum (especialmente no caso do hospital moderno), originando uma hierarquia técnica e gerencial que mimetiza perfeitamente a organização taylorista do trabalho na indústria. Identifica-se então, uma divisão do trabalhoem saúde nas formas vertical - dentro de cada subunidade, há equipes que atuam integrando tarefas em sua própria hierarquia no espaço físico-técnico que lhe é reservado (enfermaria, ambulatório, laboratório, etc...) e horizontal - integração entre as diferentes unidades, para garantir um trabalho cooperativo. As instituiçõeshospitalares introjetaram a divisão social do trabalhoque lhe é preexistente quando põem a atuação conjunta dos profissionais que, por tradição, podem operar isolada e autonomamente (médico, dentista...) e promovem a criação de ocupaçõesque são um resultado direto da redivisão de tarefas dentro da unidade (atendentes de enfermagem, ainda existentes...).

Especificamente o trabalho em enfermagem no Brasil mantém a rigidez de separação entre o gerenciamento do cuidado, adscrito aos enfermeiros de nível universitário, e a execução, entregue a um exército de auxiliares, que realizam atividades de conforto no leito, seguimento de sinais vitais, administração de soro e medicamentos, entre outras.

 

A internação na enfermaria

— Pela manhã, após coleta de sangue para exames laboratoriais, recebe a visita da assistente social que refaz o questionamento sobre a provável tentativa de aborto e após preenchimento de ficha social pergunta se não teria alguém para levá-la para fazer os exames na unidade credenciada para exames radiológicos, pois, a instituição apresentava problemas com o transporte em ambulância. Ao ser visitada pela enfermeira chefe da unidade, relata todo ocorrido e solicita a visita do chefe de equipe. Este a escuta com atenção, suspende o Rx de tórax e a dilatação de colo, mantendo a ultra - sonografia (US). Ás 11 horas realiza a US em outra instituição de saúde retornando com o resultado de Miomatose uterina.

Como fica o (a) consumidor(a) diante do "monstro"do aparato de assistência médica? Espera-se que cumpra o papel de viver a lógica da "fragmentariedade" desses serviços em sua própria pele, bem como o ritmo administrativo da ordem e espera pela consulta de um e talvez dois ou três especialistas em medicina; a passagem por inúmeras instâncias de exames "complementares"; as entrevistas de aconselhamento do psicólogo, do assistente social, entre outras. O(a) usuário(a) vê-se portanto, obrigado(a) a percorrer um dédalo de serviços e de especialidades ou subespecialidades médicas, tendo que obter uma coisa aqui, outra ali, sendo que ignora para quê cada uma dessas intervenções é realizada– e realizada sobre seu próprio corpo; ainda assim, solicitam sua participação ativa em cada ato, esperando-se que ele(a) preste informações, siga ordens e se esforce em vários atos colaborativos. Isso implica em seu deslocamento físico, de um setor a outro dentro da mesma unidade produtiva ou entre estabelecimentos distintos. Essa fragmentariedade da estrutura dos serviços nem sempre corresponde a uma exigência de natureza técnica: são certos modelos de organização de serviços que trazem consigo esse sentido de decomposição extrema das tarefas (NOGUEIRA, 1994).

Segundo Ayres (2001. p. 65), percebe-se nesse momento do relato, que a mulher objeto passa a assumir a concepção de sujeitodo processo. Dois núcleos de significação implícitos nessa concepção de sujeito parecem-nos problemáticos nesse sentido. O primeiro é a idéia de permanência, de mesmidade, que reside no âmago desse sujeito – identidade, esse que é igual a si mesmo através dos tempos, que "faz a si mesmo a partir de uma natureza dada", moldada por um "devir voluntário", uma "conquista pessoal". O segundo, é a idéia de produção em que se apoia o sujeito - agente da história. O ser histórico é o ser produtor, aquele que introduz ou melhora as coisas ou idéias para o progresso da vida humana.

— Contato posterior com a nutricionista, que aguarda a liberação da dieta, que se deu ao final da tarde. No dia seguinte, recebe visita do chefe de equipe médica que autoriza a alta hospitalar e a orienta a procurar ginecologista para cirurgia ginecológica.

Pode-se ver a distinção de três processos de trabalho entre os diferentes agentes/instrumentos: um nada tem de muito específico ao setor em que se inserem, apesar de conferirem apoio (limpeza,desinfecção, segurança...); outro comparável à indústria moderna (exames laboratoriais, radiodiagnóstico ... ); e o último atendimento clínico, cirúrgico e de enfermagem (consulta ambulatorial, tratamento, cuidado de enfermagem ... ). Porém este último é muito específico pelo fato de envolver o (a) paciente, seu corpo e sua personalidade, em papel mais ou menos ativo, que o (a) torna muito diferente de qualquer outro tipo de serviço pessoal existente na sociedade.

Trata-se especificamente da equipe de saúde que são profissionais especialmente preparados para a prestação direta de serviços e que atendem a necessidade dos (as) pacientes, tomadas nas dimensões biológica, psicológica e social, tendo destaque na instituição hospitalar o controle técnico e social do médico.

Quanto à tecnologia, a incorporação de novos equipamentos e de inovações tecnológicas, ao contrário do verificado em outras áreas, não tem diminuído a importância numérica e qualitativa da força de trabalho nos serviços de saúde. Talvez porque, mesmo sem capacidade financeira para construir ou equipar um hospital, os (as) profissionais de saúde continuam detendo o monopólio do saber, e até mesmo a exclusividade legal de operá-lo, de determinar quando e como irão funcionar os vários equipamentos, já que são os responsáveis pela captação da clientela e interpretação dos resultados dos exames produzidos, sem o que não se realiza o processo de trabalho (CAMPOS, 1992).

Ao longo do processo, pode-se compartilhar com Merhy (1997) apud Rocha e Almeida (2000) ao afirmar que a tecnologia utilizada em saúde classifica-se em leve, leve-dura e dura sendo que a tecnologia leve produz-se no trabalho vivo em ato, em um processo de relações isto é, no encontro entre o trabalhador em saúde e o (a) usuário (a) (paciente); a leve-dura refere-se aos saberes profissionais bem estruturados como a clínica, a epidemiologia e os demais que compõe a equipe, estando inscrita na maneira de organizar sua atuação no processo de trabalho; e a tecnologia dura que diz respeito ao instrumental complexo em seu conjunto englobando todos os equipamentos para tratamentos, exames e a organização de informações.

— Na semana seguinte, procurou o ginecologista e enquanto providenciava exames pré – operatórios, foi acometida de dores abdominais e intensa hemorragia, sendo necessário ser submetida a uma pan - histerectomia de emergência em decorrência de processo necrosante do mioma.

 

E finalmente...

Os serviços em saúde são formas de serviços na esfera de um consumo privado, individual ou coletivo, sendo de utilidade para os indivíduos enquanto consumidores. Nesse processo, o trabalho em saúde sustenta-se em uma dada lógica instrumental, que se apoia prioritariamente na fisiopatologia para o diagnóstico e a terapêutica, alcançando resultados positivos se considerar a restauração biológica.

Porém, se considerar a experiência, isto é o significado do padecimento, o vivido existencialmente durante o processo, precisa-se pensar no limite da intervenção, na forma como se estabelece o cuidado e nas associações entre o cuidado e o processo diagnóstico que permitem atuar na intervenção. Aqui faz sentido uma postura ativa de inter-relação e diálogo interdisciplinar relacionado aos diversos conhecimento num projeto de construção solidária do cuidar (ROCHA; ALMEIDA, 2000 p. 100).

Assistir o ser humano nas suas necessidades básicas significa cuidar. Conseqüentemente, toda e qualquer assistência em saúde, pelo fato de sua essência ser o cuidado, não pode prescindir de seus aspectos afetivos, da sensibilidade e da intersubjetividade vivenciadas no cotidiano. Varia também de acordo com a cultura, incorporando, junto com a racionalidade científica, as questões étnicas, de gênero, religiosas e éticas, entre outras (op.cit , p. 98).

Pode-se ver que, isolada pela biologia, a mulher foi por muito tempo uma atriz (silenciosa) um objeto, na sua concepção mais radical, a que sofre a ação das práticas de saúde. Não basta assegurar um atendimento de qualidade, o diagnóstico e tratamento de cada mulher que busque os serviços, mas de reconceitualizar esta necessidade, criando e recriando formas de intervenção. Isto pressupõe ultrapassar a dimensão biológica de intervenção do corpo e alcançar a dimensão social reconhecendo e intervindo em várias esferas incluindo as relações de subordinação e dominação às quais as mulheres estão submetidas. Só a intervenção e recuperação do corpo biológico não tem respondido às necessidades de saúde, pois não se leva em conta a integralidade do ser humano, a qualidade de vida e a promoção da saúde.

Todas essas ações implicam em exercício de cidadania que devem fomentar a participação da usuária no diagnóstico e tratamento do problema de saúde apresentado, a noção de sujeito social e não de doente-paciente, a igualdade nas relações com os profissionais de saúde, o acesso às informações e saberes, sobre os cuidados necessários entre outros.

Com este caso relatado, amplia-se a necessidade de criação de laços de solidariedade, a partir da socialização das experiências particulares. É a oportunidade de refletir sobre a condição feminina não como algo natural, mas histórica e socialmente construída.

 

Referências bibliográficas

AYRES, J.R. de C. M. Sujeito, Intersubjetividade e práticas de saúde. Ciência & saúde coletiva v. 6 n. 1 , ABRASCO , 2001.

CAMPOS, G.W.S. Reforma da reforma. Representando a saúde. São Paulo: HUCITEC, 1992.

FERREIRA, Silvia Lúcia. Mulher e Serviço de Saúde. O processo de Trabalho em D. Sanitário. Salvador: Ultragraph, 1996.

LOWY, Michael. Ideologia e Ciência Social: elementos para análise marxista. São Paulo: Cortez, 1985.

MENDES GONÇALVES, R. B. Tecnologia e organização social das práticas de saúde, . São Paulo, Hucitec/Abrasco, 1994.

NOGUEIRA, R. P. Perspectiva da Qualidade em Saúde. Rio de janeiro: Qualitymark, 1994.

ROCHA, S.M.M.; ALMEIDA, M.C. P. de. O processo de trabalho da enfermagem em saúde coletiva e a interdiscipinaridade. Rev. Latino-americana de Enfermagem. Ribeirão Preto, v. 8. N. 6. P.96-110, dezembro 2000.

 

 

* Trabalho apresentado na disciplina A Construção do Conhecimento em Saúde I, junho 2001.

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Importância da comunicação na avaliação da qualidade da atenção de enfermagem e a satisfação da mulher depois do parto

 

Importance of communication in the evaluation of the quality of nursing care and satisfaction of woman after delivery

 

 

Aurora Zamora MendozaI; Maria Alejandra Hernández CastañónII; Margarita Antonia Villar LuisIII

 

IMestre em Enfermagem, Professora da Faculdade de Enfermagem da Universidad Autónoma de Querétaro, México, aluna de pós-graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP
IIAssessora, MCSS, Coordenadora do Serviço de Educação do Instituto Mexicano de Seguro Social
IIIOrientadora Professora Titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP

 

 


RESUMO

Para avaliar a qualidade da atenção de enfermagem é necessário o questionamento sobre a atenção oferecida ao usuário e como ele a percebe, destacando como se desenvolve o processo de comunicação entre o pessoal de enfermagem e os pacientes que recebem o serviço, entre os chefes de serviço e pessoal de enfermagem e como isso afeta a satisfação laboral. O objetivo da investigação é avaliar a qualidade de atenção proporcionada pelo pessoal de enfermagem e sua relação com a satisfação dos pacientes em serviço de Puerperio de Baixo Risco (PBR). Trata-se de estudo quantitativo, transversal e descritivo, pois estabelece fatores de risco e avalia os diversos atributos do processo, destacando a idade, o número de filhos, o controle pré-natal e ocupação. Como resultado desta pesquisa, observou-se que a satisfação da mulher depois do parto não mostrou congruência entre a atenção esperada e a recebida; no caso da qualidade da atenção oferecida pela enfermagem, esta a percebe como deficiente, embora no concepção das usuárias do serviço ela seja aceitável. Concluindo as usuárias consideram bom o serviço, porém há ainda grandes possibilidades para melhorar a qualidade da atenção nesse local.

Palavras-chave: qualidade da atenção, comunicação, fatores de risco


ABSTRACT

Evaluate the quality of nursing care, We must question how the care is given and how the patient perceivesit (in this case, the satisfaction a woman expresses after childbirth regarding the care she receivet). highlighting like the communication process is developed among the infirmary personnel and the patients that receive the service, as well athat is given between the bosses of the service and the infirmary personnel affects the labor satisfaction. Objective to evaluate the quality of attention that provides the infirmary personnel and its relationship with the degree satisfaction of the patients in the service of Puerperio of Low Risk. The methodology for this study was quantitative, traverse and descriptive. The factors of risk, highlighting age, children's number, prenatal control and the carried out work. Result, the woman's satisfaction after the childbirth is not the consistency between the prospective attention and the received; the case of the of quality that offers infirmary, perceives it as faulty and the user of the service conceives it as acceptable. Conclusion the user still considers good the service, however great opportunity area exists, to improve the quality of the attention grant to the service.

Key words: quality of care, communication, risk factors


 

 

I Introdução

Das principais causas de mortalidade no México (INEGI Estatística Demográfica, 1999) situam-se em décimo nono lugar as complicações da gravidez, parto e puerpério (1,391 mortes), os grupos mais afetados foram as mulheres de 15 a 24 e 25 a 34 anos de idade, ocupando o terceiro lugar para complicações dessa natureza.

A morbilidade devida a causas obstétricas diretas gerais segundo o Instituto Mexicano de Seguro Social (IMSS, 1999) em nível nacional foi de 369.994, com uma média de permanência de 9 dias, parto normal e 92.368, com média de permanência de 1,5 dias.

Os altos índices de morbilidade materno mostram a necessidade de melhorar a atenção obstétrica proporcionada pela equipe multidisciplinar de saúde a fim de prestar uma atenção livre de risco durante esse processo.

Ao longo da vida as mulheres estão sujeitadas a uma série de riscos que não só são característicos da sua condição biológica, mas também das condições econômicas e das tarefas laborais que têm de levar a cabo. Outro fator de risco apresentado por essa entidade é o número de mães solteiras adolescentes (821 casos) das quais 64 entre los 12 e 14 anos e 761 com 15 a 19 anos (INEGI 1999, Caderno Estatístico Municipal, Querétaro). Estes dados dão soporte para considerar diretamente que as altas taxas de morbilidade e mortalidade materna estão normalmente relacionadas com as taxas de fecundidade e os padrões reprodutivos predominantes. As mulheres muito jovens, as de idade mais avançada, as de paridade alta e aquelas que tiveram gravidezes com intervalos muito pequenos entre um nascimento e outro, todas são propensas a experimentar riscos e danos em sua saúde.

A qualidade pode ser avaliada pelos provedores da atenção (a enfermeira), e pelo usuário dos serviços (as pacientes que estão no puerpério imediato); relacionando-se estes dois enfoques depreende-se a análise da satisfação dos usuários, vista como um indicador a partir de qual se pode obter a opinião a respeito dos aspectos estruturais (conforto, instalações físicas, organização), o processo (procedimentos, comunicação e ações levadas a cabo através da enfermagem) e o resultado (mudanças no estado de saúde e a percepção geral da atenção recebida).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1985), a qualidade da assistência da paciente está vinculada ao conjunto de serviços, diagnósticos mais apropriados para adquirir um bom nível de atenção alcançando melhores resultados e a máxima satisfação do paciente. Tendo em mente este conceito, se poderia deduzir que a satisfação do cliente e a qualidade do serviço, são o resultado da realização de suas expectativas.

Muitas mulheres reconhecem a gravidade das complicações da gravidez, mas, em grande boa parte do mundo, a falta de educação e informação sobre o processo, aliado à falta de pessoal médico e de qualificados enfermagem qualificadas, se traduze na impossibilidade de obter a atenção de qualidade que elas precisam.

Avaliar a satisfação dos pacientes que estão no puerperio imediato, no que se refere á atenção de enfermagem, repercutirá na qualidade dos serviços. Já que o conhecimento da opinião dos pacientes sobre os serviços recebidos é uma estratégia para melhorar a qualidade dos serviços, a imagem do profissional de enfermagem e a imagem institucional. Por outro lado, a análise das ações realizadas pode dar diretrizes para o treinamento requerido.

 

II Objetivo geral

Avaliar a qualidade de atenção que o pessoal de enfermagem proporciona é a relação disso com a satisfação das pacientes no serviço de Puerpério de Baixo Risco (PBR) de um hospital mantido pela Seguridade Social do Estado de Querétaro.

 

Objetivos específicos

Identificar o grau da satisfação dos pacientes depois do parto, no tocante á atenção recebida do pessoal de enfermagem.

Estabelecer os fatores de risco que podem ocurrir na população materna que dá entrada nesse local.

Identificar como o processo de comunicação se desenvolve entre o pessoal de enfermagem e os pacientes que recebem o serviço, identificar como o processo de comunicação entre os chefes do serviço e o pessoal de enfermagem e o safecta e sua satisfação no trabalho

 

III. Metodologia

O estudo é quantitativo, transversal e descritivo, desenvolvido com uma amostra de 200 pacientes atendidas no período de janeiro a junho e 18 enfermeiras e pessoal auxiliar, no ano de 1999. Houve a comparação entre a qualidade da atenção (variável dependente) e a satisfação da usuária (variável independente)

 

IV. Resultados e análise de dados

O modelo para o monitoramento, avaliação e melhora da qualidade dos serviços de saúde, baseado na teoria de sistemas e proposto por Donabedian (1989), para identificar o grau da satisfação do usuário, do profissional e o nível de prestígio da instituição de saúde, mede a congruência entre a atenção esperada e a atenção recebida.

Os fatores de risco que podem modificar a qualidade da atenção dos serviços, se estabeleceram de acordo com as normas prescritas no serviço de PBR (PBR é definido como o procedimento que consiste na saída da a paciente puérpera e filho em uma média de seis horas depois do parto. Normas do serviço: 1) controle pré-natal ao menos 10 consultas; 3) não ter idade que menor do que 19 anos - não maior que 35; 4) não apresentar qualquer enfermidade que possa alterar a gravidez; 5) não ter mais de 5 crianças; 6) não ter apresentado alterações em parto prévio). Cabe ressaltar que foi encontrada uma porcentagem semelhante de adolescentes e mulheres 35 anos ou mais (10% respectivamente). Os casos encontrados dentro da amostra foram: 5 jovens de 16 anos, 10 de 18 anos e 20 usuárias com 35 anos ou mais. Considerando-se que estes grupos de idade são mais vulneráveis no desenvolvimento de gravidez e resolução do parto, tecnicamente estaria havendo um desvio no processo de atenção.

Um fator de risco por parte da mulher e que pode modificar a gravidez e/ou parto é o tipo de trabalho que executa, sendo importante destacar que praticamente, a metade das mulheres entrevistadas trabalhavam (43%), predominando atividades como o ser empregada ou obreira.

Outro fator de risco a considerar, é o número de partos; dentre as mulheres entrevistadas, 13% tiveram entre 5 e 10 crianças, também foi encontrado um número elevado de visitas de controle pré-natal (mais de 10), embora em alguns casos as pacientes não se estivessem dentro da norma (ter no mínimo 10 visitas) este era um indicador importante para decidir sua entrada ou não no programa de PBR. Com relação aos resultados encontrados na avaliação do processo de atenção especificamente na linha organização do serviço, as chefias médicas consideraram que esse ponto foi atingido em 90%, enquanto a área operativa de enfermagem considerou que o mesmo foi atendido em apenas 25%.

Outra diferença importante refere-se ao pessoal de enfermagem que qualificou em 72% o item comunicação, ocorrida durante a interação paciente-enfermagem, porém, segundo os dados, 33% das usuárias só se lembravam do nome do pessoal que a ajudou. Supondo a comunicação, como mera transmissão de mensagens, poderíamos considerar os 72% como um resultado aceitável, porem entendendo-a como a capacidade, e a possibilidade de ser a expressão que manifesta o modo de ser individual, o escutar e ser escutado, como condição essencial no processo da comunicação, então a interação enfermagem paciente não está ocorrendo.

Um aspecto relevante a ser destacado no estudo são as respostas do pessoal de enfermagem relativas ao trabalho e á instituição onde trabalham: em parte consideram que o seu trabalho é importante e elas consideram possível sua promoção dentro da institução, como também o trabalho em equipe e sua capacitação (estimativas maiores de 90%), porém ao mesmo tempo consideram o reconhecimento e apoio institucional limitado (58% e 33% respectivamente) o salário não correspondente às suas atividades (8%) assim como a relação enfermeira encarregada – pessoal de enfermagem e enfermeira encarregada – chefe médico, ambas foram percebidas como praticamente nulas.

Esta situação dá como resultado que a avaliação dada à qualidade do serviço concedido se sustente nas potencialidades pessoais e não nas características propias da Instituição. DONABEDIAN considera que um elemento importante na qualidade de atenção, é a satisfação laboral do prestador do serviço. Salinas (1994) considera que a satisfação no trabalho tem relação com alguns aspectos do seu desempenho, a comunicação permite comparar as atividades realizadas pelos diversos grupos e as diversas representações que cada trabalhador tem sobre as tarefas que executa. Com isso é possível determinar-se as técnicas de intervenção mais adequadas e efetivas. Por isso a comunicação é, um aspecto que a unidade hospitalar deve considerar.

É importante comentar que um estudo realizado por Ramírez (1998), mostrou que os usuários dos serviços perceberam a qualidade da atenção como boa (82%), o mesmo autor , avalia o processo que se refere às respostas sobre o tratamento que o pessoal de enfermagem recebe da instituição em 48%, da mesma forma que as condições da acessibilidade ao serviço (também em 48%). Resultados estes bastante similares com as encontrados no presente estudo, cujos dados indicaram um 86% nas respostas dos usuários avaliando a qualidade recebida como boa, ao passo que, a enfermagem qualificou em 54% a atenção outorgada pelo serviço.

Outros estudos como os de Hansen (1994) nos Estados Unidos, Saint Simón (1995} e Aguiñaga (1997) León et al. (2000) em Salamanca, Gto. mostraram resultados bastante semelhantes aos deste estudo.

Nessas investigações a qualidade do serviço obtida nos termos do instrumento de Saint-Simón (1995) seria avaliada pelos usuários como ótima, enquanto que a avaliação objetiva feita pelo pessoal de enfermagem, classificou o processo como deficiente, isto é, uma cobertura o uma na atenção de menos de 60%.

Esta diferença foi significativa neste estudo, razão pela qual podem ser feitas algumas considerações especialmente na integração do questionário elaborado para avaliar a satisfação do usuário, já que algumas as das questões só poderiam ser respondidas por pessoal qualificado ciente dos requisitos mínimos necessários para ajudar no trabalho de parto, no parto e puerperio. Também é importante destacar que existem diferenças nas expectativas da cliente e de enfermagem, desde que não existe uma atmosfera favorável para o desenvolvimento de um processo de comunicação que permita esclarecer essas diferenças, identificando as razões que levam as pacientes a se considerarem bem assistidas. O pessoal de enfermagem poderia conduzir a paciente à compreensão que ela tem direito a conduzir receber uma atenção de melhor qualidade e com isso talvez, diminuir o descontentamento com o seu trabalho.

 

V. Conclusão

O usuário considera bom o serviço, porém existe um grande potencial para, melhorar a qualidade da atenção concedida pelos serviços de saúde, especialmente os mantidos pela Seguridade Social, o estudo do processo e dos canais de comunicação que se estabelecem entre os trabalhadores de saúde da instituçao e a enfermagem e suas pacientes seria uma possível fonte para futuras investigações.

Conforme as diretrizes estabelecidas pela OMS (1985) a qualidade da assistência sanitária consiste em assegurar que cada paciente receba a cobertura de serviços apropriadas para atender suas necessidades pelo qual e perante as condições econômicas e sociais, a proposta fundamental é estabelecer ações com planejamento estratégico que melhorem o processo da atenção. O usuário não necessita ter o domínio sobre as condiçoes e processos técnicos necessários para receber um serviço de saúde, mas sim é responsabilidade dos profissionais de saúde garanti-los e estabelecer um processo de comunicação não somente informativo, mais favorável à interação que proporcione o compartilhar de expectativas, valores e sentimentos entre eles e os clientes.

 

Referências bibliográficas

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^rND^sDONABEDIAN^nAVEDIS^rND^sSALINAS OVIEDO^nCAROLINA^rND^sDONABEDIAN^nAVEDIS^rND^sSALINAS OVIEDO^nCAROLINA^rND^1A01^nMaria Helena Yasuko Takeno^sCologna^rND^1A01^nAbdala^sRosa^rND^1A01^nWilson Moraes^sGoes^rND^1A01^nRosemary Breda^sPozze^rND^1A01^nClélia de Jesus da^sSilva^rND^1A01^nMaria Helena Yasuko Takeno^sCologna^rND^1A01^nAbdala^sRosa^rND^1A01^nWilson Moraes^sGoes^rND^1A01^nRosemary Breda^sPozze^rND^1A01^nClélia de Jesus da^sSilva^rND^1A01^nMaria Helena Yasuko Takeno^sCologna^rND^1A01^nAbdala^sRosa^rND^1A01^nWilson Moraes^sGoes^rND^1A01^nRosemary Breda^sPozze^rND^1A01^nCl‚lia de Jesus da^sSilva

As interfaces da programação cirúrgica: da tradição à informatização

 

The interfaces of surgical programming: from tradition to informatization

 

 

Maria Helena Yasuko Takeno ColognaI; Natália Abdala RosaII; Wilson Moraes GoesII; Rosemary Breda PozzeI; Clélia de Jesus da SilvaIII

IEnfermeiros do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Av. Bandeirantes, 3900. CEP 14040-030 Ribeirão Preto-SP mhtakeno@directnet.com.br (16) 624 3103
IIAnalistas de Sistemas do HCFMRP-USP naty@hcrp.fmrp.usp.br wmgoes@hcrp.fmrp.usp.br
IIIOficial Administrativo do HCFMRP-USP

 

 


RESUMO

A informação representa um dos recursos necessários para concretizar o processo de comunicação sendo amplamente discutida como um elemento capaz de conduzir as pessoas e as organizações ao alcance dos seus objetivos e metas. O presente estudo foi elaborado com o objetivo de relatar o processo de implantação de um sistema de informação hospitalar com vistas ao agendamento eletrônico de cirurgias e gerenciamento das mesmas no Bloco Cirúrgico. A tecnologia empregada mostrou-se eficiente uma vez que o fluxo das informações acerca deste agendamento segue uma trajetória rápida e fidedigna.

Palavra-chave: informatização, bloco cirúrgico, comunicação


ABSTRACT

Information is an essential resource for realizing the communication process and is widely discussed as an element capable of leading persons and organizations towards the achievement of their goals. This study aimed to report on the implementation process of a computer system for the electronic scheduling of surgeries and their management directly from the surgery ward. The employed technology demonstrated its effectiveness since the information flow related to this sheduling was fast and reliable.

Key words: informatization, surgery ward, communication


 

 

1. Introdução

A informação é considerada como um fator essencial para a sobrevivência do homem que desde os tempos mais remotos tem criado e aprimorado os signos e os significados bem como os seus sistemas para que as informações sejam transmitidas e compreendidas com o máximo de eficiência e eficácia. Para tanto, mister se faz necessário que utilizemos de meios e processos comunicativos capaz de suprir as necessidades com base na quantidade e qualidade.

Atualmente, temos observado na área de saúde um crescente avanço tecnológico com vistas a qualidade da assistência e racionalização de custos. Évora (1993) expõe sobre a utilização da tecnologia computacional: "...essa tecnologia encaixa-se perfeitamente dentro da ótica de aprimoramento da qualidade dos cuidados de saúde, uma vez que pode facilitar o planejamento, a tomada de decisão, a comunicação, o controle gerencial e as mudanças na estrutura organizacional".

O Hospital é uma organização complexa, com múltiplas finalidades, sendo a principal delas o atendimento ao cliente. O sistema de informação, automatizado ou não, é vital para a organização e tem no processo de comunicação o seu principal componente (GERBELLI; FAVERO, 1993). O uso do computador reduz o tempo gasto na veiculação de informações bem como material e pessoal envolvidos na tramitação destes impressos, além de aumentar a eficácia e fidelidade no desempenho de tarefas que requerem redação manual, tornando os dados mais legíveis e sistematizados contribuindo para a melhoria da organização, gerenciamento das ações e cumprimento de normas da Instituição sem distinção ou privilégios entre as pessoas que participam das atividades do complexo hospitalar.

O Sistema de Gerenciamento de Cirurgias foi desenvolvido em um Hospital Escola de Grande Porte do Interior Paulista e foi planejado para o desenvolvimento em vários módulos integrando os centros cirúrgicos ao serviços afins. Este sistema permite o controle e agendamento de cirurgias pelos médicos e gerenciamento das mesmas pelos responsáveis de cada unidade interligada.

A construção deste sistema em módulos, cada qual com suas informações específicas, permite que o Bloco Cirúrgico em sua complexidade, mostre rapidez nas ações e informações e, confiabilidade nos cálculos e, a oportunidade de atualizar o ensino, a formalização e a avaliação da prática.

A implementação de programas de controle informatizado no centro cirúrgico possibilita avaliação sistematizada das atividades e conseqüentemente o aproveitamento das potencialidades de recursos humanos e materiais existentes (COLOGNA et al.,1996). Sistemas computadorizados apresentam ilimitadas oportunidades para as equipes que desempenham atividades no período perioperatório para desenvolver novos procedimentos a baixo custo (BIRD, 1997).

Espera-se o envolvimento do enfermeiro, nos projetos de implantação de sistema de dados informatizados para utilização desta tecnologia como instrumento de trabalho, na otimização da prática de enfermagem (SCOCHI et al.,1991), portanto há importância no preparo formal para a utilização da informática, com o propósito de capacitar os profissionais na compreensão, manuseio e emprego desta tecnologia de informação (GALVÃO; SAWADA, 1996) para que os enfermeiros não sejam apenas consumidores desta tecnologia mas participantes no processo de criação e principalmente avaliação crítica dos modelos utilizados em seu campo de atuação, objetivando sempre o desempenho de elevado nível de assistência.

 

1.1 Objetivo

Relatar o processo de implantação de um sistema de informação hospitalar contemplando o agendamento eletrônico de cirurgias e gerenciamento das mesmas no bloco cirúrgico.

Descrever as principais vantagens do agendamento eletrônico de cirurgias.

Esboçar os principais recursos do programa de informática desenvolvido no estudo.

 

2. Método e Tecnologia Empregada

Este estudo, de natureza descritiva foi realizado em um hospital geral escola do interior de São Paulo, onde foram desenvolvidos dois Sistemas para auxiliar no Gerenciamento do Bloco Cirúrgico – Sistema da Farmácia do Bloco Cirúrgico e o Sistema de Gerenciamento de Cirurgias, sendo que o acesso ao programa ocorre através da rede de informática, constituída por 1000 computadores, 400 impressoras, 35 switches e 6 hubs conectados através de cabos de fibra ótica e UTP nível 5, trafegando informações a velocidade de 100 Mbits/s.

O armazenamento das informações geradas por esse e outros sistemas é baseada na tecnologia back-end Oracle 8i e a inserção e manipulação dos dados ocorre com o front-end Delphi 5.0.

O software tem a segurança baseada em um sistema corporativo denominado Controle de Acesso que é responsável por cadastrar todos os sistemas, módulos, regras de acesso às tabelas e usuários, bem como definir quais os sistemas que podem ser utilizados por cada um destes usuários, além de distribuir o grau de privilégio que estes usuários terão sobre os sistemas e tabelas do banco de dados.

Considerando os aspectos éticos em pesquisa, cabe ressaltar que os dados pessoais utilizados como exemplo nas figuras (1, 2, 3 e 4) são fictícios.

 

3. Descrição do Processo de Agendamento Eletrônico de Cirurgias

Para atender o objetivo proposto elaborou-se um recurso informatizado com vistas a auxiliar o gerenciamento do Bloco Cirúrgico estruturado em dois sistemas – Sistema da Farmácia do Bloco Cirúrgico que baseado no agendamento eletrônico, permite dispensar os materiais de consumo solicitados para cada cirurgia e o Sistema de Gerenciamento de Cirurgias, modularmente integrado, utilizando como fonte de informações o pedido de cirurgia, que automaticamente lança os dados pertinentes ao paciente a partir o número de seu registro hospitalar. Dados relacionados a especialidade, procedimento, necessidade ou não de anestesia, patologia e banco de sangue são optativos (fig. 1).

 

 

Este Sistema permite aos médicos agendar, suspender ou alterar cirurgias ou dados, e aos Centros Cirúrgicos e Unidades interligadas um gerenciamento das mesmas consoante aos objetivos de cada Unidade - Central de Materiais, Farmácia do Bloco Cirúrgico, Banco de Sangue, Serviço de Patologia, Serviço de Anestesiologia, Enfermarias e Controle de Leitos.

O agendamento de cirurgias obedece alguns critérios configurados no próprio sistema, de acordo com o Regulamento do Centro Cirúrgico, tais como horário máximo permitido para se agendar as cirurgias de acordo com o Mosaico Cirúrgico (disponibilidade de sala cirúrgica para as diversas especialidades, levando-se em conta os turnos e os dias da semana) e, horário máximo permitido para se efetuar trocas, suspensões ou alterações nos procedimentos. Essas configurações são o ponto de partida do sistema, uma vez que o agendamento de cirurgias só é permitido dentro dessas faixas. Por exemplo, um vez configurado que o horário máximo de agendamento de cirurgias eletivas é até as 13:00h do último dia útil anterior à realização da mesma, o sistema bloqueia qualquer tentativa de agendá-las após este horário, exceto em casos de cirurgias de urgências. O sistema bloqueia também a tentativa de marcar cirurgias de uma especialidade em dia não disponível no mosaico cirúrgico.

Os procedimentos agendados, cirúrgicos ou não (exames sob anestesia) da mesma especialidade ou não, para o mesmo paciente ou não, são selecionados através de lista de nomes de procedimentos elaboradas pelos docentes de cada especialidade, os quais foram associados à Tabela SUS. Estes recursos disponibilizados neste Sistema permitem, dentre outros, aplicabilidade na pesquisa científica e a realização do faturamento junto ao SUS.

A qualquer momento o centro cirúrgico ou os serviços afins podem consultar o sistema on line, o mapa de cirurgias está disponível para consulta, em alguns locais como controle do centro cirúrgico, banco de sangue e controle de leitos o nome do paciente aparece por extenso, identificando-o com rapidez. Nas unidades abertas aparece as iniciais do nome do paciente, preservando a identidade do mesmo (fig.2).

 

 

A tela para consulta aparece com as informações relevantes à cada unidade. Por outro lado, cabe mencionar que as enfermarias também possuem tela de consulta onde visualizam os pacientes a serem operados além de visualizar com destaque a necessidade ou não da coleta de amostra de sangue para tipagem e prova cruzada. Também o Serviço de Patologia consulta a tela para cientizar-se dos procedimentos cirúrgicos que necessitarão de biópsia para congelação.

Após as 13:00 horas do dia anterior à realização do procedimento o sistema permite visualizar todos os procedimentos agendados por especialidade, por data ou visão geral das salas (fig. 3). E, até às 17:00 horas, deste mesmo dia, (configurado no sistema) é permitido ao médico alterar o nome do paciente ou do procedimento e/ou substituir pacientes ou cirurgias (fig. 4).

 

 

 

 

Em ambas as telas (fig.3 e fig 4) é permitido a visualização dos dados agendados, trocar a ordem de entrada no centro cirúrgico, ou de sala ou mesmo suspendê-las de acordo com a senha pré estabelecida aos usuários do sistema.

Para a concretização da rapidez nas informações frente às alterações de dados ou troca de cirurgias, ou ainda cirurgias de urgências agendadas, criou-se o Sistema de Mensagens de Alerta onde os computadores cadastrados em determinados locais (centro cirúrgico, central de materiais, central de consignação, farmácia do bloco cirúrgico, serviço de anestesiologia, patologia e banco de sangue) emitem mensagem de forma áudio visual constante até que o usuário dê um click no OK, ficando armazenado a hora em que foi lida a mensagem. Os usuários destas áreas se organizam então para o atendimento àquela informação (fig. 5).

 

 

Após a realização do procedimento o médico poderá emitir eletronicamente a ficha pós operatória (em fase de implantação) onde ao preencher o local de cirurgia realizada fornecerá relatórios de cirurgias realizadas por porte, especialidade, procedimento e somatória, relatórios estes fornecidos ainda através das cirurgias agendadas.

Outros módulos do sistema permitem informar a hora de entrada e saída do paciente na sala de cirurgia e do centro de recuperação, e para onde foi encaminhado. Desta forma os serviços afins podem visualizar na tela, onde o paciente se encontra, além de gerar relatórios de média de tempo de cirurgia e média de tempo de permanência/ocupação no centro de recuperação. Há também telas de consultas por especialidade que geram relatórios de cirurgias agendadas, suspensas, substituídas, bastando determinar o período. Qualquer ação realizada frente ao agendamento fica armazenada no histórico da cirurgia, ou seja, momento em que foi agendada, data e hora em que foi alterada, ou suspensa ou substituída e por quem, podendo ser visualizado por todos os usuários que detém a senha de acesso ao agendamento de cirurgias.

Em síntese, salientamos que a implantação do Sistema de Agendamento Eletrônico de Cirurgias permite de maneira fidedigna o fornecimento de diversos tipos de estatísticas e relatórios.

 

4. Breves considerações

Frente ao exposto, observamos que anteriormente à informatização, o centro cirúrgico recebia pedidos de cirurgias manuscritos e em sua maioria com letras ilegíveis, com ausência de dados, sem assinatura, com atraso, o que culminava com o atraso na confecção do mapa de cirurgias e conseqüentemente todas as demais tarefas também atrasavam; como xerocópias do mapa eram distribuídas em vários locais do Hospital como nutrição, patologia, banco de sangue, controle de leitos, enfermarias, ambulatórios, departamentos, central de materiais, serviço de anestesiologia e outros, estes serviços acabavam também por atrasar as ações direcionadas ao paciente cirúrgico.

Após a informatização, tornar-se evidente a impossibilidade de erro (quanto ao nome e localização do paciente), postergou-se o horário limite do agendamento, houve a diminuição de recursos humanos envolvidos no processo, supressão da distribuição dos mapas de cirurgias, padronização do nome dos procedimentos, informação imediata frente ao agendamento de cirurgia de urgência ou alteração no mapa cirúrgico, possibilidades de obtenção de vários tipos de relatórios, maior integração entre os centros cirúrgicos e as áreas afins e finalmente, diminuiu os conflitos com os enfermeiros dos centros cirúrgicos.

O Sistema de Agendamento de Cirurgias, mostrou-se rápido e eficaz na medida em que eliminou favoritismos, facilitou a comunicação, otimizando o processo de informação para o alcance da qualidade da assistência.

 

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O processo comunicacional vivenciado pelos idosos em instituição asilar*

 

The communication process experienced by the elderly in a home for old people

 

 

Maria de Lourdes CentaI; Maria Marta Nolasco ChavesII; Elaine Cristhine MoreiraIII

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta IV do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Coordenadora do GEFASED
IIMestre em Assistência de Enfermagem - Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (UFPR)/ Membro do Grupo GEFASED
IIIBolsista IC/CNPq. Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro do GEFASED

 

 


RESUMO

Este estudo procurou a relação comunicativa existente entre os idosos internados numa Instituição de asilamento, filantrópica, da cidade de Curitiba, e seus familiares, com a finalidade de planejar e executar ações de enfermagem que valorizem o idoso e proporcionem sua reinserção no meio familiar e social. É um estudo exploratório descritivo, realizado com 9 idosos, com idade entre 60 a 86, anos internados de 7 dias a mais de 6 anos nesta instituição. Neste trabalho, foi seguido o que preconiza a Resolução 196/MS. Os dados foram colhidos através de entrevista semi estruturada onde procuramos obter informações que retratassem o processo comunicacional vivido pelo idoso institucionalizado e sua família. Após análise dos dados, eles foram agrupados em categorias, as quais mostram o processo de interação, comunicação e vivência intra-familiar e institucional. Foram obtidas as seguintes categorias: moradia anterior; relacionamento com familiares; tomando decisão; motivo da internação; e sentimento relacionado ao asilamento. Através dos resultados obtidos pudemos compreender a importância da comunicação entre idoso e família no processo de enfrentamento da senilidade e senescência.

Palavras-chave: comunicação, idoso, família.


ABSTRACT

This study looked at the communicative relation that exists between aged persons interned in a Philanthropic Home for Old People in Curitiba, and their families, in order to plan and execute nursing actions that value the aged person and provide his reintegraton in the family and social means. This descriptive, exploratory study was held with 9 aged persons, whose age ranged from 60 to 86 years old, while the number of years they had been interned in this institution varied from 7 days to 6 years. In this work, the recommendations of Resolution 196/MS were followed. Data were collected by means of semistructured interviews, seeking to obtain information that would picture the communication process experienced by the interned aged persons and their family. After analyzing the data, we grouped them into categories that show the process of interaction, communication and intra-familiar and institutional experience. The following categories were obtained: previous housing; relationship with family; taking a decision; reason for internment; and feeling about being placed in a home for old people. The obtained results allowed us to understand the importance of communication between the aged persons and his family in the process of facing senility and senescence.

Key words: communication, aged person, family


 

 

INTRODUÇÃO

Com o desenvolvimento tecnológico e as descobertas científicas a humanidade está obtendo a tão almejada longevidade do ser humano. O Brasil, apesar de ser um país em desenvolvimento, passando por momento de crise sócio-econômica, também experiencia o aumento da expectativa de vida, como uma conquista. Observa-se, entretanto, que ao conseguirmos aumentar o tempo de vida de nossa população não estamos preparados para cuidar dos nossos idosos, proporcionando-lhes uma vivência digna e de qualidade no seio familiar e social. Isto se deve as políticas sociais e de saúde, a realidade vivida pelas famílias e as características desta etapa de vida. Sabe-se que cada sociedade vivência de forma diferenciada o declínio biológico do homem, isto deve-se a noção que a sociedade, família, e o próprio idoso possui sobre velhice, a qual é transmitida pela herança cultural e deformada pela mídia que transmite significados e valores da cultura contextual (Barbosa; Duarte, 2001).

Para Brêtas e Silva (1997) o modelo capitalista de produção incorporado pelo sistema industrial e pela sociedade está diretamente ligado ao isolamento social dos gerontes, pois ele valoriza a produtividade ou, seja, o ser humano é valorizado na medida que suas ações sejam produtivas ou lucrativas. O idoso é estigmatizado, pela sociedade, como ser improdutivo e incapaz, deixando-o sem perspectivas e visualizando-o como "encargo e prejuízo social". Verifica-se que a discriminação resultante deste processo cria o desinteresse na otimização da assistência geriátrica e gerontológica, caracterizando a prestação de cuidado ao idoso, como um ato caritativo, sem conscientização dos direitos destes indivíduos, e proporcionalizado-lhes a perda de sua cidadania.

A senilidade ocorre no aspecto individual, é progressiva, dinâmica e não-patológica. É notável salientar que não possui o mesmo significado de senescência, ou seja, fase de enfermidades. A visão de similaridade entre o envelhecer e o adoecer, pela sociedade, reflete o desinteresse que há na aplicação de investimentos para a assistência à Terceira Idade, inexistindo promoção e prevenção de sua saúde e qualidade de vida, de forma satisfatória.

Na maioria dos casos é a família que assume o cuidado do idoso debilitado, mesmo sem recursos econômicos, ou de conhecimentos específicos, necessários à esta ação, pois as políticas de saúde não oferecem recursos e suporte a assistência/cuidado da população idosa e, menos ainda, à família cuidadora (Karsch apud Creutzberge e Santos, 2000).

Em nosso contexto social, onde a maioria da população luta pela sobrevivência e a mulher está inserida no mercado de trabalho, há desvalorização do idoso e falta cuidadores para assistir, cuidar, eles tornam-se um peso para as famílias e para a sociedade. Isto resulta, muitas vezes, na impossibilidade de manter o idoso no seio familiar, levando à procura de instituição destinadas ao seu cuidado, onde eles completarão seu ciclo vital sem o aconchego familiar desejado.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

A Terceira Idade é caracterizada por modificações que limitam ou impedem o indivíduo de desempenhar papéis e obrigações sociais e familiares, acarretando a perda de autonomia e dependência o que prejudica a sociabilidade, a identidade social e o bem-estar do idoso.

De acordo com Taylor apud Chamma (1998), entre as mudanças que ocorrem na senilidade estão a dificuldade de percepção, a capacidade psicomotora diminuída e a falta de memória. Burnside apud Chamma (1998) acrescenta a debilidade auditiva e do sistema nervoso central, tais como distúrbios do sono e mudança no comportamento afetivo. Kyes e Hofling (1985) relatam alterações da visão, e uma diminuição do fluxo sangüíneo cerebral e alteração da personalidade. Estes autores também referem que devemos considerar as condições sociais e culturais do idoso como fatores da sua saúde mental, a qual é resultante da evolução rápida da dependência social.

Taylor apud Chamma (1998) refere o processo de transição sofrido pela família extensa, do passado, para as famílias nucleares contemporâneas, a qual além de contribuir para inúmeras transformações em suas funções econômicas e sociais, afetam diretamente o status e os papéis dos velhos.

Segundo Bialy et al. (1999) o desajuste psicossocial, conseqüente da perda da comunicação, ocorre devido à situações específicas vivenciadas pelo idoso como: aposentadoria, viuvez, perda de amigos, alterações na composição e na dinâmica familiar, mudança de residência, migração e dificuldades funcionais, fatores estes que caracterizam esta etapa da vida. (Bialy et al., 1999).

Para Weil (1992) o meio social habitado pelo idoso, pode influenciar o desempenho de suas relações, portanto, as desigualdades ambientais, sociais e culturais estabelecidas entre o geronte e o seu grupo social afeta intensamente a continuidade de sua vivência ativa na sociedade.

Segundo Carvalho apud Centa (2001) "toda família tem uma história e cria história, dentro da qual estabelece um nível de relacionamento com o ambiente, modificando-o e sendo modificado por ele; a liberdade dos seres humanos em relação ao grupo familiar, e deste perante o ambiente, significa que a partir de uma dada situação e enfrentando um determinado acontecimento, a família tem várias possibilidades de encontrar soluções e vários caminhos para seguir e atingir seus objetivos".

A comunicação, essência da estrutura familiar, capacita os indivíduos para resolução de seus problemas, pois propicia a satisfação das necessidades de inclusão, controle e afeição. Gamble apud Stefanelli (1993) refere a importância da família no processo comunicacional estabelecido entre seus membros e o idoso. Ela possibilita-lhe enfrentar, de forma construtiva, as ocorrências próprias desta etapa de vida, por estar em um ambiente onde ele é aceito, valorizado e amado, sendo que , processo, as relações familiares projetam-se como uma ação de saúde. Desta maneira os serviços de assistência ao idoso não serão sobrecarregados, pois a família constitui-se em seu maior suporte.

De acordo com Arnold; Boggs apud Stefanelli, 1993, a comunicação: propicia auto-conhecimento, conhecer o próximo, estabelecer relacionamento significativo, examinar e estimular mudança de atitude e de comportamento, fatores estes indispensáveis ao auto-cuidado, no cuidado do idoso, executados no seio familiar. Bordenave apud Dyniewicz e Paganini (2000) destaca que o compartilhar de experiências, idéias e sentimentos vividos através da comunicação serve não só para que as pessoas se relacionem entre si, mas para que se transformem mutuamente e transformem a realidade que as rodeia. Isto reforça importância da comunicação no processo de viver do idoso e de sua família, onde a velhice é caracterizada pelo desconhecimento dos diferentes modos de obter bem-estar e subsídios para enfrentamento deste processo, o qual, exige transformação, mas que pode ser experienciado de forma digna, harmônica e prazerosa, tanto quer pelo idoso como por sua família.

 

OBJETIVO

Este estudo procurou identificar a comunicação existente entre os idosos internados em Instituição de Asilamento e seus familiares.

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo exploratório descritivo, por possibilitar o conhecimento do processo comunicacional, vivido pelos idosos e suas famílias. Conforme Triviños apud Tavares (1998) este método permite o conhecimento da realidade vivida, enfocando-a e permitindo descrever, com exatidão o processo comunicacional vivenciado pelo idoso e suas famílias.

O local escolhido para a coleta de dados foi uma Instituição para idosos, da cidade de Curitiba, a população deste trabalho é composta por 9 idosas internadas.

Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada, obedecendo-se o que preconiza a Resolução 196/96, Brasil, sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa com Seres Humanos, no que se refere ao esclarecimento dos objetivos do estudo, sigilo, anonimato, desejo de participar. Foi obtido a autorização da Instituição antes do início da coleta de dados.

 

CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

A Instituição é de natureza filantrópica, recebe auxílio financeiro através de doações da comunidade e ajuda de voluntários para executar atividades como aulas de artesanato, manutenção de eletricidade e pintura das instalações, preparação de alimentos, e lavagem de roupa.

A missão da Instituição é proporcionar ao idoso uma vida digna, onde ele tenha saúde, alimentação, vestuário e que se sinta acolhido e protegido".

A faixa etária de seus internos varia de 50 à 75 anos, ela recebe somente pessoas do sexo feminino. Os motivos mais freqüente das internações são problemas de saúde, abandono familiar, dificuldade de convivência na família, decisão própria e situação financeira precária.

Os problemas de saúde mais comuns dos idosos são: deficiência Mental, demência senil, deficiência física e diabetes.

As internas tem liberdade para passar alguns dias na casa de seus familiares. As que não possuem dependência podem sair sozinhas para freqüentar o Posto de Saúde, visitar conhecidos e fazer compras no Supermercado. As mais dependentes só podem sair acompanhadas.

A Instituição conta com uma equipe de assistência ao idosos composta de Auxiliar de Enfermagem, Técnica de Enfermagem, Médico, Fisioterapeuta, Psicólogo, Assistência Social, e Atendentes.

 

ANÁLISE DOS DADOS

Após a obtenção dos dados, os mesmos foram analisados e agrupados em categorias as quais passaremos a descrever:

Na categoria MORADIA ANTERIOR constatamos que os idosos que compõem este estudo, viviam em casa de parentes, de patrões ou sozinhos antes da internação

"Que eu trabalhava pra eles, e eu morava no emprego com eles".
"Eu morava não na casa dos outros, mas no meu emprego, lá onde eu trabalhava, era minha casa, sempre foi né?"
"...eu ficava na casa dela, eu ficava trabalhando lá na casa dessa mulher..."
" Eu parava com uma parente, e vivi, morei com ela 4 anos,..."
"Tava com minha irmã, tava com minha irmã..."
"Eu estava na casa do filho mais novo, este que me trouxe aqui..."
"Com o J.L.A., esse filho que bebia pinga."
"Ué, morava sozinha! Pagava aluguel né?"

Estes relatos demonstram o nível de dependência financeira dos idosos, pois a maioria deles dependia da família, consangüínea ou não, para morar. Eles, também, nos mostram que enquanto a família tem condições de cuidar do idoso ela os mantém morando em sua casa.

Em RELACIONAMENTO COM FAMILIARES observa-se que este relacionamento vai desde bom até a violência familiar, demonstrando que os idosos apesar de conviverem com pessoas, por quem eles tem afeto, eles não se sentem queridos, amados, chegando a exteriorizar que não tem família ou que eram violentados por seus membros. Outros, referem o relacionamento como superficial, demonstrando indiferença ou pouco amor. Parece-nos que a partir do momento que o idoso foi internado houve um rompimento ou diminuição das relações, pois a família, muitas vezes, deixa de comunicar-se com o idoso.

"É bem boazinha ela, ela diz bem assim pra mim, Mercedes vamos voltar lá na casa?"
" Tudo bem né, quem quis vir mesmo pra cá fui eu..."
"Eu não conheci meus familiares, não tenho, vou falar francamente eu não tenho família..."
"...olha normal assim como nada tivesse assim entre nóis, de maldade assim, essas coisas, sabe?...mas ninguém me diz assim: Tia venha pra cá ficar conosco né?"
"Acho que ela ficou assim meio triste, aborrecida que eu saí...Desde que eu saí, ela não veio aqui, não telefonou para saber, nem nada, então ficamos assim".
"...o último dia quando eu saí de casa, ele tava tão ruim que torceu meu braço, puxou meu cabelo, bateu na cabeça, pisou no meu pé com toda força".
" Eu não sei de nada dos meus parentes, eu nem tô ligando porque meus parentes me judiavam muito..."

Em DECIDINDO MORAR NA INSTITUIÇÃO decidindo morar na instituição, observa-se desde a vontade expressa do idoso, até o encaminhamento realizado por profissionais. Os relatos nos mostram a prevalência da vontade do próprio idoso, entretanto parece-nos que eles tomam essa decisão por sentirem-se sozinhos, não terem onde morar, estarem incomodando. O asilamento torna-se necessário, embora o idoso, muitas vezes, não deseje. Observa-se, também, que a decisão de ir para esse tipo de instituição parte do idoso o que nos faz pensar nos motivos por quê eles tomam essa decisão. Algumas vezes ela parece ser comunicada à família, mais como na tentativa de negociação do que como uma vontade firme de afastar-se do convívio familiar.

"Porque eu queria ficar lá mesmo..."
"Eu que tomei essa decisão porque...eu estava incomodando, já não podia fazer mais nada"
" - Sabe filho eu gostava de ir pra lá! ...ele me trouxe para ver, eu sei que acabou dando certo sabe?"
"...decidi por eu não ter família, me senti uma pessoa sozinha, eu e Deus né?"
" a FAS me pegou na rua, porque eu não me enquadrava com a minha irmã..."
"Aí eu fiquei lá na casa da Maria, doze dia, escondida, aí ela pediu pra mulher um asilo pra mim, a Tônia me arrumou..."

Ao relatarem o motivo da internação, os idosos citam estarem atrapalhando a vida da família e o medo de serem discriminados e excluído socialmente. Isso mostra que os idosos tem consciência de suas potencialidades e limitações, que eles percebem, quando são queridos, amados e importantes para sua família e rede de relações. Eles sabem e sentem quando não são mais úteis e tomam decisões que muitas vezes são ambíguas ou contrárias aos seus sentimentos.

Vivenciamos, atualmente, a discriminação e a marginalização do idoso não só nas famílias mas também em todo o contexto social. Estes fatores entretanto, são camufladas pela sociedade onde a mídia reforça o poder e a beleza do jovem, na plena fase de produção e realização. Neste processo de viver a velhice, as famílias, muitas vezes, cuidam do idoso sem interagir, compreendê-lo, e comunicar-se; entretanto, ser idoso não é deixar de viver, mas viver de acordo com sua etapa vital, preservando sua dignidade e cidadania. A evolução tecnológica nos permitem aumentar a expectativa de vida da população, mas parece-nos que as famílias, a sociedade, e os próprios idosos, não estão preparados para viver este processo com qualidade e prazer. Muitos decidem utilizar o asilamento como refúgio, onde a convivência com seus pares e os cuidados recebidos, mesmo que sejam poucos, podem oferecer novas opções de viver. Procura-se atender as necessidades básicas do idoso, muitas vezes, deixamos de lado outras necessidades sentidas com mais intensidade, mesmo quando camufladas. Isso parece-nos ser causado por diversos fatores onde a comunicação tem sua grande importância.

"..Eu percebi que as pessoas que não podem ficar atrapalhando a vida dos outros,..."
" ...porque ela não tava mais me parece que se sentindo muito bem com a minha presença, então assim com palavras eu entendi".
" porque tá difícil de emprego, eu não...vou ficar magoada quando as pessoas me disser assim: Ah, mas você já tá na idade que não vai dar conta, que isso, que aquilo..."
" Mas pra vim pra cá eu falei pra FAZ que não valia mais pra nada, tô velhinha, tô aleijada, não tenho, ninguém me quer!"

Os idosos relatam emoção/sentimentos gerados pelo asilamento os quais vão desde a felicidade até o medo. Muitas ao relatarem seus sentimentos deixam transparecer a ambivalência gerada pela falta da própria casa, família, e amigos. Eles, também, relatam contraria seu desejo de viver em família em prol do bem estar desta, entretanto não exteriorizam esse sentimento, mas se comunicam com medo de causar danos as pessoas que lhe são queridas, anulando-se. Muitas vezes, enfrentam o tabu e o mito do asilamento por sentirem-se indesejados pela família, atrapalhando seu processo de vida, isso lhes causa medo, insatisfação, insegurança. Outro fato, é a desconsideração que se tem com o idoso interferindo em seu viver, sem consultá-lo, decidindo por ele. O desrespeito ao idoso, a sua experiência de vida, suas realizações, muitas vezes, são ignoradas pela família e sociedade fazendo com que ele se sinta cada vez mais rejeitado, fazendo com que aceite decisões que são contrárias a sua vontade.

"Me sentindo bom, eles me tratam muito bem..."
"Muito feliz, como se eu tivesse mesmo na minha casa, como se fosse minha (choro)".
"No começo estranhei muito é claro,...Depois eu pensava assim, mas eu preciso, se eu sair daqui aonde eu vou? Amolar? Atrapalhar a vida do meu filho? Não".
" Eu fiquei assim pensando será que eu vou me acostumar aqui? Eu queria mesmo era ficar no meu canto..."
"...você tá acostumado num lugar daí muda pra outro, daí fica com medo, será que vai acostumar, será que não vou né? Aí tem que fazer força pra acostumar né?...Assim, quando a gente precisa tem que ter força de vontade pra acostumar né?"
"Sempre trabalhando em casa de família assim de repente, eles decidiram que eu deveria vir pra cá, eu levei um choque. Assim, vamo dizer eu fiquei parado né? ...Estranhei muito sabe? ...comecei a chorar sabe?"

Os dados obtidos nos levaram a refletir sobre o nosso papel como enfermeiro assistindo/cuidando de idosos em seu processo de viver em família e em sociedade.

 

CONSIDERAÇÕES

Através dos resultados obtidos neste estudo pudemos compreender a importância da comunicação como processo essencial ao enfrentamento da senilidade e senescência, entretanto, ela é pouco usada pela família que vivência o processo de Ter um idoso em seu meio.

Observamos, também, que apesar das Políticas de Saúde, contemplarem o cuidado ao idoso, ainda temos muito a realizar sensibilizando as autoridades e a sociedade para propiciar-lhes qualidade de vida através de uma assistência mais humanizada, não levando em consideração apenas sua capacidade produtiva.

Há necessidade de profissionais de saúde que atuam junto as famílias e Instituição que assistem e cuidam dos idosos, estimulando a comunicação não só com enfoque na transmissão de experiência de vida, necessidades do cotidiano, mas também como processo terapêutico.

Devemos considerar o idoso como ser humano inacabado, que muito tem a oferecer às famílias e sociedade utilizando sua experiência de vida através de comunicação adequada.

 

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* Trabalho realizado no Grupo de Estudos Família, Saúde e Desenvolvimento (GEFASED). Projeto Família, Saúde e Desenvolvimento/CNPq.

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O relacionamento interpessoal e a comunicação nas salas de pré-parto e parto*

 

Interpersonal relation and communication in the childbirth and delivery rooms

 

 

Luiz Eduardo WonsttretI; Elaine Cristhine MoreiraI; Maria de Lourdes CentaII

IBolsistas IC/CNPq. Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membros do GEFASE
IIEnfermeira. Doutor em Filosofia da Enfermagem. Professor adjunto IV no Departamento de Enfermagem. Coordenadora do GEFASED

 

 


RESUMO

Este trabalho aborda alguns aspectos do processo comunicacional ocorrido na assistência prestada à parturiente durante sua permanência em pré-parto e sala de parto de um Hospital Maternidade, privado, da cidade de Curitiba. Teve como objetivo principal identificar o tipo de comunicação mantida entre equipe de saúde, parturiente e família com a finalidade de resgatar e valorizar a comunicação como fator minimizador da ansiedade, insegurança, dor e expectativas vividas pela parturiente e sua família neste período de tempo. A coleta de dados foi feita através da Observação Participante e entrevista semi-estruturada realizadas seu internamento. Para isto segui-se o estabelecido pela Resolução 196/96, Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos. Como referencial teórico foi utilizada a Teoria da Relações Interpessoais em Enfermagem de Peplau. Através da análise dos dados, foram obtidas as seguintes categorias comunicação entre equipe e parturiente; entre os profissionais envolvidos e entre equipe, parturiente e família. Constatamos que a comunicação no pré-parto e sala de parto se processa de forma inadequada, visando os procedimentos a serem realizados.

Palavras-chave: comunicação, assistência de enfermagem à puérpera, relacionamento interpessoal


ABSTRACT

This work approaches some aspects of the communication process that occurred in the care rendered to the woman in labor during her stay at the childbirth and delivery rooms of a private Hospital Maternity in the city of Curitiba. The main goal was to identify the kind of communication maintained between the health team, the woman in labor and the family, in order to recover and value communication as a factor that minimizes the anxiety, insecurity, pain and expectation experienced by the woman in labor and her family in this period. Data were collected through Participant Observation and semistructured interviews held among interned women, in accordance with the determinations of Resolution 196/96, Guidelines and Regulatory Norms for Research on Human Beings. Peplau’s Theory of Interpersonal Relations in Nursing was adopted as a theoretical reference base. The following categories were obtained as a result of data collection: communication between team and woman in labor; among the involved professionals and among team, woman in labor and family. We observed that the communication in the childbirth and delivery rooms is inadequate in view of the procedures that have to be realized.

Key words: communication, nursing care to the woman in postpartum, interpersonal relationship


 

 

Introdução

Os motivos que nos levaram a desenvolver este estudo, estão relacionados com a nossa prática, onde observamos a assistência prestada às parturientes e o processo comunicacional desenvolvido entre equipe de saúde, parturiente e entre seus familiares.

Conhecedores do ritmo de trabalho desenvolvido nestes locais, das condições biopsicológicas das parturientes e, acreditando numa assistência humanizada e de qualidade, nos preocupa o nível de interação/comunicação estabelecido nas salas de pré-parto e parto, sendo isto o que nos motivou a realizar este estudo.

 

Processo comunicacional

Para melhor compreendermos o processo comunicacional, necessitamos reconhecer os elementos nele envolvidos, o conteúdo que se refere, o que queremos dizer ou transmitir, independente da forma como será feito e, também, o tipo de relacionamento, que se deseja manter entre os interlocutores (Watzlawick, 1967).

Segundo Berlo (1999), as situações ocorridas no processo comunicacional diferem uma das outras, e para decifrá-las, somos obrigados a paralisar sua dinâmica, afim de podermos analisá-la como um todo, devido à sua complexidade e multidimensionalidade. Nesta análise, nos defrontamos com um paradoxo onde, para descrever o processo, temos necessidade do emprego da linguagem, e aí reiniciamos o seu movimento e sua interação simbólica, onde não devemos levar em conta somente a linguagem escrita e falada, mas também a linguagem não-verbal. Devemos considerar a comunicação como algo lógico, não contraditório ou incoerente, que está intimamente ligado ao comportamento humano, que sofre e exerce influências no processo de interação do ser humano com seu mundo.

Para obter êxito em um processo comunicacional, faz-se necessário que exista uma fidelidade da mensagem, tanto na emissão quanto na recepção. Para isto, temos que determinar os fatores que interferem na fidelidade da mensagem, tais como a efetividade e as barreiras e/ou ruídos, os quais podem distorcer o conteúdo da comunicação. Eles interferem na fidelidade da emissão e recepção de mensagens, causando os distúrbios comunicacionais, sejam causados por falhas de interpretação, ambigüidade, excesso de informação, falta de clareza ou alguma das habilidades comunicativas prejudicadas.

Por outro lado, a habilidade comunicativa, o nível de conhecimento, a interação com os meios sócio-culturais, são fatores que produzem uma comunicação efetiva.

Para este autor, as habilidades comunicativas são a escrita, a palavra, a leitura, a audição e o raciocínio. Há obviamente outras habilidades que são as não verbais, onde incluímos os gestos, as atitudes, as expressões, o toque, entre outros.

O nível de conhecimento se dá quando o emissor tem conhecimento sobre o assunto, e, obviamente, comunica-se com a máxima efetividade. Ninguém pode comunicar-se, explanar sobre um determinado assunto sem conhecimento prévio.

De acordo com Ruesch e Bateson (1968), existem quatro níveis de comunicação onde o conhecimento torna-se imprescindível para que a pessoa possa perceber e interagir com o mundo. Para este autor, os quatro níveis de comunicação são: Intrapessoal, com seu eu íntimo; Interpessoal, de uma pessoa para outra; Grupos; Cultural.

Outro aspecto importante do processo comunicacional é o estabelecimento de relações, ou seja, a interação desenvolvida entre duas ou mais pessoas, baseada em reciprocidade, tentando aprender o significado das coisa, influenciando e sendo influenciado pelo meio sócio-cultural.

Na comunicação há predominância de ações individuais, é uma necessidade humana básica, e a diversidade dos modos de comunicar-se determina a dinâmica do processo comunicacional.

Sendo a enfermagem uma profissão que cuida do ser humano tentando atender/suprir suas necessidades, ela deve considerar o processo comunicacional de vital importância para o bom relacionamento entre enfermeiros, equipe, pacientes e familiares.

Estamos de acordo com Stefanelli (1993), quando refere que:

"A comunicação já não pode ser considerada apenas como um dos instrumentos básicos da Enfermagem ou do desenvolvimento do relacionamento terapêutico. Ela tem de ser considerada como capacidade ou competência interpessoal a ser adquirida pelo enfermeiro, não importando sua área de atuação".

Na Enfermagem, a comunicação deve estar inserida em seu contexto em todos os momentos de suas ações, quer com indivíduos, família e/ou sociedade, pois é por meio dela que o profissional socializa-se e desenvolve sua capacidade de interagir e enfrentar novas de situações.

A Teoria das Relações Interpessoais (Peplau, 1988), enfoca a interação enfermeiro-paciente, tendo como base o Interacionismo Simbólico, a Fenomenologia e o Humanismo, como propulsor de relações interpessoais e da comunicação.

 

Referencial teórico

Peplau, 1988, enfoca os seguintes conceitos fundamentais para o estabelecimento de relações interpessoais como

1. PESSOA: É definida como "homem", que possui um organismo que luta, a seu modo, para reduzir a tensão gerada pelas necessidades sentidas. Considerando o ser humano um organismo vivo em estado de equilíbrio instável, que busca atingir um estado de equilíbrio perfeito, prevê-se que ele necessita de cuidados de saúde.

2. AMBIENTE: São forças fora do organismo que interferem no processo de viver do ser humano, estimulando os profissionais de Enfermagem à valorizarem a cultura e os costumes de seus clientes.

3. SAÚDE: A saúde é um símbolo vocabular que implica movimento diante da personalidade e outros processos humanos em curso, na direção de uma vida criativa, construtiva, produtiva, pessoal e comunitária.

4. ENFERMAGEM: É um processo interpessoal, onde cada indivíduo é visto como um ser bio-psico-sócio-espiritual, dotado de crenças, costumes, usos e modos de vida voltados para determinada cultura e ambiente diversificado. Para a autora, a Enfermagem é uma relação entre um indivíduo que está doente ou necessitado de serviços de saúde e um enfermeiro preparado para reconhecer e para responder às necessidades de ajuda do paciente.

Segundo Stefanelli (1987), Peplau considera como elementos básicos ou variáveis, das situações de Enfermagem, as necessidades humanas básicas, a frustração, o conflito e a ansiedade, que devem ser tratados no relacionamento enfermeiro-paciente de modo a favorecer o crescimento, ou seja, o desenvolvimento saudável da personalidade.

Peplau,1988, inclui outros conceitos em sua Teoria, como crescimento, desenvolvimento e comunicação, os quais estabelecem entre si relações, quer estejam elas ligadas direta ou indiretamente ao profissional enfermeiro, sendo que o conceito de maior relevância é a comunicação. Ela considera que ao assumir o atendimento ao paciente, o profissional enfermeiro assume um papel muito importante para o crescimento e desenvolvimento do mesmo, ou seja, a assistência de Enfermagem é um processo colaborativo, flexível e embasado nos princípios científicos.

 

Referencial metodológico

Observação participante

A técnica da observação participante se realiza por meio do contato direto do pesquisar com o fenômeno a ser estudado, com a finalidade de obter informações sobre a realidade das pessoas em seus próprios contextos (Gualda, 1997).

Apesar de não possuir um instrumento específico, e ser considerada uma técnica menos estruturada, a observação participante conduz o pesquisador de forma à inserí-lo no contexto observado, produzindo com isto uma interação social mais ampla, o que vem de encontro com o propósito deste estudo o qual enfoca o processo comunicacional desenvolvido em salas de pré-parto e parto.

Dependendo do tipo de estudo, é possível obter informações somente pela observação, sem o envolvimento do pesquisador, entretanto, optou-se neste estudo pela observação participante e entrevista semi-estruturada com as parturientes.

 

Objetivo

Identificar o tipo de comunicação utilizada pelas parturientes, equipe de saúde e família em salas de pré-parto e parto.

 

Aspectos éticos

Considerando-se o que preconiza a Resolução n.196/96 (Brasil, 1996), sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos, os sujeitos da pesquisa foram esclarecidos sobre seu objetivo, natureza do estudo, sigilo, anonimato, e uso dos dados. Assegurando-lhes o direito de participar ou não, ou o desejo de interromper ou desistir a qualquer momento do processo. Após estes procedimentos, foi solicitado aos participantes o consentimento livre esclarecido e assinado.

 

Apresentando o cenário

O estudo foi realizado em um Hospital Maternidade privado da cidade de Curitiba, que presta assistência à população tanto em caráter privado quanto do SUS.

 

Introduzindo os participantes

A amostragem constituiu-se de 10 parturientes, internadas na instituição, pertencentes às diversas faixas etárias e diferentes classes sócio-econômicas.

 

Obtenção de dados

Foi realizada através da observação dos elementos envolvidos no estudo, no período de 18 à 28 de fevereiro de 2002, e seguindo os seguintes passos: observação, observação com participação e observação reflexiva.

 

Apresentando os resultados e tecendo comentários

Após obtenção dos dados, os mesmos foram analisados, construindo as seguintes categorias ou descritores:

1) Comunicação entre equipe e parturiente; 2) Comunicação entre os profissionais envolvidos; 3) Comunicação entre equipe, parturiente e família.

 

Comunicação entre equipe e paciente

Pôde-se observar que apesar de existir a necessidade de comunicação entre a equipe e as parturientes, esta não ocorre ou possui muitas falhas, as quais são causadas por ruídos comunicacionais. Observa-se também, que desde seu internamento as parturientes recebem informações dos profissionais de saúde, os quais não transmitem com clareza os procedimentos a que elas serão submetidas. Elas muitas vezes, utilizam termos técnicos, dificultando a compreensão da mensagem que pretendem transmitir. Nesta fase que é considerada por Peplau como de identificação, a parturiente reage seletivamente às mensagens do profissional e estabelece percepções, vivenciando uma sensação de impotência e abandono, pois o não entendimento da mensagem, quer seja verbal ou não-verbal, é considerada como se não houvesse ocorrido comunicação entre as partes.

Com isto a parturiente permanece sem compreender como será este momento, os procedimentos que serão realizados, o que aumentará sua tensão e gerará sentimentos de medo, ansiedade e angústia.

"elas explicam o que vão fazer, mas eu não entendo... fico achando que vai ser difícil conseguir ter meu filho..."

"eu só queria saber se meu filho estava bem, e eles(as) me disseram umas coisa que eu não entendi. Achei que ele não estava bem e comecei a chorar".

"fazia força de um jeito, e me mandavam fazer de outro, mas ali, naquela hora, ou não ouvia nada..."

"eu estava com dor, mas eles(as) não me perguntaram, era só olhar para mim para ver que eu não estava bem

"eu queria meu marido, mas não deixaram ele entrar, então peguei na mão da Enfermeira(o) e pedi para ela não me deixar

Toda a comunicação envolve previsões, quanto à maneira como outras pessoas responderão à mensagem e o que acontecerá se houver ou não esta interação.

Quando criamos expectativas e fazemos previsões, podemos supor que estamos tendo a capacidade de desenvolvermos a empatia. Mas o que seria esta empatia na comunicação durante a assistência à parturiente? Podemos definí-la como o processo pelo qual chegamos às expectativas do paciente e nos envolvemos com ele.

 

Comunicação entre os profissionais envolvidos

Observa-se que no ambiente de trabalho existe comunicação, interação e reciprocidade, entretanto ela é realizada de forma profissional, estritamente técnica, prevalecendo o individual sobre o coletivo, obedecendo relações hierárquicas estabelecidas entre as categorias profissionais. Os profissionais muitas vezes deixam de compartilhar valores, conhecimentos e ações, os quais proporcionariam melhor qualidade na saúde da parturiente, tornando este procedimento mais humanizado.

"pegue o leito 5 e coloque-o na mesa, vou fazer o toque e ver o que fazemos"

"isto não é nada, se tiver doendo o dedo do pé ela vai dizer que é uma contração, daí a gente corre e não é nada".

"eu sei que o leito 3 está com dor, mas eu não vou pedir para o Dr. A fazer analgesia, ele vai brigar comigo".

"se ele(a) vir aqui e me pedir ajuda eu vou, senão..."

"eu queria aprender, mas ele(a) não me dá abertura, eu só vejo, mas não faço".

"A menina, devia ter se cuidado, ela devia saber do pré-natal, eu não faço isso aqui".

Elas relatam que a falta de comunicação, interação e empatia faz com que os pacientes sintam-se abandonadas, inseguras no período de pré-parto e parto; transformando o nascimento do filho em sofrimento quando deveria ser motivo de alegria.

 

Comunicação entre equipe, parturiente e família

Observa-se que a comunicação ocorre de forma estanque, direcionada aos procedimentos à serem realizados durante a assistência pré-parto e parto e as rotinas da Instituição. Nesta categoria observa-se que geralmente o esposo e familiares são excluídos do processo. A família entretanto, produz meio de comunicação procurando interagir com outros profissionais com a finalidade de saber o que está ocorrendo com sua mulher e seu filho, pois, embora Curitiba já tenha implantado em seu Sistema de Saúde o Parto Humanizado, esta Instituição ainda não o executa.

Mesmo que a parturiente solicite a presença de familiar, geralmente o marido para acompanhá-la durante o período de pré-parto e parto, a Instituição não permite. Isto torna a assistência impessoal, fria e sem ou com pouca comunicação/interação entre as partes envolvidas no processo; gerando sentimentos de ansiedade, angústia e medo tanto na parturiente quanto em seus familiares. Isto pode ser observado nas seguintes falas:

"eu queria que meu marido estivesse aqui, ele me ajudou tanto durante a gravidez, eu precisava dele agora... mas ele está lá no quarto, não deixaram ele entrar".

"meu marido queria entrar, mas quando chegou na porta, só eu pude entrar, ele tinha que esperar até eu voltar para o quarto".

"eu queria saber da minha mulher e do meu filho, será que ele está bem? Nós não soubemos de nada e ela ainda não voltou para o quarto".

"me dê sua mão... eu estou com medo... é meu primeiro filho"

"era para ser parto normal, mas e agora, é cesárea e eu não estava preparada meu marido não sabe, minha mãe também não, ela está aqui no hospital".

Os dados mostraram o déficit e a pouca qualidade da comunicação mantida entre a equipe de saúde, parturiente e seus familiares a qual pode transformar o processo de vir ao mundo de uma criança em algo sofrido e não compartilhado por todos os envolvidos.

 

Considerações

Embora esta experiência tenha mostrado alguns aspectos falhos na comunicação, faz-se necessário resgatarmos o que é importante no processo comunicacional entre os profissionais de saúde e seu objeto de trabalho o paciente me seus familiares.

Devemos considerar que para atingirmos uma comunicação efetiva entre os elementos que participam do processo, temos que romper barreiras, quebrar paradigmas e mudar estigmas, afim de vencer os principais obstáculos como a falta de "feedback" da equipe, a não resolução dos conflitos existentes entre a mesma, a ambigüidade e as habilidades comunicacionais não desenvolvidas.

A comunicação deve ser considerada como capacidade ou competência interpessoal a ser adquirida pelos profissionais de saúde, não importando sua área de atuação, e as instituições de saúde a que pertencem. Para desenvolver o processo comunicacional adequado e eficiente, os profissionais de saúde devem atualizar seus conhecimentos, relacionados ao comportamento humano, suas ações e interações e relacionamentos interpessoais, adquirir técnicas comunicacionais adequadas para poder assitir/cuidar da parturiente em um dos momentos mais emocionantes de sua vida; o nascimento de seu filho.

 

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STEFANELLI, M.C., Ensino de técnicas de comunicação terapêutica enfermeira-paciente: referencial teórico (parte II). Rev. Esc. Enfermagem da USP, v.21, n.2, p.107-115, ago/1987.

_____ Comunicação com o paciente: teoria e ensino. 2 ed. São Paulo: Robe, 1993.

WATZLAWICK, P., et al. Pragmática da comunicação humana. São Paulo: Cultrix, 1981.

 

 

* Trabalho realizado no Grupo Estudos Família, Saúde e Desenvolvimento (GEFASED).

^rND^sPEDUZZI^nM.^rND^sSANTOS^nS.S.C.^rND^sNÓBREGA^nM.M.L.^rND^sSTEFANELLI^nM.C.^rND^sSTEFANELLI^nM.C.^rND^sPEDUZZI^nM.^rND^sSANTOS^nS.S.C.^rND^sNÓBREGA^nM.M.L.^rND^sSTEFANELLI^nM.C.^rND^sSTEFANELLI^nM.C.^rND^1A01^nMaria de Lourdes^sCenta^rND^nPatrícia de Resende^sOberhofer^rND^nJorge^sChammas^rND^1A01^nMaria de Lourdes^sCenta^rND^nPatrícia de Resende^sOberhofer^rND^nJorge^sChammas^rND^1A01^nMaria de Lourdes^sCenta^rND^nPatr¡cia de Resende^sOberhofer^rND^nJorge^sChammas

A comunicação entre a puérpera e o profissional de saúde

 

The communication between the woman in pospartum and the health professional

 

 

Maria de Lourdes CentaI; Patrícia de Resende OberhoferII; Jorge ChammasIII

IEnfermeira. Doutora em Filosofia de Enfermagem. Coordenadora do GEFASED. Universidade Federal do Paraná. Rua Padre Camargo, nº 280, 8º andar - Alto da Glória - Curitiba/PR CEP: 80060-240
IIAcadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem. Bolsista do CNPq
IIIAcadêmico do Curso de Graduação em Medicina. Bolsista do CNPq

 

 


RESUMO

O ciclo gravídico-puerperal representa um período de intensas transformações biopsicossociais na vida da mulher e de sua família. Vários fatores podem interferir nesta fase do ciclo de vida da mulher, entre eles o processo comunicacional estabelecido entre o profissional de saúde e a mulher. O objetivo geral deste estudo é identificar como se estabelece a comunicação entre o profissional de saúde, a puérpera e sua família. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório-descritivo desenvolvida em um hospital universitário da cidade de Curitiba. A coleta de dados baseou-se em entrevista individual. Todas as normas da Resolução 196/96 - Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas em Seres Humanos foram respeitadas. Observou-se que muitos profissionais não estão aptos a estabelecer uma comunicação adequada com a mulher durante seu ciclo gravídico-puerperal, a falta de vínculo entre a cliente e o profissional de saúde, representa uma importante barreira para a efetivação da comunicação entre eles. Baseado na análise dos dados, pode-se concluir que o processo comunicacional entre a puérpera e o profissional de saúde dá-se de forma inadequada, desta foram, comprometendo toda a assistência à ele prestada durante este período.

Palavras-chave: profissional de saúde, comunicação, mulher


ABSTRACT

The pregnant-postpartum cycle represents a period of intense biopsychosocial transformations in the life of the woman and her family. Several factors can interfere in this phase of the woman's life cycle, one of which is the communication process established between the health professional and the woman. The general objective of the study is to identify how communication among the health professional, the woman in postpartum and her family is established. This is an exploratory-descriptive research developed at a university hospital in Curitiba. Data collection was based on individual interviews. All norms of Resolution 196/96 - Guidelines and Regulatory Norms for Research on human beings were respected. It was observed that many professionals are not capable of establishing appropriate communication with the woman during her pregnant-postpartum cycle. It was also verified that the lack of a bond between the customer and the health professional of health represents an important barrier for establishing their mutual communication. On the basis of data analysis, it can be concluded that the communication process between the woman in postpartum and the health professional occurs inadequately, which consequently jeopardizes the whole care rendered during this period.

Key words: health professional, communication, woman


 

 

Colocação do Problema

O puerpério caracteriza-se pelo período que advém ao parto e é marcado por intensas mudanças biopsicosociais na mulher e em sua família. As alterações anatomofisiológicas no corpo da mulher, a responsabilidade social e cultural de provir saúde, afeto e proteção ao novo elemento da família, além da ansiedade e do medo de não cumprir seu papel de mãe, são fatores que corroboram para transformar o puerpério em um período extremamente complexo nesta etapa da vida da mulher.

Segundo Maldonado et al. (1997), ela vivencia, nos primeiros dias após o parto, grande diversidade de sentimentos como: euforia e alívio por ter visto o filho nascer, medo e ansiedade de não conseguir amamentar e insegurança por não saber assistir adequadamente a criança. Muito destes sentimentos são agravados pela ansiedade e medo transmitidos pela família, pois, muitos deles, também, sentem-se inseguros diante da responsabilidade em assistir o novo membro da família e de prover parte do seu sustento afetivo e emocional. Desta forma, evidencia-se a necessidade de assistir a puérpera, bem como sua família, no ciclo gravítico-puerperal. Esta assistência deve ser fundamentada na interação, confiança e respeito. O serviço de saúde deverá proporcionar um ambiente seguro, onde ela e sua família, sejam assistidos/cuidados e apoiados por profissionais competentes.

Um dos fatores que interferem nesta assistência é a comunicação e interação onde o processo comunicacional desenvolvido, entre puérpera, família e o profissional, de saúde exige flexibilidade, eficiência, propriedade e resposta. Segundo Stefanelli (1993), para haver flexibilidade neste processo é fundamental que o profissional considere cada pessoa como única em constante processo de mudança, sendo assim, faz-se necessário o estabelecimento de objetivos para satisfazer suas necessidades emergentes.

A mesma autora afirma que as mensagens enviadas devem ser claras, simples e transmitidas quando o receptor está apto à ouvi-las, caracterizando assim a eficiência na comunicação entre profissional-puérpera-família, sendo que para obtê-la, o profissional deve estar apto a eliminar a linguagem científica, quando necessário, linguagem rebuscada e termos ambíguos, utilizando uma linguagem que possa ser entendida e assimilada pelo ouvinte.

Para que a comunicação tenha propriedade, faz-se necessário que seja compatível com as expectativas do cliente, deve, necessariamente, suprir as necessidades sentidas pela puérpera e sua família, sem, no entanto, menosprezar ou supervalorizar os aspectos biopsicossociais pertinentes ao ciclo gravítico-puerperal.

A resposta, constitui a base para o planejamento assistencial à puérpera e sua família, uma vez que é baseado nela que o profissional, a mãe e a família podem esclarecer suas dúvidas e resolver seus problemas avaliando e corrigindo todo o processo de assistir/cuidar da família no ciclo gravítico-puerperal.

O processo comunicacional, em todos os seus aspectos, é de fundamental importância para o estabelecimento de uma boa interação entre profissional e cliente, tornando-se, quando adequadamente estabelecido, um instrumento valioso para minimizar as ocorrências vivenciadas no puerpério. A comunicação possibilita um melhor assistir/cuidar, proporcionando segurança para a mulher e sua família durante a inserção da criança no seio familiar.

O processo comunicacional, possibilita, também que o profissional de saúde realize um atendimento integral a saúde do binômio mãe-filho e de sua família, no qual os aspectos biopsicosocioculturais devem ser considerados no planejamento das ações do assistir/cuidar. Nele as orientações e informações farão parte de um processo mais amplo, proporcionando a conscientização da necessidade de resolver ocorrências e problemas pertinentes ao puerpério, através da mudança de comportamento, atitudes e hábitos.

 

Objetivo

Identificar como se estabelece o processo comunicacional entre o profissional de saúde, a puérpera e sua família. Como objetivos específicos têm-se: identificar quais os profissionais que orientam as puérperas no período gravídico-puerperal; verificar se os aspectos sócio-culturais foram considerados no processo comunicacional; retratar a percepção das puérperas em relação ao processo comunicacional estabelecido com a equipe de saúde.

 

Metodologia

O presente estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório-descritivo, sendo utilizado para a coleta dos dados um instrumento de pesquisa que possibilita obter informações sobre: identificação, tipo de parto, participação no programa de pré-natal, tipos de orientações recebidas durante o período gravídico-puerperal e como ocorreu a comunicação. Realizou-se a coleta de dados em um hospital universitário da cidade de Curitiba (PR), no período de Outubro a Dezembro de 2001.

As puérperas, participantes do estudo, apresentavam características comportamentais, sociais, econômicas, psicológicas e biológicas bastante diversificadas, ponto de fundamental relevância para o desenvolvimento do estudo.

Todas as participante da pesquisa foram esclarecidas sobre os objetivos da mesma, metodologia e finalidade do estudo. Solicitou-se sua inclusão na pesquisa e após o aceite em participar, foi fornecido uma autorização, a qual deveria ser assinada pela puérpera, conforme resolução III – Aspectos Éticos da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Esclareceu-se, também, que à percepção de desrespeito a integridade e/ou anonimato das puérperas, o estudo seria interrompido imediatamente.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da instituição onde foi desenvolvido.

Em nenhum momento, durante o processo de realização desta pesquisa, sobrepôs-se o interesse da ciência ao interesse da pessoa humana, de modo a não infringir nenhuma das normas da Resolução n° 196 de 10 de outubro de 1996 – Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas em Seres Humanos.

Todas as entrevistas foram gravadas em fita cassete, de modo a preservar a fidedignidade dos dados obtidos, os quais foram, analisados, interpretados e agrupados construindo-se as categorias.

 

Resultados e Análise dos Dados

Participaram deste estudo 21 puérperas com idades entre 16 e 39 anos, compondo a amostragem mulheres com idade média de 24,9 anos: destas, 14 puérperas eram da raça branca, 4 negras e 3 pardas, quanto a escolaridade, 13 tinham o primeiro grau incompleto, 5 o primeiro grau completo, 2 não eram alfabetizadas e apenas uma tinha o segundo grau completo, o que nos mostra a baixa escolaridade das participantes do estudo. Quanto ao estado civil, percebemos que 10 puérperas eram amasiadas, 8 casadas e 3 solteiras; 13 eram católicas, 4 pertenciam a religião evangélica e 4 referiram não ter religião.

Através da análise dos dados obtidos pôde-se observar que durante o ciclo gravídico-puerperal, a interação entre o profissional de saúde e a gestante/puérpera ocorreu, principalmente, com o médico, o qual foi referido como o principal responsável pelas orientações fornecidas. Este fato pode ser verificado através das seguintes falas:

"Foi com o Dr. X" "Umas duas vez foi com outros médicos, mas sempre foi com o X"

"Foi com a dotora X, médica"

"Na U.S foi com o médico" "E aqui também com médico"

Observa-se, também, que em algumas situações, a cliente desconhecia totalmente a formação do profissional que estava lhe orientando e assistindo, demostrando a existência da falha comunicacional entre o profissional de saúde e a cliente.

"Ai, todo mundo que chegava me consultava" Eu não sabia quem eles eram?"

"Foram com várias pessoas" "Tinha uma que era professora, as outras..mas eram médico, não eram enfermeiros"

Segundo Centa (1981), o período gravítico-puerperal é repleto de sentimentos e emoções, no qual a gestante e puérpera necessitam de apoio, orientação e segurança, para poder enfrentar suas ocorrências de forma harmônica e onde as orientações são fundamentais para estabelecer a compreensão da situação vivida.. Desta forma faz-se necessário o estabelecimento de um processo comunicacional estruturado e bem definido, entre a puérpera e o profissional de saúde. Percebe-se, entretanto, que a comunicação realizada, nas instituições que atendem esta clientela é insuficiente e inadequada.

Este fato demonstra a incapacidade e o despreparo dos profissionais de saúde para desenvolver o processo comunicacional com a cliente e sua família, comprometendo, desta forma, todo o plano assistencial estabelecido para esta etapa do ciclo reprodutivo. Considerando a gravidez e o puerpério como períodos especiais da vida da mulher e de sua família, observa-se que que alguns temas são de fundamental importância para o desenvolvimento da assistência gravídico-puerperal ampla e eficiente, tais como sexualidade, alimentação, higiene entre outros. A falta de comunicação prejudica o desenvolvimento de uma assistência de qualidade baseada no que preconizam as normas do parto humanizado e a inserção do novo membro na família.

"Eles não explicaram nada, tudo que eu tive foi por mim mesmo, porque eu fui atrás, li, tive curiosidade mesmo. E era a 1ª gravidez não sabia como funcionava"

"É eles falavam que o neném ia nascer, que o neném ia falar, explicava, eles explicaram como que era o banho do neném" (O que ia mudar na gravidez alguém conversou? – entrevistador "Não"

"Sobre só o mamá do nenê, que não pode deixar o peito secar, que é pra não tirar o leite, só isso só"

Outro fator que dificulta, significativamente, a comunicação entre o profissional, mulher e família é a linguagem excessivamente técnica, utilizada pela equipe de saúde. Muitas pacientes relataram sentir dificuldade para compreender as informações e orientações recebidas, em função do tipo de linguagem utilizada pelo profissional, o que é compreensível considerando-se o baixo nível de escolaridade das puérperas que participaram deste estudo.

"Aquele negócio, que eles fala, arritmia, não sei como é que lá, do coração, que sei lá quando fez cardiotoco, porque o cardiotoco era..e a ecografia depois eles separam, por causa que...deu um negócio no coração, que eles fala lá"

A hora do parto, muitas vezes, constitui-se no momento critico da assistência gravítico-puerperal, pois é nele que a parturiente e sua família vivenciam sentimentos e emoções que vão da ansiedade até a alegria de ter o filho. Ao vivenciar este período a parturiente e sua família desejam ser assistidas/cuidadas por profissionais de saúde que lhes promova segurança, atenção e carinho. Para que isso possa ocorrer de forma harmônica, faz-se necessário que a equipe de saúde construa um vínculo sólido, interativo e de confiança com a gestante e sua família, desde o pré-natal, caso contrário, todo o processo comunicacional entre o profissional e a puérpera, na sala de parto, estará comprometido. Neste estudo, 17 das 21 participantes relataram que não conheciam o profissional que realizou seu parto, fato este que torna-se uma barreira entre a equipe, parturiente e família, dificultando a realização do processo comunicacional. Neste momento a parturiente deve sentir-se segura e ter liberdade de comunicar-se com a equipe, conforme suas necessidades. Isto retrata a estrutura compartimentalizada de assistência prestada as gestantes nas unidades de saúde, onde a equipe que presta assistência a gestante não é o que lhe assiste durante o parto.

"Conhecei o médico na hora do parto"

"Só fui vê ela no dia"

"Fiquei conhecendo na hora"

"Isso que eu tava falando prá minha mãe, que eu não me lembro quem que foi a médica que fez o meu parto..."

A alta hospitalar representa, para a puérpera e sua família, um momento de muita ansiedade e expectativa, pois a partir deste momento a puérpera não contará com a assistência, ajuda e segurança oferecida pela instituição e pelos profissionais de saúde. É a partir deste momento que a mãe assume a total responsabilidade do cuidado do filho, contando, às vezes, apenas, com a ajuda restrita de familiares e amigos. È neste período que se faz necessário manter o vínculo entre a puérpera e a instituição de saúde, conscientizando-a dos recursos que a instituição pode oferecer e dos benefícios da consulta de retorno puerperal onde ela poderá obter informações e orientações para sanar dúvidas e inseguranças.

Foi observado, neste estudo, a deficiência ocorrida na comunicação entre equipe de saúde e puérpera em relação às orientações que deveriam ser realizadas no momento da alta hospitalar, pois, 9 puérperas relataram não Ter recebido orientações no momento da alta hospitalar, demostrando falha no processo assistencial e falta de comunicação entre profissional e puérpera.

"Por que eu ganhei na Quarta e fui embora na Quinta, daí eles não falaram nada, ai veio uma médica, examinou, falou que podia ir embora, não passou medicamento e foi embora, só. Ninguém explicou nada sobre os pontos, nem falaram que tinha que...se era pra lavar ou não era, tô lavando por conta própria"

O processo de comunicação falho entre a puérpera e o profissional de saúde, faz com que muitas delas sintam medo e desconfiança em relação as ações de saúde recomendadas, o desagrado com a assistência a saúde não é fenômeno raro nestas situações. Este fato pode ser entendido como importante fator do não retorno das puérperas para o acompanhamento pós-parto, demostrando que há necessidade de reestruturar o processo de assistência à saúde das puérperas pelas instituições prestadoras destes serviços.

Observou-se, também, neste sentido a falta de consideração às necessidades sentidas pela puérpera e sua família, associado a comunicação inadequada, o que causa insegurança, medo e sofrimento.

"É a primeira consulta pós-parto... é por isso que eu estou com medo"

"...eu acho que foi erro dela Ter deixado a placenta, eu comecei a eliminar a placenta em casa, depois de 4 dias do parto, no Sábado eu comecei a elimina, descia coágulo, comecei a puxar e quase desmaiei, aí minha mães falou vamos no médico, daí a gente pegou e foi lá mesmo, eu tava com aqueles pontos, daí veio uma doutora de plantão, daí ela colocou, colocou o dedo lá dentro, eu cheia de ponto, tirou e falou que era pra eu no outro dia cedo voltar e fazer uma ecografia pra ver o que que era, mas não era nada de importante..."

Os relatos obtidos neste estudo indicam diversas falhas ocorridas no processo comunicacional desenvolvido entre profissionais de saúde, gestante/parturiente/puérpera e suas famílias. Observou-se, também, que não houve referência a inserção da família neste processo.

 

Conclusão

Considerando as variáveis interferentes no processo comunicacional estabelecido entre o profissional de saúde e a mulher no ciclo gravídico-puerperal percebe-se que: 1) os profissionais de saúde desconsideram, muitas vezes, a herança cultural, as crenças, os valores e os costumes desta clientela; a linguagem utilizada pela equipe de saúde, na maioria das vezes, é técnica, ou superficial, pouco educativa e desvinculada da realidade e das reais necessidades da paciente, o que contribui para a criação de barreiras entre o profissional, a cliente e sua família. 2) profissionais estabelecem o processo de comunicação/interação com esta clientela e sua família durante a assistência prestada. pois, muitos não estão acostumados a ver o paciente em seus aspectos biopsicossociais, disponibilizam-se, apenas, para assisti-los em seus aspectos biológicos, renegando a segundo plano muitos fatores. 3) ser o profissional médico o mais citado, pelas puérperas, como responsável pelas orientações recebidas. Nota-se, entretanto, que estes profissionais, muitas vezes, não utilizam instrumentos do processo comunicacional, para adequarem o nível e tipo de comunicação às necessidades sentidas pelas suas pacientes.

O modelo de assistência a saúde da mulher, instituído em nosso país, preconiza a eficiência e a resolutividade, mas na prática, prioriza a quantidade em detrimento da qualidade, o que parece se um fator que favorece a falta de comunicação, ou a comunicação deficiente realizada neste processo, o que torna, muitas vezes, a clientela insegura e descontente com a assistência recebida. O ambiente hostil e com pouca privacidade, corrobora, também, para o fracasso do processo comunicacional entre equipe de saúde, puérpera e família.

Tendo em vista acreditarmos na importância da comunicação/interação como fator indispensável para a qualidade da assistência, sugerimos que os profissionais de saúde revejam e estabeleçam novas formas de interagir com sua clientela, visando a melhoria de suas ações em prol da população que necessita de seus cuidados.

 

Referências Bibliográficas

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^rND^1A01^nZídia Rocha^sMagalhães^rND^1A02^nLeonor^sGonçalves^rND^1A02^nGuilherme Fátima de^sFaria^rND^nAmira Cahla^sDahi^rND^nEni Cristine Santos^sNascimento^rND^1A01^nZídia Rocha^sMagalhães^rND^1A02^nLeonor^sGonçalves^rND^1A02^nGuilherme Fátima de^sFaria^rND^nAmira Cahla^sDahi^rND^nEni Cristine Santos^sNascimento^rND^1A01^nZ¡dia Rocha^sMagalhæes^rND^1A02^nLeonor^sGon‡alves^rND^1A02^nGuilherme F tima de^sFaria^rND^nAmira Cahla^sDahi^rND^nEni Cristine Santos^sNascimento

Disponibilização em rede da escala de trabalho da equipe de enfermagem do hospital das clínicas da UFMG

 

Network availability of the work designation of the nursing team at the hospital das clínicas of the UFMG

 

 

Zídia Rocha MagalhãesI; Leonor GonçalvesII; Guilherme Fátima de FariaIII; Amira Cahla DahiIV; Eni Cristine Santos NascimentoIV

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem pela UFBa, professora do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da UFMG; zídia@enf.ufmg.br
IIEnfermeira, Mestre em Enfermagem pela UFMG, Chefe da Divisão Técnica de Enfermagem do Hospital das Clínicas da UFMG; leonor@hc.ufmg.br
IIIEngenheiro Eletrônico e de Telecomunicações, Cooordenador do Núcleo de Tecnologia de Informação do HC/UFMG; gui@hc.ufmg.br
IVAlunas do curso de enfermagem da UFMG e bolsista do Programa de Estágio Extracurricular em Enfermagem (PEEC) do Hospital das Clínicas da UFMG

 

 


RESUMO

O uso da informática na prática da enfermagem está sendo inevitável. Este trabalho relata como a Divisão Técnica de Enfermagem do Hospital das Clínicas da UFMG, apoiada nesta tecnologia, incorporou o uso do computador para disponibilização em rede da escala de trabalho de seus funcionários. Foram capacitados 27 coordenadores de enfermagem dos diversos setores da instituição. Percebeu-se que com a introdução desta atividade na prática do profissional, os enfermeiros estão passando por um processo de adequação e inserção do computador em sua rotina de trabalho.

Palavras-chave: escala de trabalho em enfermagem, informática em enfermagem


ABSTRACT

The use of informatics in nursing is inevitable. This work reports how, on the basis of this technology, the Technical Nursing Division of the Hospital das Clínicas of the Federal University of Minas Gerais (UFMG), incorporated the use of the computer for achieving the network availability of its employees’ work designation. 27 nursing coordinators of nursing of the different wards of the institution were trained. It was noticed that, as a result of the introduction of this activity in the professional’s practice, the nurses are going through an adaptation process for inserting the computer in their work routine.

Key words: nursing work designation, informatics in nursing


 

 

1. Introdução

O convívio com uma tecnologia de ponta já se tornou uma constante, especialmente em hospitais universitários e de grande porte, como é o caso do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Na enfermagem deste hospital a utilização do computador se tornou inevitável.

A inserção de novos profissionais no mercado de trabalho exige dos mesmos conhecimentos cada vez mais amplos, especialmente no que se refere ao conhecimento de outros idiomas, especialmente o inglês, e o domínio básico dos recursos operacionais na área da informática. A enfermagem não tem como se posicionar fora desse processo. A velocidade com que as informações precisam ser processadas requer dos profissionais as aptidões necessárias.

De acordo com Marin e Granitoff (1998) a experiência da enfermagem com o uso de computadores foi estabelecida por volta de 1985, na área de educação. Neste mesmo período, alguns hospitais começaram também a desenvolver e instalar sistemas computacionais. Os enfermeiros, então, que trabalhavam nas áreas de administração hospitalar, ou mesmo na prática clínica, começaram a se envolver com a área de informática em saúde, usando sistemas informatizados para o controle de custos, material e pessoal nas unidades em que exerciam a prática de enfermagem, e mais recentemente, na própria assistência de enfermagem.

Inserida neste contexto de acelerada informatização, a enfermagem também tem passado por transformações em sua prática, necessitando redefinir o seu papel neste processo. No Brasil, ainda existe mais um desafio: "como utilizar esses recursos na prática de enfermagem, considerando a divisão técnica do trabalho, os diferentes níveis de formação das categorias e a complexa realidade do setor saúde, que convive com serviços extremamente carentes ao lado de outros equipados com tecnologia avançada." (SCOCHI, 1991).

Segundo Scochi et al. (1991) o enfermeiro não deve assumir uma postura de alienação às novas realidades da informática. Para estas autoras, este profissional deve buscar nos sistemas de informação um meio para agilizar o processo de decisão e racionalizar o trabalho, tendo como meta a otimização da assistência de enfermagem.

A distribuição de pessoal de enfermagem dentro de uma instituição é uma das atividades complexas que despende tempo e requer, do enfermeiro, conhecimentos relativos às necessidades da clientela, à dinâmica da unidade, às características da equipe de enfermagem e às leis trabalhistas. Para Massarollo (1993), a utilização rotineira de programas de computador para a elaboração da escala mensal de trabalho não é conhecida na nossa realidade, o que já vêm sendo adotada em outros países.

A Divisão Técnica de Enfermagem (DTE) do HC-UFMG, é responsável técnica e administrativamente por um contingente de aproximadamente 950 funcionários e necessitou utilizar os recursos tecnológicos existentes para fazer a divisão do trabalho por setor, dias da semana e turno e tornar esta atividade mais ágil e eficaz. Assim sendo, tornou-se necessário a elaboração de um projeto que incluiu treinamento dos coordenadores de enfermagem para que os mesmos pudessem disponibilizar em rede as escalas de trabalho de seus funcionários.

 

2. Objetivos

Este trabalho tem, pois, o objetivo de apresentar a experiência da Divisão Técnica de Enfermagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) em promover o treinamento dos Coordenadores de Enfermagem para disponibilizarem em rede as escalas de trabalho em enfermagem.

 

3. Metodologia

Trata-se de um relato de experiência e, como tal, de um estudo descritivo.

Para disponibilizar as escalas de trabalho em rede foi necessário desenvolver as seguintes etapas: sensibilização dos coordenadores de enfermagem para utilização do computador como instrumento de trabalho; identificação da existência de computadores nas unidades/setores; adequação das normas de elaboração de escalas; elaboração do Manual de Utilização de Escala Mensal de Trabalho em Ambiente de Rede; compartilhamento informatizado das pastas de arquivos dos diversos setores, com estabelecimento de um sistema de segurança feito através de senhas específicas para garantir aos enfermeiros coordenadores a exclusividade na elaboração e atualização da escala de suas unidades, bem como a elaboração de uma senha de acesso universal para permitir a todos funcionários a visualização de suas escalas; agendamento para treinamento individual no local de trabalho do enfermeiro, utilizando o computador da unidade.

Conseguida as condições em termos de equipamentos necessários e instrumentos administrativos, foi elaborado o projeto de treinamento dos enfermeiros coordenadores das unidades. Para execução do curso definiu-se os seguintes objetivos: informatizar as tarefas administrativo-burocráticas que envolvem as escalas de trabalho; disponibilizar estas escalas em ambiente de rede; capacitar os enfermeiros para manusear os recursos tecnológicos disponíveis para utilização das Escalas em Ambiente de Rede.

A metodologia utilizada na capacitação dos enfermeiros se dividiu em dois momentos, seguindo prioridades: 1º Momento: Setores que constituem as unidades de internação do HC-UFMG - Clínicas Médicas (2º Sul e 7º Norte), CTI, Maternidade, Neonatologia, Pediatria, Clínicas Cirúrgicas (7º Leste e 10º Sul), Convênios, Transplantes, Apartamentos, Pronto Atendimento, CCI.

2º Momento: Ambulatórios e Serviços de Apoio – Quimioterapia, Radiologia, Hemodiálise, Cardiologia, Endoscopia, Dermatologia, Anexo Carlos Chagas, Anexo Borges da Costa, Hospital São Geraldo, CME, Anexo Bias Fortes.

A avaliação utilizada foi a de desempenho, que identificava a eficácia do processo ensino – aprendizagem na medida que o enfermeiro realizava a escala de trabalho no computador e a colocava em rede. Isto nem sempre acontecia da 1º vez, e era necessário repetir os procedimentos até que o aluno incorporava e realizava a atividade.

 

4. Resultados/Análises

Foram capacitados 27 coordenadores de enfermagem dos quais a maioria teve seu primeiro contato com um computador a partir do treinamento. A princípio, com a implantação desta nova atividade, houve resistência, por parte de alguns profissionais, para aceitar esta tecnologia na sua prática. Aos poucos, os enfermeiros foram se adequando e incorporando o uso do computador em sua rotina.

Com a disponibilização da escala de trabalho em rede, percebemos a otimização do tempo dispensado pelo coordenador de enfermagem no preenchimento da escala mensal de trabalho, além de possibilitar o acesso à escala por outros profissionais de qualquer computador configurado em rede. As alterações de funcionários nas escalas também ficam disponíveis para consulta, tão logo sejam registradas no computador. Com isso, a informatização possibilitou, também, o acesso ao número exato de funcionários em atividade de assistência ao paciente.

Outro importante benefício deste trabalho foi a aquisição de alguns equipamentos necessários para as unidades e setores que não dispunham desses recursos.

 

5. Considerações finais

A informatização é um desafio para a prática de enfermagem nos dias de hoje. Se por um lado, estão sendo inseridos no mercado de trabalho profissionais preparados para desenvolver esta tecnologia na sua prática, por outro, ainda existem aqueles que são resistentes às mudanças no seu processo de trabalho.

As vantagens advindas da informatização das atividades da enfermagem são inúmeras e suas possibilidades ainda precisam ser desenvolvidas para que o enfermeiro possa dispor de mais tempo para otimizar suas funções.

A escala de trabalho é apenas uma atividade das muitas outras que precisam absorver a tecnologia na sua execução. Outros passos precisam ser tomados, como o incentivo aos funcionários da enfermagem para adquirirem os conhecimentos básicos em informática, já que num futuro próximo, quem não tiver incorporado a tecnologia não conseguirá sobreviver às exigências de um mercado cada vez mais competitivo.

 

Referências bibliográficas

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MASSAROLLO, M.C.K.B. Escalas de distribuição de pessoal de enfermagem. In: KURCGANT, P. Administração em Enfermagem. São Paulo: E.P.U, 1995. p. 107-115.

SCOCHI, C.G.S., SANTOS, B.R.L; ÉVORA, Y.D.M. A Informática na Prática de Enfermagem: um novo desafio para o enfermeiro. Rev. Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v.2, n.12, p.19-22, jul. 1991.

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Cuidar de crianças na RPA - o que pensam os enfermeiros e o que fazem os auxiliares: um ensaio sobre comunicação bloqueadora de traumas

 

Taking care of children at RPA (post anesthesia recuperation) - what do the nurses think and what do the assistants do: an essay about communication that blocks traumas

 

 

Ronilson Gonçalves RochaI; Priscila de Castro HandemII; Nébia Maria Almeida de FigueiredoIII

IGraduando do 6º período do curso de Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto - EEAP/UNIRIO (bolsista PET - UNIRIO). Contato: Rua Gustavo Sampaio n.º 98, apt.º 202 - Leme- RJ CEP: 22010-010 TEL: (0XX21) 2543-2949 / (021) 9882-7268 E-mail: ronilsonrocha@yahoo.com.br
IIGraduando do 7º período do curso de Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto - EEAP/ UNIRIO (bolsista IC - UNIRIO)
IIIDoutora, Professora Titular do Departamento de Enfermagem Fundamental -EEAP/ UNIRIO

 

 


RESUMO

Esta pesquisa tem como situação problema a "não comunicação" do enfermeiro responsável pela sala de recuperação pós-anetésica com a criança internada, podendo ser este o principal motivo da alteração das emoções desta criança. Sendo assim, estabelecemos como objeto do estudo, a comunicação que impede traumas em crianças da Rpa. Delimitamos como objetivos: Identificar o que os enfermeiros sabem sobre comunicação e como se comunicam com as crianças da RPA; Observar como os auxiliares de enfermagem cuidam das crianças na RPA. Utilizamos abordagem qualitativa e a estratégia para coleta de informações foi a elaboração de dois instrumentos, um para entrevista direcionada aos enfermeiros e o outro para observação dos cuidados prestados pelos auxiliares. A partir da análise das informações obtivemos duas categorias: COMUNICAÇÃO e CUIDADO - os enfermeiros PENSAM que sabem e SABEM o que não fazem: a manutenção do cuidado racional e o "devir" sensível; CUIDAM e sem SABER, FAZEM um cuidado SENSÍVEL: esquecendo o cuidado racional. Na análise dos dados verificamos que o enfermeiro tem um saber empírico - vivenciado sobre comunicação e sabem cientificamente como receber a criança na RPA e o auxiliar de enfermagem não pensa e nem sabe cientificamente, mas empiricamente faz um CUIDADO DIFERENTE, que envolve sensibilidade.

Palavras-chave: enfermagem, comunicação, criança


ABSTRACT

The problem situation of this research is the "lack of communication" between the nurse in charge of a post anesthesia recuperation room and the interned child, which may be the main reason for the change in the child's emotions. Thus, we establish the communication that impedes traumas in children on RPA as the object of study. This study aims to identify what the nurses know about communication and how they communicate with the children on RPA and to observe how the nursing assistants take care of the children on RPA. We used a qualitative approach and the strategy used for collecting information was the elaboration of two instruments, one for interviewing nurses and the other to observe the care rendered by the assistants. On the basis of the information analysis, two categories were obtained: COMMUNICATION and CARE - the nurses THINK they know and KNOW what they do not do: the maintenance of rational care and "becoming" sensitive; they CARE and without KNOWING, they CARE with SENSIBILITY: forgetting about rational care. In analyzing the data, we verified that the nurse has an empiric knowledge - resulting from experience of communication and they know scientifically how to receive a child on RPA and the nursing assistant neither thinks nor knows scientifically, but empirically renders a DIFFERENT CARE, involving sensibility.

Key words: nursing, communication, child


 

 

I - INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve como ponto de partida a experiência vivida por acadêmicos do 5º período do curso de graduação em enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro quando no exercício de aprender a cuidar, perceberam que a comunicação entre enfermeiros e crianças na sala de recuperação pós anestésica, não acontece do modo como nos ensinam na teoria.

No decurso de nossas observações, percebemos que as crianças internadas na sala de recuperação pós-anestésica, um ambiente estranho e desconfortante, pode causar curiosidades, insegurança, tensão, excitação e medo, alterando as emoções das mesmas. Percebemos ainda que a "não comunicação" do enfermeiro responsável pela sala de RPA com a criança pode ser o principal motivo desta mudança de comportamento, caracterizando-se como um problema de pesquisa, haja vista que, se houvesse a interação do enfermeiro com este tipo de cliente da forma preconizada, isto é, através da comunicação verbal, poderia diminuir suas angústias e traumas psicológicos. Isto se as crianças na RPA estiverem em condições de idade de entender a situação, onde a comunicação é de um jeito, pois do contrário, se forem muito pequenas o jeito é outro podendo ser também através de expressão não verbal - um toque, um afago, um carinho, um riso.

Para Bittes e Matheus (1996, p.64) "A comunicação não-verbal ganha importância no processo comunicativo, pois ela pode suplementar uma informação verbal(complementando ou rejeitando), contradizer, enfatizar, oferecer indícios sobre emoções ou mesmo controlar ou regular um relacionamento."

Assim, estabelecemos como objeto de estudo a comunicação que impede traumas em crianças de RPA.

Segundo Bare e Smeltzer (1999, p.344), a função do enfermeiro da RPA não está limitada apenas a monitorização do estado fisiológico do paciente, proporcionar apoio "psicológico" também é importante.

E sobre a criança encontramos apoio em Schmitz (1995:164), quando nos fala: "Quando trata-se da criança, as reações de medo, preocupações, entre outras, tornam-se ainda mais exacerbadas, visto que a mesma encontra-se hospitalizada e esta situação é extremamente traumática, representa um impacto emocional para a criança que se apresenta de forma específica de acordo com a faixa etária".

Neste sentido a questão de pesquisa deste estudo é : o que os enfermeiros sabem sobre comunicação e como se comunicam com as crianças que se encontram na RPA?

 

II - OBJETIVOS DO ESTUDO

1)Identificar o que os enfermeiros sabem sobre comunicação e como se comunicam com as crianças da RPA.

2)Observar como os auxiliares de enfermagem cuidam das crianças na RPA

 

III - JUSTIFICATIVA

A presente pesquisa justifica-se a partir do momento em que buscamos trazer a tona a importância da comunicação da enfermagem para cuidar de seus clientes, principalmente quando estes são crianças, pois entendemos que a comunicação tem importância no cuidado de enfermagem como ação de relacionar-se direta ou indiretamente a todas as ações cuidativas do enfermeiro. Além disso a relevância deste tema pode ser constatada através de inúmeros artigos publicados em revistas nacionais e internacionais de enfermagem. Este também tem sido o motivo de encontros de enfermeiros como num Simpósio que acontece anualmente na cidade de Ribeirão Preto em São Paulo, desde 1988, onde são divulgadas as mais recentes pesquisas sobre comunicação na enfermagem.

 

IV - ABORDAGEM TEÓRICO - METODOLÓGICA

Neste estudo foi utilizada a abordagem metodológica qualitativa, pois trata-se de um trabalho que envolve a percepção por parte do enfermeiro, de alguns fenômenos imensuráveis. Neste estudo se quis saber como os enfermeiros se comunicam com as crianças na RPA. Isto por que estávamos preocupados com o estado emocional das crianças e acreditamos que a não comunicação poderia trazer posteriores comprometimentos psicológicos ao cliente, representando questões extremamente subjetivas. Encontramos apoio em MINAYO (1995:21) quando salienta : "A pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciências sociais com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das reações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser realizados à operacionalização das variáveis."

 

V - TRAJETÓRIA DO ESTUDO E SEUS MOMENTOS

MOMENTO ÉTICO: Solicitamos às instituições autorização, por escrito, para o desenvolvimento do estudo, encaminhando o projeto para que pudessem tomar ciência. Solicitamos autorização dos enfermeiros para utilização de suas falas, sendo por nós garantido o anonimato.

MOMENTO DE CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO PARA COLETA DE INFORMAÇÕES: Como estratégia de coleta de informações, elaboramos dois instrumentos: um questionário contendo duas perguntas abertas (Anexo I), utilizado como roteiro para gravar as falas dos enfermeiros , e o outro instrumento para registro das observações dos cuidados ofertados às crianças pelos auxiliares para identificar como eles se comunicam com estas na RPA (Anexo II).

LOCAL: Como primeiro momento descreveremos o cenário deste estudo, que foram dois hospitais, um deles Hospital Geral, e o outro, Hospital Pediátrico, localizados no município do Rio de Janeiro sendo ambos utilizados como campo de ensino clínico pela Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro.

OS SUJEITOS DO ESTUDO: Os sujeitos do estudo foram seis enfermeiros, que chamaremos E1, E2,..., E6. Neste momento percebemos que era fundamental incluir os auxiliares de enfermagem e não apenas os enfermeiros, na medida em que identificamos que quem cuida com mais freqüência das crianças na RPA são os auxiliares, pois como o enfermeiro da RPA é também responsável pelo centro cirúrgico, esse era um dos motivos de não estarem tão próximos das crianças. Pelo menos isso foi o que inferimos.

TRABALHANDO AS INFORMAÇÕES: Após o registro das entrevistas gravadas identificamos o que era comum no conhecimento dos enfermeiros sobre comunicação e como recebiam as crianças na RPA (representado no Quadro I). Em seguida trabalhamos os registros feitos sobre a observação dos cuidados prestados pelos auxiliares de enfermagem(Quadro II).

 

 

 

 

Daí emerge uma categoria de análise. Comunicação em enfermagem na fala dos enfermeiros sobre o que é e como fazem, pode ser assim definida: COMUNICAÇÃO e CUIDADO - os enfermeiros PENSAM que sabem e SABEM o que não fazem: a manutenção do cuidado racional e o "devir" sensível.

Finalmente trabalharemos os nossos registros sobre a observação que fizemos quando os auxiliares de enfermagem cuidam da criança na RPA.

Os registros sobre o que os auxiliares fazem dão origem a segunda categoria do estudo que chamamos de - CUIDAM e sem SABER, FAZEM um cuidado SENSÍVEL: esquecendo o cuidado racional.

 

VI - OS RESULTADOS (Análise e discussão das categorias)

- Categoria 1: COMUNICAÇÃO e CUIDADO - os enfermeiros PENSAM que sabem e SABEM o que não fazem: a manutenção do cuidado racional e o "devir" sensível.

As informações desta categoria indicam que o conhecimento das enfermeiras sobre comunicação é resultante de suas experiências empíricas, apesar de SER DIFÍCIL se comunicar com as crianças no pós-anestésico, mas elas dizem que é: Forma de expressão ; Entender o outro; Conseguir manter laços com a criança; Entrar no mundo da criança; Não deixar que se assuste; Facilitar a compreensão dela; Saber abordar, transmitir o que o cliente quer ouvir; Maneira de conseguir falar com a criança; Uma forma de abordar a criança.

Ao responder sobre o que é comunicação os enfermeiros não se reportam a um saber científico, mas um saber que é resultado de seu fazer, de seu viver no cotidiano de ser enfermeiro. Não está claro como eles sabem como fazer o que relacionaram como comunicação.

Para Eltz (1994:17), "a comunicação implica em compreensão, pressupõe entendimento das partes envolvidas. Não existirá o entendimento se não houver anteriormente a compreensão".

Desta afirmação entendemos que para uma comunicação eficaz é necessário um conjunto de aspectos que permitam clareza, sem esta a possibilidade de haver desentendimentos pode ser responsável por interferências na transmissão do que se quer dizer e a interpretação do sujeito que capta a mensagem pode ficar comprometida. E por sabermos que neste caso o intérprete, receptor do cuidado, é a criança que se encontra hospitalizada e numa condição que pode não ser favorável a um bom entendimento, caberá ao enfermeiro utilizar-se de outras formas de comunicação, que não a verbal, pois este precisará usar associado ao seu saber prático, o saber científico, necessário para uma boa compreensão das necessidades expressas ou pelo corpo ou pela forma e condição em que se encontra a criança.

Como nos dizem Bittes e Matheus (1996:63), "A comunicação engloba todas as formas que uma pessoa utiliza para afetar o outro, as quais podem ser: VERBAL - falada ou escrita; NÃO-VERBAL - cinésia, toque ou territorialidade; PARAVERBAL - neste caso refere-se ao tom de voz, ao ritmo, suspiros, períodos de silêncio e entonação que damos às palavras quando falamos".

A autora afirma ainda que "Na forma NÃO-VERBAL a mensagem é emitida e recebida pelos órgãos dos sentidos, e compreende, além da expressão corporal, gestos e toque."

Figueiredo et al. (1998:145), ao referir-se ao "toque" nos diz que este é "A matriz de todos os sentidos, que dá significado humano `a pele; é o ato revolucionário que revela a dimensão da capacidade humana".

No entanto, nos parece correto entender que eles SABEM como receber a criança na RPA e que a linguagem utilizada em suas respostas é de quem faz ou fez em algum momento de sua prática esse cuidado direto às crianças.

Entretanto, durante o nosso período de estágio sentimos falta da presença deles cuidando diretamente das crianças, embora saibamos que eles não são responsáveis apenas pela RPA. Porém isto não os impediu de nos informar que sabem como receber as crianças mas que o cuidado que envolve esta prática está ligado a um cuidado racional - que envolve técnicas e tecnologias; que se liga a aferição de sinais vitais e controle de sinais e sintomas.

Como nos afirma Waldow (1998, p.52), " O cuidado tecnológico, também, de certa forma, está presente nas diversas civilizações, porém de maneira indiferenciada, às vezes, das práticas de cura, ou seja da medicina." O que nos permite interpretar e dizer que a ênfase do cuidar desses profissionais( enfermeiros ), ainda está muito voltado para os procedimentos e as tarefas objetivando sempre a cura.

Cuidados que permanecem, que são rotineiros, que são do cumprimento de ordens e não aqueles que estão ligados a um cuidado que envolve o sensível e a emoção como forma de tranqüilizar e evitar transtornos para o cliente.

Em algumas informações é comum os enfermeiros optarem por chamar a mãe das crianças para evitar o sofrimento de quando acordar da anestesia não se assustar com a ausência dela. Para Marcondes (1973, p.122), "Idealmente toda criança deveria ser internada junto com sua mãe para evitar traumas decorrentes da separação da mesma".

Mesmo assim este cuidado não é entendido como comunicação, como também em nenhum momento nos foi indicado nas entrevistas que quando cuidamos, o que quer que façamos envolve comunicação que pode ser verbal e/ou não verbal. Poucos são os enfermeiros que pensam em algo mais sensível quando prestam seus cuidados, portanto, é necessário interagir com a criança da sala de RPA de forma mais ampla . Como nos diz Waldow (1998, p.62) " requer o conhecimento de sua natureza física, social, psicológica e suas aspirações espirituais", o que nos direciona a buscar o desenvolvimento de uma enfermagem capaz de incluir em seu cuidado a arte, a ciência e a tecnologia.

- Categoria 2: CUIDAM e sem SABER, FAZEM um cuidado SENSÍVEL: esquecendo o cuidado racional.

Nesta segunda categoria apontamos a partir de observações feitas aos auxiliares que prestavam os cuidados às crianças da RPA, o cuidado sensível, onde evidenciou-se também a partir de nossas observações o afastamento desses com relação ao cuidado racional. Compreendemos nestes profissionais o cuidado sensível ao percebermos o modo carinhoso de cuidar das crianças: tocando, fazendo afagos, conversando com estas mesmo ainda antes de acordarem, fazendo carícias, explicando como foi realizada a cirurgia, aquecendo o corpo e perguntando se ainda sentiam frio.

Analisando esta maneira dos auxiliares cuidarem entendemos que, mesmo estes não tendo a mesma carga de conhecimentos e competências do enfermeiro, são capazes de aplicar um cuidado sensível às crianças, ou pelo menos sentem a necessidade de um cuidado com mais sensibilidade e o fazem mesmo sem ter a consciência de que estes são cuidados tão necessários quanto àqueles, racionais, ora esquecidos pelos mesmos.

Importante se faz destacar que o cuidado sensível observado nos auxiliares insere a enfermagem em uma atividade criativa possível para aqueles capazes de se emocionar com o outro, o que para Figueiredo (1998) envolve a dimensão estética da enfermagem como arte.

O ato de conversar com a criança, aquecê-la, tentar explicar o que está ocorrendo ou acariciá-la, revelou um cuidado humano que tenta satisfazer uma necessidade manifestada por essa criança através de seu choro, de sua expressão. É nesse cuidado humano que percebemos a compaixão considerada por Boff (2000, p.15) como " sair de si mesmo e de seu próprio circulo e entrar no universo do outro enquanto outro, para sofrer com ele, para cuidar dele, para alegrar-se com ele e caminhar junto a ele".

 

VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do pouco tempo que tivemos, como estudantes em estágio curricular, para pesquisar o que os enfermeiros sabem sobre comunicação e como recebem a criança na RPA e como as auxiliares fazem o cuidado, nos foi possível identificar que existem dois modos de se saber sobre a comunicação como instrumento básico do cuidado, isto é, o enfermeiro tem um saber empírico - vivenciado sobre comunicação e sabem cientificamente como receber a criança na RPA e o auxiliar de enfermagem não pensa e nem sabe cientificamente, mas empiricamente faz um CUIDADO DIFERENTE, que envolve sensibilidade.

Importou-nos também analisar a necessidade da aplicação prática das diversas formas de comunicação na prática de enfermagem como redutoras dos desconfortos causados às crianças da RPA enquanto ali internadas, permitindo uma assistência de enfermagem de qualidade, onde além da prestação do cuidado racional, com equipamentos e tecnologias, favorecesse o cuidado sensível, que ao nosso ver torna-se de extrema relevância para a criança, considerando-se o estado em que se encontra. Foi também durante o desenvolvimento deste trabalho que passamos a refletir sobre o quanto se faz necessário para o cliente o cuidado humano, cuidado que ao nosso ver envolve tocar, olhar, acariciar confortar, explicar, ter amor e compaixão, cuidado este que segundo Waldow apud Watson (1998, p.68), está ameaçado pela desenvolvida tecnologia médica, pelas restrições burocráticas e administradoras das instituições.

 

VIII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARE, B.G.; SMELTZER, S.C... Brunner & Suddarth, Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Tradução de Isabel Cristina Fonseca da Cruz. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 1998. p. 340-368

BITTES JR, A.; MATHEUS, M.C.C. Comunicação. In: CIANCIARRULLO, T.I. (Org.). Instrumento Básico para o Cuidar: um desafio para a qualidade de assistência. São Paulo: Editora Atheneu,1996. p. 61-73.

BOFF, L. Princípio de Compaixão e Cuidado. Tradução de Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 2000. 164 p.

ELTZ, F. Qualidade na Comunicação - preparando a empresa para encantar o Cliente. Bahia: Casa da Qualidade, 1994. 116p.

FIGUEIREDO, N.M.A.; MACHADO, W.C.; PORTO, I.S.; FERREIRA, A.M. A Dama de Branco Transcendendo para a Vida/Morte através do Toque. In: MEYER, D.S.(Org.) Marcas da Diversidade: Saberes e Fazeres da Enfermagem Contemporânea. Porto Alegre: Arte Médica, 1998. p. 137-169.

MARCONDES, E. Pediatria: doutrina e ação. São Paulo: Editora Sarvier, 1973. 377p.

MINAYO, M.C.S. (Org.).Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. 80p.

SCHMITZ, E.M. A Enfermagem em Pediatria e Puericultura. São Paulo: Ateneu, 1995. 504 p.

WALDOW, V.R. Cuidado Humano - O resgate necessário. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998. 204p

 

 

ANEXOS

ANEXO 1

Instrumento para Entrevista aos Enfermeiros

1) O que é comunicação para você?

2) Como você recebe a criança na RPA?

 

ANEXO 2