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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Oficina de saúde sexual e reprodutiva para surdos: estratégia metodológica para minimizar ruídos de comunicação

 

Sexual and reproductive health workshop for the deaf: methodological strategy for minimizing comunication problems

 

 

Rosiléa Alves de SousaI; Lorita Marlena Freitag PagliucaII

IDoutora em enfermagem. Enfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Rua Pedro Machado, 921, Bloco A, Apto 104 – Damas. CEP- 60.416-430. email – rose_alves@hotmail.com
IIDoutora em enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará

 

 


RESUMO

Considerando que os surdos necessitam aprofundar os seus conhecimentos sobre saúde, propomo-nos a avaliar a implementação de oficinas baseadas na utilização de um manual, que intitulamos Saúde sexual e reprodutiva: Falando para surdos, dirigido para esta população e em exercícios participativos. Na tentativa de explicar os fenômenos educativos presentes neste estudo, embasamo-nos na Teoria de Freire (1980, 1993, 1994, 1999), visto que nossa proposta envolve a educação de adultos. Esta pesquisa-ação foi desenvolvida com surdos participantes de duas pastorais da Igreja Católica em Fortaleza. Os resultados mostraram que a metodologia é viável, pois os exercícios participativos reduziram as dificuldades de comunicação, além de facilitar a transmissão dos conteúdos e a avaliação da aprendizagem. Concluímos que as oficinas representam um passo importante para uma assistência de qualidade no contexto da saúde sexual e reprodutiva para surdos.

Palavras-chave: surdez, educação em saúde, sexualidade


ABSTRACT

Considering that the deaf need to improve their knowledge on health, we propose to investigate the implementation of workshops on the basis of the usage of a guidebook called Sexual and Reproductive Health: Speaking to the Deaf, which is aimed at this group and uses participative exercises. In an attempt to explain the educative phenomena present in this study, we started from Paulo Freire´s Theory (1980, 1993, 1994, 1999), since our proposal involves the education of adults. This research-action was developed with deaf people who participate in two Catholic Church groups in Fortaleza. The outputs showed that the method is viable, since the participative exercises reduced communication difficulties, besides facilitating the transmission of contents and the evaluation of the deaf´s learning. We concluded that the workshops in this study represent an important step towards quality care in the context of sexual and reproductive health for the deaf.

Key words: deafness, education in health, sexuality


 

 

Introdução

No bojo da educação em saúde, é perceptível a ocorrência de vivências centradas na figura do profissional de saúde, que detêm a hegemonia do conhecimento, gerando estratégias repetitivas, baseadas em sessões educativas expositivas e no uso inadequado do material áudio visual que, ao invés de servir de apoio, torna-se o roteiro pré-estabelecido para o desenvolvimento deste processo. Esta realidade tem criado um fluxo unilateral de comunicação, dificultando o desenvolvimento do pensamento crítico por parte do educando, que, na maioria das vezes, assimila o que lhe foi imposto, sem qualquer questionamento ou associação com sua vida cotidiana.

Estes obstáculos são ainda mais graves quando a temática abordada envolve a saúde sexual e reprodutiva e quando o público alvo de nossa orientação está composto de pessoas surdas, visto que se somam duas dificuldades: a abordagem do tema que, em geral, está revestido de mitos e tabus e o fato de que as dificuldades de comunicação entre surdos e ouvintes – como são chamadas as pessoas consideradas com audição dentro dos limites normais – dificulta a transmissão dos conteúdos.

Em recente pesquisa sobre metodologia educativa para casais surdos (Nogueira, 1998), observamos que os surdos são carentes das informações relativas aos métodos para evitar a gravidez e confirmamos, também, o interesse em conhecer a propedêutica contraceptiva, tanto para o seu uso, como para disseminar as informações entre seus pares.

Diante desta situação, buscamos através da comunicação total viabilizar momentos educativos, tendo como estratégica metodológica, as oficinas que intitulamos de Oficinas de Saúde Sexual e Reprodutiva, baseadas na comunicação total, defendida por Ciccone (1990), que implica em uma completa liberdade na prática de quaisquer estratégias, que permitam o resgate da comunicação, total ou parcialmente, bloqueada. Seja pela linguagem oral, língua de sinais, datilologia, pela expressão corporal e facial, ou ainda, pela combinação desses modos, o que importa é aproximar pessoas e permitir contatos.

Concordando com Melles e Zago (1999), que afirmam que a atividade educativa do enfermeiro tem se destacado, nos últimos dez anos, como fundamental para a promoção e manutenção da saúde, entendendo que os surdos podem e devem ser inseridos no contexto da educação em saúde, considerando que necessitam aprofundar os seus conhecimentos sobre o tema saúde sexual e reprodutiva e atendendo a uma solicitação deste grupo, propomo-nos a avaliar a implementação de oficinas de saúde sexual e reprodutiva, baseado no uso de exercícios participativos adaptados para a população surda e a utilização do manual elaborado especialmente para o grupo.

 

O referencial teórico-metodológico

Sabendo da dificuldade de promover educação neste tema e reconhecendo as diversas nuanças da educação de adultos, pretendemos facilitar a abordagem educativa utilizando técnicas que estimulem a discussão do assunto sem medos ou angústias, permitindo o despertar para a conscientização desta população quanto à importância da saúde reprodutiva e sexual em suas vidas. Como adeptos do método Paulo Freire, acreditamos, assim como Haguette (1995), que a educação dos adultos, tanto em saúde sexual e reprodutiva como em qualquer outra área, é uma das instâncias que poderão responder à necessidade de transformação social, dado seu papel de transmissora do conhecimento, formadora do pensar e responsável pela mudança de comportamentos.

Brandão (1994), ao se referir ao método Paulo Freire, considera a conscientização como um processo de transformação do modo de pensar, resultado de um trabalho coletivo, cuja maior característica é a inconclusão. Portanto, a conscientização perpassa por um processo de reflexão-ação, onde cada indivíduo emerge de uma consciência ingênua, percorre uma consciência transitória e evolui até a consciência crítica, que evidencia novos horizontes de conhecimento, determinando a necessidade de se lançar em busca de outros aprendizados e oportunizando a tomada de decisão compatível com a opção adequada à sua vivência e ao seu compromisso com a realidade social.

As técnicas do método pedagógico de Freire (1980, 1993, 1994, 1999) prevêem o alto significado do cotidiano no universo do educando de forma que o conhecimento do conteúdo a ser estudado, transfigurado pela sua análise crítica, assume uma ação transformadora do mundo de cada aluno. Dessa forma, Freire (1999) preconiza o respeito aos saberes do aluno, que ele considera socialmente construídos na prática comunitária.

Lovisolo (1988), analisando Freire, considera que a principal característica do seu modelo é o esforço para realizar uma educação que envolve as questões políticas no horizonte da autonomia, tratando de construir um fazer, um saber ou um pensar correlato e emancipador no cotidiano do educando.

Freire (1994) condena a idéia de educar sem respeitar o clima cultural do aluno, entendendo que é impossível desvincular o tema em questão da vivência de cada um dos integrantes da caminhada educativa. Assim, a educação de adultos deve se dar dentro de um clima de troca de experiências, principalmente valorizando, como sugere Friedenthal-Haase (1992), a interculturalidade e a multiculturalidade do educando, pois a grande dificuldade no processo educativo deste grupo é a condição em que o discente se coloca como ser acabado, enquanto que a criança e o jovem revelam-se abertos para novos conhecimentos.

A metodologia de Freire (1980) distribui sua proposta educativa em cinco fases:

1ª fase: A descoberta do universo vocabular do grupo a ser estudado.

2ª fase: A seleção de palavras dentro do universo vocabular do educando.

3ª fase: A criação de situações existenciais típicas do grupo com o qual se trabalha.

4ª fase: A elaboração de fichas indicadoras que ajudam aos coordenadores do debate em seu trabalho.

5ª fase: Consiste na elaboração de fichas ou outros materiais que garantam ao educando o poder de discernimento sobre as palavras geradoras.

Enfim, Freire (1994) prevê que a educação se processe, respeitando o ambiente cultural do aluno e entendendo que é impossível desvinculá-lo das suas vivências anteriores. A partir desse referencial, pretendemos criar um ambiente educativo onde os surdos sejam os sujeitos da sua própria aprendizagem.

 

O desenho metodológico

Este estudo teve suporte na pesquisa-ação, que segundo Thiollent (1998), tem estreita associação com a ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual pesquisadores e representantes da situação onde se insere o problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Freire (1994) afirma que toda pesquisa com ênfase na educação tem como ponto chave a investigação do pensar de uma população e quando se investiga uma população junto com ela, tanto mais se está promovendo educação e modificando sua cultura inicial.

Identificamo-nos também com a pesquisa convergente-assistencial, por considerarmos uma modalidade da pesquisa-ação aplicada na enfermagem. Trentini e Paim (1999) reforçam que no desenvolvimento deste tipo de pesquisa, existe uma estreita relação com a situação social, com a intencionalidade de encontrar soluções para problemas, gerando mudanças e introduzindo novidades que possam contribuir para melhoria direta do contexto social pesquisado. Relatam, ainda, que inclui uma variedade de métodos e técnicas pelo fato de que não pretende apenas obter informações, mas, também, envolver os pesquisados, ativamente, no processo.

O universo do nosso estudo foi constituído por surdos inseridos na Pastoral dos Surdos das paróquias de Santa Luzia e São Pio X (dezessete participantes), cujo grupo teve características mais homogêneas, sendo seus componentes, em grande maioria, jovens com idades variando entre 16 e 25 anos; solteiros; e com escolaridade centrada no ensino fundamental.

No que concerne aos aspectos éticos, este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará – COMEPE e registrado no protocolo no 31/01 em 29 de março de 2001, de acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde (Brasil, 1996), que determina a eticidade em pesquisa envolvendo seres humanos. Este estudo atendeu aos quatro critérios desta resolução.

O consentimento livre e esclarecido foi respeitado, à medida que compartilhamos com os surdos a nossa proposta de estudo e que registramos por escrito a concordância dos representantes das instituições onde foram realizadas as atividades. A realização das oficinas fora do horário dos encontros habituais dos surdos também constituiu-se em um fator de liberdade de participação, uma vez que não houve interferência na rotina do grupo.

Quanto à proteção a grupos vulneráveis e aqueles legalmente incapazes, lembramos que os surdos são considerados cidadãos capazes, tendo inclusive direito ao voto, segundo a Constituição Brasileira. Apesar de não ser considerado um critério para a composição da nossa amostra, observamos que o interesse da participação nas oficinas, manifestado entre os surdos adultos, constituiu-se em um fator importante na formação dos grupos.

A garantia do anonimato dos sujeitos da pesquisa foi respeitada à medida em que utilizamos o nome de planetas para substituir o nome dos surdos cujas opiniões mereceram destaque. A opção pelo uso desta estratégia ocorreu como forma de preservar as identidades dos participantes e pela correlação simbólica da situação das pessoas com necessidades especiais e a distância existente entre estes planetas e a Terra. Distância esta que somente torna-se insignificante para os observadores atentos e sensibilizados para esta realidade.

A preferência pela utilização do nome de planetas do sistema solar registra também uma homenagem ao pai da investigadora que, desde cedo, ensinou-lhe a visualizar a beleza do universo, bem como, valorizar pequenas jóias, despercebidas aos olhares menos atenciosos à singularidade do céu e à particularidade dos deficientes.

No que se refere à relação risco benefício, consideramos que o desconhecimento desse segmento da saúde dos surdos representa um grande risco no exercício da sexualidade e que a abordagem que realizamos teve como principal artefato metodológico um processo educativo baseado nas experiências do grupo, de forma que respeitamos sua cultura e respondemos às suas necessidades. Acreditamos, assim, que longe de ser um risco para esta população, o fato de receber informações corretas sobre um tema tão cheio de tabus e preconceitos, somente poderá trazer benefícios, dando oportunidade para o exercício livre e consciente da sua sexualidade.

Quanto a garantia que os danos previsíveis seriam evitados – não maleficência, entendemos que nossa proposta não trouxe prejuízo para os surdos. Consideramos, ainda, que o conhecimento adquirido durante as oficinas poderá contribuir para o bem estar daqueles que experenciam ou pretendem ter vida sexual ativa.

Com relação à justiça e eqüidade, ponderamos que o material elaborado a partir deste estudo, facilitará a atenção em saúde sexual e reprodutiva dirigida aos surdos, minimizando sua vulnerabilidade nos serviços já existentes. Além disso, somos sabedoras de casos em que pessoas pouco escrupulosas se valem do desconhecimento desta temática para a exploração sexual de alguns surdos. Cremos mais uma vez, que este material poderá garantir um maior discernimento dos surdos quanto aos temas discutidos sem preconceitos em nossas oficinas.

As oficinas, intituladas Oficinas de Educação em Saúde Sexual e Reprodutiva para Surdos, com carga horária de oito horas-aula, tiveram como objetivo capacitar os surdos para exercerem sua sexualidade e o seu direito reprodutivo de forma consciente e sem coação.

A opção pelo uso de oficinas como modalidade educativa ocorreu devido a nossa identificação com os conceitos de Pey (1997), que afirma que esta metodologia favorece o diálogo e, mesmo apresentando objetivos iniciais, apóia a ampla exploração do conhecimento, estando aberta a novos acréscimos e desdobramentos, visto que cada novo grupo lhe acrescenta singularidades e facetas de compreensão e investigação.

O número de participantes foi limitado em dez surdos para cada oficina e os temas desenvolvidos nas oficinas ficaram assim distribuídos: o corpo do homem e da mulher; relação sexual e gravidez; pré-natal e parto; prevenção do câncer ginecológico e prevenção de DST e AIDS; descoberta precoce do câncer de mama e métodos anticoncepcionais.

Os recursos metodológicos das oficinas envolveram o estudo do manual intitulado SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA: Falando para surdos, o uso de exercícios participativos e a demonstração dos procedimentos e do uso dos métodos anticonceptivos. Foram considerados exercícios participativos, as atividades que visam mudanças de comportamento a partir do trabalho de grupo, no qual os participantes se sentem sensibilizados pelo processo de aquisição de novos conceitos (Souza & Militão, 1997).

 

As oficinas

Foram realizadas duas oficinas: uma em cada pastoral. O espaço físico para a realização destas atividades foi cedido pela igreja, de maneira que estas ocorreram nas dependências das casas paroquiais que apóiam as ações sociais na comunidade. A primeira atividade realizada estava inserida no momento de apresentação, na qual utilizamos o exercício participativo que denominamos de NOME E SINAL. Ao refletirmos sobre esta dinâmica, consideramos que, no que se refere ao domínio da língua portuguesa, os surdos das pastorais estão em diferentes níveis de conhecimento. Observamos que, enquanto alguns mostravam segurança em escrever seu nome completo, outros necessitavam de ajuda dos demais componentes do grupo para anotar apenas o primeiro nome. Esse fato também ressaltou a interação dos componentes, que se ajudaram mutuamente durante todas as atividades. Quanto ao sinal representativo do nome, percebemos que existe uma associação entre a característica mais marcante da pessoa e a letra principal do nome que consta no documento de identidade. Kojima (2001c) relata que na língua de sinais, a significação das palavras vai depender do contexto e acrescenta que estas, muitas vezes, não têm um sinal próprio, mas depende de uma analogia.

A segunda dinâmica consistiu na divisão do grupo em duas equipes para o desenho dos corpos do homem e da mulher, com a representação dos respectivos aparelhos reprodutores, masculino e feminino. Esta atividade evidenciou os tabus e preconceitos presentes na educação dos surdos e já reconhecidos por nós em outros momentos (Nogueira e Pagliuca, 1999), provavelmente como resultado do fato de que a educação dos surdos está na responsabilidade da família e da escola que, em geral, enfrentam dificuldades para orientar quanto a este aspecto da vida.

Durante o desenvolvimento desta atividade, percebemos que, assim como entre os ouvintes, existem diferenças de aceitação desta temática entre os surdos. No entanto, a dinâmica de grupo favoreceu a quebra desse preconceito e promoveu a oportunidade para enfrentar situações novas e incertas, vencendo as diferenças culturais e de idioma e as dificuldades de acesso a essas informações (Population Reports, 1996a).

Na etapa seguinte desta atividade, cada grupo elegeu um relator, que ficou responsável pela apresentação do seu desenho. Neste momento, acompanhamos as explicações de cada surdo e interação do grupo que esclareciam dúvidas entre si e corrigimos e complementamos as informações. Acredita-se que o cuidado de permitir a interação do grupo entre si atende ao que Castro e Silva (2001) afirmam como um processo de comunicação eficaz, que deve representar um instrumento básico e fundamental para o enfermeiro oferecer uma assistência de enfermagem grupal de qualidade.

As informações sobre a fisiologia dos aparelhos reprodutores, feminino e masculino, foram acompanhadas no manual, incluindo a explanação sobre relação sexual, gravidez, pré-natal e parto. As dúvidas mais comuns neste momento consistiram: no motivo da ocorrência de gravidez gemelar; a importância dos cuidados pré-natais; incluindo as vacinas e o fato de não fazer uso de bebidas alcoólicas e cigarro, entre outras práticas prejudiciais; e, ainda, o acompanhamento do parto no hospital.

O conteúdo seguinte relacionava-se à prevenção do câncer ginecológico e as informações sobre este assunto foram transmitidas, utilizando o manual como material de apoio, demonstrando a prática do exame ginecológico em uma pelve feminina de material sintético, apresentando o material usado durante o exame e explicando a sua finalidade. Durante a atividade ficou evidente a curiosidade dos surdos, principalmente dos homens, que, muitas, vezes, se levantavam dos seus lugares e aproximavam-se da mesa onde estava o material com um comportamento, que nos levou a inferir dúvida e interesse pelo assunto. O espéculo, instrumento utilizado para visualização do colo uterino, foi manipulado entre eles e, na interação dos surdos, percebia-se os questionamentos dos homens dirigidos às mulheres quanto à sensação de dor no momento do exame.

Na etapa seguinte, discutimos sobre as doenças sexualmente transmissíveis, utilizando a abordagem sindrômica preconizada pelo Ministério da Saúde (Brasil, 1999b). Após solicitar aos surdos que interpretassem as informações contidas no manual, apresentamos as gravuras das DST para exemplificar os seus sintomas. Notamos, mais uma vez, as expressões de nojo e repulsa dos surdos ao serem visualizadas as gravuras.

No que se refere à detecção precoce do câncer de mama, iniciamos pela exploração do conteúdo do manual e demonstramos o autoexame por cima da blusa, ressaltando que este exame deveria ser feito quando a mulher estiver sem qualquer vestimenta na mama. Este fato evidenciou a descontração do grupo, quando alguns brincavam, referindo que nós deveríamos tirar a blusa para demonstrar melhor o procedimento.

O estudo sobre os métodos contraceptivos foi acompanhado no manual, porém houve outras dúvidas que foram prontamente esclarecidas por nós. À medida que discutíamos sobre cada um deles, utilizávamos o kit dos métodos para demonstrar cada um deles e, dessa forma, tornar a explicação mais clara e real.

Após o acompanhamento deste assunto no manual, iniciamos uma dinâmica que chamamos de painel de legendas dos métodos, tendo como objetivo sedimentar as informações discutidas. O exercício transcorreu sem qualquer intercorrência e, a participação do grupo, que aconteceu de maneira voluntária e natural, nos levou a inferir que esta atividade teve boa aceitação entre os surdos.

A dinâmica de encerramento envolveu todos os conteúdos ministrados ao longo da oficina e percebemos que o uso da dinâmica das maçãs foi apropriada ao momento. A cor das maçãs chamou atenção do grupo e alguns componentes faziam gestos que simbolizavam a vontade de comer a maçã. Esses gestos eram acompanhados de brincadeiras e risos, demonstrando, mais uma vez, a descontração.

Ao final das oficinas, após oito horas de atividades, percebemos que o grupo mostrava-se disposto e a informação de que a oficina chegava ao final sempre foi recebida com expressões que registravam o desagrado por encerrar um momento de interação e troca de experiências.

Acreditamos oportuno salientar, como reforço destas oficinas como educação libertadora, através do depoimento de uma mãe, que após sua filha ter participado de uma das oficinas como integrante de uma das pastorais, nos telefonou para agradecer a oportunidade deste momento, visto que, a surda antes tímida e reservada quanto ao tema sexualidade, após a oficina, mostrou-se aberta ao diálogo sobre saúde sexual e reprodutiva e a qualquer dúvida durante esta interação buscava apoio no manual.

 

Palavras finais

Entendemos que, a nossa caminhada na busca de um modelo educativo, que diminua as dificuldades de compreensão dos surdos quanto a esta temática, representou, seguramente, um grande passo para resgatar a este grupo o direito à atenção preconizada. Pretendemos, com essa iniciativa, atender aos preceitos de Méndez et al. (1999) que sugere aos serviços de saúde desenvolver atitudes que promovam a liberdade do indivíduo para pensar livremente e assumir idéias de acordo com sua própria convicção.

O desenvolvimento do modelo analisado reforçou o valor dos exercícios participativos que permitiram ministrar conteúdos, utilizando o lúdico como estratégia para evitar a dispersão e o cansaço dos participantes e favorecendo a apreensão das informações e a expressão natural do grupo em assuntos que, em geral, são cheios de mitos e tabus. Este achado confirmou o pensamento de Demo (1997), que pondera que essas atividades podem ser muito eficazes, principalmente quando desenvolvidas em equipe.

Ressaltamos ainda que o uso de outros artefatos didáticos – manequins de papel, pelve de borracha, mamas de material sintético, kit de métodos anticoncepcionais e o material de exame ginecológico foram fatores importantes para o bom aproveitamento dos surdos.

Enfim, concluímos que, diante do exposto, nosso objetivo - avaliar a implementação de oficinas sobre saúde sexual e reprodutiva para surdos, baseado no uso de exercícios participativos adaptados para a população surda e a utilização do manual elaborado especialmente para o grupo – foi alcançado com êxito. Os resultados demonstraram que, esta estratégia metodológica tem plena aceitação dos surdos e que, o manual utilizado nas oficinas, pode ser disseminado independente do uso da metodologia, representando um passo importante para uma assistência de qualidade no contexto da saúde sexual e reprodutiva para surdos.

 

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