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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Relacionamento interpessoal: fator relevante da assistência ao parto na avaliação de puérperas*

 

Interpersonal relationship: important birth care factor  according to the evaluation by the mothers

 

 

Luiza Akiko Komura HogaI; Carla Cristiane Paz FélixII; Patrícia BaldiniII; Raquel Cunha GonçalvesII; Thaís Rodrigues de Almeida SilvaII

IProfessora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 419, São Paulo, SP, Brasil. CEP 05403-000
IIEx-bolsistas de iniciação científica da FAPESP

 

 


RESUMO

Trata-se de parte dos resultados da pesquisa "Atuação da enfermeira obstétrica na assistência ao nascimento e parto: avaliação da experiência da mulher e sua família", que teve o objetivo geral de avaliar a assistência ao parto entre mulheres atendidas em unidades hospitalares participantes do projeto "Inserção da enfermeira obstétrica na assistência ao parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo". Um dos objetivos específicos da pesquisa acima mencionada foi conhecer a avaliação das mulheres e seus acompanhantes em relação à assistência ao parto recebida, a partir da perspectiva individual e subjetiva deles. Os resultados referentes a este objetivo específico demonstraram que o relacionamento interpessoal representa um dos fatores mais relevantes da assistência ao parto, segundo a avaliação feita por puérperas e respectivos familiares. Assim sendo, a avaliação da assistência ao parto foi positiva quando do estabelecimento de relacionamento interpessoal adequado por parte dos profissionais e negativa, quando estes se mostraram negligentes neste aspecto.

Palavras-chave: parto, avaliação, enfermagem obstétrica


ABSTRACT

This research shows a part of the results of the research "The midwife´s care in childbirth and delivery: evaluating the experience of women and their families". The general aim of this research was the evaluation of childbirth care among women who received care in hospitals participating in the project "Insertion of the midwife in delivery care in São Paulo State Health Institutions". One of the specific objectives of this research was to know about the evaluation of women and their families in relation to the care received during childbirth and delivery, on the basis of their individual and subjective perspective. The results related to this specific objective have demonstrated that the interpersonal relationship is one of the main factors of delivery care, according to the evaluation of women and their families. Thus, the evaluation of delivery care was positive when an adequate interpersonal relation was established by the professionals, and negative when they had neglected this aspect.

Key words: childbirth, evaluation, midwifery


 

 

Introdução

A Coordenadoria de Saúde da Região Metropolitana da Grande São Paulo da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (CSRMGSP-SES/SP) e a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) desenvolveram em conjunto o projeto "Inserção da Enfermeira Obstétrica na Assistência ao Parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo". Este projeto visou incorporar a enfermeira obstétrica na equipe de saúde para a prestar assistência no trabalho de parto e parto normal, e foi implantado em quatro hospitais da rede da Coordenadoria. A participação da EEUSP referiu-se à formação de especialistas em enfermagem obstétrica vinculadas à Coordenadoria, para compor parte do quadro de enfermeiras obstétricas a serem incorporadas ao projeto e à avaliação do processo e dos resultados alcançados pela atuação destas profissionais.

A CSRMGSP-SES/SP mantém uma rede de maternidades e, em maio de 2000 implantou o referido projeto em quatro delas e foi objeto da avaliação acima citada. O referido projeto consiste, portanto, em uma iniciativa interinstitucional e vincula-se à diretriz política do Ministério da Saúde e ao Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento, instituído pela Portaria nº 569 de 1º de junho de 2000, para implementação da humanização do parto e redução da morbimortalidade materna e perinatal (Brasil, 2000). A avaliação da inserção da enfermeira obstétrica em serviços de maternidade da SES/SP visa fornecer uma base de dados sistemática e científica para a análise do processo e resultados da atuação dessa profissional na assistência ao nascimento e parto. Visando avaliar parte dos resultados, foi desenvolvida a pesquisa intitulada "Atuação da enfermeira obstétrica na assistência ao nascimento e parto: avaliação da experiência da mulher e sua família", que teve como objetivo geral descrever a experiência das mulheres e respectivas famílias por ocasião de seu parto e um de seus objetivos específicos foi verificar a satisfação da assistência recebida a partir da perspectiva individual e subjetiva da mulheres.

 

Objetivo

Identificar aspectos relativos ao relacionamento interpessoal estabelecido por profissionais no decorrer da assistência ao parto mencionados por puérperas.

 

Metodologia

Local: Esta pesquisa foi realizada em quatro unidades hospitalares da CSRMGSP-SES/SP, localizadas na região metropolitana de São Paulo. que participaram do Projeto "Inserção da enfermeira obstétrica na assistência ao parto na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo", e foram denominadas como Hospitais 1, 2, 3 e 4, respectivamente.

A abordagem da pesquisa: Foi adotado o paradigma qualitativo, que propicia um conhecimento profundo e sistematizado sobre o que se deseja conhecer por meio da pesquisa (Janesick, 1998). Este paradigma permitiu apreender os múltiplos fatores que interferem sobre a forma como as mulheres e respectivas famílias avaliam a questão do relacionamento interpessoal na assistência ao parto.

Coleta de dados: Os dados foram coletados no período compreendido entre fevereiro de 2000 a junho do mesmo ano, por meio de entrevistas. Foi adotado um tipo de entrevista não estruturada, sugerido por Fontana & Frey (1994). Ao entrevistarmos alguém, devemos considerar que cada pessoa possui a sua própria história social e cada qual assume uma perspectiva individual no mundo. O cerne das questões colocadas às mulheres e seus familiares orientaram-se no sentido de verificar a satisfação em relação à assistência recebida no decorrer da internação para o parto, considerando a perspectiva individual e subjetiva delas. As entrevistas foram agendadas em comum acordo entre entrevistadoras e puérperas, por via telefônica e na ausência deste recurso, as pesquisadoras foram diretamente ao domicílio das puérperas. As entrevistas foram realizadas pelas quatro bolsistas do projeto, tendo sido tomado o cuidado de sempre estarem em duplas ou trios devido à localização das residências em bairros muito distantes ou periféricos da cidade.

População do estudo e amostra: A população do estudo foi constituída por puérperas que foram atendidas nas quatro unidades hospitalares participantes do projeto. A amostra da população foi determinada pelo critério do sorteio, a partir de uma lista do total de mulheres atendidas no período de coleta de dados. Teve-se o cuidado de contemplar na amostra, puérperas atendidas em todos os dias da semana e turnos de trabalho. Este processo foi realizado nos quatro hospitais participantes da pesquisa. Foram entrevistadas 14 puérperas de cada hospital e este número de entrevistadas decorreu da ocorrência de saturação e repetição contínua dos dados, que se iniciou por volta da décima segunda entrevista. A adoção destes critérios para encerramento de coleta de dados qualitativos é sugerida por Morse (1998).

Aspectos éticos e de rigor: Existiu a prévia anuência do dirigente de cada unidade hospitalar para a realização da pesquisa. As entrevistas com as puérperas foram realizadas em observância às determinações da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996) e o respectivo projeto foi préviamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEUSP. Foi solicitada a permissão para gravar as entrevistas, explicitando que cada colaboradora receberia uma denominação fictícia, que impossibilitaria a identificação delas por terceiros e manteria o seu anonimato. Houve algumas recusas na participação da pesquisa, apesar das explicações dadas quanto à preservação do anonimato e impossibilidade de prejuízos relativos ao atendimento futuro nos hospitais e este desejo foi respeitado. Nesses casos, passou-se para a próxima puérpera da lista preliminarmente obtida nos registros dos hospitais. Quanto aos princípios de rigor, esta pesquisa baseou-se nos critérios estabelecidos por Morse (1998). O crédito que se atribui à pesquisa está diretamente relacionada ao preparo dos pesquisadores, que devem estar atentos para não induzir respostas. As bolsistas foram devidamente treinadas e orientadas quanto ao desenvolvimento das entrevistas. A credibilidade desta pesquisa foi alicerçada no fato da categoria construída - aspectos relacionados ao relacionamento interpessoal – e seus conteúdos terem sido levados ao conhecimento e validados junto a algumas puérperas, por via telefônica.

 

Análise dos dados

Os conteúdos das entrevistas foram submetidos a um processo de transcriação, ou a passagem da foram oral para a escrita, de textualização e transcriação, ou edição das entrevistas com manutenção do sentido intencional dado pelas puérperas e estabelecimento das idéias centrais contidas no texto. A partir destas, foi realizado um processo contínuo de estabelecimento de categorias, inclusive a referente ao relacionamento interpessoal, exposta neste artigo. Para a descrição desta categoria procurou-se manter o senso de liberdade, de forma a refletir a realidade encontrada, de forma fidedigna e, ao mesmo tempo criativa, segundo recomendação de Janesick (1998).

 

RESULTADOS

O relacionamento interpessoal foi um fator relevante da assistência ao parto na avaliação de puérperas e respectivas famílias. Os atributos positivos e negativos serão expostos a seguir, separados por hospitais.

Hospital 1: Houve menção de um tipo de relacionamento interpessoal construtivo por muitas puérperas e isso fez com que elas tivessem avaliado positivamente este aspecto da assistência. A identificação pessoal foi avaliada de forma muito positiva e aquelas que foram chamadas de "mãezinhas" também avaliaram o relacionamento tido de forma positiva, pois essa forma de referir-se às pacientes foi feita de maneira carinhosa na percepção delas.

"...Quem fez o meu parto foi uma enfermeira, e ela me tratou muito bem, ela me chamava pelo nome" (H1E5);

Muitas mulheres ressaltaram a forma como os estagiários se relacionavam com elas e estes estudantes foram avaliados positivamente pelas puérperas, e esta avaliação esteve relacionada com a atenção que eles dispensavam, ao relacionamento interpessoal estabelecido e à continuidade do cuidado durante a evolução do trabalho de parto e parto.

"...Eu gostei muito foi dos estagiários, pois eles eram atenciosos e vinham me perguntar as coisas e ver se estava tudo bem..." (H1 E1) ; "... Tinham uns estagiários que ficavam toda hora conversando com a gente, comigo e as outras mulheres que estavam esperando o bebê nascer. Eu gostei da presença deles porque eles nos davam atenção..." (H1 E9).

Houve menção de um profissional que, na avaliação de uma mulher, não estabeleceu relacionamento interpessoal de forma positiva.

"... A única lembrança negativa que eu tenho do hospital é de uma pediatra, pois eu achei que ela não foi carinhosa com as crianças..." (H1 E1)

HOSPITAL 2: Houve diversidade nas avaliações, positivas e negativas, em relação ao relacionamento interpessoal estabelecido por eles. Entretanto, foi possível notar que as avaliações negativas referiam-se exclusivamente a alguns profissionais médicos, visto que nenhuma outra categoria profissional foi avaliada negativamente pelas puérperas ou seus acompanhantes.

"A médica que fez meu parto foi muito legal. As enfermeiras brincando, relaxando a gente. Elas ficaram o tempo todo ali do lado." (E2, H2) ; "(...)comecei a chorar porque tava com medo, era primeiro filho, e depois fui para a sala, aí dois médicos fizeram meu parto e um médico ficou conversando comigo(...)" (E8, H2).

As narrativas demonstraram que as mulheres possuem um imaginário sobre o "comportamento ideal" esperado das parturientes por parte dos profissionais e muitas delas se esmeraram em corresponder a esta expectativa. Esta correspondência, na visão delas, seria uma forma de receber assistência adequada por parte dos profissionais, e em razão disso, percebeu-se que muitas delas se abstiveram da demonstração de dor ou medo no trabalho de parto.

"Mas no meu parto foram muito legal, eu não gritei, porque tem menina que grita, aí eu peguei e só fazia força, não gritei, não fiz escândalo, nem nada, aí foi bom." (E10, H2)

HOSPITAL 3: A atenção que os profissionais destinaram ás puérperas e a seus acompanhantes foi avaliada como tendo sido determinante para um bom atendimento, sobretudo as medidas de conforto emocional. A consideração demonstrada às parturientes também foi fundamental para o sucesso do atendimento, aspecto este foi mencionado por muitas puérperas.

"Todas as pessoas me trataram muito bem, gostei também do jeito que eles trataram minha prima. Eles estavam sendo muito atenciosos e um bom atendimento somente acontece quando temos atenção das demais pessoas"; "Na sala de parto, eles foram muito pacientes, me tranqüilizaram bastante, falavam que tudo iria acabar bem. E isso foi ótimo para mim. Eles me deram muita segurança (H3E4).

A identificação nominal das parturientes foi valorizada e muitos cuidados ministrados às parturientes representaram formas de demonstrar atenção e estas medidas proporcionavam-lhes a sensação de conforto, segurança e consideradas como aspectos positivos da assistência recebida.

"... eu gostei muito dos atendimentos dos profissionais, eles foram ótimos. A médica que fez o meu parto me chamava pelo meu nome (H3E2); " Mas havia uma enfermeira que me marcou, ela estava sempre comigo quando eu estava precisando de algo" (H3 E5).

O aspecto negativo do relacionamento interpessoal, mencionado por uma puérpera tratou-se da menção de recriminação recebida como conseqüência de seu comportamento durante o trabalho de parto e parto. A parturiente, por sua vez, demonstrou uma atitude passiva diante do fato, devido ao seu estado geral.

"Uma enfermeira me deu bronca porque eu tinha gritado muito e dei muito trabalho aos médicos. Mas eu não tinha gritado, era outra mulher. Na verdade eu nem liguei para o que ela tinha me falado, pois estava muito cansada." (H3 E8).

HOSPITAL 4: Foram destacados aspectos relativos à atenção dispensada pelos profissionais e do processo de cuidar, no seu conjunto.

"... Eu fui muito bem tratada, me senti muito respeitada por todos, todos mesmo eles me examinavam toda hora demonstravam muita preocupação comigo e com o meu nenê, eu gostei mesmo e terei meus outros filhos lá ..." (H4 E13.)

Não observou-se a valorização maior de uma categoria profissional em particular, mas sim, uma avaliação positiva do conjunto de profissionais envolvidos com a assistência. Percebeu-se que quando a avaliação da assistência é positiva, há a tendência de considerar os profissionais como membros de uma equipe bem integrada.

"...Foi tudo muito bom, lá, os médicos são bons, as enfermeiras são boas tudo é muito bom lá, eu pelo menos gostei muito e todas as mulheres que eu conheço que tiveram bebê lá também gostaram ..." (H4 E12); "... Quem fez meu parto foi uma médica, ou uma enfermeira, não sei! A gente não conversou muito não, é que nasceu rápido, não demorou muito. Ela não explicou nada... (H4 E1); "... não sei se eram médicos ou enfermeiros mas também tanto faz são tudo a mesma coisa eles cuidam da gente..." (H4 E13)

 

Considerações finais

O relacionamento interpessoal foi um fator relevante da assistência ao nascimento e parto segundo a avaliação das puérperas. Este fato foi evidenciado nos quatro hospitais, que avaliaram muito positivamente a assistência e os próprios profissionais quando elas foram tratadas com respeito, dignidade e atenção por parte deles. Quando, ao contrário, elas foram tratadas com distanciamento, falta de atenção e educação, estes fatos foram razão de avaliação muito negativa da assistência.

Alguns fatores fazem com que a experiência do parto seja dramática e traumatizante, sobretudo quando há relacionamento interpessoal inadequado, pois este viola a humanização da assistência e os direitos dos usuários dos serviços de saúde. É desejável que os profissionais estejam atentos a esses aspectos em prol da humanização da assistência ao parto e nascimento que consiste, basicamente, pelo respeito ao outro na sua individualidade e especificidade, considerando-se suas idéias, valores e bagagem cultural (Rattner, 1998).

A pouca atenção dirigida a este aspecto da assistência pode ser um reflexo das posturas hegemônicas adotadas por muitos profissionais, em especial os médicos, sobretudo diante das mulheres atendidas nos serviços públicos de saúde, o que é possível observar no cotidiano desses hospitais. As relações de poder que os profissionais estabelecem com as pacientes faz com que as informações sobre os procedimentos realizados não sejam devidamente esclarecidas, muitas vezes, por considerarem que elas são incapazes de entendê-las (Boltanski, 2000).

Em relação à identificação nominal das mulheres, esta se configura como um direito das usuárias e dever do profissional. Conforme o projeto de lei nº 546/97, que versa sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo, "ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome"; e "não ser identificado por números; códigos; ou de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso" são direitos dos usuários dos serviços de saúde. Deve-se, portanto, evitar o uso de termos como "mãezinha", "dona" etc. (São Paulo, 1999).

Embora muitas mulheres tenham referido ser chamadas por "mãe" ou "mãezinha" e não terem sido designadas pelo nome, não foi visto como uma falha da assistência. Isso corrobora o fato de que as usuárias dos serviços de saúde, por se submeterem a uma assistência biologicista e desumanizada nos hospitais, principalmente os da rede pública, mecanicamente deixam de lado seu papel de sujeito social para o de objeto na relação com profissionais de saúde. A relação profissional-paciente se caracteriza pelo processo de dominação e dominado que aparece de forma sutil e que está arraigada na cultura, fazendo com que pareçam naturais. (Nogueira, 2000).

A identificação do profissional se constitui num dever e direito do usuário. Além disso, apresentar-se, dizer qual o nome, sua inserção na equipe e o que compete a ele executar propicia uma relação de confiança com a usuária, diminuindo a ansiedade e angústia da mulher. Humanizar a assistência pressupõe o desenvolvimento de algumas características essenciais ao ser humano, entre elas, as que se fazem urgentes e necessárias em todos os aspectos: a sensibilidade, o respeito e a solidariedade (Zampieri, 1997).

As mulheres deste estudo não referiram a falta de identificação do profissional como assistência inadequada. Consideramos que o fato da maioria das usuárias dos serviços públicos de saúde no Brasil não conhecerem seus direitos como cidadãs e pacientes contribui para esse tipo de comportamento. Existiram, porém, aquelas que evidenciaram um tratamento desrespeitoso pois relataram ter passado por violências de vários tipos na passagem por esses locais, desde agressões verbais e, até mesmo, físicas. Este fato denota, mais uma vez, o descaso, a negligência e o desrespeito que continua sendo a prática de muitos profissionais. Esta prática se configura como uma violência institucional visto que retrata a inadequação de recursos materiais e humanos e na relação profissional-paciente (Alves; Souza, 2000).

Este é um exemplo de que a melhoria da qualidade da assistência ao parto e nascimento como parte de uma conjuntura mais ampla que engloba a saúde reprodutiva, deve estar alicerçada por um desenvolvimento socioeconômico e conjuntural do país. A diminuição das desigualdades e melhor eqüidade na relação profissional-cliente é passo fundamental para a melhoria da qualidade da assistência em todos os âmbitos da saúde reprodutiva. Esta consideração se insere na definição atual da saúde reprodutiva que inclui, além dos aspectos técnicos relativos ao aconselhamento e assistência, a melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais, ou seja, a visualização do conceito na perspectiva dos direitos humanos, que foi um dos principais avanços obtidos na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrido na cidade do Cairo, em 1994 (Berquó, 1998).

Este conjunto de dados indicam que conteúdos que contemplem o relacionamento terapêutico entre os profissionais e clientes (Stefanelli, 1993) devem ser reforçados durante a grade curricular dos cursos de graduação em enfermagem e, na fase de especialização, eles devem ser aprofundados para contemplar o conhecimento relativo aos aspectos psicológicos do ciclo grávido e puerperal cujo necessidade de atendimento a estas demandas tornou-se evidente nesta pesquisa.

Tornou-se evidente, também, que as escolas médicas devam incorporar conteúdos de relacionamento interpessoal nos seus curriculos básicos, visto que a falta está acarretando grandes prejuízos à qualidade da assistência, como foi constatado nesta pesquisa. A ausência destes conteúdos foi mencionada como uma grande falha das escolas médicas (Silva, 1999) pelos próprios profissionais médicos, visto que eles, mesmo quando possuem o desejo de estabelecer um relacionamento interpessoal adequado com a clientela, o fazem com base nos conhecimentos adquiridos no decorrer da formação familiar, pois não tiveram a oportunidade de aprendê-los formalmente na escola. Estes conceitos permitem considerar que os docentes das escolas de enfermagem e, especialmente, os de medicina, devem fazer uma autocrítica do "modelo" profissional, sobretudo no que concerne às relações que estabelece com os pacientes, seus familiares e os próprios estudantes.

 

Referências bibliográficas

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Zampieri MFM. Mulheres cuidando de mulheres: busca de uma enfermagem mais humanizada. Tex. Cont. Enferm 1997; Florianópolis; 6(1):276-292.

 

 

* Extraído do relatório de pesquisa "Atuação da enfermeira obstétrica na assistência ao parto e nascimento: avaliação da experiência da mulher esua família". Agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelas bolsas de iniciação científica concedidas.