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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

O ensino da sexualidade em "xeque" em um curso de enfermagem*

 

Focus on sexuality teaching in a nursing undergraduation course

 

 

Célia Souza de Araújo RaminI; Zaida Aurora Sperli Geraldes SolerII

IEnfermeira, mestranda em Ciências da Saúde, docente do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP. FAMERP- Av. Brigadeiro Faria Lima , 5416 . Bairro São Pedro. São José do Rio Preto-SP
IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, docente do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP, orientadora deste trabalho. FAMERP - Av. Brigadeiro Faria Lima , 5416 . Bairro São Pedro. São José do Rio Preto-SP

 

 


RESUMO

Neste trabalho, de natureza descritiva, enfoca-se o ensino da sexualidade em um curso de graduação em enfermagem, analisando-se a opinião dos docentes quanto a sua capacitação e da forma como ela ministra os conteúdos. Fizeram parte do estudo 10 docentes, vinculados à 7 disciplinas onde abordam-se temas relativos à sexualidade. Verifica-se que os conteúdos ministrados são insuficientes com ênfase nos aspectos anatomo-patológicos e de agravos à saúde, não permitindo maiores reflexões nos aspectos éticos e emocionais. Assim os resultados obtidos, apresentados à coordenação do curso, devem subsidiar propostas de reestruturação nas disciplinas que levem à interdisciplinalidade e na abordagem mais ampla e efetiva desta temática.

Palavras-chave: enfermagem, ensino, sexualidade


ABSTRACT

This descriptive study focuses on sexuality teaching in a nursing graduation course. The teachers’opinion in relation to their ability and the way they approach the subject was analyzed. Ten teachers participated in the study, who deal with 7 subjects related to sexuality. It is verified that the ministered subjects are insufficient with respect to the focus on the anatomical-pathological and health-damaging aspects, which does not allow for further reflection on the ethical and emotional aspects. Thus, the otained results, which were presented to the course coordinator, must be of assistance in proposals for restructuring the subject matters with a view to interdisciplinariness and the broadest and most effective approach of this subject.

Key words: nursing, education, sexuality


 

 

1. INTRODUÇÃO

O sexo já foi considerado tabu, pecado, objeto proibido, assunto pouco discutido mesmo no universo adulto. No entanto, de um modo geral, vários acontecimentos contribuíram para, gradualmente permitir maiores abordagens neste enfoque, como o lançamento da pílula anticoncepcional no mercado, na década de 60, levando a mudanças no comportamento sexual principalmente com aumento da consciência feminina sobre o sexo, revelando-se estratégias para combater os agravos à saúde de transmissão sexual.

Na revisão da literatura sobre sexualidade nota-se que as discussões são conduzidas levando em consideração os aspectos sócio-econômico-políticos e culturais que permeiam o tema. Também fica em destaque as dificuldades sentidas por familiares, instituições sociais, profissionais da saúde e educadores em abordar assuntos ligados à sexualidade, principalmente quando se refere a adolescentes e adultos jovens, fazendo com que as informações neste contexto, sejam obtidas por meio de amigos, literatura e mídia, gerando comportamentos sexuais inadequados, que tornam as pessoas vulneráveis a situações de violência, prostituição, drogatização, gravidez, aborto, DSTs e Aids (EGRY, 1985; VITIELLO, 1994; SUPLICY, 1995; CANO, 1997).

A abordagem da sexualidade tem sido feita de diferentes formas, geralmente não atingindo os objetivos propostos. Constata-se freqüentemente que os meios de comunicação divulgam de forma abusiva a sexualidade, direcionando para as manifestações prazerosas do sexo, enquanto os setores da saúde e da educação fixam sua atenção na reprodução ou nos riscos de contaminação e transmissão de doenças (DOMINGUES, 1997).

A escola possui grande responsabilidade no que tange a educação sexual. No entanto, muitas vezes os professores são despreparados ou encontram dificuldades para atuar neste contexto, acabando por transmitir seus próprios conceitos e preconceitos aos alunos (TIBA, 1994).

É possível que alguns ou muitos profissionais da área de saúde também não se sintam confiantes em abordar o tema sexualidade, dificultando a orientação e a educação sexual dos jovens, inclusive durante a graduação (CANO,1997; PEREIRA,1997; SANCHES,1997). Estes fatos devem ser considerados e reforçam a urgência de melhor planejamento e intervenção na educação sexual para adolescentes e adultos jovens, já que a vergonha, o preconceito, a repressão e a desinformação tornam as pessoas mais vulneráveis aos agravos à saúde ( BRASIL, 1998 ).

Assim, o objetivo deste estudo é descrever como o assunto sexualidade vem sendo tratado e conduzido pelos professores, a cada ano, nas diferentes disciplinas deste curso de graduação em enfermagem. Busca-se informações também sobre a interdisciplinaridade e se ocorre a capacitação dos acadêmicos para atuarem como educadores junto à comunidade no desenvolvimento de ações de tal natureza.

 

2. METODOLOGIA

Este é um estudo descritivo, realizado entre 10 docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da FAMERP, que ministram disciplinas onde poderia ser feita alguma abordagem da sexualidade enfoque anátomofisiológico, reprodutivo , psicológico ou epidemiológico.

A coleta de dados ocorreu no 2º semestre de 2001, tendo sido preservado os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, com análise e a prévia aprovação do projeto de mestrado, que incluía este estudo, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FAMERP. Utilizou-se para a obtenção dos dados um questionário, estruturado com base no trabalho de Pereira (1997), que continha questões estruturadas acerca de como o tema sexualidade era abordado em cada disciplina, em especial no enfoque de conteúdo, carga horária e estratégias didático-pedagógicas utilizadas.

Após o recolhimento dos questionários, os dados foram agrupados, classificados e analisados, sendo tratados em índices absolutos e percentuais e estão apresentados em tabelas e de forma descritiva.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tendo por referencia cada série, observou-se que na 1ª série realiza-se o estudo anatômico e fisiológico do aparelho reprodutor masculino e feminino, incluindo gravidez ,lactação e parto num total de 30 hs e mesmo assim os docentes sentem necessidade de revisarem os assuntos nas séries subsequentes. Na 2ª série faz-se revisão das DSTs e seu aspecto epidemiológico, ou seja, o docente parte do pressuposto que os alunos já tenham uma bagagem de informações trazidas do ensino já que a sexualidade é um tema transversal, mas nem sempre isso ocorre.

Outros temas que se repetem entre 1º e 2º série são: planejamento familiar, métodos contraceptivos e aborto. Entende-se que o enfoque deva ser diferente visto que são ministradas por socióloga e enfermeira respectivamente. Mas questiona-se: os conteúdos se completam ou se repetem e qual a preocupação no enfoque – informação sanitária ou formação ?

Analisando-se a 3ª série foi observado repetição de conteúdo anatômico e fisiológico, ciclo gravídico e aborto. Chega ser incoerente que numa disciplina onde se lida com saúde da mulher num período de intensas mudanças hormonais, físicas e psicológicas o total de carga horária reservado para sexualidade seja apenas de aproximadamente17% em relação a parte teórica. Cabe ressaltar que os respondentes não tenham pensado na prática quando o aluno trabalha diretamente com o paciente mas, se o assunto lhes parecesse relevante os respondentes teriam esquecido deste detalhe ?

Na ultima série o que chamou a atenção além de novamente fazer-se a revisão dos aspectos anatômicos e fisiológicos dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, fecundação, gravidez, métodos contraceptivos, aborto, principais DSTs é que apesar de estarmos vivendo uma verdadeira pandemia da Aids nas últimas décadas, este assunto só é abordado no final do curso com carga horária de 1h.

Estudos mostram que apesar da comunicação em massa os jovens estão informados em como se previne a Aids, mas não tem isto como formação e sabe-se que as faixas etárias que mais crescem em contaminação são os adolescentes e adultos jovens.

É colocado também pelas respondentes que todo assunto sobre sexualidade abordado na 4ª série, num total de 10 hs não é ministrado na forma de revisão , mas de sensibilização e capacitação dos alunos para ministrarem palestras e lidarem com sentimentos destes adolescentes.

Observa-se um total de 83 hs de teoria sobre temas de sexualidade durante o curso de graduação em enfermagem, sendo parte dele ministrado na forma de revisão. Ressalta-se que se somássemos o tempo de orientações e palestras proferidas aos pacientes a carga horária total sobre o tema sexualidade seria muito maior.

Antecipando a análise do Quadro 1 é necessário mencionar que os professores estudados lecionam nas respectivas disciplinas de 4 a 20 anos sendo a média de 7 anos e duas não responderam. Desta forma vê-se que não são professores iniciantes e que entendem qual deve ser o papel do educador na área da sexualidade, pois têm opinião semelhante à de Suplicy et al. (1995) que colocam ser a orientação sexual um processo formal e sistematizado no preenchimento das lacunas deixadas pela educação informal, erradicando tabus e preconceitos, abrindo discussões sobre as emoções e valores que impedem o uso dos conhecimentos, como também propiciando uma visão mais ampla, profunda e diversificada acerca da sexualidade.

 

 

No entanto, muitos não desempenham o papel que preconizam já que apenas 40% responderam fazer abordagens clara e sistematizadas do assunto e 80% nunca convidaram especialistas em suas aulas. Alguns docentes responderam que acreditam não ser necessário um aprofundamento dos temas devido a um suposto conhecimento do aluno adquirido com a família e durante o ensino médio.

Fica evidente, pelas respostas que assim como vem acontecendo no ensino médio, alguns professores apenas transmitem conteúdos sobre a sexualidade e que esta temática não tem suscitado maior interesse e participação dos alunos, como se nota no aspecto da freqüência às aulas. Deve-se deixar claro neste momento, que muitas vezes o aluno chega à sala de aula sem saber o tema que será abordado, não se interessa ou não é disponibilizado o calendário das disciplinas, como também em sua grande maioria são escritos temas amplos não estando explícito o seu conteúdo.

Mesmo assim, 90% dos docentes não acham que possuam dificuldades em abordar conteúdos e a grande maioria (90%) acha que possui preparo satisfatório (50%), ou razoável (40%) neste aspecto. Pereira (2000) destaca que muitas vezes o educador não tem consciência de suas dificuldades para abordar um tema, enquanto Jesus (2000) coloca que o processo educativo das pessoas é resultado do modo como as mesmas reagem às questões sexuais e na maneira como vivem a sexualidade.

Considera-se que as distorções e dificuldades para tratar assuntos pertinentes à área sexual podem estar ligadas à enorme carga afetiva que a sexualidade tem para as pessoas, à falta de conhecimentos, ou até mesmo às atitudes negativas que acompanham tradicionalmente o tema (JESUS, 2000) . Os professores, em especial os de graduação, são muito importantes no processo de educar os futuros profissionais que são multiplicadores no exercício da profissão, visto que educar, como explica Vitiello (1994) consiste em " fornecer a alguém subsídios e modelos para o crescimento pessoal e para a ascensão de ideais e de comportamentos próprios. É um processo complexo, que requer tempo e influência de pessoas significativas."

As respostas emitidas pelos docentes estudados vem ao encontro com os comentários de Moraes (1997) onde o ensino da sexualidade nas escolas separam-se em temas; o exercício da sexualidade ao exercício das funções reprodutoras, ou seja, essencialmente como um fenômeno biológico, objetivo, palpável através dos filhos gerados; outro, vincular sexualidade à sujeira, ao pecado, à imoralidade, ou seja, " sexo é perigoso que pode pegar Aids a qualquer hora ou qualquer outra doença", apesar disto privilegiam o caráter preventivo da gravidez indesejada e contaminação por HIV; mas sempre deixando de lado o aspecto subjetivo e afetivo da sexualidade. Também outros autores relatam que muitas escolas ao trabalhar orientação sexual, abordavam apenas a reprodução, anatomia do aparelho genital, prevenção de DSTs, alertas sobre gravidez na adolescência deixando de lado os aspectos emocionais, éticos e culturais (SUPLICY et al. 1995; DOMINGUES, 1997; CANO, 1997; SANCHES, 1997)

Na Tabela 1 apresenta-se como os docentes percebem sua capacitação e qualificação nos assuntos relativos à sexualidade, no que se refere ao ensino formal, no âmbito da família e meio social e por outros meios, atribuindo notas 0 (insatisfatório), 5 ( razoável) e 10 (satisfatório) em cada item destacado.

 

 

Na Tabela 1 chama a atenção o fato do docente nº 10 não ter respondido a nenhum dos itens. No que concerne à contribuição familiar na educação sexual na opinião de 60% dos respondentes é razoável, enquanto 30% considera insatisfatória. Alguns autores enfatizam que a educação sexual deve ter como base a família, mas esta não está preparada para lidar com o tema sexualidade deixando para a escola suprir esta lacuna (VITIELLO,1994; SUPLICY et al.,1995; CANO,1997).

Quanto ao ensino médio 50% dos respondentes tiveram educação sobre sexualidade de forma razoável, enquanto 40% acredita que foi insatisfatório. Já no âmbito da graduação a maioria considera que foi satisfatório (30%) ou razoável (40%), informações diferentes das encontradas por Pereira (1997) onde a graduação é pouco citada como de importante contribuição.

Ainda fica em destaque nesta tabela que 60% dos respondentes referiram grande contribuição dos cursos na sua qualificação como educador no âmbito da sexualidade, mostrando que os mesmos procuraram aprimoramento na área. Também, alguns respondentes destacam que também adquiriram conhecimentos sobre esta temática com amigos e pesquisa, assim como foram adquirida mais maturidade neste enfoque.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do presente estudo ficam destacados alguns aspectos , como segue:

– que os conteúdos são abordados em cargas horárias pequenas, insuficientes para discussão e reflexão da temática;

– que são enfatizados os aspectos anatômicos e funcionais em detrimento de uma visão mais profunda e diversificada sobre a sexualidade;

– que a cada ano repetem-se as revisões, em cargas horárias mínimas, não deixando entrever qualquer aspecto da interdisciplinalidade;

– que na disciplina de Enfermagem em Doenças Transmissíveis existe uma melhor estruturação dos conteúdos, no sentido de capacitar o aluno para atuar como educador no âmbito da sexualidade. Mesmo assim é pequena a carga horária referida, apesar de ser possível entender que nos estágios repetem-se os conteúdos, preparados pelos alunos;

– que os professores não têm consciência de que estão sendo superficiais e pouco reflexivos na abordagem do tema sexualidade

Percebe-se que os docentes "pincelam" informações sobre sexualidade, nas diferentes disciplinas, com ênfase aos aspectos anatomo-fisiológicos. Pretende-se apresentar os resultados deste estudo aos docentes envolvidos e para a Coordenação Geral, de forma a motivar uma discussão neste aspecto, que propicie condições de buscar a interdisciplinalidade.

Queremos contribuir para a interiorização de conhecimentos e sentimentos e talvez possamos evitar situações de gravidez indesejadas em nosso curso, que ocorrem entre2 a 4 alunas a cada ano e abortos que só tomamos conhecimento quando se complicam.

 

5. Referências bibliográficas

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação Geral do PN DST/AIDS. Drogas, AIDS e Sociedade. Brasília, 1995. 152p.

CANO, M.A.T. A percepção dos pais sobre sua relação com os filhos adolescentes: reflexos da ausência de perspectivas e as solicitações de ajuda. Ribeirão Preto, 1997. 142p. Tese (Livre Docência) Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto- Universidade de São Paulo.

DOMINGUES, C.M.A.S. Identidade e Sexualidade no discurso adolescente. São Paulo, 1997.180p. Dissertação ( Mestrado) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

EGRY, E.Y. O docente de enfermagem e o ensino da sexualidade humana: ação educativa através da pesquisa participante. São Paulo, 1985. 157p. Tese (Doutorado) Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

JESUS, M.C.P. Educação sexual e compreensão da sexualidade na perspectiva da enfermagem in Projeto Acolher : um encontro da enfermagem com o adolescente brasileiro. Brasília : ABEn/Governo Federal, 2000.

MORAES, C.J. Pais e Educadores – Reflexão inicial sobre Adolescência e Sexualidade. Campinas, 1997. Monografia de conclusão do curso de Psicologia Escolar, PUCCAMP.

PEREIRA, V. M. Sexualidade e a formação do profissional de enfermagem – O estudo da sexualidade humana nos cursos de enfermagem no Estado de São Paulo – 1997 in Sexualidade em temas, FUNPEC , cap. 8 , 2000.

SANCHES, S.E.P. Gênero e Sexualidade : um estudo em adolescentes nos centros educativos de segundo grau. Cajamarca, Peru – 1996 . São Paulo, 1997.Dissertação( Mestrado) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

SUPLICY, M. at al. Sexo se aprende na escola. São Paulo. Olho d’água. 1995

TIBA, I. Adolescência – O despertar do sexo São Paulo. Ed. Gente. 1994

VITIELLO, N. Reprodução e sexualidade : um manual para educadores. São Paulo, CEICH, 1994.

 

 

* Este trabalho constitui-se em parte da dissertação de mestrado, desenvolvido junto ao programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).