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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

O cuidado de enfermagem psiquiátrica como espaço para a comunicação na reabilitação psicossocial*

 

Psychiatric nursing care as a communication space in psychosocial rehabilition

 

 

Edna Gurgel CasanovaI; Isaura Setenta PortoII; Rosane Mara Pontes de OliveiraIII

IProfessora Titular do Curso de Enfermagem - Universidade Severino Sombra e Doutoranda em Enfermagem - EEAN-UFRJ
IIProfessora Adjunta e Doutora em Enfermagem – EEAN-UFRJ. Pesquisadora Cnpq
IIIProfessora Assistente e Mestre em Enfermagem – EEAN-UFRJ. Diretora do Serviço de Enfermagem - IPUB-UFRJ

 

 


RESUMO

Pesquisa sobre o cuidado de enfermagem como espaço para a comunicação na reabilitação psicossocial, em uma unidade de internação psiquiátrica. As bases teórico - conceituais resultaram da articulação entre conceitos da área de comunicação, do cuidado de enfermagem e da reabilitação psicossocial. Os dados coletados através da observação participante e de entrevistas vinculadas às situações observadas foram classificados, a partir de seu conteúdo relacionado à comunicação para a reabilitação psicossocial resultando em duas categorias: comunicação como evidência de atitudes emanadas dos princípios da reabilitação; comunicação inserida em dispositivos terapêuticos institucionais. Os resultados mostraram que os integrantes da equipe de enfermagem evidenciaram, através de suas ações, atitudes em consonância com a reabilitação psicossocial, embora de certa forma como ações espontâneas e não ativamente introjetadas. Ainda mostraram que, a comunicação ocorrida no interior dos dispositivos terapêuticos não foi sistematicamente estabelecida, dependendo da participação por interesse pessoal dos integrantes da equipe de enfermagem.

Palavras-chave: cuidado de enfermagem psiquiátrica, reabilitação psicossocial, comunicação


ABSTRACT

This research deals with nursing care as a space for communication in psycho-social rehabilitation, in a psychiatric hospitalization ward. The theoretical-conceptual bases resulted from the articulation between concepts from the fields of communication, nursing care and psychosocial rehabilitation. The data collected through participant observation and interviews connected with the observed situations were classified on the basis of their contents with respect to communication for psychosocial rehabilitation, resulting in two categories: communication as an evidence for attitude originating in rehabilitation principles; communication inserted in institutional therapeutic mechanisms. The results showed that, through their actions, the members of the nursing staff evidence attitudes in consonance with psycho-social rehabilitation, although they take the form of spontaneous and not actively inserted actions. They also showed that the communication which took place within the therapeutic mechanism was not systematically established, depending on whether the participation resulted from personal interest of the members of the nursing staff.

Key words: psychiatric nursing care, psychosocial rehabilitation, communication


 

 

À GUISA DE INTRODUÇÃO: SOBRE A COMUNICAÇÃO E O CUIDADO DE ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA

É objetivo deste trabalho analisar os cuidados de enfermagem que são desenvolvidos em uma unidade de internação hospitalar psiquiátrica, que apontam para uma consonância com a reabilitação psicossocial, preconizada na Reforma Psiquiátrica.

Este trabalho apresenta o processo de comunicação, como um campo de ação de natureza complexa, considerado como um determinante na qualidade do cuidado de enfermagem psiquiátrica, tendo como horizonte a reabilitação psicossocial.

O termo comunicação, por sua larga aplicação e utilização exige um definição. Para Sodré (1996, p. 11), é a ação de pôr em comum tudo aquilo que, social, política ou existencialmente, não deve permanecer isolado. Continua dizendo que o afastamento provocado pelas diferenças individuais atenua-se graças a um laço formado por recursos simbólicos de atração, mediação ou vinculação.

Através da proliferação das tecnologias e a profissionalização das práticas, a comunicação torna-se um objeto, que assegura o intercâmbio conceitual entre as diversas disciplinas. Os pesquisadores da "Escola de Palo Alto" (Bateson, Hall, Goffman, Watzlawich) provenientes de horizontes disciplinares diversificados, justificaram suas idéias afirmando que, por menor que sejam as interações não podem ser reduzidas a duas ou mais variáveis trabalhadas de maneira linear. Para estes estudiosos, a essência da comunicação encontra-se nos processos relacionais e interacionais. Desta forma, atribuem à loucura a uma perturbação da comunicação entre o indivíduo portador do sintoma e a sua realidade social (Mattelart, 2001, p. 57-71).

Considerando que, todo comportamento humano possui um valor comunicativo, ao se estudar o fenômeno da comunicação frente aos variados contextos, deve-se ressaltar a permanência contínua do processo e o caráter relativo dos comportamentos.

Desta forma, compreendendo o cuidado de enfermagem como uma prática milenar, fortemente influenciado pela cultura, podemos a partir do cotidiano da prática identificar e analisar as concepções ideológicas escolhidas pelos integrantes da equipe de enfermagem na orientação do seu trabalho. É importante destacar o caráter dinâmico e singular que envolve toda e qualquer situação de comunicação. Assim entendido o processo comunicacional, admite-se que haja uma interpenetração do sujeito com o meio técnico e operacional (Sodré, 1996, p. 25). Isso permite a ampliação das possibilidades de discussões sobre a análise dos cuidados de enfermagem psiquiátrica, uma vez que o novo paradigma da atenção psicossocial exige um olhar e um fazer que transcendam o campo do domínio médico-psicológico.

Nessa perspectiva, considerando-se a multicausalidade da doença mental, o cuidado de enfermagem psiquiátrica deve ajudar o paciente a restituir a sua cidadania e a reconstruir a contratualidade nas três grandes dimensões da sua vida: o habitat, a rede social e o trabalho como valor social (Saraceno, 1996, p. 16).

Assim sendo, cuidar em enfermagem é ultrapassar a trama formal da disciplina, implicando estar aberto para novas passagens, novas maneiras de pensar e viver o cotidiano do trabalho. Neste sentido, cabe ressaltar que, ao analisar o cuidado de enfermagem na dimensão expressiva, característico do cuidado emanado da reabilitação psicossocial, devemos refletir, não só sobre as ações desenvolvidas com os pacientes, mas também sobre os sujeitos que as realizam, assim como para as relações estabelecidas entre eles, as quais poderão apontar para a esperada interação, conforme preconizado pela Reforma Psiquiátrica

Sodré  (1996, p. 12) ao rever a história dos processos comunicativos diz que, em qualquer organização social, onde quer que se encontrem "estruturas comuns" para as diferenças, faz-se presente o laço atrativo ou comunicativo que implementa a aliança simbólica entre os indivíduos vivos ou entre vivos e mortos.

Para este estudo, estabelecemos o emissor e o receptor como sujeitos ativos do evento comunicacional. Assim, ao analisar o cuidado de enfermagem psiquiátrica, devemos lembrar que iremos encontrar dispositivos diversificados, nos quais sempre será manifestada a ação comunicativa. Cabe assinalar que, precisa-se conhecer o contexto cultural, as crenças e valores culturais dominantes da clientela e dos integrantes da equipe de enfermagem, uma vez que os últimos irão influenciar na escolha das palavras utilizadas no cotidiano da prática e nos dispositivos de cuidados de enfermagem psiquiátrica.

Desta forma, a linguagem utilizada no relacionamento terapêutico com pacientes, que tem sua origem em diversos sistemas sociais e culturais, deverá determinar a maneira pela qual ele receberá e responderá as mensagens. Vale a pena mencionar que, a linguagem é apenas uma das formas de comunicação e que as expressões verbais, freqüentemente apresentam ambigüidades.

Nessa linha de pensamento, a comunicação não é uma opção. Ela faz parte do processo de viver. Desta maneira, a comunicação sempre gera sentimentos, no próprio falante ou no outro, o ouvinte. Em decorrência desses sentimentos, poderão surgir atitudes de aproximação ou afastamento entre os parceiros do processo comunicativo.

 Assim, entendemos neste estudo, a comunicação como um processo dinâmico que envolve trocas entre o emissor e o receptor, no qual são realizadas operações psíquicas conscientes e inconscientes. A comunicação inconsciente ocorre sem que haja necessariamente um registro consciente deste fato. Todos os homens respondem às mensagens, de acordo com o seu sistema receptor - emissor mental. Assim, através da comunicação inconsciente, talvez possam ser entendidas algumas dificuldades estabelecidas entre os profissionais e os pacientes. Vale lembrar que, a mensagem do emissor só terá sentido, se encontrar no receptor, algo que a identifique e que a receba adequadamente (Zusman, 2000, p. 180-181).

Como resposta às críticas provenientes do modelo assistencial utilizado no atendimento aos pacientes psiquiátricos surgiram em vários países inclusive no Brasil, movimentos que questionavam o discurso psiquiátrico clássico. O Movimento de Reforma Psiquiátrica em nosso país, passou a entender a loucura como um fenômeno individual, social, cultural e histórico. Assim, na atualidade, os trabalhadores da saúde mental, defensores desse novo paradigma, esforçam-se para ressignificar a fala do paciente, preservar sua capacidade laborativa e garantir o respeito aos seus direitos, em um contexto de cidadania.

Um importante conceito introduzido pela Reforma Psiquiátrica é o de reabilitação psicossocial. Para Saraceno (1996, p.16), a reabilitação é uma exigência ética, que demanda mudança significativa e de raiz na política dos serviços de saúde mental, de forma a promover verdadeira ressignificação da fala dos usuários, de seus familiares e da comunidade em geral. A partir dessa mudança de paradigma, o trabalho na psiquiatria encontrará no acolhimento, na escuta, no convívio e na produção de dispositivos, instrumentos que poderão restituir o poder contratual ao usuário.

A dimensão inconsciente do indivíduo conclama a recondução do indivíduo à comunicação consigo mesmo. Nesta linha de trabalho, a linguagem aparece como uma prática social, tão importante quanto a econômica para a fundação das relações sociais (Sodré, 1996, p.28). No cuidado de enfermagem psiquiátrica a comunicação torna-se então um instrumental essencial, operacionalizável principalmente, através da linguagem.

 

O CAMINHO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO: O USO DE ESTRATÉGIAS PARA O ESTUDO DA COMUNICAÇÃO

Utilizamos a metodologia qualitativa do tipo exploratório. Ao estudar o cuidado de enfermagem como um espaço de comunicação, devemos considerar os sistemas de valores dos pacientes e dos integrantes da equipe de enfermagem. Esses sistemas irão afetar o processo comunicativo e em conseqüência o cuidado de enfermagem justificando assim, a escolha pelo método qualitativo, como aquele que é capaz de detectá-los.

Tendo em vista a necessidade de identificar os cuidados de enfermagem que estivessem em consonância com a reabilitação psicossocial, escolhemos a abordagem com aproximação etnográfica visando alcançar o objetivo da pesquisa. Assim, esta escolha permitiu estudar o social, em suas condições históricas e culturais, tal como indicado por Laplantine (1995, p.167). Neste sentido, os dados foram selecionados a partir da sua implicação com a reabilitação psicossocial, embora surgissem também atitudes/cuidados vinculados ao velho paradigma da assistência psiquiátrica, o asilar / manicomial. A finalidade de estudar a comunicação no contexto da reabilitação psicossocial justificou esta opção.

O cenário da pesquisa foi uma enfermaria de um hospital universitário psiquiátrico com capacidade para atender até setenta e dois pacientes de ambos os sexos. Participaram do estudo sete enfermeiros e dezessete profissionais de nível médio de enfermagem. Cabe ressaltar que o serviço de enfermagem do campo da investigação foi reorganizado de forma coerente com a política de saúde mental brasileira.

A autorização para a realização do trabalho de campo foi assegurada através de instrumento padronizado pela Instituição em estudo e do termo de consentimento livre e esclarecido, em atendimento ao item IV da Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

Utilizamos como instrumentos de coleta de dados, a observação participante registrada através de diário de campo, e a entrevista (livre) gravada em fita magnética cassete, que estava  vinculada às situações observadas. Realizamos noventa horas de observações e dez entrevistas.

Os dados foram discutidos à partir da técnica de análise de conteúdo, tal como proposto por Bardin (1997, p.38). A autora define análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de mensagens.

A partir do agrupamento e reagrupamento dos dados construímos duas categorias empíricas, tendo como fundamento os elementos conceituais sobre o cuidado de enfermagem psiquiátrica, a Reforma Psiquiátrica e a comunicação.

 

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS: A COMUNICAÇÃO NO CUIDADO E NOS DISPOSITIVOS TERAPÊUTICOS

Os resultados obtidos deram origem as duas categorias: comunicação inserida em dispositivos terapêuticos institucionais e comunicação como evidência de atitudes inspirados nos princípios da reabilitação psicossocial.

- Categoria I: Comunicação inserida em dispositivos terapêuticos institucionais

Um serviço de boa qualidade move-se num campo de possibilidades, que se reorganiza quotidianamente, tendo em vista garantir a reabilitação dos pacientes dentro dos limites e potencialidades individuais. Saraceno (1999, p.100) refere que, as pessoas são recursos de um serviço (manicômio ou outros), não apenas na análise do seu quantitativo, mas considerando de maneira substantiva, a qualidade das intervenções por elas estabelecidas.

Verificamos que a partir da Reforma Psiquiátrica, em vários serviços tem-se implementado dispositivos diversificados de atenção o que vem possibilitando mudanças nos cuidados aos pacientes. No local do estudo, além das modificações ambientais, gerenciais e assistenciais, encontramos novos dispositivos de cuidados de enfermagem, tais como: o salão de beleza, a assembléia de pacientes, o baile, a oficina de sexualidade, o ateliê de costura e a visita domiciliar.

No entanto, registramos uma pequena participação dos integrantes da equipe de enfermagem nestes locais. O depoimento a seguir ilustra esta afirmação:

(..) o salão de beleza é muito bom! No entanto, ele não foi planejado para funcionar dessa maneira. Todos deveriam no seu dia a dia trabalhar no salão. No entanto, não é isso que tem acontecido, temos encaminhado os pacientes (Enfermeira Carolina).

Ao analisar esse dado de realidade do cenário da pesquisa, lembramos que o cuidado de enfermagem aparece como um resultado de um trabalho em que os agentes transformam o corpo de conhecimentos em técnica. Assim, talvez a prática de cuidar utilizada no salão de beleza esteja sendo entendida como desvalorização das atividades profissionais, o que explicaria a baixa participação dos integrantes da equipe de enfermagem. Entretanto, cabe lembrar que a interação como um dos objetivos do processo comunicativo pode acontecer em qualquer lugar ou sistema social.

Continuando nessa linha de pensamento, é praticamente consensual que o cuidado de enfermagem, baseado na ação interativa alimentada pelo desejo de ajudar o outro, exige criatividade e capacidade de lidar com o imprevisível. Nestes termos, os novos dispositivos de cuidados de enfermagem utilizando-se de recursos terapêuticos e sociais apresentam-se flexíveis, factíveis e singulares.

No entanto, o vasto arsenal cultural existente no Brasil não foi considerado nos avanços do modelo biomédico ocidental. Essa postura descaracterizou as formas de cuidar, parecendo haver despido os indivíduos de suas influências sócio - culturais. Para Sodré (1996, p. 94):

a comunicação contrapõe-se a homogeneização atribuída pela cultura, respondendo com a heterogeneização dada pela polivalência do cotidiano, pela diferenciação étnico - simbólica, pela pluralidade dos espaço - tempo de interação afetiva ou comunitária.

Diante desta lacuna, lembro que a assembléia de pacientes como um dispositivo de cuidados de enfermagem constitui-se também em um momento privilegiado de comunicação entre os pacientes e os integrantes da equipe de saúde. É oportuno mencionar que embora os participantes do estudo tenham declarado importância significativa aos novos dispositivos terapêuticos, suas participações foram esporádicas:

Inicia a assembléia com dezessete pacientes. Todos os integrantes da equipe de enfermagem, continuam escrevendo. Só participam os bolsistas de enfermagem (DC. 30/4/2001).

Não há dúvida de que essa limitação está relacionada a histórica tendência da enfermagem trabalhar dentro de uma estrutura rígida, rotinizada, prevista com antecipação e repetitiva. Por isso, quando surge uma possibilidade de mudança, as verdades estabelecidas são questionadas, o que implica a necessidade de desestabilizar a racionalidade anteriormente dominante, alterando a própria concepção do cuidado (Lopes, 1998, p. 43 - 52). 

-        Categoria II: Comunicação como evidência de atitudes inspiradas nos princípios da reabilitação psicossocial

De uma forma ampla podemos dizer que, na categoria: Comunicação como evidência de atitudes emanadas dos princípios da reabilitação psicossocial, encontramos variadas ações no cotidiano da enfermagem na enfermaria psiquiátrica, reveladoras da inserção dos integrantes da equipe de enfermagem no novo paradigma da atenção psiquiátrica. Dentre elas, observamos cuidados que mostram atitudes de acolhimento, redimensionamento da psicofarmacoterapia, estímulo ao restabelecimento da autonomia e dos laços sociais dos pacientes e valorização da comunicação afetiva através da empatia e do relacionamento terapêutico.

Entendendo que os sinais de uma dificuldade são manifestações dessa dificuldade, não se resumindo neles, para que se estabeleça uma comunicação efetiva/afetiva é necessário que dinamizemos o nosso olhar, a nossa escuta, a nossa atenção e a nossa reflexão (Collière, 1999, p. 298-299).

Assim, a situação descrita a seguir exemplifica como a comunicação é determinante para o desenvolvimento dos cuidados de enfermagem planejados a partir de um projeto individualizado, com vistas a garantir um cuidado singularizado:

(...) fui depois conversar com o paciente que levantou a situação do roubo na assembléia dos pacientes. (..) Nestas situações, tento envolver ao máximo os pacientes para que, juntos, consigamos resolver as situações, sempre baseadas no diálogo  (Enfermeira Priscilla).

Desta forma, na implementação do cuidado, reafirma-se a importância da comunicação verbal com o cliente, visto que ela representa seus desejos, suas condições existenciais, suas relações com as pessoas e o mundo. Portanto, se o falar possui um significado relevante, a escuta também goza dessa propriedade. Na verdade as concepções do eu e visões do mundo diferenciadas levam a diferentes maneiras de ouvir e  nomear comportamentos como sintomas, explicações e maneiras de reagir aos problemas psiquiátricos (Bibeau, 2000, p. 10-17). A fala a seguir, evidencia essa tendência:

Só medicar não adianta. Primeiro você medica, depois conversa. No começo (na crise), ele precisa muito de remédio. Com a conversa, você pode até tirar a medicação (Auxiliar de Enfermagem Tatiana).

Ao refletir sobre esse depoimento, é necessário atentar para a psicofarmacoterapia apenas como uma parte dos cuidados a serem desenvolvidos com o paciente. Dessa forma, a partir da comunicação verbal (incluindo a escuta qualificada), estabeleceu-se o reforço de um vínculo interativo. Esta atitude é indicativa do deslocamento do direcionamento tradicional do fazer da Enfermagem Psiquiátrica. Nesta categoria verificamos que tem ocorrido uma reinvenção do cotidiano, através de cuidados que traduzem a expressão subjetiva dos pacientes com transtornos psiquiátricos e portanto, passando a ter uma aproximação com a reabilitação psicossocial.

 

À GUISA DE CONCLUSÃO:

Retomando a posição de Mattelart (2001, p.57-71) sobre a vinculação entre as perturbações psíquicas e as perturbações da comunicação, apresentada no início deste texto, o cuidado de enfermagem psiquiátrica apresentou-se como um compartilhar de experiências, nas quais a comunicação foi o elemento fundante para que o processo de  reabilitação psicossocial fosse  iniciado.

Apesar de alguns resultados mostrarem uma baixa participação dos integrantes da equipe de enfermagem, ela pode ser interpretada como o início do abandono das posições assumidas desde muito tempo compatíveis com o modelo assistencial asilar. Assim, as iniciativas de participação mostram que existe disposição para mudar, embora ainda sejam encontradas resistências normais em todo processo de mudança.

Nesta perspectiva, ressaltamos a necessidade da realização de estudos sobre a comunicação na área das interações entre integrantes da equipe de enfermagem e pacientes, para explorar, entre outros aspectos, os próprios comportamentos profissionais e o significado de suas atitudes.

Ainda é fundamental a realização de estudos que apresentem uma articulação essencial entre o cuidado de enfermagem e a comunicação, que poderá elucidar também na decodificação do cotidiano assistencial, profissional e social.

 

Referências bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa - Portugal: Ed. 70, 1997. 221p.

BIBEAU, G. Um antropólogo no campo da saúde mental - agenda para a pesquisa qualitativa (1.ª parte). Arq. Bras. Psiquiatr. Neurol. Med. Legal. Rio de Janeiro, n. , v. , p. 10 - 17, jul. / set. 2000.

COLLIÈRE, M. F. Promover a vida - da prática de mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. Lisboa - Portugal: Lidel Edições técnicas Ltda., 1999. 385p.

LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1995. 205p.

LOPES, M. J. M. Imagem e singularidades: reinventando o saber da enfermagem. In: MEYER, D. E.; WALDOW, V. R.; LOPES, M. J. M. (Orgs.). Marcas da diversidade: saberes e fazeres da Enfermagem contemporânea. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 241p.

MATTELART, A.; MATTELART, M. História das teorias da comunicação . São Paulo: Loyola, 2001. 220 p.

SARACENO, B. Reabilitação psicossocial - uma prática à espera da teoria. In: PITTA,  A. (Org.). Reabilitação psicossocial no Brasil. São Paulo: HUCITEC, 1996. 158 p.

------. Libertando identidades - da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Rio de Janeiro: Te Corá - Ed. Instituto Franco Basaglia, 1999. 175p.

SODRÉ, M. Reinventando a cultura - a comunicação e seus produtos. Petrópolis - RJ: Vozes, 2000. 180 p.

ZUSMAN, J. A. Sobre os processos comunicativos inconscientes. Cadernos IPUB. Rio de Janeiro, n. 9, p. 177 - 192, 2000. (Tema: A pesquisa e o ensino da psicanálise na universidade).

 

 

* Este trabalho foi elaborado a partir de dados parciais da tese de doutorado " O cuidado de enfermagem em unidade de internação psiquiátrica: uma transição do asilar para a reabilitação psicossocial – o familiar e o exótico.