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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Compreendendo a linguagem de discentes de enfermagem sobre o cuidado

 

Understanding nursing students’ language about care

 

 

Catarina Aparecida Sales

Professora Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá – Rua Bragança, 287 apto. 42, zona 7 – CEP: 87020-220 – Maringá – PR

 

 


RESUMO

Esta investigação tem como finalidade abarcar a concepção dos discentes de graduação em enfermagem sobre o sentido do cuidado na profissão. Para tanto, parto de inquietações emergidas em meu cotidiano, enquanto enfermeira assistencial e docente de enfermagem. Apresento uma reflexão sobre o caminho a ser percorrido e encontro na pesquisa qualitativa numa abordagem fenomenológica, o método adequado para desvelar o fenômeno interrogado. Da análise dos discursos emergiram três categorias abertas: o cuidado como possibilidade de estar-com-o-outro em solicitude; o cuidado como ação na prevenção de doenças; o cuidado no desenvolvimento de uma visão global do doente e sua família. Ao interpretar os significados contidos nos discursos, percebi que o cuidado na concepção dos sujeitos é um instrumento valioso no aperfeiçoamento da profissão e ao mesmo tempo um caminho certo para estar-com-o-doente exprimindo sentimentos de solicitude.

Palavras-chave: sentido do cuidado, abordagem fenomenológica, discente em enfermagem


ABSTRACT

This research aims to understand the conception of undergraduate nursing students about the meaning of care in their profession. To achieve this goal, I start from apprehensions that emerged from my daily experiences as assistant nurse and nursing teacher. I reflect on the road ahead and consider qualitative research from a phenomenological approach an adequate methodology to unveil the phenomenon under analysis. Three open categories emerge from discourse analysis: care as a possibility for being-with-the-other in a thoughtful way; care as action in disease prevention; care in the development of a global view on patients and family. When interpreting the meanings contained in discourse, I noticed that, in the conception of the subjects, care is a valuable instrument in improving the profession and at the same time a correct way for being-with-the-ill, expressing thoughtfulness.

Key words: sense of care, phenomenological approach, nursing student


 

 

1- Introdução

O cuidado é uma parte integrante da vida, nenhum ser humano é capaz de sobreviver sem cuidado. Historicamente o homem sempre teve a necessidade de cuidar, não somente dos seres humanos, mas também de tudo que contribui para sua sobrevivência. Entretanto, foi a proteção materna instintiva que se destacou no processo de cuidar, sendo considerada por historiadores e antropólogos, como a primeira forma de manifestação do homem no cuidado aos semelhantes (Donahue, 1996).

Nessa perspectiva, e sempre em articulação com o desenvolvimento social, econômico, político e religioso das diferentes civilizações, o cuidado foi-se difundido no seio da humanidade, passando a abranger, também, o cuidado aos enfermos, anciões, pessoas desamparadas e inválidas por guerras ou doenças (Sales, 1997).

Neste caminhar, nos primeiros séculos do período cristão, as práticas de cuidado sofreram profundos mudanças, pois, em um período marcado pela devastação e guerras, o cuidado ao próximo abarca um sentimento de afeto, preocupação, solidariedade e responsabilidade.

É importante ressaltar que esse movimento religioso e social contribui de forma decisiva para o desenvolvimento da enfermagem. Assim, a partir de aparecimento das ordens religiosas e em razão da forte motivação que induzia as mulheres para a caridade, a proteção e a assistência aos enfermos, a enfermagem surge como uma prática empírica desvinculada do conhecimento científico (Geovanini, 1992).

No despertar da era moderna, os países ocidentais viram-se abalados pela revolução francesa e revolução industrial, percursoras de uma mudança social ampla e significativa. Entretanto, as mudanças políticas, econômicas e sociais, na época, ao impor ao trabalhador uma completa modificação em seu estilo do vida, torna-o susceptível a várias doenças, resultando na propagação de doenças transmissíveis (Sales, 1997).

Para a autora, é neste cenário que o cuidado e a enfermagem fortaleceram-se através do pensar de Florence Nighingale, considerada até hoje, como a percursora da enfermagem moderna. Florence, com sua inteligência perspicaz, pensamento crítico e, principalmente, sua decidida vocação para cuidar dos doentes, se destaca na época, não apenas por suas concepções teóricas, mas também pelas características pessoais que influenciaram seu trabalho: a religiosidade, o interesse pela ciência, o trabalho na guerra e a participação na luta pelos direitos da mulher.

No âmbito da enfermagem moderna, notáveis foram as contribuições de Nightingale. Seus conceitos de saúde, de ser humano e da prática de enfermagem voltada para o cuidado aos enfermos servem de esteio, até hoje, para o desenvolvimento da enfermagem como profissão.

Outro aspecto relevante na enfermagem surge a partir da década de 50, quando várias teorizadoras, tais como: Virginia Henderson, Dorathea Orem, Jean Watson, Madeleine Leininger, buscam subsídios teóricas com o objetivo de concretizar a enfermagem como profissão de cunho científico e, principalmente, eternizar o cuidado como uma âncora no assistir ao indivíduo, família e comunidade de uma forma sistematizada

A partir deste período, verifica-se um amplo desenvolvimento de construções conceituais sobre o cuidado no âmbito da enfermagem, veiculados na literatura estrangeira e nacional. Entretanto, as concepções e sentimentos dos discentes de enfermagem sobre o cuidado na profissão são pouco enfocadas. Assim, busco neste estudo a apreensão desse fenômeno a partir do pensar dos sujeitos pesquisados

 

2 - O caminho metodológico

Ao deliberar sobre este estudo, parti de minhas reflexões buscando um re-encontro com meus próprios valores e concepções. Estudar a importância do cuidado na enfermagem era, para mim, re-pensar o meu mundo vida e, ao mesmo tempo, procurar o entendimento deste cuidado no pensar dos discentes de graduação em enfermagem.

A escolha pela pesquisa qualitativa numa abordagem fenomenológica emergiu de minha necessidade de desvelar o fenômeno interrogado, isto é, o cuidado na enfermagem, no pensar dos sujeitos escolhidos, não me preocupando com teorias e explicações pré-estabelecidas no curso da profissão. Para tanto, questionei discentes da primeira série do curso de graduação em Enfermagem de uma Universidade Estadual no Paraná.

O encontro com os sujeitos ocorreu em sala de aula após a explicação do estudo para o Colegiado de curso da escola. Com os discentes discuti as normas reguladoras na pesquisa em seres humanos, tendo em vista as implicações éticas de qualquer estudo, conforme resolução 196/96-CNS.

Para abordar as concepções dos discentes sobre o tema proposto, elaborei uma questão norteadora, a qual foi respondida pelos sujeitos: O que é isto, O cuidado na enfermagem?

 

2.1 - Análise dos discursos

A linguagem é uma das maneiras do ser-estar-no-mundo e ver-se absorvido por ele. Dessa forma, pela articulação das palavras (discursos), os sujeitos da pesquisa expressaram suas percepções sobre o cuidado na enfermagem, percepções essas, emergidas de seu pensar e viver no mundo.

Na análise dos discursos não parti de categorias teóricas previamente estabelecida, mas busquei visualizar as unidade de significado após várias leituras de cada depoimento. Em seguida, na aproximação de dados convergentes, constitui as categorias a serem interpretadas.

 

2.2 - Interpretando as categorias

Ao serem interrogados sobre sua apreensão do cuidado na enfermagem, os sujeitos expressaram suas concepções desse fenômeno, dentro de um tempo e espaço no qual estão inseridos como discentes de enfermagem. Dos discursos analisados pude captar as seguintes categorias:

  • O cuidado como possibilidade de estar-com-o-outro em solicitude; 

  • O cuidado como uma ação na prevenção de doenças; 

  • O cuidado no desenvolvimento de uma visão global do doente.

  •  

    3 - Análise das catogorias

  • O cuidado como possibilidade de estar-com-o-outro em solicitude

  • Em sua historicidade, o cuidado, enquanto um fato traz a evidência fundamental de uma relação homem / homem, ou seja o que primeiro se vislumbra é o homem sendo com os homens de maneira particular e objetiva. Contudo, outra evidência se desponta, ao analisar o cuidado em um aspecto ontológico, isto é, enquanto um fenômeno existencial. Nesse sentido, o cuidado adquire características essenciais do ser estar-com-o-outro num envolvimento afetivo (Sales, 1997).

    Nesta perspectiva, apercebi-me nos discursos que os sujeitos revelaram, de forma significativa, sua preocupação em direcionar ações que ajudem os indivíduos doentes a adaptar-se à sua doença, no que tange, ao aspecto físico e emocional, conforme mostra as seguintes unidades de significado.

    "É fazer, curativo, dar banho, administrar o remédio ... "(S10).

    "Preocupar com saúde e o bem estar do ser doente" (S1).

    "Realizar uma troca mútua de sentimentos com doente: (S4)

    "Oferecer dedicação e atenção (S4).

    "Estou fazendo enfermagem para ajudar (S3)

    Tais sentidos sobre o cuidado são congruentes com o pensar de Reiners (1995) que em seu estudo sobre o significado do cuidado para os enfermeiros exprime que existe um processo pelo qual esses trazem no cerne de seu ser o desejo de estar em contato com o paciente e fazer tudo para o seu benefício. Desta forma, apercebo nos discursos dos discentes que os mesmos vêm o cuidado como um esteio para estar-com o doente, pois o homem através de maneiras de solicitude, não apenas faz-se conhecer como um ser-no-mundo, mas também busca conhecer os entes encontrados no mundo.

  • O cuidado com uma ação na prevenção de doenças

  • Para Heidegger (1998), estando-no-mundo, o homem sempre se encontra numa posição afetiva, que condiciona o cuidado, o zelo e também o conhecimento. É essa possibilidade que o ser tem de transcender-se que lhe permite chegar a consciência de si mesmo, tornando-o capaz de conhecer-se, de amar, de adaptar-se à sua existência como um ser cuidador (Sales, 2000).

    Nesta visão, percebo também, nos discursos que os discentes visualizam o cuidado como uma forma de ajudar os indivíduos a buscarem melhores condições de vida, através da prevenção de doenças. Muito significativa é essa concepção dos sujeitos pois demonstra que os mesmos vislumbram no cuidado, não apenas ações para as necessidades reais apresentadas pelo doente, mas se preocupam em formular cuidados para as necessidades potenciais, ou seja, problemas de saúde que poderão acometer as pessoas.

    "Ajudar as outras a terem melhor saúde prevenindo o aparecimento de doenças controláveis" (S5)

    "É dar assistência não só ao indivíduo doente, mas também ao sadio para que possa manter a saúde e não apenas recuperá-la". S2)

    "Orientar as pessoas a prevenirem doenças". (S6)

    Observa-se, nas unidades de significado que os sujeitos, apesar de sua incipiência na profissão, já apreendem o cuidado como uma âncora que pode transportá-los a um horizonte de infinitas possibilidades de compartilhar seus sentimentos e preocupações para com o outro em sua existência.

    É importante ressaltar também que os alunos ao exprimirem seus sentimentos, demonstram que para eles o cuidado não envolve apenas o aspecto curativo, mas têm a perspectiva do aspecto integral que consiste na manutenção do ser saudável.

    Reiners (1995) alude que os enfermeiros sentem-se bem pessoalmente por estar prestando ajuda a uma pessoa, ao mesmo tempo, sentem prazer em estar desenvolvendo atividades para a qual foram formadas.

  • O cuidado no desenvolvimento de uma visão global do doente e sua família

  • Nesta categoria, observei que os discentes entremostraram em suas falas, não apenas o aspecto afetivo, empático e de interação com o doente mas, e principalmente, entendem o cuidado na enfermagem como uma forma de assistir necessidades globais do indivíduo, como também ressaltam a importância de estender essa preocupação de cuidado aos seus familiares.

    "O cuidado visa ajudar e as pessoas como um todo não só corpo, mas corpo-mente-espírito."(S7)

    "’E ter condições de ver o indivíduo como um todo, analisando todos os seus aspectos, físicos, espirituais e mentais. Tratando não só do indivíduo, mas também da família."(S8)

    "Um caminho para assistir a pessoa doente e seus familiares"(S9)

    Compreendo nas unidades de significado que no pensar dos sujeitos ao cuidar do ser doente, percebem a família como um elo presente, o que os leva a vislumbrar possibilidades de cuidado a esses indivíduos, pertencentes ao mundo próximo do doente.

    A meu ver, essa preocupação em assistir também as famílias mostra-se muito significativa, pois entremostra que os sujeitos trazem no âmago de seu ser, o cultivo da sensibilidade, fator importante no aprendizado do cuidar e no cultivo de seu próprio caminho. Tal pensar vai ao encontro de uma premissa básica de Watson (1993).

    "A mente e as emoções de uma pessoa são janelas para alma. O cuidado de enfermagem pode ser, e é, físico, processual, objetivo e real, mas, no mais alto nível da enfermagem, as respostas de cuidado humano das enfermeiras, as transações de cuidado humano e a presença das enfermeiras na relação transcendem o mundo físico e material, presas no tempo e no espaço, e fazem contato com o mundo emocional e subjetivo da pessoa".

     

    4 - Finalizando

    Ao apropriar-me do fenômeno cuidado, tendo em vista as opiniões dos discentes, visualizo a evidência de ser ele uma forma do homem tempo e espaço existencial. É nesse modo de ser, uns com os outros no mundo, que o cuidado se manifesta como uma possibilidade de aprendizagem do ser consigo mesmo e, principalmente com outros seres vislumbrando-os em toda a sua plenitude.

    Apreendi que os sujeitos visualizam o cuidado como esteio para o desenvolvimento de uma interação afetiva entre o ser cuidador e o doente, sendo que na visão dos mesmos é no direcionamento de diferentes possibilidades de solicitude que o ser encontra a essência do cuidar-cuidado.

    Na linguagem dos discentes o cuidado desvela-se imbricado no mundo vida dos seres envolvidos, e se conscientiza na dinâmica das relações e das intenções emergidas no bojo de uma situação afetiva. Envolvendo um sentimento sincero com o doente em seu cuidado.

    Através dos discursos observo também que no pensar dos sujeitos, a enfermagem, ao criar diferentes possibilidades de cuidado, abre-se à dimensão sincera do estar com-o-outro de maneira autêntica, buscando na reflexão do seu fazer, um aprimoramento para expressar suas idéias, sentimentos e forma de compreender o sofrimento do próximo.

    Assim, entendo que para os alunos é na vivência do cuidado que o fazer traduz uma linguagem significativa, onde as necessidades do ser cuidado de doam ao acolhimento do ser que cuida. Sobre isso falaram-me de perto, as palavras que se seguem.

    "Caminhando, saberás. Andando, o indivíduo configura o seu caminhar. Criar formas dentro de si e ao redor de si. E assim como na arte, o cientista se preocupa nas formas da imagem criada, cada indivíduo se forma nas formas de seu fazer, nas formas de seu viver" (Nunes, 1995)

     

    5 – Referências bibliográficas

    DONAHUE, P. História de la infermeria. España, Dayma, 1996.

    SALES, C. A. O cuidado de enfermagem: uma visão fenomenológica do ser leucêmico. São Paulo, 1993. 114p. Tese (mestrado) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo.

    HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 7ed, Petrópolis, Vozes, 1998 parte1.

    NUNES, D. M. Linguagem do cuidado. São Paulo, 1995. 243p. Tese (doutorado) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo.

    REINERS, A. A. O. Cuidado: seu significado para o enfermeiro. São Paulo, 1995. Dissertação (mestrado) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.

    GEOVANINI, T. et al. Uma abordagem dialética do Enfermagem. In: GEOVANINI, T. et al.. História da Enfermagem: versões e interpretações. Rio de Janeiro, Revinter, 1995. Cap.1, p.3-31.