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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Faces da participação popular nas comissões locais de saúde*

 

Aspects of popular participation in the local health commissions

 

 

Priscila FredericoI; Maria Cecília Puntel de AlmeidaII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem em Saúde Pública da EERP-USP. End: Av: Dr. Amador de Barros, nº 622, Bairro- Castelo, Batatais-SP. CEP: 14.300-000. Fone: (16) 3761-7022. E-mail: prisci@glete.usp.br
IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EERP-USP

 

 


RESUMO

Na atualidade vivenciamos a intensificação do debate sobre direito, democracia e participação onde um aspecto nuclear é a reativação dos movimentos sociais por saúde. Este estudo teve como objetivos identificar e caracterizar as Comissões Locais de Saúde no município de Ribeirão Preto, SP, com relação à conformação, funcionamento e participação e analisar a participação popular nessas Comissões, buscando visualizar a existência de limites e oportunidades. Para desenvolver o estudo utilizamos a abordagem qualitativa de pesquisa, com a entrevista e a observação participante como métodos de coleta de dados. Buscando aplicar o referencial teórico de Habermas, visualizamos a participação popular como um fenômeno social e histórico que está "Saindo da toca", marcado por muitas "lutas" e "tentativas". Encontramos uma comunicação entre os sujeitos ainda muito centrada em ações estratégicas que "colonizavam" o mundo da vida dos sujeitos. Entretanto, pudemos visualizar momentos de ações solidárias entre os sujeitos que clamavam "Queremos ser ouvidos", aflorando a possibilidade de construção de um espaço público autônomo. Surge então, a necessidade de que a participação popular na área da saúde seja realmente incorporada como um projeto político forte pelas administrações municipais. Assim, defendemos a educação popular para construirmos um mundo com mais participação e justiça social.

Palavras-chave: participação popular, saúde


ABSTRACT

Nowadays, we are facing the intensification of the debate on rights, democracy and participation, in which a central aspect is the reactivation of the social movements in favor of health. This study aimed to identify and characterize the Local Health Commissions in Ribeirão Preto, São Paulo with respect to formation, functioning and participation, as well as to analyze popular participation in these Commissions, seeking to obtain a clearer image of limits of opportunities. The study was developed from a qualitative approach, using interviews and participant observation for data collection. In an attempt to apply the theoretical framework of Habermas, popular participation was seen as a social and historical phenomenon that is "coming out of its shell", marked by many "fights" and "trials". We found that communication among the subjects remains quite centered on strategic steps that "colonized" the world of subjects’ lives. However, we could view moments of solitary actions among the people who demanded "we want to be heard", outlining the possibility of constructing an independent public space. This gives rise to the need for municipal administrations to really incorporate popular participation in the health area as a strong political project. Thus, we defend popular education with a view to constructing a world with more participation and social justice

Key words: popular participation, health


 

 

1. DELINEANDO O OBJETO EM ESTUDO: A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR EM SAÚDE

Nas últimas décadas, em função da profunda mudança econômico-social, cultural e tecnológica que vem ocorrendo no mundo, temos assistido a intensificação do debate sobre direito, democracia e saúde com revalorização dos processos de construção da cidadania e participação popular, sendo os movimentos sociais os interlocutores das demandas da sociedade civil junto ao Estado.

Realizar um estudo tendo como meta a busca do entendimento de um tema tão amplo, denso e dinâmico, como é a Participação Popular em Saúde, é uma tarefa delicada. Pretendemos contribuir em alguma medida, por mais modesta que seja essa contribuição, para reafirmar a participação popular como uma estratégia essencial para melhorar a qualidade de vida e da assistência à saúde, possibilitando que os usuários sejam também autores sociais dos rumos das políticas públicas, no caso a da saúde.

Consideramos as Comissões Locais de Saúde como expressão da participação popular em saúde e como uma realidade concreta no processo de municipalização da saúde de Ribeirão Preto. Podem representar um contexto onde todos os participantes são considerados nos mecanismos decisórios, abrindo perspectivas para uma práxis criativa, igualitária, comprometida com a emancipação humana e potencilizadora da construção da solidariedade entre os homens. Portanto, devem ser estudadas, defendidas, estimuladas e preservadas (FREDERICO; ALMEIDA, 1999).

Um projeto de saúde fundado em uma práxis emancipadora democrática e comunicativa foi também acenado por Melo (1999) que entende a saúde como um direito social, o que implica necesssariamente pensá-la como decorrência da participação política livre e igual de todos os envolvidos. Para a autora a autonomia política é a condição chave de participantes que, além de destinatários, têm de ser também autores de direitos.

Os movimentos na área da saúde foram estudados por Adorno (1992) que identificou três tipos principais: aqueles que atuando mais no nível da organização da prestação dos serviços; aqueles que têm um nível mais político de atuação e aqueles que demandam a mudança da lógica social na saúde enfatizando questões mais amplas, tais como informação, acesso, qualidade assistencial, cuidado pessoal, mudança na relação com o meio ambiente, entre outros. Portanto, a atuação nos movimentos sociais na saúde pode evoluir de um estágio mais reivindicativo, por equipamentos e melhorias de infra-estrutura, para um estágio mais propositivo com posicionamento mais "global", decorrente da própria ampliação do conceito de processo saúde-doença.

Fleury (1994) aponta que o capitalismo periférico e retardatário é desarticulador dos movimentos sociais e despolitizador das suas demandas. Apesar dessa realidade, a temática participação popular em saúde é emergente no campo da saúde coletiva, com tendência à ampliação.

Segundo Gohn (1994) a crise da participação está localizada no ramo dos movimentos populares, diferentes, por exemplo, dos movimentos ecológicos que hoje encontram-se em processo de franca ascensão. Na ótica dessa autora, essa crise é reflexo de uma característica básica de todos os movimentos sociais: eles são cíclicos, há momentos de fluxo e refluxo, o que é decorrência do fato de serem históricos e fruto de idéias e práticas sociais.

A partir das reflexões acima levantadas, os objetivos do presente estudo são:

Identificar e caracterizar as Comissões Locais de Saúde no município de Ribeirão Preto, São Paulo, com relação à conformação, funcionamento e participação.

Analisar a participação popular nessas Comissões Locais de Saúde, buscando visualizar a existência de limites e de oportunidades a serem exploradas.

1.2. QUADRO TEÓRICO: O PARADIGMA DIALÓGICO OU COMUNICATIVO DE HABERMAS

O enfoque comunicativo de Habermas tem sido utilizado para subsidiar a compreensão de problemas de pesquisa nas áreas de educação e saúde (RIVERA, 1995, PINTO, 1996; AYRES, 1997; BÓGUS, 1998, PEDUZZI, 1998; MELO, 1999), principalmente aqueles que têm como foco de estudo as práticas enquanto trabalho e interação.

Conforme afirma Pinto (1996), Habermas propõe um salto paradigmático ao superar o predomínio do chamado "paradigma da consciência", norteado pela idéia de um pensador solitário, estabelecendo uma relação de subordinação do objeto frente ao sujeito e apresentar o "paradigma da comunicação", fundamentado nos processos de comunicação intersubjetiva com vistas a alcançar o entendimento lingüístico (HABERMAS,1987).

Portanto, o eixo central da Teoria da Ação Comunicativa, em torno do qual tudo gravita, é o processo comunicativo, que prevê três condições a priori: o interesse humano pela autonomia, pela responsabilidade e pela linguagem (comunicação). Ayres (1997) caracteriza esse processo como uma "guinada comunicativa" onde a auto-exigência racional não é mais o esclarecimento, mas o compartilhamento.

Assim, para uma apreensão mais ampla da complexidade da participação popular nas Comissões Locais de Saúde elaboramos duas categorias analíticas, fundamentadas na Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, que pudessem oferecer suporte teórico para a compreensão de nosso objeto de investigação. Nossa primeira categoria analítica nomeada como interações solidárias representa a existência ou possibilidade de desenvolvimento de comunicações baseadas em elementos de solidariedade, autonomia, cooperação, responsabilidade, respeito, ética, justiça social, direito e democracia, que segundo Jürgen Habermas gerem o mundo da vida, esfera esta regulada pela busca do entendimento através de procedimentos comunicativos mediados lingüisticamente. A segunda categoria analítica foi nomeada, pela nossa compreensão, como interações sistêmicas e representa a existência de comunicações sistêmicas baseadas em elementos de poder, dinheiro, manipulação, burocracia, dominação e autoritarismo que para Jürgen Habermas gerem o mundo sistêmico onde os meios deslingüistificados (dinheiro e poder) assumem cada vez mais as funções de coordenar ações orientadas ao sucesso.

 

2. CAMINHO METODOLÓGICO

2.1. A OPÇÃO E A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Diante da abrangência e complexidade do nosso problema de investigação optamos por utilizar a abordagem qualitativa de pesquisa onde aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, que possui uma carga histórica, cultural, política e ideológica não perceptível e captável apenas numa fórmula numérica ou num dado estatístico. O que implica em considerar que o objeto das ciências sociais é complexo, contraditório, inacabado e em permanente transformação, existe em um determinado tempo e em um determinado espaço e precisa ser percebido e evidenciado pelo pesquisador, no próprio contexto em que os sujeitos vivem, cotidianamente (MINAYO,1998).

2.2. A ESCOLHA DO CAMPO DE PESQUISA

Esta pesquisa se estruturou com base na preocupação em estudar um fenômeno social (a participação popular) centrado nas Comissões Locais de Saúde. Este foi o nosso recorte espacial e temporal mais específico e concreto que permitiu a visualização e reflexão sobre os limites e potencialidades desta participação. Inserimo-nos, nesta pesquisa, em duas (2) Comissões Locais de Saúde, com ênfase na observação participante, procurando identificar e entender os bloqueios e potencialidades da participação nesta instância do setor saúde. Neste sentido partimos de um problema específico e concreto, tendência que vem ocorrendo, com a crescente complexidade das situações do setor saúde, buscando, no entanto, correlação com as questões mais gerais.

2.3. ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA

Antes de iniciarmos a fase operativa da pesquisa solicitamos permissão para a realização do trabalho junto à Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto, obtendo permissão, por escrito, em 21 de julho de 1999. A seguir, encaminhamos o projeto de pesquisa para apreciação e aprovação do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, por se tratar de uma mestranda desta unidade, o projeto foi aprovado em 20 de outubro de 1999. Durante as fases da investigação foram seguidas todas as diretrizes e normas reguladoras de pesquisa envolvendo seres humanos, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde em sua resolução n. 196 sobre aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, consentimento livre e esclarecido e riscos e benefícios.

2.4. O PROCESSO DE PESQUISA: MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO

Os métodos de trabalho de campo foram a entrevista semi-estruturada e observação participante. Inicialmente, entramos em contato com as trinta e três (33) Unidades de Saúde do município e visitamos pessoalmente quatorze (14) Unidades de Saúde que possuíam Comissões Locais de Saúde funcionantes. Utilizando um formulário, entrevistamos representantes dos usuários, das Associações de Moradores de Bairro, dos profissionais de saúde e da gerência. Através da utilização de critérios objetivos de seleção como regularidade de funcionamento (existência de agendamento prévio das reuniões) e tempo de existência e de critérios subjetivos selecionamos 2 Comissões Locais de Saúde, onde aprofundamos o estudo qualitativo.

Assim, acompanhamos as reuniões mensais de duas (2) Comissões Locais de Saúde como um membro participante temporário, identificando nas mesmas como se dá o processo de participação e comunicação. Foram observadas no total 14 reuniões, no período de 7 meses, de janeiro a julho de 2001, bem como as atividades extra-reuniões dos participantes para o encaminhamento das decisões tomadas.

2.5. A CONSTRUÇÃO DA ANÁLISE DOS DADOS

Para a análise interpretativa dos dados utilizamos a proposta metodológica de Minayo (1998), onde percorremos as fases de pré-análise, exploração do material e análise final dos dados.

Na medida em que o nosso trabalho foi sendo construído, buscando as relações dialéticas entre nossas duas categorias analíticas (interações solidárias e interações sistêmicas) e as categorias empíricas, relativas às sínteses horizontais e verticais da participação nas duas Comissões Locais de Saúde selecionadas para aprofundamento, bem como confrontando as falas, ações e observações dos sujeitos envolvidos (usuários, profissionais de saúde e gerentes) chegamos à três grandes unidades temáticas com a suas respectivas categorias empíricas, a saber: primeiro com relação à unidade temática participação chegamos à categoria empírica "SAINDO DA TOCA". Com relação à unidade temática comunicação a categoria empírica marcante foi: "QUEREMOS SER OUVIDOS" e com relação à unidade temática modelo assistencial a categoria empírica forte foi: "ESTAMOS DESGASTADOS".

 

3. ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS COMISSÕES LOCAIS DE SAÚDE: contando a riqueza da vida de duas Comissões, mostrando sua múltiplas faces e suas lutas

3.1. A PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS COMISSÕES: "SAINDO DA TOCA"

A análise dos dados permitiram mostrar a participação popular como um fenômeno social e histórico marcado por muitas lutas desgatantes, tais como: luta para existir e sobreviver, luta por espaços, luta por reconhecimento e valorização, luta por aprendizagem e acesso à informação, entre outras, que, muitas vezes, faziam os sujeitos se sentirem indignados, desanimados e desacreditados. Encontramos uma participação que está "SAINDO DA TOCA" , ou seja uma vivência participativa prematura, marcada por muitas "lutas" e "tentativas", onde os sujeitos participantes, enfaticamente diziam: "Estamos lutando, mas não está fácil" e "A gente, através da Comissão, tentando participar".

Uma das primeiras lutas visualizadas em ambas as Comissões, em variado grau de intensidade, é a luta para existir e sobreviver ("Nós existimos. Existe gente participando aqui"). No transcorrer dos sete (7) meses de participação nestas duas Comissões foi possível observarmos uma característica básica da participação popular: ela é tipicamente um fenômeno "cíclico" , há momentos de fluxo e refluxo, de posturas otimistas e pessimistas que refletem diretamente na continuidade ou desistência do processo participativo. Em determinadas situações e momentos vivenciam intensas crises internas, que parecem estar relacionadas com questões internas de identidade, autonomia, motivação e coesão grupal e com questões externas de mudança de gestor municipal e gerência local, onde práticas burocráticas e autoritárias ainda se fazem presentes.

Outra luta que percebemos intensamente foi a "luta por espaços e reconhecimento" que pode ser visualizada e analisada em diferentes dimensões e manifestações, desde as dimensões mais concretas/palpáveis, como por exemplo, luta por um espaço físico mais adequado que possibilitasse a reunião de um grupo maior de pessoas até dimensões mais simbólicas/abstratas, como por exemplo lutas por reconhecimento, respeito, interações mais solidárias (menos burocráticas e autoritárias), retorno das comunicações com as autoridades públicas, entre outras.

A participação nas duas Comissões Locais de Saúde mostrou-nos que o estabelecimento de interações dialéticas, solidárias e democráticas é custosa e sempre uma conquista, em função da cultura predominantemente centrada em interações desiguais autoritárias, burocráticas e paternalistas. Tanto que observamos as Comissões como um "espaço democrático" que tentava se impor sobre um "espaço autoritário e burocrático". Reações à burocratização e ao autoritarismo e críticas a posturas anti-democráticas se faziam sempre presentes e necessárias.

Neste sentido, a Comissão emerge como um "espaço de aprendizagens" ("Não dá o peixe não, ensina as pessoas a pescarem") permanente onde uma demanda necessária expressa entre os sujeitos participantes foi a educação para o exercício consciente da cidadania, a capacitação/formação política para desenvolver habilidades e formar cidadãos capazes de lutar por seus direitos e exercer um papel político.

Observamos que de forma central os sujeitos participantes das Comissões expressavam seus papéis relacionando-os à propostas mais "reivindicatórias" quanto à bens e serviços de saúde inexistentes e insuficientes, principalmente com relação a consultas médicas e medicamentos. E de forma periférica e minoritária expressavam alguns papéis mais "propositivos", com um posicionamento mais global, caminhando para uma atuação política mais abrangente e uma sensibilização sobre a importância de assumir esta função pública.

3.2. A COMUNICAÇÃO ENTRE OS SUJEITOS: "QUEREMOS SER OUVIDOS"

A comunicação se fazia presente e necessária em várias dimensões e contextos: nas interações internas entre os sujeitos participantes da Comissão, nas interações externas estabelecidas pela Comissão, como com as autoridades públicas, nas interações com a gerência da unidade, nas interações dos profissionais de saúde com os usuários do serviço de saúde, entre outros, evidenciando "espaços de comunicação".

Nos momentos de participação estes sujeitos tinham como referência comum anunciada e buscada o diálogo solidário, o entendimento e a ação comunicativa, onde as peças do quebra-cabeça se encaixariam. Entretanto, observamos que, muitas vezes, esta interação comunicativa e solidária, altamente desejável, tornava-se literalmente uma "conversa de surdos e cegos", onde em meio a muitas interações autoritárias e violentas e posturas agressivas, as peças do quebra-cabeça não se encaixavam de forma alguma, cada sujeito ficava isolado e preso em seus interesses específicos e não se abria para ver e escutar (acolher) o outro, estabelecendo muito mais um "monólogo" do que um "diálogo", onde o outro não era visto nem escutado como um ser humano. Conseqüentemente uma fala ecoante que se repetia com relativa freqüência era a de que "Queremos ser ouvidos".

3.3. O MODELO ASSITENCIAL: "ESTAMOS DESGASTADOS"

Na unidade temática modelo assistencial encontramos serviços de saúde onde estavam presentes práticas rotinizadas e mercantilizadas evidenciando profundas dificuldades, marcadas também por interações autoritárias e pela violência, onde freqüentemente vítimas se tornavam culpadas, dificuldades estas que clamavam por cuidados e por interações mais solidárias, humanas e acolhedoras. Clamor este presente na voz dos sujeitos que diziam: "Estamos desgastados", sujeitos cansados e que, muitas vezes, mantinham os ouvidos insensíveis ao outro, evidenciando como no estudo de Vasconcelos (1999) um "fosso cultural" entre os profissionais de saúde de um lado e a população do outro.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que a temática participação popular em saúde é complexa, dinâmica e envolve várias dimensões. Entretanto, na prática cotidiana encontramos ainda uma sensibilidade desigual para o problema, em um claro descompasso entre a teoria e a prática, caracterizando uma participação que reflete ainda um projeto político incipiente por parte do poder administrativo local, o que congela e impede, sensivelmente, o diálogo entre os sujeitos.

Portanto, acreditamos que para quebrar este cenário desfavorável à participação popular três passos são importantes, a saber: primeiro, que a participação popular na área da saúde seja realmente incorporada como um projeto político forte pelas administrações municipais e não apenas como uma ‘pseudo-promessa’ em época de campanha eleitoral ou como uma ideologia partidária-política. Segundo, não restringir a participação popular à organizações formais, talvez, a participação em espaços informais possa estimular iniciativas mais informais, autônomas, flexíveis, prazerosas e criativas. Terceiro, que a educação e o conhecimento são os eixos centrais para quebrarmos preconceitos e imagens estereotipadas de que a população é acomodada, apática, acrítica e aparticipante, mudarmos paradigmas e construirmos uma nova noção de existir: a dos cuidados com o mundo, a do bem comum e da justiça social.

 

Referências bibliográficas

ADORNO, R.C.F. A trajetória do movimento e da participação: a conduta dos atores sociais na área da saúde. Tese (Doutorado). 1992. 281 p. Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.

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BÓGUS, C.M. Participação popular em saúde. Formação política e desenvolvimento. São Paulo. Annablume-FAPESP, 1998. 227p.

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MELO, E.M. Fundamentos para uma proposta democrática de saúde: a teoria da ação comunicativa de Habermas. 1999. 240p. Tese (Doutorado). Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto.

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1998. 269p.

PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação. 1998. Tese (Doutorado). Campinas. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Campinas. Campinas.

PINTO, J.M.R. Administração e liberdade: um estudo do Conselho de Escola à luz da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. 170p.

RIVERA, F.J.U. Agir comunicativo e planejamento social: uma crítica ao enfoque estratégico. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1995, 253p.

VASCONCELOS, E.M. Educação popular e a atenção à saúde da família. São Paulo: HUCITEC, 1999.

 

 

* Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Enfermagem de Saúde Pública. Trabalho inserido na linha de pesquisa Práticas, Saberes e Políticas de Saúde do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública do Programa de Pós-graduação de Enfermagem em Saúde Pública.