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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

A música como elemento facilitador na interação docente-aluno

 

Music as a facilitating element in teacher-student interaction

 

 

Célia Souza de A. Ramin; Claudia Bernardi Cesarino; Rita de Cássia H. M. Ribeiro; Vânia Zaqueu Brandão

Docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 – CEP: 15090-000

 

 


RESUMO

A interação docente-aluno nem sempre é fácil, o que pode prejudicar o processo ensino-aprendizagem. Esta relação pode ser facilitada com o uso da música, pois desperta os processos sensório-perceptível do cérebro. O objetivo deste estudo foi verificar a influência da música na interação docente-aluno e o papel da música enquanto elemento facilitador na concentração do aluno em sala de aula e foi desenvolvido durante as aulas teóricas da disciplina de Enfermagem Cirúrgica, no decorrer de 05 dias, quando os alunos tiveram a oportunidade de ouvirem a música "Fuga" de Bach em dois momentos e nestes, a sala ficava na penumbra, a porta era fechada e solicitava-se a cooperação de todos durante aproximadamente 05 minutos. Depois foi solicitado aos alunos para exporem suas opiniões. Os depoimentos obtidos foram dados de forma espontânea e realizado a análise temática de Bardin. Constatou-se que a música pode ser considerada um elemento facilitador na interação docente-aluno, além de ter demonstrado influência na capacidade de concentração do aluno. Portanto, a música foi um elemento altamente positivo no processo ensino-aprendizagem e deve ser considerada como uma aliada na interação docente-aluno.

Palavras-chave: música, facilitador, interação


ABSTRACT

Teacher/student interaction is not always easy, which may impair the teaching-learning process. This relation can be facilitated by means of music, since it stimulates the sensory-perceptive brain processes. This study aimed to verify the influence of music in teacher-student interaction and the role of music as a facilitator for the student’s concentration in the classroom. During 5 days, the students were asked to listen to Bach’s "Fuga" at two moments during classes in Surgical Nursing. The room was made dark, the door was closed and everybody was asked to cooperate for about five minutes. Afterwards, all students were asked to express their opinion. Bardin’s subject analysis was used for processing the spontaneously obtained stories. The results showed that music can be considered a facilitator in teacher/student interaction. Moreover, it was demonstrated that music influenced the students’ concentration capacity. Therefore, music was a highly positive element in the teaching-learning process and should be considered an ally in student/teacher interaction.

Key words: music, facilitator, interaction


 

 

Introdução

A música tem acompanhado a história da própria humanidade exercendo diferentes funções, despertando os mais variados tipos de respostas do ser humano como a expressão de sentimentos, a comunicação, o relacionamento, o estado de ânimo, ainda que de uma forma não totalmente esclarecida, além de sempre existir a tentativa de explorá-la enquanto recurso terapêutico (MATEUS, 1998).

A civilização egípcia é uma das mais antigas do mundo. Nas encenações arqueológicas realizadas em templos, pirâmides e tumbas, foram encontrados baixos relevos, murais, mosaicos e objetos que atestam atividades musicais de caráter religioso, militar e social, bem como a existência de instrumentos de música, muitos séculos antes da era cristã (McCLELLAND, 1994).

Dos povos da antiguidade, os gregos, sem dúvida alguma, foram os mais adiantados em todas as artes. A palavra música significa "arte das musas", e na mitologia grega as musas representavam os seres celestiais, que eram divindades que inspiravam as artes e as ciências. Orfeu, filho de Apolo, era o deus da música e poesia. À Pitágoras é atribuído a descoberta da relação matemática dos princípios da nota musical. O ensino da música era obrigatório e ela estava presente em todas as manifestações da vida pública, tais como festas religiosas, jogos esportivos, teatros, funerais e combates (MATEUS, 1998).

No Brasil, a primeira influência musical é indígena. Os jesuítas notaram a disposição dos índios para a música. Manoel da Nóbrega dizia: "com a música e a harmonia me arrisco a atrair todos os indígenas". Os colonizadores portugueses trouxeram a canção romântica e foi com o elemento africano que a música brasileira sofreu importante influência, pois animou a vida doméstica do brasileiro e transformou a melancólica música trazida pelos portugueses em alegria (MATEUS, 1998).

Para Smith (1990) a música é ritmo, harmonia e melodia que mobiliza com exclusividade todo ser humano, e assim, contribui ativamente para a formação ou restauração da ordem mental do homem. No processo de comunicação o som faz com que as pessoas se relacionem, trabalhem e vivam em sociedade interagindo. O som é vida. O som da voz do docente dirigida ao aluno pode ser um elemento facilitador ou não da interação entre ambos.

Ruud (1991) enfatiza que a exposição ao som desperta os processos sensório-perceptível do cérebro e que a sua adequada utilização estimula a atenção, propriedade intensificada quando o som se faz sob a forma de música.

Som é vida, e quando a vida é embalada por música, esta vida se torna mágica ou trágica dependendo do estilo musical. Dourado (1992) afirma que a música pode tencionar ou relaxar independentemente de nossa capacidade ou vontade. A música desperta a atenção e estimula a confiança do indivíduo em si mesmo; ela pode dar vigor, levantar ânimo, ou mesmo deprimir, dependendo do estilo musical (SILVA, 1994).

A música tem entendimento universal e sua utilização como elemento de comunicação acontece desde há muito tempo com Platão e Aristóteles. Pela música podemos evocar ou realçar as imagens, rir ou chorar, dispersar ou concentrar, ficar tenso ou relaxar (RUUD, 1991).

Santos (1992) relata ser difícil encontrar uma parte do corpo que não esteja sujeita aos efeitos musicais, pois a música influi na pulsação, na respiração, na atividade muscular, nas secreções internas e na circulação acelerando ou diminuindo seu ritmo. Os organismos vivos são osciladores e quando vibram aproximadamente na mesma frequência, tendem a entrar no mesmo ritmo. Estar relaxado é estar em harmonia consigo mesmo e com o mundo.

Como docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), tendo que ensinar e aprender o tempo todo, a interação docente-aluno sempre foi uma preocupação, uma vez que se a mesma não for eficaz, o processo de ensino-aprendizagem com certeza é prejudicado. Então vislumbramo-nos com a possibilidade de utilizarmos a música como elemento facilitador na comunicação, ou seja, interação docente-aluno.

Utilizando a música como recurso para o desenvolvimento do ser humano, da sociedade e das relações interpessoais, elaboramos nosso estudo com os seguintes objetivos: verificar a influência da música na interação docente-aluno; verificar o papel da música enquanto elemento facilitador na concentração do aluno em sala de aula.

 

Metodologia

O estudo foi realizado com 28 alunos da 3ª série do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto durante o desenvolvimento das aulas teóricas da disciplina de Enfermagem Cirúrgica. No decorrer de 05 dias, os alunos tiveram a oportunidade de ouvirem a música "Fuga" de Bach em dois momentos. O primeiro momento aconteceu antes do início da aula e o segundo momento antes do reinício da aula, após o intervalo de 20 minutos. Nestes momentos a sala ficava na penumbra, a porta era fechada, solicitava-se a cooperação de todos e iniciava-se a música com duração de aproximadamente 05 minutos. No último dia os alunos foram convidados a exporem suas opiniões sobre a nova experiência vivenciada. Espontaneamente 18 alunos (64,3%), dos 28 que estavam presentes, deram seus depoimentos na própria sala de aula, que foram gravados e posteriormente transcritos. Para análise dos dados, foi utilizado a análise de conteúdo temática de Bardin.

 

Análise e discussão dos dados

Os depoimentos obtidos foram dados de forma espontânea, e todos alunos que se dispuseram a responder (18) relataram ter sido positiva, a experiência vivenciada, em vários aspectos, pois ajudou na concentração facilitando a assimilação do conteúdo, proporcionou melhor relacionamento com o docente, além de propiciar momentos de relaxamento. Dos depoimentos obtidos emanaram as seguintes categorias:

 

Relaxamento e diminuição do estresse

Nesta categoria foi encontrada a maioria dos depoimentos (15), ou seja 83,3%. Para Claret (1996) estar relaxado é estar em harmonia consigo mesmo e com o mundo, é estar em equilíbrio, e para se conseguir este efeito é necessário aprender a ouvir música. Summers apud Mateus (1998) comenta sobre o efeito da música na diminuição da ansiedade em estudantes de enfermagem.

Esses resultados demonstram que a música provoca um relaxamento, quando utilizada no processo ensino-aprendizagem, de acordo com os relatos abaixo:

"... a música em mim primeiramente causou um relaxamento ..."; "... proporcionou momentos de relaxamento físico e mental ..."; "... foi muito relaxante ..."; "... faz com que relaxemos e esqueçamos dos problemas ..."; "... o pessoal se manteve mais calmo e relaxado depois da música ..."; "... relaxou o corpo e me fez viajar ..."; "... eu me sentia relaxado após a música, porque sempre venho para a aula com a cabeça a mil ..."; "... gostei muito, pois achei que relaxa, descontraí ...’; "... é relaxante, torna o dia mais agradável ..."; "... relaxa e faz com que a gente fique com a mente aberta ..."; "... foi relaxante ..."; "...a idéia é ótima e nos ajuda a relaxar para enfrentarmos uma jornada dura e sofredora ..."; "... serviu para relaxar em alguns momentos ..."; "... proporcionou a todos um local agradável e menos estressante ...".

 

Atenção e interesse

Silva (1994) atribui à música efeitos sobre a atenção, enquanto que Ruud (1991) enfatiza que sua adequada utilização estimula a atenção.

Segundo os depoimentos, a música provoca alterações no comportamento dos alunos, que em 55,5% (10) referiram maior atenção e interesse no decorrer do desenvolvimento da aula, demonstradas nas falas abaixo:

"... a música proporcionou uma atenção mais aguçada ..."; "... houve uma maior atenção na aula ..."; "... eu prestei mais atenção nas aulas ..."; "... a aula se tornou menos cansativa e mais interessante ..."; "... houve mais interesse da classe em participar da aula ..."; "... ficamos muito mais atento às explicações ..."; "...me deixando interessada e pensativa ..."; "... ajudou a melhorar minha atenção na aula e da classe como um todo ..."; "... com a mente aberta e mais atenta às aulas ...".

 

Aumento da concentração e melhoria da aprendizagem e rendimento

Mateus (1998) destaca a música como elemento facilitador para a compreensão e aprendizagem do ser humano, e neste estudo tal categoria teve 38,9% (07) dos depoimentos, vindo a confirmar a música como elemento positivo no processo ensino-aprendizagem, já que segundo os entrevistados, melhora a concentração, o que contribui significativamente para a melhoria do rendimento, conforme os exemplos abaixo:

"... a música causou em mim um melhor aprendizado ..."; "... um melhor rendimento da matéria ..."; "... facilitando um melhor raciocínio ..."; "... aumentando o nível de concentração ..."; "... mais preparada para me concentrar na aula ..."; "... facilita a nossa concentração na aula ..."; "... acho que rende mais o nosso aprendizado ...".

 

Alteração no padrão cárdio-pulmonar

A música equilibra o metabolismo do corpo, atividade muscular e a respiração; influencia a velocidade do pulso e a pressão arterial, além de minimizar os efeitos da fadiga (CLARET, 1996). Neste estudo 16,7% (03) alunos confirmam as achados citados, descritos abaixo:

"... a música tornou minha respiração mais leve e meu coração diminuiu o número de batimentos cardíacos ..."; "... senti uma mudança no padrão cárdio-pulmonar ..."; "... com o passar dos dias, senti um declínio nos meus batimentos cardíacos e na minha respiração ..."

 

Interação docente-aluno

Silva (1996) refere que somos seres da comunicação e o existir do homem é possível por meio dela. Sabemos que o relacionamento consiste do encontro entre duas ou mais pessoas, encontro este facilitado pela música que é uma linguagem universal. Na interação docente-aluno, a presença da música teve um papel significativo segundo os depoimentos abaixo, que totalizaram 11,1% (02):

"... a música quebrou um pouco do tabu que os alunos tinham em relação ao professor, o que melhorou a comunicação e a interação docente-aluno .."; "... ocorreu uma maior interação docente-aluno ...".

 

Considerações finais

Com base nos depoimentos dos alunos, pudemos constatar que a música pode ser considerada um elemento facilitador na interação docente-aluno, além de ter exercido influência no comportamento dos alunos, pois a mesma, segundo relatos, relaxou, descontraiu e até mesmo alterou os batimentos cardíacos e a respiração dos alunos. Também influenciou na capacidade de concentração do aluno, aumentando a atenção no transcorrer da aula e consequentemente o aprendizado. Outro aspecto interessante observado, foi a redução do estresse e da agitação, o que vem ao encontro de Manzolli (1996), que introduziu a música em sala de aula com a finalidade de relaxar o aluno nas situações estressantes de avaliação e auxiliar na sua criatividade entre outras.

Portanto, a música foi um elemento altamente positivo no processo ensino-aprendizagem, devendo ser mais utilizada. Nós como docentes, certamente, passaremos a conter com a música como aliada na interação docente-aluno, visando um aumento da qualidade do nosso curso de graduação.

 

Referências bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa; Edições 70, 1991.

CLARET, M. O poder da música. São Paulo; Martin Claret, 1996.

DOURADO, L. I Módulo: na trilha do estresse (curso de biomúsica). Aracajú, 1992/Mimeografado/.

MANZOLLI, M.C. Enfermagem psiquiátrica: da enfermagem psiquiátrica à saúde mental. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1996.

MATEUS, L.A.A. A música facilitando a relação enfermeiro-cliente em sofrimento psíquico. Ribeirão Preto; 1998. 149p.; Tese (doutorado). Escola de enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo.

McCLELLAND, R. O poder terapêutico da música. São Paulo, Siciliano, 1994.

RUUD, E. Caminhos da musicoterapia. São Paulo, Summus, 1991.

SILVA, A.L. A música no processo de cuidar de clientes com síndrome neurológica decorrente da AIDS. Rev. Bras. Enf., v.46, n.02, p.107-116, 1996.

SILVA, R. Vida integral. Jornal Vida Integral. São Paulo, ano XIII, abril 1994.

SMITH, M. Musicoterapia, metodologia e aplicação prática. Encontro de Pesquisas em Saúde mental. II Encontro de Enfermeiros Psiquiátricos. Ribeirão Preto, 1990. Anais. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo.