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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Direitos do ser humano na opção sexual

 

Human rights regarding sexual orientation

 

 

Maria Lúcia IvoI; Marília Augusta Ivo PelizaroII; Elizabeth Gonçalves Ferreira ZaleskiIII

IDoutora em Enfermagem Fundamental, Prof. Adjunta da UFMS Programa de Mestrado em Saúde Coletiva. Rua Opala, 54, B. Coophrádio Campo Grande MS, fone: (67) 3879965 – Cep. 79052-150. E-mail: luciaivo@bol.com.br
IIPsicóloga especialista em sexualidade humana do Centro de Especialidades Médicas em Campo Grande – MS
IIIProfª Adjunta do Departamento de Enfermagem UFMS

 

 


RESUMO

Vivemos em uma sociedade, onde os valores dominantes referem a vínculos heterossexuais, repressões referentes à homossexualidade, advindo destes limites um comportamento hipócrita em que o conceito de igualdade, enquanto cidadãos, é esquecido na prática, embora seja ardentemente defendido no discurso das pessoas. Desta forma, o objetivo desta investigação, é buscar subsídios teóricos capaz de definir, situar e refletir a Homossexualidade, sobretudo a masculina. Na metodologia, desenvolvemos um estudo bibliográfico, realizado no primeiro semestre de 1998, em fontes formalmente publicadas, no período entre 1970 a 1996. Nos resultados, enfatizamos o ser humano como Ser Social, cabendo admitir a sexualidade como Direito Social, reprovando determinados limites. Sabemos que da repressão emergem comportamentos eivados de violabilidade, comprometendo a qualidade de vida do homem e da comunidade. Refletir esta questão exige da família, da escola, de todos os setores da sociedade uma postura de respeitá-los como seres humanos, deixando-os viver plenamente sua sexualidade.

Palavras-chave: sexualidade, homossexualidade, opção sexual


ABSTRACT

We live in a society where prevailing values refer to heterosexual bonds and repression of homosexuality. These limits often lead to a hypocritical behavior in which the concept of equal citizens, although fiercely defended in people’s discourse, is forgotten in practice. Thus, this investigation aimed to seek theoretical foundations for defining, situating and describing Homosexuality - particularly in its male expression. What methodology is concerned, a bibliographic research was carried out in the first half of 1998, covering sources that were formally issued in the period 1970-96. In the results, the human being is emphasized as a Social Being, and sexuality is regarded as a Social Right, rejecting certain limits. However, we know that violent behavior emerges from repression, which compromises the quality of life of individuals and the community. The consideration of this issue requires an attitude of respect from families, schools and all areas of society alike, allowing human beings to fully live their sexuality.

Key words: sexuality, homosexuality, sexual orientation


 

 

INTRODUÇÃO

Estamos iniciando um novo milênio. Assiste-se a uma crise humana global. O homem busca redefinições. E neste movimento, a pessoa torna-se impotente face a tantas informações.

Sentimentos de alienação — no sentido de solidão — surgem. E o ser humano mergulha em uma grande dor ao perceber sua existência. Passa a viajar por este universo humano buscando a felicidade, o prazer em sua essência.

Acreditamos que, nesta busca incessante, o homem fará muitas vezes fotografias inéditas; e mergulhando no mais profundo do seu ser, encontre a mina de ouro escondida: sua sexualidade.

A maioria das pessoas, ao falar em sexualidade, faz uma associação direta com sexo, como se fossem sinônimos.

Sexualidade e sexo guardam significados diferentes. "Sexualidade é uma dimensão inerente da pessoa e está presente em todos os atos de sua vida. É um elemento básico da personalidade, que determina ao indivíduo um modo particular e individual de ser, manifestar, comunicar, sentir, expressar e viver o amor. Sexualidade é auto-identidade, é a própria existencialidade" (MAIA, 1994, p. 209).

O homem, um ser social por natureza, vê a sexualidade como um direito social.

SALES (1986) refere à sexualidade como um direito social, onde a moderação e a colocação de limites não devem atingir em profundidade o terreno da repressão que, na verdade, nunca conseguiu conter a poderosa força do sexo.

Lima (1986) situa a sexualidade no campo social, expondo que a diferença principal entre a sexualidade de 1984, e a dos séculos anteriores, reside na posição ocupada pelo sexo quanto aos valores dominantes na vida social, de uma época para outra, de uma sociedade para outra.

Neste contexto social hoje, onde os valores dominantes na sociedade referem-se a vínculos heterossexuais, pretendemos, nesta investigação, buscar subsídios teóricos capazes de definir e de situar a homossexualidade masculina.

 

RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

Abordaremos aqui, a respeito do ser humano, cuja orientação afetivo-sexual o faz sentir homossexual.

Daniel e Baudry(1977) relatam que o termo "homossexualidade" formado de uma raiz grega (homos = semelhante) e de uma raiz latina (sexus) significa etimologicamente "sexualidade semelhante", ou seja, "sexualidade partilhada com uma pessoa do mesmo sexo". Foi criado, em 1869, por um sábio húngaro e substituiu pouco a pouco, no uso científico, todos os termos anteriores. Tem por certo o inconveniente de uma formação lingüística defeituosa (grego + latim), porém é relativamente libertado da canga dos conceitos religiosos e morais. Pode-se unicamente censurar-lhe de acentuar com relevante exclusividade, por sua própria etimologia, o elemento sexual.

O termo homofilia, cujo primeiro emprego remonta, ao que parece, a 1953, é formado das raízes gregas homos (semelhante) e philen (amar). Esta palavra significa, portanto, com muita precisão, "atração afetiva para com o seu semelhante". Tornou-se o termo preferido pelos próprios homofilos; estes julgam que exprime melhor o conjunto de sua personalidade do que "homossexualidade", segundo justificativas acima indicadas. Em princípio, deveria ser utilizado, sobretudo, quando se tratasse de insistir sobre o aspecto global da atração pelo mesmo sexo (física e afetivamente), reservando-se "homossexualidade" aos aspectos puramente físicos. Na prática, porém, estes dois termos são, muitas vezes, confundidos. Como é preciso admiti-lo - "homofilia" é menos conhecido do público que "homossexualidade" (poder-se-ia mesmo confundi-la com "hemofilia", que é uma doença hereditária do sangue. Assim, prefere optar pelo uso do termo "homossexualidade".

Costa (1994) relata que, há dez anos atrás, insistia para que os profissionais de saúde utilizassem o termo homossexualidade, em vez de homossexualismo. Isso porque o sufixo "dade" significa modo de ser ou de se comportar, e o sufixo "ismo", do ponto de vista médico, significa doença, baseado no fato da Organização Mundial de Saúde ter deixado de considerar a homossexualidade uma doença. Hoje, isso nos parece obsoleto (COSTA, 1994. p.95-96).

O autor acima relata que a pessoa resulta de uma parelha formada de um homem e uma mulher. Somos frutos da heterossexualidade; a maioria das pessoas busca esse vínculo.

E quando isso não ocorre?

Surgem "os pares homossexuais, para os quais a sociedade não criou espaço, nem leis, nem linguagem, nem modelos" (COSTA, 1994, p.94)

O autor acima alude que a homossexualidade existiu em todas as fases da história da humanidade, em todas as culturas, em todas as sociedades, desde as mais primitivas até as mais desenvolvidas.

"As sociedades humanas adotaram atitudes extremamente diferentes, quanto à homossexualidade, segundo a época e o país, indo da aceitação até mesmo da idealização, à mais absoluta condenação. Consideram-na, às vezes, como um fenômeno de origem divina, às vezes, como forma superior de amor, às vezes, como uma fantasia da natureza" (DANIEL; BAUDRY, p. 14-5).

Almeida (1986) considera que a homossexualidade constitui um dos termos mais polêmicos em sexualidade humana. Autores como Freud e pesquisadores da atualidade, como Master Johnson, se ocuparam dessa temática.

Fliess e Freud apud Ruitenbeek (1973) deram um passo importante na aquisição do conhecimento mais profundo desta tendência instintiva da homossexualidade. Supõe-se que, na realidade, cada ser humano atravessa uma etapa fisicamente bissexual em seu desenvolvimento. O componente homossexual é reprimido, só uma pequena parte deste componente é resgatado em forma sublimada na vida adulta. A homossexualidade, fragilmente reprimida, pode futuramente, em certas circunstâncias, expressar-se sob a forma de sintomas neuróticos.

A psicanálise mostra que somos resultado e expressão de nossa história de vida, marcada pela sexualidade insatisfeita, que busca satisfação imaginárias, sem jamais poder satisfazer-se plenamente. Não somos autores nem senhores de nossa história, mas efeitos dela" (CHAUI, 1995, p.395).

Chaui (1991) relata que se entende por repressão sexual o sistema de normas, regras, leis e valores explícitos que uma sociedade estabelece no tocante a permissões e a proibições nas práticas sexuais genitais (mesmo porque um dos aspectos profundos da repressão está justamente em não admitir a sexualidade infantil e não genital). Essas regras, normas, leis e valores são definidos explicitamente pela religião, pela moral, pelo direito e, no caso de nossa sociedade, pela ciência também.

Justificativas diferentes, no decorrer da história de uma sociedade, decidem quanto à permissão e à proibição de práticas sexuais que possam conservar ou contrariar as finalidades que tal sociedade atribui ao sexo. Na maioria das vezes, as justificativas serão racionalizações.

Clareando, numa sociedade que considera o sexo apenas sob o prisma da reprodução da espécie, ou como função biológica procriadora, serão reprimidas todas as atividades sexuais em que o sexo genital for praticado sem cumprir aquela função, como no caso do homossexualismo.

Chaui (1991) alude, em decorrência da forte repressão, que nossa sociedade exerce sobre o homossexualismo, muitos tendem a considerá-lo o aspecto da história na Grécia e em Roma. Nessas sociedades, a ausência de repressão, neste particular, não é exatamente o caso.

Na Grécia e em Roma, a homofilia (o termo homossexualismo é recente) masculina era tolerada e, em certos casos, estimulada. Muitos que julgavam o amor verdadeiro ser possível apenas entre pessoas do mesmo sexo; o casamento implicando outros sentimentos (respeito, amizade, dever, responsabilidade social, que não o amor). Alguns autores escreveram louvores ao fato de só apreciarem outros homens; muitos apreciarem homens e mulheres; outros apreciavam apenas mulheres. No entanto, não admitia qualquer forma de relação de homofilia (homo = o mesmo; filia = amizade).

O valor fundamental, nessas sociedades, era atribuído à figura do homem livre, identificada com a figura masculina ativa (política e socialmente). Esse valor, sexualmente interpretado, levava ao privilégio da figura masculina sexualmente "ativa". A mulher, considerada naturalmente "passiva", o jovem livre, do sexo masculino, considerado "passivo" devido à pouca idade, e o escravo, considerado "passivo", por sua condição de dominado por obrigação, faziam com que as relações homofílicas só fossem admitidas entre um homem livre adulto e um jovem livre ou um escravo, jovem ou adulto. O jovem, pela idade, podia ser livre e "passivo" sem desonra; o escravo, por sua condição desonrosa, só podia ser "passivo". Um homem livre adulto que se prestasse a uma relação hemofílica no papel "passivo" era considerado imoral e indigno. Assim, era repudiada a homofilia entre os homens adultos livres, relação considerada imoral, ilegítima e infame, designada como "contra a natureza". Não porque houvesse impossibilidade biológica, anatômica, animal para essa relação e sim porque contrariava a natureza do homem livre adulto, isto é, do cidadão (CHAUI, 1991, p.22-23).

Comentando a respeito da repressão, Costa (1994) afirma que nas trocas afetivas de adolescentes, quando não vividas de forma natural, estas, ao contrário, são marcadas por sentimentos de culpa e ansiedade, em função do comportamento repressor do adulto.

Acredita-se seja, essa colocação do autor acima, viável como um círculo vicioso, ou seja, o adulto teme que o filho, ao brincar com outro menino, torne-se um homossexual; este temor baseia-se no fato de ter vivenciado, em sua adolescência, esta situação, sentido-se de forma prazerosa.

Passou toda uma vida temendo um possível sentimento homossexual.

O que este adulto não sabia é que nesta fase do desenvolvimento (adolescência), é natural este comportamento, a descoberta de sensações prazerosas, gostosas. Projetam, muitas vezes em seus filhos esses conflitos, conseguindo incutir neles as mesmas culpas e angústias que foram motivos de tormentas durante sua vida, gerando a repressão.

Costa (1994) alude que uma pessoa, basicamente homossexual, ao longo de seu desenvolvimento emocional, passa por quatro etapas em relação a esse modo de ser.

A primeira fase, de sensibilização, é a etapa de sentir-se diferente. A segundo fase, da significação, é quando a sensação de diferença aumenta e começa a surgir um significado sexual (fase do desejo, fantasia ou do amor). A seguinte, é a da culturalização, caracterizada pelo reconhecimento de si próprio no envolvimento com os outros (fase que acontece a paixão), tendo como claro objeto dos sentimentos alguém de sua vida social.

A última etapa é da estabilização, quando há auto-aceitação, pelo homossexual, de seus sentimentos e estilo de vida.

Segundo o autor acima, todas as pessoas homossexuais passam por essas fases. Isso resulta da maneira como a sociedade convive e trabalha a homossexualidade.

Sabemos que, no contexto atual da Sociedade Brasileira, a homossexualidade é socialmente reprimida; no ambiente familiar, o próprio indivíduo pode não se aceitar, com essa orientação afetivo-sexual.

A homossexualidade, devido à ideologia dominante que perpetua o vínculo heterossexual, é vista como pervertida por cultuar valores diferentes dessa maioria. Tornou-se um assunto debatido não só em nível Brasil, mas por todos o mundo, através de ativistas que a assumiram, como objeto de luta.

No Congresso, existe o projeto de lei (nº 1.151, da deputada Marta Suplicy) que favorece o casamento de homossexuais, já aprovado em alguns países, como na Índia, recentemente, prevê direitos como herança, declaração conjunta de imposto de renda, dentre outros. Não prevê, porém, a adjunção do sobrenome do companheiro, alteração do estado civil, adoção de crianças; tal projeto não tem recebido o apoio esperado.

Estes seres humanos continuam sendo tratados hipocritamente dentre de uma sociedade que diz respeitar a uma sociedade cujo discurso defende os direitos de Cidadania, estranha-se a incoerência contida no silêncio de seus componentes, revelando uma parcela da população que aponta tão visíveis diferenças.

 

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O homem, como ser social, segundo cada Sociedade, receberá uma aceitação específica quanto à orientação afetivo-sexual.

Depreende-se haver no contexto social brasileiro repressão e discriminação concernente à camada da população, cujas características estão centradas no homossexual. E, no nosso discurso, hipocritamente pregamos que somos iguais e com os mesmos direitos, como cidadãos.

Impõe-se repensar esses valores, tornamo-nos capazes de entender este processo, inserindo-os dignamente em seu espaço social, ou seja, viver sua sexualidade de forma plena, manifestá-la, senti-la, expressá-la e vivenciar esse amor.

"Essas pessoas podem amar e amam, a despeito de todas as dificuldades. Num mundo em que a tônica é a violência, a ausência da ética, onde os seres se degladiam por qualquer razão, onde crianças são vítimas da violência da própria família e da sociedade, há chacina de presos, extermínio de menores, corrupção; uma sociedade onde a segurança inexiste, onde tudo favorece o desrespeito aos direitos humanos e do ódio".

Defendemos o direito de repensar essa situação desprezível e respeitá-los enquanto seres humanos, deixando-os amar e viver esse amor de forma plena.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA,S.J.A. Homossexualidade — integração social ou sociedade paralela. In: Sexologia II. São Paulo, Roca, 1986. Cap. IV, p.193.

CHAUI,M. Repressão sexual: essa nossa desconhecida. São Paulo, Brasiliense, 1991. p.9-29.

COSTA,R.P. O amor homossexual: a resolução dos preconceitos. São Paulo, Gente, 1994. p.93-107.

DANIEL,M.; BAUDRY,A. O fato homossexual e suas interpretações. In: Os homossexuais. Rio de Janeiro, Artenova, 1977. Cap. I, p.13-43

LIMA,M.H.A. Liberdade e responsabilidade social. In: VITIELLO, N. Sexologia II. São Paulo, Roca, 1986. p.69-74.

MAIA,M.B. O profissional de saúde e a educação sexual. In: LOPES,G. et al. Patologia e terapia sexual. Rio de Janeiro, Medsi, 1994. Cap. 11, p. 209-218.

PERLONGHER,N. O desaparecimento da homossexualidade. In: LANCETTI, A. Saudeloucura. São Paulo, Hucitec, 1991. p.40-45.

RUITENBEEK, H.M. La homosexualidad en la sociedad moderna. Buenos Aires, Siglo Aires. 1973.p.19.