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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

O suicídio e suas representações sociais: esquemas organizadores da comunicação acerca do fenômeno

 

Suicide and its social representations: schemes for organizing communication about the phenomenon

 

 

Cristina Emiko IgueI; Marli Alves RolimII; Maguida Costa StefanelliIII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem Psiquiátrica. Diretora Técnica do Serviço de Saúde do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP
IIProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP. R. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar nº419, São Paulo
IIIProfessora Titular de Enfermagem pela USP. Assessora do Conselho Diretor do IPq- HCFMUSP

 

 


RESUMO

Identificar as representações que os membros de uma equipe de enfermagem constróem acerca do fenômeno suicídio em instituição psiquiátrica, constitui-se no objetivo do presente estudo. Foram entrevistados 20 membros da equipe de enfermagem (10 enfermeiros e 10 auxiliares de enfermagem). Considerou-se os aspctos éticos da pesquisa. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, segundo Bardin, tendo como suporte a ótica do referencial teórico metodológico das representações sociais de Moscovici. Escolha própria, fuga, falta de perspectiva, agressão dirigida a si e aos outros, fenômeno ligado a patologias psiquiátricas e doenças orgânicas graves foram os temas que delinearam a categoria "Suicídio – como compreendê-lo?" A importância de conhecer as representações sociais dos profissionais acerca do suicídio reside no fato de que elas "se constituem em núcleos estruturantes, ou seja, esquemas organizadores das interpretações e comunicações que não só possibilitam a compreensão social como também orientam a ação" (SPINK, 1989).

Palavras-chave: suicídio, enfermagem psiquiátrica, sofrimento psíquico


ABSTRACT

This study aims to identify the representations members of a nursing team elaborate about the suicide phenomenon in a psychiatric institution. Twenty members of the nursing team (10 nurses and 10 nursing assistants) were interviewed. The ethical aspects of the research were considered. Data were submitted to content analysis according to Bardin, supported by the theoretical–methodological reference base of Moscovici’s social representation theory: "Individual choice", "flight", "lack of perspective", "self-destructive behavior" and "violence against others", "phenomenon linked to psychiatric disorders and serious organic diseases" were themes that delineated the category "Suicide – how to understand it?". It is important to know the professionals` social representation about suicide because they constitute structuring cores , i.e., "organizing schemes of interpretations and communication that do not only allow for the social comprehension but also guide the action"(SPINK, 1989).

Key words: suicide, psychiatric nursing, psychic suffering


 

 

INTRODUÇÃO

Os profissionais de saúde, durante o curso de graduação, são preparados para cuidar, salvar vidas. As palavras morte e suicídio raramente são mencionadas e dificilmente o assunto é aprofundado e, quando mencionado, apenas é correlacionado o aspecto clínico do tratamento. A temática é tratada de forma técnica sem que os sentimentos a ela relacionada sejam abordados, mesmo quando estes fenômenos se tornam realidade.

O resultado dessa formação acadêmica inadequada dos profissionais da saúde, para atuar frente à situação morte, tem sido reconhecido e manifestado por alguns autores como Kübler-Ross (1975), Costa (1977), Kübler-Ross (1981), Paduan (1984), Boemer (1985), Kovács (1985), Maranhão (1985) e Marra (1986).

Oliveira (1993) diz que "a estimativa do risco de suicídio é uma das tarefas mais importantes da psiquiatria, porque quase sempre é possível evitá-lo, embora esta tarefa de avaliar e tratar pacientes potencialmente suicidas possa ser grandemente complicada pelos sentimentos despertados na equipe de saúde"; tal fato acaba levando o profissional a um estresse, pois muitas vezes existe uma pressão social, da instituição e da família da vítima e questões jurídicas.

Grando (2000), ao estudar as representações sociais que a equipe de enfermagem tem acerca dos transtornos alimentares, aponta o sofrimento psíquico do trabalhador que se torna mais evidente na iminência de suicídio do paciente. Para a autora, muitas vezes a ameaça de suicídio surge através de gestos ou entremeada nas falas da paciente, de forma velada, camuflada, levando os profissionais a trabalharem como se estivessem participando de um jogo de vida ou morte, o tempo todo.

Na iminência do suicídio, ou na sua consumação, é de fundamental importância o relacionamento não só entre os membros da equipe de saúde, mas principalmente com as pessoas que passam por essa experiência. No decorrer dessas situações é que a comunicação terapêutica se faz essencial para que os sentimentos e as necessidades delas sejam considerados. É também através da comunicação que os profissionais transmitirão sentimentos de solidariedade, de aceitação, empatia , aos que tentaram o suicídio, assim como é por meio dela que sentimentos de rejeição poderão ser expressos, dependendo da forma como os profissionais concebem o fenômeno suicídio.

Acreditamos que a postura do profissional, na prática cotidiana, é determinada não só pela sua competência técnico-profissional qualificada, mas por uma ética profissional assentada em concepções de diversos fenômenos, entre eles a doença mental e o suicídio.

Consideramos o contexto hospitalar como uma instância onde determinadas representações acerca do suicídio são produzidas, reproduzidas e veiculadas, e que estas representações não só possibilitam a comunicação entre os membros da equipe , como também orientam suas ações.

Para Moscovici (1978), representação social é um "corpus" organizado de conhecimentos e uma atividade psíquica, graças à qual os homens tornam inteligível a realidade física e social e se inserem num grupo ou em ligações cotidianas de trocas. Segundo essa abordagem , as representações são caracterizadas por uma perspectiva construtivista e dinâmica, na medida em que a apreensão de um objeto social , pela representação, é inseparável da formação de um discurso específico que opera esta apreensão. Mais genericamente, as representações determinam o campo das comunicações possíveis, dos valores e das idéias presentes nas visões compartilhadas por grupos.

Consideramos "o processo de comunicação no relacionamento interpessoal como o elo básico para satisfazer as necessidades de quem precisa de ajuda e, por conseguinte, como a mola propulsora da saúde mental" (Stefanelli, 1993), e as representações sociais como esquemas organizadores das interpretações e comunicações que possibilitam a compreensão do mundo social e orientam a ação.

Para Moscovici (1978), a finalidade última da ciência e da ideologia é propor condutas e orientar as comunicações. Mas para que isso ocorra, cada uma delas sofre transformações, em harmonia com os mecanismos representativos. A primeira visa o controle da natureza e a segunda busca fornecer um sistema geral de metas, ou a justificação dos atos de um grupo humano. Nesse sentido, a atividade representativa responde à necessidade de "adaptar a ciência à sociedade, e a sociedade à ciência, e às novas realidades que ela descobre, transformando-as em crenças, conhecimentos e ações individuais". Portanto, importa menos definir o agente que produz as representações sociais, e mais saber a que função corresponde a representação social.

Às representações sociais são atribuídas funções de organizar a realidade - orientação e controle do mundo social e material - e de comunicação intergrupal - códigos para a permuta social e para nominar e classificar as facetas do mundo, do grupo e das histórias individuais.

Tendo, pois, tais considerações como pressupostos, fica como objetivo da presente investigação, identificar as representações sociais que enfermeiros e auxiliares de enfermagem constróem acerca do fenômeno suicídio em instituição psiquiátrica. Considerando que tais representações orientarão as comunicações dos profissionais, conhecê-las nos permitirá fazer intervenções psicopedagógicas mais bem fundamentadas no sentido de tornar a comunicação consoante com um cuidado mais humanizado.

 

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Cenário e sujeitos da pesquisa

Os sujeitos deste estudo foram 10 enfermeiros e 10 auxiliares de enfermagem, de ambos os sexos, dos diversos períodos, matutino, vespertino e noturno, que trabalham no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Procedimentos e coleta de dados

A coleta de dados ocorreu no período de setembro a dezembro de 1999. Após aprovação do protocolo de pesquisa pela Comissão de Ética para Análises de Projetos de Pesquisa e também autorização da Diretoria da Divisão do Serviço de Enfermagem, iniciamos a realização da pesquisa. Cada participante foi esclarecido quanto à finalidade da pesquisa e a ele foi dada a garantia do sigilo dos dados e de seu anonimato, bem como esclarecemos o uso que faríamos dos dados e sobre o seu direito de participar ou não da investigação. Um Termo de Consentimento Pós Informação foi assinado pelo participante (Anexo).

A entrevista semi-estruturada constituiu-se na estratégia de obtenção de dados por entendermos, da mesma forma que Minayo (1998), que a entrevista se constitui em uma conversa a dois com propósitos bem definidos configurando-se como uma técnica que se caracteriza por uma comunicação verbal que reforça a importância do significado da fala.

 

RESULTADOS

Perfil dos sujeitos

No que diz respeito aos enfermeiros, observamos que a idade dos entrevistados variou de 27 a 54 anos, 8 eram do sexo feminino e 2 do sexo masculino, 5 casados, 4 solteiros e 1 desquitado. Quanto à religião, a maioria é católica e o tempo de trabalho dos entrevistados, na instituição, variou de 1 ano e 9 meses a 23 anos. Somente 1 enfermeiro tem outro vínculo empregatício.

No tocante aos auxiliares de enfermagem, a idade variou de 28 a 56 anos, sendo 4 do sexo do feminino e 6 do sexo masculino. Quanto ao estado civil, 2 casados, 5 solteiros, 1 divorciado, 1 desquitado e 1 separado. Quanto à religião, a maioria é de católicos. O tempo de trabalho na instituição variou de 2 a 19 anos, e apenas 2 têm outro vínculo empregatício.

As representações dos sujeitos

Na categoria que se delineou, "Suicídio - como compreendê-lo?", fica aparente a influência do intercruzamento entre o senso comum e o conhecimento científico na construção das representações sociais dos profissionais, bem como do pensamento organicista acerca do processo saúde- doença mental veiculado na instituição.

Os sujeitos da pesquisa representam o suicídio como escolha própria, falta de perspectiva, e como um ato de auto e hetero agressão, temas estes que encontramos respaldo na literatura científica sobre o assunto, em autores como Cassorla( 1991), Riley e Kneisl (1996), entre outros. Chama-nos a atenção o fato de muitos representarem o suicídio como expressão de uma patologia psiquiátrica, principalmente a depressão, ou como resultado de doenças graves e incuráveis, como Câncer e Aids, que levam o sujeito à morte. O suicídio apenas a anteciparia.

Vejamos algumas falas dos entrevistados onde tais idéias são veiculadas.

"É se matar por livre e espontânea vontade sem pensar nas consequências. Sou um ser humano, tenho meus sentimentos e não aceitaria isso".

"É a expressão máxima da falta de perspectiva, de ideais, objetivos de vida e egoísmo".

"É a forma máxima de agressão que uma pessoa pode fazer contra si própria".

"É uma fuga das pessoas...fugir dos problemas, ou seja, é a solução dos problemas ...".

"Eu acho que a depressão está muito ligada ao risco de suicídio; depressão é a doença do século e é aliada a outras doenças".

"Suicídio não é assunto para ser tratado somente na psiquiatria, pois pacientes com Câncer , AIDS também podem suicidar-se".

 

Algumas reflexões

Autores como Fernandes et al. (1984) e Marra (1986) consideram de suma importância que ,durante o curso de graduação em Enfermagem , seja possibilitado aos alunos um espaço para a reflexão sobre o processo da morte e do morrer. Tal reflexão permitirá aos alunos que enfrentem situações não só de mortes consideradas naturais, como a do suicídio, de forma menos sofrida, possibilitando a prestação de assistência adequada não só aos pacientes, como também aos seus familiares.

Seguindo essa linha de pensamento, compartilhamos com Stefanelli (1993) a idéia de que a competência interpessoal assume destaque na qualidade do cuidado. Por conseguinte, a comunicação, considerada o âmago das relações interpessoais, deve merecer atenção especial, no caso não só para identificar sintomas e sinais de idéias de suicídio e prevení-lo como assistir aqueles que não obtém êxito no seu ato suicida. Além disso, a comunicação assume papel de fundamental importância para transmitir apoio e conforto aos que tentaram suicídio e aos seus familiares.

Estamos cientes de que as dificuldades, os limites do ser enfermeiro, os conflitos e ambigüidades no exercício profissional nunca deixarão de existir . Mas, é possível, assim como nas situações de crise, sair-se fortalecido de situações aparentemente tão devastadoras como o suicídio, quando há uma disposição real da instituição para mudanças que possam ser atingidas por meio de intervenções psicopedagógicas. Conhecer como as pessoas compreedem o suicídio e como agem em relação ao mesmo,isto é, suas representações sociais, nos permitirá elaborar processos educativos que visem modificar as comunicações em tais circunstâncias para que elas veiculem sentimentos genuínos de solidariedade e empatia, essenciais em tais situações.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASSORLA, RMS (ed). Do suicídio: estudos brasileiros. Campinas, Papirus, 1991.

COSTA, LAT Situações vida morte: participação do enfermeiro. Rio de Janeiro, 1977. 101p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

MINAYO, MCS (org) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 9 ed. Petrópolis, Vozes, 1998.

BOEMER, MR A morte, o morrer e o morrendo: estudo de pacientes terminais. Ribeirão Preto, 1985, 201p. Tese (Doutorado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

GRANDO, LH Representações sociais e transtornos alimentares: as faces do cuidar em enfermagem. São Paulo, 2000. 122p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.

KOVÁCS, MJ Um estudo sobre o medo da morte em estudantes universitários das áreas de saúde humanas e exatas. São Paulo, 1985. 135 p. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

KÜBLER-ROSS, E. Morte: estágio final da evolução. Rio de Janeiro, Record, 1975.

________________. Sobre a morte e o morrer. São Paulo, Edart/USP, 1981.

MARANHÃO, JLS O que é morte. São Paulo, Brasiliense, 1985.

MARRA, CC Preparo e necessidades expressos pelos alunos do curso de graduação em enfermagem face à situação morte. São Paulo. 1986. 104p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.

MOSCOVICI, S A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.

OLIVEIRA, MCL Prefácio. In: MARTUSCELLO, C. Sinopse de psiquiatria: suicídio percepção e prevenção. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1993.

PADUAN MA A educação dos alunos de graduação em enfermagem em relação à morte e ao morrer. Ribeirão Preto, 1984. 124p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

RILEY, EA; KNEISL, CR Suicide and self-desctrutive behavior. In: WILSON, HS; KNEISL, CR Psychiatric nursing 5ª ed. Mento Park, Addison-Wesley Nursing, 1996, p 585-15, Cap. 15

STEFANELLI, MC Comunicação com o paciente: teoria e ensino, ed. São Paulo, Robe, 1993.

 

 

ANEXOS