8, v.1The verbal communication of the nursing staff from an adult intensive care unit during the visiting process: the visitors' perspectiveReflections about nurse-patient communication with respect to privacy invasion author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Acolhimento: uma reflexão acerca da alteridade na relação entre trabalhador e usuários no trabalho da rede básica de saúde

 

Welcoming reception: a reflection on alterity in the relation among workers and clients in the work of the basic health network

 

 

Silvia MatumotoI; Silvana Martins MishimaII; Cinira Magali FortunaIII

IEnfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto. Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública (DMISP) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). smatumoto@uol.com.br
IIEnfermeira, Professora Doutora da EERP–USP. Av Bandeirantes 3900 – Campus da USP – CEP: 14040-901. smishima@eerp.usp.br
IIIEnfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto. Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública do DMISP da EERP-USP. cinirafortuna@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Neste trabalho propomos uma reflexão acerca da alteridade presente na relação de acolhimento. O acolhimento se constitui na relação trabalhador-usuário, durante o processo de produção das ações de saúde. Esse encontro ocorre no espaço intercessor onde se processa a micropolítica do trabalho vivo em saúde (MERHY, 1997) que se efetiva através da relação com o outro, de um diálogo, da linguagem e de ações. Utilizamos de alguns conceitos teóricos que fundamentam a análise do discurso de linha francesa nesta reflexão acerca da alteridade na relação trabalhador-usuário. A análise dos indícios lingüísticos revelam as posições que os sujeitos dos discursos assumem - simetria e assimetria - e os seus movimentos - reversibilidade - assim como revelam os sentidos desses mesmos discursos. A análise do discurso produzido no encontro trabalhador-usuário pode ser utilizada como disparador de processos que visem a conscientização do trabalhador acerca de sua posição na relação e sensibilização para a necessidade de mudança no modo de fazer saúde.

Palavras-chave: processo de trabalho em saúde, alteridade, comunicação


ABSTRACT

In this paper, we propose a reflection on the alterity present in the welcoming reception relation. The welcoming reception consists in the relationship worker-client, during the production process of health actions. This encounter happens in the interceding space where the micropolitics of live health work is processed (MERHY, 1997) which is done through the relation with others, a dialogue, language and actions. In this reflection about the alterity in the worker-client relation, we use some theoretical concepts that underlie the French line in discourse analysis. The analysis of the linguistic tokens reveals the positions assumed by the discourse subjects – symmetry and assymmetry – and their movements – reversibility – as well as the meaning of this same discourse. The analysis of the discourse produced in the worker-client encounter may be used as a trigger for processes that aim at conscientization of the workers with respect to their position in the relation and at sensibilization towards the need for changing the way of realizing health services.

Key words: work process in health, alterity, communication


 

 

Introdução

Pensar o acolhimento como estratégia de mudança do modelo assistencial para o Sistema Único de Saúde tem sido uma das alternativas previstas por alguns municípios frente a crise deste setor (MERHY, 1994; FRANCO et al, 1998; MALTA et al, 1998).

O propósito e a finalidade da estratégia do acolhimento podem ser os mais diversos, a depender de cada um dos sujeitos que a elabora e a coloca em ação, de sua visão de mundo, sua formação ideológica, técnica, ética e do contexto em que esteja inserido.

Da perspectiva aqui tomada, o acolhimento se conforma a partir de um fazer cotidiano em que se busca tomar a crise da saúde como um desafio, essencialmente como uma forma de resgate da missão do setor saúde, a produção de vida e de saúde, enfim, de pessoas felizes. Essa proposta de acolhimento se apoia no reconhecimento das relações entre as pessoas no momento do atendimento como uma das questões chave, e em especial a relação trabalhador-usuário (MATUMOTO, 1998).

Esta relação veio se constituindo histórica e socialmente partindo do reconhecimento do poder/saber entre o técnico e o leigo, estabelecendo uma relação de subordinação do segundo pelo primeiro, não reconhecendo e retirando da população o seu saber, criando uma relação de dependência, especialmente do saber médico (MERHY, 1994).

Compreender melhor a relação trabalhador-usuário poderia ajudar a elaborar melhor as estratégias para o resgate do humano, da cidadania e da vida na saúde.

Na posição de trabalhadores de saúde temos a responsabilidade social de lidar com necessidades, dores e sofrimentos do outro. Quem é esse outro? Como me relaciono com ele? Para quê ?

Entendemos que a compreensão da relação com o outro - alteridade - produzida no cotidiano do trabalho em saúde podem nos trazer elementos para re-pensar o acolhimento enquanto estratégia de mudança de modelo assistencial. Essa relação com o outro é sempre efetivada através da linguagem e por sujeitos que falam, que portam desejos, projetos, sentimentos.

Isto nos leva a refletir neste texto acerca das possíveis interpretações do que é falado, das diferentes posições dos sujeitos envolvidos na relação, o que se torna possível através do referencial da análise de discurso que tem como pressuposto a não transparência do sentido do discurso, que busca a compreensão do movimento do sentido do discurso e do movimento dos sujeitos dos discursos.

Na saúde, o acolhimento se constitui na relação trabalhador-usuário a partir de um encontro em que se estabelece um diálogo e neste cada um vai assumir uma posição, trazer um tema-problema-necessidade e vai se colocar com uma certa disponibilidade. Como o trabalhador de saúde apreende o que é falado pelo usuário? Como o usuário apreende o que o trabalhador fala? Qual o sentido do discurso de cada um? Qual a posição ou posições cada sujeito assume?

Além disso, nessa relação sempre vamos nos deparar com o outro, um diferente que vai nos causar um certo estranhamento e desencadear um olhar para dentro e para fora muito dinâmico da própria imagem de cada um dos envolvidos; uma expressão através de um discurso, de gestos e de ações práticas. É nessa relação que nos construímos e re-construimos como sujeitos no mundo.

Desta forma, estamos nos propondo a uma reflexão sobre a alteridade presente nessa relação trabalhador-usuário sob a luz de alguns conceitos teóricos que fundamentam a análise do discurso (AD).

 

O trabalho em saúde é um trabalho de relações

O trabalho em saúde sob a égide do paradigma cartesiano e da sociedade capitalista vive a contradição entre o técnico e o humano, com predomínio do primeiro. Entretanto, a saúde não é um bem de consumo, que se vai e pega numa prateleira.

A saúde é um bem simbólico, cujo valor é dado pela possibilidade de possuí-la para gozar a vida, sendo que sua produção se faz no mesmo ato em que se a consome, na relação, no encontro entre trabalhador e usuário em um dado contexto.

O atendimento em saúde se dá a partir desse encontro em que ambos se apresentam como seres de necessidades, conformadas dentro de um contexto sócio-histórico cultural e de uma concepção ideológica, ou seja, tanto o trabalhador quanto o usuário quando se encontram possuem uma espessura, de passado e de futuro, de histórias, experiências, desejos e projetos, que freqüentemente é ignorada e o atendimento se processa a partir do que é apresentado como queixa, tomando o sentido literal, evidente das palavras proferidas, caracterizando o que denominamos de uma prática pautada na queixa-conduta.

O acolhimento é produzido nesse processo relacional, neste encontro que Merhy (1997) denomina espaço intercessor, onde cada uma das partes, usuário e trabalhador se coloca com toda sua inteireza, isto é, suas necessidades, projetos, ansiedades, dores, medos, desejos, sonhos, potencialidades, em dado contexto.

Nesse espaço intercessor está a potência do trabalho vivo em ato. O conceito de trabalho vivo em saúde vem de Merhy (1997) quando estuda a micropolítica do trabalho em saúde, identificando dois componentes operadores, o trabalho morto e o trabalho vivo. O primeiro são os produtos-meio como ferramentas ou matéria-prima e que são os resultados de um trabalho humano realizado num momento anterior. O trabalho vivo é aquele que está em ação, vai se dando, vai se fazendo no próprio ato pelo trabalhador, dando a ele (trabalhador) uma certa autonomia à sua ação, seu poder de decidir coisas em seu micro espaço, segundo um certo recorte interessado desse trabalhador. A esta autonomia Merhy (1997) denomina autogoverno.

Integrar os conceitos da análise de discurso nas reflexões sobre a produção do trabalho em saúde pode abrir um pouco mais as brechas para o trabalho vivo em ato. E voltamos novamente às questões: Quem é o outro do meu dia-a-dia? Como me relaciono com ele? Para quê ?

Desta forma, o trabalho em saúde não se configura como uma prática técnica, mas sim como uma prática de relações entre homens, que também se constituem em suas relações com outros homens e com o mundo, produzindo-se e reproduzindo-se a si e ao meio

 

O discurso e o atendimento em saúde

No espaço intercessor de produção de ações de saúde teremos um confronto de discursos que segundo Freire (s/d) é determinado na relação inter discursiva, isto é, o discurso de um dos sujeitos só se dá em relação ao discurso do outro, situação em que se evidenciam as diferenças entre o discurso de quem orienta e de quem quer ser orientado.

Discurso, segundo a escola francesa de análise do discurso, é definido como "efeito de sentidos entre locutores" (FREIRE, s/d), considerando as condições de produção, ou seja, o contexto sócio-histórico e cultural.

Orlandi (2001) refere que para Pêcheux todo discurso é uma seqüência de enunciados que compõe sua estrutura, o sistema de regras da língua; e também pontos de deriva que abrem a possibilidade de acontecimentos e acrescenta que esses pontos de deriva se caraterizam pelos deslizes, efeitos metafóricos, equívocos, atos falhos, através dos quais torna-se possível a ligação da língua e da história, torna possível o lugar do trabalho ideológico, da interpretação, da constituição do sentido do discurso e da constituição do sujeito.

Assim sendo, o discurso na AD, e também no atendimento em saúde, vai muito além das palavras, do sentido literal, daquele que encontramos nos dicionários. O discurso comporta inúmeras interpretações a depender da posição que o sujeito ocupa em um dado momento.

A AD se opõe à lingüística estruturalista, que toma o discurso como tendo uma função comunicativa enquanto veículo de informações no modo clássico com os elementos: emissor, mensagem, receptor, código, canal e referente (TFOUNI 1988). Nessa visão se privilegia os aspectos técnicos do saber lingüístico, não há lugar nos discursos para equívocos, distorções, mal-entendidos, ambigüidades, esquecimentos involuntários (TFOUNI, 1988). Nessa concepção de comunicação não há diferenças em termos de posição social entre os sujeitos, o discurso é claro e evidente e os mal-entendidos são tomados como dificuldades do indivíduo, que não soube se expressar ou entender o que foi dito.

A comunicação que mais usualmente se estabelece nos serviços de saúde parece ser aquela determinada por diferentes formas de assujeitamento do indivíduo segundo os interesses da ideologia dominante (CAMPOS, 1994; MERHY, 1994). É o usuário que não entende o que o trabalhador de saúde fala. O trabalhador de saúde é o que sabe, que fala claramente sem equívocos ou ambigüidades e cujo discurso é evidente, suas palavras não terão outro sentido senão aquele por ele pensado. Também há na saúde outras formas de interlocução, que possibilitam respeito, escuta, vínculo, troca, solidariedade, mas que não tem sido reconhecido como trabalho como no caso identificado por Matumoto (1998) em auxiliares de enfermagem.

Não podemos nos esquecer que o trabalho em saúde se dá em meio a uma divisão social e técnica do trabalho, determinada histórico, social e culturalmente, estabelecendo as atribuições por categorias profissionais, cuja interação na prática cotidiana se faz de forma fragmentada.

Alguns fatores como a hegemonia da lógica de mercado, o poder/saber técnico, a divisão social e técnica do trabalho em saúde e a prática fragmentada acentuam e contribuem para que as "ilusões" ou "esquecimentos" do sujeito se façam presentes nos discursos da saúde.

O que se denomina "ilusão" ou "esquecimento" N° 1 é a ilusão do sujeito de que "ele é a fonte (origem) do sentido do que diz." (TFOUNI, 1988, p. 509). Aqui há um ocultamento da determinação histórica e ideológica do que pode ser dito.

O trabalhador de saúde "não se lembra" de que o seu estar ali, no espaço de relação com o usuário, traz com ele determinações históricas e ideológicas que o fazem pensar, sentir e agir de uma dada forma e não de outra, e que esse seu fazer ações de saúde não começou naquele aqui e agora.

Na "ilusão" ou "esquecimento" N° 2 "o sujeito tem a ilusão de que aquilo que ele diz é idêntico aquilo que ele pensa" (TFOUNI, 1988, p. 509). Ocorre um ocultamento lingüístico. O sujeito em pensamento acredita que elencou todas as formas possíveis de dizer algo e escolheu a que melhor expressasse a realidade de seu pensamento. Nesta ilusão pensamos que dissemos tudo o que pensamos, mas na realidade não o fizemos.

Considerando os diversos aspectos apontados, podemos acreditar na ocorrência de problemas de comunicação que podem ser gerados no momento do encontro trabalhador/usuário no atendimento em saúde.

O usuário, assim como o trabalhador de saúde, também é acometido dessas ilusões; ambos estão imersos em uma formação social que determina e forma o sujeito no sentido de permitir ou proibir coisas. Essa possibilidade de o sujeito ter permissão ou não, não depende de sua livre escolha, sofre a influência da ideologia dominante. Assim, a formação social e a formação ideológica estarão presentes nas formações discursivas dos sujeitos que assumirão diferentes posições em diferentes contextos (PÊCHEUX, 1993).

Essas posições do sujeito também vão explicitar as formações imaginárias decorrentes dessa determinação ideológica. O sujeito imagina antecipadamente o que o outro vai pensar dele e essa formação imaginária passa a fazer parte da determinação do sentido que o sujeito dá a seu discurso (TFOUNI, 1988). É comum em pediatria a mãe recitar corretamente ao médico a dieta que supostamente dá ao filho, ocultando o que realmente oferece à criança. Sabemos que uma série de possíveis formações imaginárias poderiam estar determinado esta atitude dessa mãe.

A ideologia atua sobre a formação imaginária fazendo parecer "natural" que se diga "X" quando se poderia dizer "Y". Na saúde, parece natural que se diga ao usuário que "não tem mais vaga" para consulta médica e que por isso não terá atendimento, ao invés de se buscar formas alternativas de atendimento.

Nessa perspectiva, entendemos que no espaço intercessor da relação trabalhador-usuário estarão presentes diferentes formações discursivas e sujeitos em diferentes posições que terão uma tarefa comum, a de buscar solução para um problema ou necessidade de saúde/doença. Nessa interlocução haverá muitos ditos e não-ditos determinados histórica, social e culturalmente.

É importante destacar a construção da alteridade nesse processo relembrando que o discurso de um não se faz sem o discurso do outro, sem a relação de produção mútua de sujeitos, trabalhador-usuário, trabalhador-trabalhador. E que, há sempre um outro que "atrapalha", que não faz o que deve e que não entende. Assim, quem atrapalha quem? Quem não faz o que? Quem não entende quem? Como cada um se posiciona na relação de atendimento em saúde? Como e em que me modifico nessa relação?

Em suma, quem é esse outro com quem me deparo no trabalho em saúde?

 

Simetria e assimetria nas relações trabalhador de saúde e usuário

O trabalho de Sette e Ribeiro (1984) de análise de diálogos espontâneos registrados em lugares como lojas, feiras e restaurantes, podem trazer elementos para esta reflexão acerca das relações discursivas em saúde.

As autoras colocam que na interação face-a-face ocorre uma alternância nas posições de falante e ouvinte entre os interlocutores, levantando a questão da simetria e assimetria nas relações. Identificaram que alguns fatores externos à linguagem interferem sobre esse posicionamento dos sujeitos como: classe social, categoria sócio-profissional, grau de instrução, sexo, idade; lembrando que esses fatores estão sempre referidos a uma sociedade específica.

A hipótese inicial do referido trabalho era que a assimetria ou simetria nasceria da relação de poder existente entre os interlocutores sendo determinante na construção da estrutura dialógica. No entanto constataram que "em muitos casos, a relação de poder entre os interlocutores nasce da própria dinâmica do processo de interação verbal." (SETTE; RIBEIRO, 1984, p. 89).

As autoras identificaram, nas interações analisadas, marcas lingüísticas características e responsáveis pela relação simétrica ou assimétrica interna, ou seja, marcas que poderiam ser consideradas produto da interação lingüística.

Essas marcas foram agrupadas em cinco itens:

  1. o tema da negociação, principalmente o periférico, proposto por um dos sujeitos tornava-se uma marca importante de simetria (quando a proposta é aceita, possibilitando novos diálogos) ou assimetria (negação do tema periférico);
  2. os tipos de perguntas, as "fechadas" apontam para uma direção, marca de assimetria, as "abertas" permitindo maior flexibilidade, abrindo-se para a opinião do outro, marca de simetria;
  3. formas de tratamento através dos quais os interlocutores se colocam como diferentes ou como iguais;
  4. formas de pedido assinalam assimetria ou simetria como uma ordem ou interrogação e
  5. reversibilidade nos papéis entre falante e ouvinte, podendo apresentar-se em diferentes graus, desde um mínimo em que não há qualquer expressão de tratamento introdutório até a possibilidade de interações que marcam simetria.

Estas marcas podem servir como indícios, pistas, dados aparentemente negligenciáveis e de pouca importância, mas que serviriam para reconstituir as condições de produção do diálogo (TFOUNI, 1992).

Esse tipo de análise evidencia a posição que os sujeitos, falante e ouvinte, assumem na relação: alguém superior, inferior ou igual, gerando em conseqüência, um outro inferior, superior ou igual, ao dizer ou ao fazer algo (SETTE; RIBEIRO, 1984). Estes posicionamentos também podem ser investigados nas relações entre trabalhador de saúde e usuários.

Na saúde podemos observar essas marcas lingüísticas que ajudam a caracterizar a interação, evidenciam os indícios de como cada sujeito está se posicionando e tomando o outro e os diferentes movimentos dos sentidos dos discursos, especialmente nas interações em que ocorrem conflitos mais evidentes como discussões entre usuários e trabalhadores. Relações que iniciam de forma conflituosa podem terminar em relações respeitosas e de produção de ações de saúde satisfatórias para ambos, assim como relações que iniciam de forma tranquila e aparentemente sem grandes dificuldades, podem no transcorrer da interação resultar em agressividade.

As marcas lingüísticas que caracterizam as interações identificadas por Sette e Ribeiro (1984) se configuram indícios das diferentes formas de ver , entender e interagir com o outro na saúde.

 

Considerações finais

O acolhimento no enfoque da relação trabalhador-usuário pode configurar um elemento que contribua para o processo de mudança de modelo assistencial.

O caminho aqui enfocado foi olhar mais para o interior das relações, refletindo sobre como lidamos com o outro, o "não eu", um outro que é um diferente com o qual interagimos através de um diálogo, construído neste encontro.

Uma análise indiciária dos diálogos entre trabalhador e usuário pode oferecer material muito rico para refletirmos e analisarmos as relações no trabalho em saúde, se acolhemos ou não, o que estamos produzindo, a quem estão servindo nossas ações, em que contexto.

Os indícios podem nos ajudar a repensar o acolhimento nos dando pistas dos sentidos dos discursos e dos movimentos dos sujeitos. Entretanto, no cotidiano do trabalho em saúde tais indícios por si só não promovem a mudança. O agente de mudança são os sujeitos. Precisamos então sensibilizar o trabalhador para essa necessidade. Um caminho possível é o da reflexão pelo próprio trabalhador acerca por exemplo, do seu trabalho, das diferentes posições que tem tomado ao realizar suas ações, de como vem construindo a relação com os usuários; que pode ser disparada através da análise do discurso produzido no encontro trabalhador-usuário, evidenciando os indícios que podem revelar os sentidos ocultos na opacidade.

Esse tipo de análise pode favorecer o crescimento dos sujeitos das ações de saúde, na medida em que evidencia equívocos e contradições, promovendo a tomada de consciência dos nossas "ilusões".

 

Referências bibliográficas

CAMPOS, G.W.S. A saúde pública em defesa da vida. 2ª ed. São Paulo, Hucitec, 1994.

CAMPOS, G.W.S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas. O caso da saúde. In: CECÍLIO, L.C.O. (org) Inventando a mudança na saúde. São Paulo, Hucitec, 1994. Cap.2, p. 29-87.

CAMPOS, G.W.S. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes de saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (orgs). Agir em saúde:um desafio para o público. São Paulo, Hucitec/Lugar Editorial, 1997. Parte 3, p. 229-266.

FRANCO, T.B.; BUENO, W.S.; MERHY, E.E. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim (MG). /http://www.datasus.gov.br/cns/inovador/betim.htm; 05/05/98./

FREIRE, R.M. O discurso médico enquanto (des)orientação. Pontífica Universidade Católica de São Paulo. CNPq. s/d. mimeo.

MALTA, D.C.; FERREIRA, L.M; REIS, A.T.;MERHY, E.E. Acolhimento: uma reconfiguração do processo de trabalho em saúde usuário-centrada. In: REIS, Afonso Teixeira (org) Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. Xamã. São Paulo, 1998. p 121-142.

MATUMOTO, S. O acolhimento: um estudo sobre seus componentes e sua produção em uma unidade da rede básica de serviços de saúde. Ribeirão Preto, 1998, 225p. Dissertação (Mestrado) Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP.

MERHY, E.E. Em busca da qualidade dos serviços de saúde: os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial em defesa da vida. In: CECÍLIO, L.C.O. (org) Inventando a mudança na saúde. São Paulo, Hucitec, 1994. Cap.3, p. 117-160.

MERHY, E.E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (orgs). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo, Hucitec/Lugar Editorial, 1997. Parte 1, p. 71-112.

ORLANDI, E.P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 3ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 2001

PÊCHEUX, M. A propósito da análise automática do discurso. In: GADET, F. & HAK, T. Por uma análise automática do discurso. Campinas, SP, Ed UNICAMP, p. 163-187.

SETTE, N. M.D.; RIBEIRO, M.S.G.C.T. Interação face-a-face: simetria/assimetria. Cadernos de Estudos Lingüísticos, n. 7, 1984, p. 87-105

TFOUNI, L. V. O discurso na instituição hospitalar. Anais do I SIBRACEn. EERP-USP, Ribeirão Preto, 02 a 04 maio/1988.

TFOUNI, L.V. O dado como indício e a contextualização do(a) pesquisador(a) nos estudos sobre compreensão da linguagem. Delta, v.8, n.2, 1992, p. 205-223.