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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Assistência domiciliar produzindo subjetividades e possibilidades de (re) criação do trabalho em saúde*

 

Home care producing subjectivity and possibilities of (re)creation of health work

 

 

Maria José Bistafa PereiraI; Silvana Martins MishimaI; Cinira Magali FortunaII; Silvia MatumotoII

 

 

IEnfermeiras. Doutouras em Enfermagem de Saúde Pública. Professoras do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da EERP-USP. zezebis@eerp.usp.br smishima@eerp.usp.br
IIEnfermeiras da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto e doutorandas em Enfermagem de Saúde Pública na EERP-USP. cinirafortuna@yahoo.com.br smatcmoto@uol.com.br

 

 


RESUMO

O trabalho da enfermeira no Serviço de Assistência Domiciliar da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto constitui-se o objeto deste estudo. Partimos da premissa que prestar assistência domiciliar possibilita reflexão no sentido de rever o modo de agir na saúde. Objetivamos analisar o processo de trabalho desenvolvido pela enfermeira no SAD enquanto um disparador para a transformação da prática de enfermagem e do modelo assistencial e identificar as tecnologias envolvidas pelas enfermeiras no SAD. Elegemos a abordagem metodológica qualitativa para desenvolver esta investigação e como instrumento para coleta de dados, o grupo focal, Morgan (1997). Oito enfermeiras do Serviço de Assistência Domiciliar da SMS-RP foram sujeitos deste estudo. Para a ordenação, organização do material produzido nos grupos focais realizados com as enfermeiras nos apoiamos no processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC - uma proposta recentemente elaborada por Lefèvre et al. (2000). Ordenados os dados, procedemos a análise temática (MINAYO, 1993), permitindo nesse processo identificar a categoria subjetividade.A AD é revelada pelos trabalhadores com potencialidade para reflexão, tendo potência para um agir comprometido com uma prática de saúde/enfermagem voltada para relações de responsabilização, vínculo e humanização, significando incorporação das tecnologias leves na produção de saúde.

Palavras-chave: subjetividade, assistência domiciliar, processo de trabalho


ABSTRACT

The nurse's work in the Home Care Service provided by the Ribeirão Preto Municipal Health Secretariat made up the object of this study. We started from the assumption that delivering home care allows for reflection in order to review how to act in health care. We aimed at analyzing the work process developed by nurses in the Home Care Service as a trigger for the transformation of the nursing practice and care model as well as at identifying the technology used by nurses in the Home Care Service. The qualitative methodological approach was adopted in order to develop this investigation and the focal group, as proposed by Morgan (1977), was used as a data collection instrument. Eight nurses from the Home Care Service of the Ribeirão Preto Municipal Health Secretariat served as research subjects. In order to arrange and organize the material produced in the focal groups conducted with the nurses, we based ourselves on the methodological process as proposed by the Collective Subject's Discourse – DSC, which has recently been elaborated by Lefèvre et al. (2000). As soon as data had been arranged, we proceeded to the thematic analysis (MINAYO, 1993), which allowed for the identification of the subjectivity category. In this process, home care was revealed by workers with the potential for reflection and who had the power to perform in a way committed with a health/nursing practice directed at responsibilization, attachment and humanization relationships, which means the incorporation of low technology in health production.

Key words: subjectivity, home care, work process


 

 

Apresentando o problema

Discutir e buscar formas alternativas para o desenvolvimento da assistência à saúde tem sido pauta constante na agenda das organizações governamentais e não governamentais, bem como das instituições formadoras e de serviços da área da saúde, ainda que com diferentes enfoques, sejam circunstanciadas por medidas racionalizadoras ou propostas de alargamento da cidadania. Esse processo é revestido de uma multiplicidade de objetivos, encontrando-se na mesma arena os que tomam a saúde enquanto um bem público, e aqueles que a tem como um bem de mercado, dando conformações distintas nas formas de organizar os serviços de saúde, bem como na de produzir e distribuir as ações de saúde.

Esta pauta tem sido bastante instigante e nos coloca ao lado daqueles que se preocupam em apresentar contribuições de intervenções no cotidiano que possibilitem uma forma de operar nos serviços de saúde pautada por uma relação trabalhador de saúde/usuário acolhedora; marcada pelo compromisso e co-responsabilidade, também pela preocupação com o desenvolvimento da autonomia do usuário, visando que este vá se apropriando de diversas tecnologias, possibilitando-lhe cada vez mais ir resolvendo ou minimizando parte daquilo que lhe tem causado sofrimento.

Sabemos que esse caminho requer um olhar que não se fixe apenas no que está sendo, mas que ao ver o presente necessariamente se busque os fundamentos deste acontecer em articulações com o passado, ou seja, com o contexto histórico-social. Também consideramos que este olhar deva ter um foco bem iluminado para as relações entre os trabalhadores e entre estes e os usuários dos serviços de saúde, ou seja, a partir da micropolítica (CAMPOS, 1994; MERHY, 1997; MATUMOTO, 1998; FORTUNA, 1999).

Partindo da premissa que a maneira de assistir as pessoas tem uma relação bastante estreita com a concepção de homem e com o processo de construção histórico do conhecimento, e que estes articulam-se à concepção do processo saúde-doença na conformação do processo de trabalho em saúde, pensamos que o estabelecimento de estratégias alternativas de intervenção na realidade necessita considerar estas dimensões

Entendemos que a ação dos trabalhadores no processo de trabalho, como também no processo de trabalho em saúde é permeada por dimensões objetivas, aparentes, explícitas e ao mesmo tempo subjaz dimensões subjetivas, implícitas, não aparentes, implicando num reconhecimento e numa revisão constante dos processos instituídos e instituintes (BAREMBLITT, 1994; MERHY, 1997; FORTUNA, 1999). Nesse sentido, o movimento institucionalista foi um grande aliado para análise desta investigação e ainda, enfrentarmos nosso desafio – contribuir na transformação dos modelos de atenção à saúde.

Em suas características mais gerais, o movimento institucionalista é o conjunto de escolas, comportando diversas tendências, mas independentemente das divergências todas se "propõem propiciar, apoiar, deflagrar com comunidades, nos coletivos, nos conjuntos de pessoas processos de auto análise e processos de autogestão" (BAREMBLITT, 1994, p. 14) significando fundamentalmente reconhecer a capacidade do conjunto de pessoas de explicitar, compreender, adquirir ou readquirir seus conhecimentos, produzindo um saber, gerado no interior heterogêneo do coletivo, acerca de seus problemas, de suas condições de vida, suas necessidades, suas demandas e de seus instrumentos, seus recursos para decidir e deliberar na perspectiva de resolver seus problemas. Os institucionalistas definem instituições como: composições lógicas que regem as relações e o comportamento humano. A depender da forma e grau de formalização dessas lógicas, podem adquirir a configuração de leis, de normas, ou mesmo sem esta configuração, regulam as relações e padrões de comportamentos dos homens na sociedade.

Baremblitt (1994) nos traz duas vertentes plasmadas nas instituições: a vertente do instituinte e do instituído, consideradas como forças produtoras e produtos do processo das relações. Explicitando instituinte são "[...] forças que tendem a transformar as instituições ou também a estas forças que tendem a fundá-las [...] são as forças produtivas de códigos institucionais" (BAREMBLITT, 1994, p. 32).

Por instituído, considera-se o resultado das forças de transformação, o produto, "é o efeito da atividade instituinte" (BAREMBLITT, 1994, p. 32). O instituinte é revestido de um caráter processual, já o instituído apresenta uma característica estática, mas isso não deve ser entendido de forma maniqueísta de valores, respectivamente, bom e ruim, uma vez que: "Na realidadee [...] o instituinte careceria completamente de sentido se não se plasmasse, se não se materializasse nos instituídos. Por outro lado, os instituídos não seriam úteis, não seriam funcionais se não estivessem permanentemente abertos à potência instituinte" (BAREMBLITT, 1994, p. 33).

Estamos assim, ancorando nossos olhares também nessa lógica composta de forças e movimentos dinâmicos/congelados, por reconhecer nas práticas de saúde/enfermagem essas características. Portanto, é aí que também temos possibilidade de encontrar brechas para caminhos potentes de transformações do modo de agir em saúde, na perspectiva de um modelo em defesa da vida

Portanto, iniciativas na área de saúde que busquem instituir intervenções para além da terapêutica individual medicamentosa, não restringindo o atendimento somente às demandas da doença mas considerando o estabelecimento de espaços intercessores, como um momento de se manter diálogos, que valorize a fala e a escuta, os anseios, angústias e expectativas dos usuários, buscando ações intercomplementares entre trabalhadores da saúde, usuários e sociedade.

Assim, estamos aqui investindo nosso olhar nas tecnologias soft (leve), ou seja, aquelas que estão relacionadas "às sabedorias, às experiências, atitudes e compromissos, responsabilidades" (MEHRY, 1994, p. 125), para pensarmos em mudanças e nesse sentido Campos (1994, p. 30) nos encoraja, ao afirmar que o processo de grandes transformações envolve a dimensão subjetiva – o desejo, a vontade de alterar o status quo – e o domínio de uma certa ciência / razão – estar envolvido com um projeto conscientemente construído.

Isto posto, sem contudo, estarmos atribuindo todo peso desta tarefa aos trabalhadores de saúde, acreditamos ser estes um dos pilares importantes para as mudanças e, neste sentido, concordamos com Mehry (1997, p. 72), quando afirma ser a mudança do atual modelo "tarefa coletiva do conjunto de trabalhadores de saúde, no sentido de modificar o cotidiano do seu modo de operar no interior dos serviços de saúde, ou os enormes esforços de reformas macro-estruturais e organizacionais [...] não servirão para quase nada" (MEHRY, 1997, p. 72).

Estamos apostando que nos microespaços de trabalho em saúde existe potência para implementarmos um outro modo de agir em saúde e neste processo de investigação, buscaremos analisar se na conformação do processo de trabalho da enfermeira na assistência domiciliar (AD) há possibilidades/brechas de se instituir mudanças no modo de operar as ações de saúde, imprimindo no cotidiano dos serviços de saúde um fazer na perspectiva da assistência integral.

É nesta perspectiva que tomamos o trabalho da enfermeira no domicílio, como objeto de estudo nesta investigação, olhando aqui para o Serviço de Assistência Domiciliar da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto – (SAD), por apostar que o assistir no âmbito domiciliar possibilita reflexão no sentido de rever o modo de agir na produção de saúde, fugindo de uma conduta estrita de controle da clientela., e de uma prática alicerçada em um único saber. Diante do exposto o estudo tem por objetivo: analisar o processo de trabalho desenvolvido pela enfermeira no SAD apontando seus limites e potencialidades enquanto um disparador para a transformação da prática de enfermagem e do modelo assistencial; identificar as tecnologias envolvidas na prática de enfermagem, e mais especificamente aquela desenvolvida pelas enfermeiras no SAD.

 

Percurso metodológico

Encontramos na abordagem metodológica qualitativa o caminho para desenvolver esta investigação, na medida em que tal perspectiva dá abertura à apreensão da complexidade presente nas relações sociais.

Olhamos para a conformação da prática de enfermagem, tomando o trabalho da enfermeira do SAD, nos atentando para suas potencialidades e limites, enquanto um disparador possível para processos de transformação do modelo assistencial, focalizamos alguns elementos que desenham a conformação de modelos como: a concepção do processo saúde/doença, os procedimentos envolvidos na prática de enfermagem e os processos de subjetivação - objetividade / subjetividade. Assim, elegemos como instrumentos para "coleta de dados" (aspas do termo coleta de dados indicam nossa concordância com Baz e Barriga (1991, p.135) onde os autores nos alertam que nas pesquisas sociais os dados não são "naturais" e não estão prontos na natureza, são produzidos socialmente, são discursos) a serem utilizados, o grupo focal, Morgan (1997), técnica que permite a captação de aspectos relacionais explícitos e implícitos presentes, que por mais que pareçam ser distintos, e /ou estanques analiticamente, sabemos que se apresentam num movimento contínuo de complementaridade, sobreposição e de contradição, ou seja, do interjogo que objetividade/subjetividade representam numa unidade em movimento que compõem a realidade.

Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP, oito enfermeiras constituiram o grupo de pesquisa, sendo enfermeiras das Unidades de Saúde que compõem o Distrito de Saúde Castelo Branco de Ribeirão Preto e enfermeiras do nível central da SMS-RP que estavam realizando o SAD, com atuação no domicílio junto à usuários que necessitassem seguimento.

Para a ordenação e organização do material empírico produzido nos grupos focais realizados com as enfermeiras selecionadas para este estudo nos apoiamos no processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC - uma proposta recentemente elaborada por Lefèvre et al. (2000). Para ajudar a ordenação dos depoimentos prevê-se a utilização de quatro figuras metodológicas, as expressões chaves, as idéias centrais, a ancoragem, e o discurso do sujeito coletivo, que devem ser observadas cuidadosamente para se obter um resultadoque expresse uma representação fidedigna daquilo que foi pesquisado, ou de sua intencionalidade.

Ordenados os dados, procedemos a análise temática (MINAYO, 1993) nos DSCs, permitindo nesse processo identificar a categoria subjetividade, que desenvolvemos sob o título de: Revisitando a prática assistencial: a subjetividade como matéria prima para a reorganização do processo de trabalho (PEREIRA, 2001).

 

A Análise - Assistência Domiciliar produtora de tecnologias leves

O trabalho em saúde se materializa nas relações do homem com outros homens e com a natureza, no qual a criatividade, a adaptação crítica à realidade, a alienação, e processos subjetivos estão presentes no emaranhado da produção em saúde. Bleger (1989, p. 56) afirma que "entre os instrumentos sociais de alienação está, em lugar relevante, o ensino e a forma com que - em geral - se realiza: desumanizada e desumanizante". Afirmação que pode ser aplicada sobre a forma com que em geral, se age na produção de saúde.

As enfermeiras revelam que a AD vem proporcionando experiências que possibilita rever a prática de enfermagem e também está mesma revisão em relação ao usuário, ao expressarem

[...] não buscávamos a cultura porque ela pôs isso ou aquilo . [...] só que muita atenção que ela dá ao nenê, o cuidado pro adulto é cultural, tem a questão da segurança, tem um monte de coisa, que a gente não media [...].eu vejo que a gente passou por um processo de enxergar as coisas de um modo diferente [...].Essa visita a gente valoriza principalmente quando vai até em bolsões mesmo de pobreza, eu acho que quando a gente faz sente o impacto da vida que valoriza muito [...], tem muita coisa que a gente não valoriza e que a partir do momento que você vai, vê, olha, a gente passa a valorizar e a ter outros valores que às vezes passariam desapercebidos. Isso deu um impacto na minha vida profissional sim, da forma que eu olho o paciente, que eu atendo [...]. DSC.

É o reconhecimento da diferença entre você e o outro e pensamos ser esta dimensão da relação um dos importantes passos na sensibilização para um projeto de trabalho no eixo da defesa da vida e da cidadania.

Ainda, pode ocorrer a satisfação ou não das expectativas ou necessidades trazidas por essas pessoas neste encontro, pode-se gerar ações de cumplicidades, portanto, estabelecer co-responsabilidade em torno do problema a ser enfrentado, conformando uma relação de confiabilidade e produzindo relações de vínculos e revisão de concepções acerca do processo saúde/doença/cuidado, de seus valores e simultaneamente no seu modo de agir.

A AD aparece, no depoimento abaixo, com potência de realizar uma outra leitura da realidade, de forma a ir desenvolvendo a capacidade crítica, ir fazendo uma releitura das intervenções realizadas cotidianamente nos serviços de saúde, favorecendo sentimentos de solidariedade com a dor e com o sofrimento do outro. Não podemos dizer que seja uma exclusividade da AD, mas ao sair dos serviços de saúde para o domicílio, entendemos que já existe a permissão de enfrentar o desafio, de tentar romper o medo e, portanto, até de arriscar viver o par contraditório sofrimento/satisfação:

A AD incomoda a gente um pouco porque você vai no domicílio e vê muita coisa que você precisaria mudar, por exemplo situação de pobreza. Por ai vê a nossa realidade, que você tem que ficar trabalhando isso, as dificuldades até compreendo dominar nas situações, porque tem momentos que você não tem muito onde lançar mão, não tem resposta pra tudo [..]. Acho que é por ai e com isso você vai crescendo, trocando com os colegas idéias pra poder melhorar e em cada situação você vai estar discutindo DSC

As enfermeiras , sujeitos desta investigação, afirmam que ao prestarem a AD se estabelece uma relação mais personalizada, a assistência vai além de realizar o procedimento técnico, falam de conhecer o paciente, de possibilidades de seguimento, de um outro envolvimento onde se cria vínculo, empatia, auto-confiança, solidariedade, explícitos nos fragmentos a seguir.

[...] conhecer o paciente lá na casa dele é outra reflexão que a gente faz, dentro do domicílio a gente cria muito mais, e a assistência é mais personalizada, é pensar bem essas besteiras de mandar dar banho na bacia estéril, tinha aprendido isso e repassava [...].e quem vai no domicílio passa a conhecer o paciente, cria um outro vínculo, um outro envolvimento, você tem condições de marcar um retorno, dar uma seqüência, coisa que na Unidade você não tem como fazer. [...] No domicílio a gente pode ir muito além, a gente não pode ficar só na história que a gente vai fazer um curativo, pude perceber isto [...]e é fundamental, , Aí a gente não quer abrir mão também, porque o envolvimento, o vínculo é diferente. Isto não é exclusivo da assistência domiciliar, mas na AD isso aparece mais forte também. [...]nos pacientes que eu acabo indo no domicílio, eu acho que isso acaba até sendo mais forte, criando mais vínculo, mais empatia . Estabelece confiança no sentido profissional e como pessoa. Assim paciente chora o que tem que chorar , quando não chorou no posto. Te coloca situação que ela não colocou na Unidade [...], produz a integração das pessoas, isso que é importante, auto-confiança, solidariedade. DSC

Articulando os enunciados dos outros depoimentos com este último já permite-nos ler que a experiência da AD tem possibilitado a conformação de um modo de (re) pensar, de sentir e, portanto, de agir que configura um modelo de sensibilidade, apresentando características que não estão pautadas apenas em indicadores biológicos, mas em outros, como por exemplo, querer continuar ver, escutar, saber o que está acontecendo com o usuário, demonstrando estarem se aproximando de um cuidar traduzido com preocupação com o outro, em solidariedade, em responsabilização, conforme estabelecido por Pessini (2000) "Cuidar, mais que um ato isolado, é uma atitude constante de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento de ternura com o semelhante". Este jeito de cuidar é apontado por Merhy (1997, p. 2) como uma forma de atender parte das necessidades dos usuários uma vez que afirma "do ponto de vista do usuário [...] em geral, este não reclama da falta de conhecimento tecnológico no seu atendimento, mas sim da falta de interesse e de responsabilização dos diferentes serviços em torno de si e de seu problema".

Quando as relações são estabelecidas de maneira que possa compartilhar o sofrimento, a dor, a alegria e os prazeres aumentam-se as chances de se produzir um outro "fazer em saúde", procurando dar mais vida a quem busca e quem trabalha na saúde. Nesta perspectiva, acreditamos que estas situações vividas, há brechas para visualizar possíveis aproximações de um agir na direção de se construir projetos que contemplem outro modo de interagir e de de produzir uma outra prática de saúde /enfermagem. O espaço domiciliar é território de domínio do usuário e ali o trabalhador passa a ser destituído do espaço do serviço de saúde que lhe confere segurança e, muitas vezes, obstaculiza o trabalhador escutar, enxergar e agir de modo mais resolutivo e humanizado.

 

Conclusão

Acompanhando o DSC temos em diferentes momentos e situações, expressões comprometidas com uma prática de saúde/enfermagem voltada para relações de responsabilização, vínculo e prática humanizada e nessas experiências precisamos encontrar brechas no sentido de possibilitar um espaço coletivo de trabalho, onde constantemente seja questionado o instituído, os determinantes internos e externos do contexto em que se dá o trabalho em saúde, exercitando o pensar crítico dos espaços institucionais, prevendo assim as resistências às mudanças e construindo, de forma prática e operacional, um projeto de saúde onde os trabalhadores se sintam co-responsáveis, onde o prazer se manifeste em decorrência da realização do trabalho e das reflexões geradas nesse processo, assim como também a angústia seja produto inerente à criatividade e ao processo de revisão constante. A AD é revelada pelos trabalhadores com potencialidade para rever o significado das tecnologias utilizadas na produção de saúde. No modelo de saúde hegemônico, as tecnologias predominantes no processo de trabalho são as duras e leve-duras, sendo as leves discretamente ou quase não utilizadas. No domicílio as tecnologias leves emergem com maior visibilidade e necessidade.

A incorporação de forma mais presente na prática de saúde/enfermagem pode provocar insegurança, medo de estar fazendo tudo errado, medo de estar desviando-se da assistência, e nesse movimento é preciso ter claro que angústia - dimensão subjetiva do processo de trabalho - é produto inerente a criatividade e ao processo de revisão constante (ADAMSON, 2001). No modelo atual hegemônico não temos tido o traço da estrutura vincular da dimensão da sensibilidade, dos afetos como vicissitudes conformadoras das ações de saúde e, portanto, não podem ser assim reproduzidas, significando que essa dimensão precisa ser construída e mesmo valorizada nas ações de saúde.

 

Referências bibliográficas

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MATUMOTO, S. O acolhimento: um estudo sobre seus componentes e sua produção em uma unidade da rede básica de serviços de saúde. Ribeirão Preto, 1998, 219 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto.

MERHY, E. E. Em busca da qualidade serviços de saúde: os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial em defesa da vida (ou como aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços de saúde e colegiadamente reorganizar o processo de trabalho na busca da qualidade das ações de saúde. In: CECÍLIO, Luiz C. de O. (org.) Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Hucitec, 1994. Cap. 3, p. 117-160.

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MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento : metodologia de pesquisa social (qualitativa) em saúde. 2.ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1993.

MORGAN, D.L. Focus Groups as Qualitative Research. 2nd ed. Thousand Oaks, London, New Delhi. Sage Publications, 1997,p.80..

PESSINI, L. O cuidado em saúde. O mundo da saúde. São Paulo, ano 24, v. 24, nº 4 jul/ago, 2000.

 

 

* Este trabalho é exerto da produção - PEREIRA, M.J.B. O trabalho da enfermeira no serviço de assistência domiciliar – potência para (re) construção da prática de saúde e de enfermagem. Ribeirão Preto, 2001, 246f. Tese (Doutorado)- Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.