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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Análise de conteúdo dos registros da equipe de enfermagem

 

Content analysis of nursing team reports

 

 

Maria Regina LourençoI; Ilza dos Passos ZborowskiII; Ana Maria Barbar CuryIII; Maria Auxiliadora TrevizanIV; Neide FáveroIV

IDoutoranda da Área de Enfermagem Fundamental – EERP USP
IIMestranda da Área de Enfermagem Fundamental – EERP–USP
IIIGerente do Serviço de Enfermagem da Santa Casa de São José do Rio Preto
IVProfª. Titular da EERP-USP – Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem – Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto -SP CEP- 14040 902- Tel: (16) 602 3398

 

 


RESUMO

Este estudo surgiu da crença dos autores sobre utilização de resultados de pesquisa para a melhoria da assistência ao paciente. No ano de 1999 realizamos uma pesquisa para analisar os conteúdos dos registros de enfermagem em um hospital no interior paulista. Seu resultado motivou seu prosseguimento no presente estudo, tendo como objetivos: elaborar um roteiro norteador de registros; oferecer treinamento para a equipe de enfermagem; analisar os conteúdos dos registros ,após o treinamento, comparando-os com os dados da pesquisa anterior. A metodologia utilizada foi análise retrospectiva em 79 prontuários do mesmo hospital. O referencial teórico de Dugas (1984) foi utilizado para a coleta dos dados. Concluímos que o roteiro e treinamento proporcionaram registros mais significativos em termos quantitativos e qualitativos.

Palavras-chave: equipe, enfermagem, registros


ABSTRACT

This study is a result of the authors’ belief about the use of research data for the improvement of patient care. In 1999, we carried out a research in order to analyze the contents of nursing reports at a hospital on the countryside of São Paulo state. Our research results encouraged us to carry out the present study, aimed at: planning guidelines for the reports; training the nursing team; analysing the report contents after the training, comparing them to our previous research data. The used methodology was a retrospective analysis of 79 patient reports at the same hospital. Dugas (1984) has been used as a theoretical reference base for data collection. We concluded that the guidelines and training provided quantitatively and qualitatively more significant reports.

Key words: team, nursing, reports


 

 

Introdução

A anotação de enfermagem é um tema que tem interessado os enfermeiros assistenciais e docentes. Vários estudos têm sido desenvolvidos no intuito de avaliar os conteúdos destes registros.

Burgess (1978) ressalta razões pelas quais anotar, entre elas: que a anotação é uma das formas de comunicação entre os indivíduos envolvidos no cuidado; ressalta sua importância na educação do pessoal da área de saúde, na pesquisa, nas razões administrativas e nos aspectos legais e acrescenta o papel relevante que apresenta no processo de tomada de decisão.

Em 1969, Cordeiro conclui que as anotações de enfermagem não proporcionavam informações significativas para que se possa planejar uma assistência integral e contínua ao paciente.

Angerami et al. (1976) chegam a resultado semelhante, pois encontram baixo índice de anotações, anotações incompletas focadas em prescrições medicas e em rotinas pré estabelecidas.

Em estudos mais recentes , outros autores, apontam que analisando conteúdos de anotações encontraram um conteúdo "pobre " tanto no aspecto quantitativo como no qualitativo (MATOS et al,1998).

Apesar de ser uma preocupação dos enfermeiros não observamos modificações relevantes ao longo do tempo. Fernades (1989) aponta que apesar da enfermagem reconhecer os registros como importantes, estes não têm sido revistos e orientados para atender as suas funções. Coloca ainda, que se não existir um objetivo específico a ser atendido pelas anotações, os elementos da equipe de enfermagem parecem não perceber a importância do conteúdo de suas informações para o processo decisório referente ao cuidado ao paciente.

Em estudo anterior Lourenço et al (2000), preocupados com esta temática, analisamos os registros da equipe de enfermagem de um hospital filantrópico tendo como referencial teórico Dugas (1984) e constatamos: que os registros enfatizavam as atividades médicas; o enfoque dos registros da equipe de enfermagem se fundamentava no processo saúde/doença, principalmente na área psicobiológica; os registros davam ênfase nos cuidados rotineiros executados pela equipe, tornando-se anotações repetitivas nos diversos turnos de trabalho; baixo índice de registro na categoria ensinamentos recebidos pelo paciente, levando-nos a inferir que a equipe de enfermagem não valoriza e até mesmo se omite em relação ao seu papel educativo.

Estas constatações nos motivaram a elaborar um roteiro norteador de registros de enfermagem e oferecer um treinamento para a equipe de enfermagem do hospital estudado, visando modificar a sua qualidade.

Fernandes (1989) coloca que a elaboração de um conteúdo mínimo essencial que favoreça a qualidade das anotações de enfermagem torna-se mais complexa e talvez polêmica, dada a inexistência de um padrão ou perfil que delimite o essencial do que anotar, mas ressalta vários autores que referem-se a alguns pontos ou aspectos que devem ser anotados. A própria autora propõe como sugestão para um conteúdo mínimo de anotações : as condições gerais do paciente, seu estado mental e humor, condições físicas, sinais e sintomas, drenos, sondas, cateteres além do dados referentes às necessidades humanas básicas.

Em nosso estudo seguimos Dugas (1984), que propõe seis categorias para os registros de enfermagem.

 

Objetivos

-Elaborar um roteiro norteador de anotação de enfermagem segundo o referencial teórico de Dugas (1984).

-Promover um treinamento da equipe de enfermagem fundamentado no roteiro elaborado.

-Analisar os conteúdos dos registros da equipe de enfermagem tendo como referencial o roteiro proposto.

-Comparar o conteúdo dos registros da pesquisa anterior (LOURENÇO et al, 2000) com o conteúdo dos registros da pesquisa atual.

 

Abordagem do referencial

Dugas (1984) coloca que as anotações servem para registrar e transmitir seis categorias de informações:

1) As medidas terapêuticas executadas pelos vários membros da equipe de saúde; 2) As medidas prescritas pelo médicos e executadas pela enfermagem; 3) Procedimentos de enfermagem não prescritos pelo médico, porém executados pela enfermeira, para atender às necessidades específicas de um paciente; 4) O comportamento e outras observações relativas ao paciente, consideradas pertinentes à saúde; 5) Respostas específicas do paciente à terapia e à assistência; 6) O registro dos ensinamentos recebidos pelos pacientes.

 

Trajetória metodológica

Foi constituída por 3 etapas:

Primeira etapa: Elaboramos um roteiro norteador de anotação de enfermagem, tendo como eixo as categorias propostas por Dugas (1984), mas invertemos a ordem das categorias enfocando como primeira categoria a ser registrada a quarta categoria apontada por Dugas. Outra modificação realizada foi a inclusão de mais uma categoria denominada : aspectos relevantes apontados pelo paciente ou percebidos pelo profissional em anexo

Segunda etapa: Desenvolvemos um treinamento com 25 profissionais (enfermeiros, técnicos e auxiliares) de enfermagem com duração de 2 horas aula /participante no mês de julho de 2001. Neste treinamento foram apresentados os resultados da pesquisa anterior (LOURENÇO et al, 2000) neste hospital e proposto o roteiro norteador como guia das anotações, reforçando aspectos como registro de alta, e ensinamento ao paciente, aspectos estes que apareceram com baixo número de registros na pesquisa anterior.

Terceira etapa : Fizemos uma análise retrospectiva dos registros contidos em 79 prontuários de pacientes de clínica médica, internados no mês de outubro de 2001, onde os profissionais treinados desenvolvem suas atividades.

A coleta dos dados ocorreu em janeiro de 2002 em um hospital filantrópico do interior paulista utilizando um instrumento elaborado a partir do roteiro norteador implantado. O estudo foi submetido aos comitês de Ética Médica e de Enfermagem da instituição e ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de São Paulo.

Os dados foram então comparados com os achados na pesquisa anterior .

 

Apresentação, análise e discussão dos resultados

Para o desenvolvimento deste estudo, foram analisados 79 prontuários de pacientes de clínica médica sendo que 100% dos mesmos continham anotação de enfermagem nos três turnos de trabalho (manhã, tarde, noturno). Todas as categorias propostas por Dugas e incluídas no roteiro implantado, apareceram nos prontuários analisados (tabela 1).

Para efeito de demonstração e análise apresentaremos os resultados da pesquisa atual ,comparando- a com a pesquisa anterior ,destacando cada uma das seis categorias propostas.

A primeira categoria relativa as medidas terapêuticas executadas pelos vários membros da equipe de saúde foram registradas em 55 prontuários (69,6%), sendo que a visita médica especializada aparece registrada 29 vezes e os exames laboratoriais 22, sendo as mais citadas. Comparando os registros nesta categoria tivemos 50,3% de registros na pesquisa anterior e 69,6% na pesquisa atual.

A segunda categoria é relativa as medidas prescritas pelo médico e executadas pela enfermagem. Esta categoria aparece em 39 prontuários (49,36%) ressaltando as medidas prescritas: inalação, repouso e banho como as mais citadas (tabela 2). Na pesquisa anterior constatamos que o item medicação apareceu em 101 registros. Na pesquisa atual não há registro de medicações feitas, ficando o mesmo registro apenas na checagem da prescrição médica, não incorrendo a duplicação de informações da pesquisa anterior .O item inalação aparece em 50 registros na primeira pesquisa e em 13 registros na pesquisa atual. Este procedimento não deveria ter seu registro duplicado, pois o mesmo foi checado também na folha de prescrição médica. Evidenciamos, nesta pesquisa, que dados mais relevantes e pertinentes ao paciente foram anotados, tais como: realização de dextrostix e seu resultado, fleet enema e efeito, controle de diurese, observação do nível de consciência, dados que não constatamos na pesquisa anterior. (tabela 2)

A terceira categoria proposta por Dugas: procedimentos de enfermagem não prescritos pelo médico, porém executados pela enfermagem para atender as necessidades específicas de um paciente aparecem registrados em 59 prontuários (74,68%) sendo que os itens mais registrados foram o banho, sentar fora do leito e repouso no leito (tabela 3).

Na pesquisa anterior esta categoria aparece em 64,2% dos prontuários, sendo que o banho também foi o procedimento mais registrado. Não observamos na pesquisa atual registro relativo a mudança de decúbito. Inferimos que este fato possa estar relacionado ao tempo de permanência em média de 2 a 3 dias. Acreditamos que o maior número de registros nesta categoria pode retratar que na pesquisa anterior havia um sub-registro dos cuidados prestados. Ressaltamos que o aspecto biológico continua sendo o enfoque dado pela equipe de enfermagem nesta categoria de registros .

A quarta categoria é relativa a comportamento e outras observações do paciente consideradas pertinentes a sua saúde. Esta, aparece registrada em 79 prontuários (100%). Acreditamos que isto se deva ao fato desta categoria ter sido colocada como 1º item do roteiro norteador sendo reforçado no treinamento a importância deste registro por conter itens relativos as necessidades humanas básicas. Os itens mais citados foram: nível de consciência 77 registros, seguido por integridade da pele e mucosa 76 registros e hidratação 71 registros (tabela 4). Na pesquisa realizada em 1999 esta categoria aparece registrada em 74,2% dos prontuários.

Com a introdução do roteiro, o enfoque na doença evidenciado na pesquisa anterior muda de abordagem na pesquisa atual para um enfoque no paciente, visto que um dado relevante é o fato do registro sobre o estado emocional do paciente aparecer 63 vezes. O roteiro estimulou a observação, e análise do estado do paciente. Vários autores, dentre eles Dias e Silva (1999) referem que a escrita é uma atividade reflexiva.

Importante, também, referirmos que a anotação deve servir como instrumento no processo de tomada de decisão e esta pode surgir a partir da análise das condições do paciente.

A quinta categoria: respostas específicas do paciente à terapia e à assistência aparece em 66 prontuários (83,54%) sendo respostas mais registradas as alterações no quadro clínico (52 registros), seguido das providências tomadas (28 registros) (tabela 5). Comparando os dados da pesquisa atual com os da pesquisa anterior contatamos que nesta categoria houve um acréscimo de 46% de registros. Este dado é bem significativo, e ao nosso ver, o fato da equipe de enfermagem ter registrado as alterações do quadro clínico denota uma observação mais apurada do paciente ,além disso, o registro das intercorrências, providencias e seus resultados evidenciam uma preocupação da equipe em comunicar efetivamente o que o paciente vem apresentando, para que seja dado continuidade nos demais turnos de trabalho, cumprindo uma das funções dos registros que é servir de fonte de comunicação entre os elementos da equipe.

A sexta categoria: ensinamentos recebidos pelo paciente foi citada em 20 prontuários (25,31%), sendo orientação de receita o ensinamento mais registrado. Esta categoria, na pesquisa anterior, aparece em apenas 2,6% dos prontuários. Houve, portanto, um acréscimo no registro desta categoria de 22,71%. Mesmo entendendo que a orientação da receita é um ato complementar a ação médica, o reforço desta, favorece um compreensão maior por parte do paciente e retrata uma preocupação da equipe na continuidade do tratamento.

Na pesquisa anterior (LOURENÇO et al, 2000) o registro de alta apareceu em 22% dos prontuários e na pesquisa atual em 86,07% dos prontuários. Este dado indica que o treinamento efetuado mudou o quadro de uma diminuição de registros à partir da alta médica. Importa ressalvar que houve um enfoque no treinamento para que tal registro fosse feito.

Acrescentamos no roteiro norteador uma sétima categoria para que a equipe pudesse anotar outros aspectos pertinentes e relevantes na assistência ao paciente. Isto foi feito, com o objetivo de não "fechar "ou limitar o registros ao roteiro implantado, mas abrir possibilidade de um pensar, julgar e anotar dados que fossem significativos e individuais. Foram registrados nesta categoria: a história pregressa; referências a alergias à medicações; dificuldade de dormir, abordagem sobre o estado emocional: (como estar triste; estar alegre; estar preocupado com sua doença) e visita de familiares recebidas pelos pacientes.

 

Considerações finais

Através da análise dos resultados observamos que houve uma melhora significativa dos registros nas diversas categorias em relação à pesquisa anterior. Acreditamos que esta se deva à implantação do roteiro norteador e do treinamento realizado. Estes favoreceram a diminuição da repetitividade e rotinização nos diversos turnos. O roteiro deu abertura para que registros mais significativos não deixassem de ser anotados, refletindo numa melhor comunicação entre a equipe de saúde.

Acreditamos ser importante que as instituições hospitalares desenvolvam critérios norteadores de registros, pois como percebemos favorece um caminho e um objetivo específico a ser seguido pela equipe. Contudo, entendemos que estes critérios não devam inibir ou impedir a observação de outras necessidades que possam emergir e ser atendidas pela equipe de enfermagem.

 

Referências bibliográficas

ANGERAMI,E.L.S.; MENDES, I.A .C.; PEDRAZZANI, J.C. Análise crítica das anotações de enfermagem. Rev. Bras. Enf. ; DF, 29 (4):p.28-37, 1976.

BURGESS, A.W. Nursing: levels of heath intervention. Englewood clifts, Prentice Hall, 1978, p.264.

DIAS,D.C.; SILVA, M.J.P. O Registro da prática da Enfermagem: da realidade do cuidado rotineiro à utopia do cuidado individualizado. Rev. Nursing - edição brasileira; ano 2, n.º 11p.21-26, 1999.

DUGAS,B.W. Enfermagem Prática. Rio de Janeiro: Interamericana, 1984.

FERNANDES, R. A. Q. Estudo da influência do processo de enfermagemna qualidade e na quantidade dasanotações no prontuário. São Paulo, 1989. p.108. Tese (Doutorado). Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

LOURENÇO,M.R.et al . Análise das anotações da equipe de enfermagem segundo DUGAS. In: 7º Simpósio Brasileiro de Comunicação em Enfermagem, Ribeirão Preto, 2000, Anais. USP/Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, 2000, p.37-41.

MATOS,S.S.; CARVALHO, D.V.;STEFANELLI, M.C. Necessidades Humanas Básicas: identificação da necessidade deeducação continuada a partir da análise do conteúdo das anotações de enfermagem. Revista da Esc. Enf. USP, São Paulo, n. 22, v.3, p.299-307, dez.1988.

 

 

Anexo (Roteiro norteador de anotação de enfermagem)

1. Comportamento e observações relativas ao paciente

Nível de consciência / Estado emocional / Integridade da pele e mucosa / Hidratação / Aceitação de dieta

Manutenção venóclise / Movimentação / Eliminação / Presença de cateteres e drenos

2. Cuidados prestados aos pacientes prescritos ou não pelo enfermeiro

Mudança de decúbito / Banho / Curativos / Retirada de drenos, etc

3. Medidas prescritas pelo médico e prestadas pela enfermagem

Repouso / Sentar fora do leito/ Trendelemburg / Uso de colete/faixas / Recusa de medicação ou tratamento

4. Respostas específicas do paciente a terapia e assistência

Alterações do quadro clínico / Sinais e sintomas

Alterações de sinais vitais / Intercorrências / Providências / Resultados

5. Medidas terapêuticas executadas pelos membros da equipe

Passagem de intracath / Visita médica especializada ( avaliações)

Atendimento fisioterapeuta e da nutricionista

6. Orientações educativas

De alimentação / Atividade física / Uso de medicações / Cuidados em casa.

7. Outros fatos relevantes ( de qualquer natureza ) referidos pelo paciente ou percebido pelo profissional.