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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. Mayo. 2002

 

Enfrentando dificuldade para comunicar-se: a experiência da hospitalização do imigrante japonês*

 

Facing communication difficulties: the hospitalization experience of japanese immigrants

 

 

Rosa Yuka Sato ChubaciI; Miriam Aparecida Barbosa MerighiII

IMestre em enfermagem, doutoranda em enfermagem na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Bolsista da FAPESP. R. Cel. Oscar Porto, 40/151. CEP:04003-000 São Paulo – SP. e-mail: chubaci@usp.br
IIProfessora Associada. Departamento Materno-infantil e Psiquiátrica. Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419. CEP:05403-000 São Paulo – SP. e-mail: saulomi@aol.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta a importância da comunicação para o paciente imigrante japonês durante o seu processo de hospitalização. Para desvelar as suas experiências vividas optamos pela pesquisa qualitativa com abordagem fenomenológica. Foi permitido compreender que a cultura realmente exerce uma influência importante no comportamento e atitudes desses imigrantes japoneses em relação à sua doença e hospitalização. Dentre as experiências vivenciadas, o imigrante japonês mostrou que a dificuldade com o idioma português interfere na compreensão da doença, tratamento e no relacionamento com a equipe de saúde, fazendo suscitar o sentimento de insegurança.

Palavras-chave: imigrante, comunicação, hospitalização


ABSTRACT

This paper deals with the importance of the communication for Japanese immigrant patients during the hospitalization period. To unveil their experiences, we chose to realize a qualitative research from a phenomenological approach. It could be understood that culture actually exerts an important influence on the behavior and attitudes of these Japanese immigrants concerning their disease and hospitalization. In the framework of these experiences, the Japanese immigrant showed that the difficulty in speaking Portuguese interfered in understanding the disease and its treatment and in the relationship with the health team, which enhanced the feeling of insecurity.

Key words: immigrant, communication, hospitalization


 

 

INTRODUÇÃO

A comunicação verbal e não-verbal no processo de hospitalização é um importante caminho para um novo modo de olhar e agir do profissional de enfermagem, pois este é o membro da equipe de saúde com maior contato com o paciente. Afinal, "o enfermeiro é um educador e a educação é, sobretudo, comunicação". Nesse sentido, podemos enfatizar a importância desse profissional decodificar, decifrar e perceber o significado da mensagem que o paciente envia, só assim, poderá estabelecer um plano de cuidado adequado e coerente com as suas necessidades. Além disso, a comunicação efetiva fará com que o profissional de enfermagem possa ajudar o paciente a conceituar seus problemas, a enfrentá-los, a visualizar a experiência vivida e até auxiliá-lo a encontrar novos padrões de comportamento.

Essa comunicação efetiva, no entanto, pode ser prejudicada quando existe a barreira do idioma. Um estudo realizado sobre a hospitalização de imigrantes japoneses nos Estados Unidos, constatou que estes têm problemas com o idioma, necessitando de intérpretes para serem compreendidos e, normalmente, não questionam a equipe de saúde sobre sua doença e tratamento, refletindo em suas atitudes as influências culturais.

Nesse contexto, podemos notar que o processo saúde-doença pode ser melhor entendido quando o consideramos como parte da experiência cultural do indivíduo pois a cultura exerce influência nas percepções, emoções, crenças, na imagem corporal, na alimentação, atitudes em relação à doença, dor, entre outros. Além dos fatores individuais (idade, gênero, personalidade, inteligência e experiência), os educacionais e os sócio-econômicos, também, influenciam no cuidado cultural do indivíduo ou grupo social. Esse contexto torna-se mais complexo ainda durante o processo de hospitalização, quando o paciente é afastado de seu ambiente familiar, das atividades sociais e profissionais, passando a viver em um novo cotidiano.

Frente à estas considerações julgamos ser necessário desenvolver estudos com pacientes de diferentes culturas e etnias. O interesse pelo tema da hospitalização do imigrante japonês surgiu durante a trajetória profissional da primeira autora em um hospital da cidade de São Paulo, ao perceber que haviam muitos pacientes de diferentes origens étnicas. Dentre estes, destacava-se o imigrante japonês, que talvez pela origem da autora referenciada acabou sendo vivenciado mais profundamente. Sentimos, então, a necessidade de compreender o significado da hospitalização para esse grupo específico, tema este que culminou a dissertação de mestrado da primeira autora deste estudo. Esse estudo com os imigrantes japoneses revelou, dentre os resultados, a importância da comunicação no processo de hospitalização do imigrante japonês, temática essa que apresentaremos neste artigo.

 

CAMINHO METODOLÓGICO E FILOSÓFICO

O desafio em compreender o sentido da hospitalização para o imigrante japonês fez com que nós investigássemos as suas experiências. Para tanto, após a revisão dessa temática, percebemos que uma pesquisa qualitativa com abordagem fenomenológica poderia contribuir para a elucidação dos nossos propósitos.

A fenomenologia é capaz de compreender e explicitar os processos do ser – entendido como a maneira pela qual algo torna-se presente, manifesto, conhecido para o ser humano – na existência humana., como "deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo". Como referencial filosófico não procura o quê do objeto, mas o como: como se de-monstra, como experiência o mundo a partir da existência.

A construção fenomenológica tem a tarefa de esclarecer, a partir da temporalidade, a própria historicidade, na qual a história da pre-sença estará encoberta de forma vulgar, sendo necessário interpretá-lo(7). A construção existencial da historicidade, portanto, é conduzida por meio da interpretação do ser em sua trajetória, a sua pre-sença e análise de cura, que ocorre no seu tempo, ou seja, na sua temporalidade A partir do modo de ser deste ente que existe historicamente, nasce a possibilidade existenciária de uma abertura e de uma apreensão explícita da história.

Este referencial filosófico vem ao encontro com o mundo-vida do imigrante japonês, que na trajetória de sua vida, deparou-se com a facticidade de ter vivido numa época de dificuldades em seu país de origem, sendo que, a maior parte destes imigrantes, optou pela imigração em busca de uma vida melhor.

Uma parte da história da imigração no Brasil foi constituída por estes imigrantes japoneses, cujo processo imigratório, desde 18 de junho de 1908, foi marcado, em sua maioria, pelo tormento, hostilidade, desafio e dor. Ao chegarem, os japoneses encontraram uma realidade totalmente diferente daquela que lhes fora informada em seu país, desiludindo-se profundamente (8). Além disso, a diversidade da língua, costumes, alimentação, clima e as doenças tropicais foram os principais entraves para a adaptação do imigrante japonês.

Assim, por meio da fenomenologia heideggeriana buscamos compreender o sujeito imigrante na facticidade de uma internação.

 

A PESQUISA RUMO À COMPREENSÃO DO FENÔMENO

Definimos como sujeitos da pesquisa os imigrantes japoneses residentes no Brasil, desconsiderando a idade, sexo, estado civil ou religião. Definimos ainda, como outros critérios de seleção dos sujeitos: a condição da internação, excluindo aqueles que não poderiam fornecer uma descrição da experiência vivida; a permanência de internação com mais de cinco dias, por considerar que o discurso teria maior riqueza pelo fato destes terem experienciado a hospitalização por maior tempo. Optamos, ainda, por um hospital sem ligações com a colônia japonesa por considerar que, muitas vezes, a facticidade de uma internação, muitas vezes, impede o sujeito de escolher um hospital com características japonesas.

Os princípios éticos dessa pesquisa foram baseadas na Resolução 196/96 sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa em seres humanos. Tivemos, então, a participação voluntária, após assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O número de sujeitos foi determinado a partir do momento que os discursos tornaram-se repetitivos na elucidação do fenômeno. Durante o período de abril à novembro de 1998, foram entrevistados 22 sujeitos e dentre estes 17 foram considerados, pois continham mais significados para nós, enquanto pesquisadoras. Apenas uma entrevista foi concedida em português e as demais em japonês.

Utilizamos a seguinte questão norteadora: Fale-me sobre os seus sentimentos de estar experienciando a doença e a hospitalização. Com esta indagação, pudemos conhecer e compreender o significado da hospitalização do imigrante japonês a partir da perspectiva de quem a vivenciou.

Para analisar os dados efetuamos as etapas de redução e compreensão do fenômeno. Foi possível, após a análise, realizar a identificação de oito temas, caracterizando, assim, a estrutura geral do fenômeno. Os temas identificados foram: Relembrando o passado; Enfrentando dificuldade para comunicar-se; Vivenciando a separação; Sentindo necessidade de um bom cuidado; Sentindo-se impotente para enfrentar situações difíceis; Sentindo necessidade e suporte familiar; Buscando conforto na religião e Sentindo gratidão.

Dentre esses temas que representam a experiência da hospitalização vivenciada pelos imigrantes japoneses, destacamos, neste momento, o tema desvelado "Enfrentando dificuldade para comunicar-se" que retrata a importância da comunicação no processo da hospitalização do imigrante japonês. Desta forma, apresentamo-lo, a seguir, com os subtemas que o compuseram.

 

ENFRENTANDO DIFICULDADE PARA COMUNICAR-SE

Como já mencionamos anteriormente, a internação é uma situação que leva o imigrante japonês a enfrentar o desafio em direção à recuperação, em um ambiente estranho ao seu cotidiano. Além da adaptação à rotina do hospital e ao tratamento , o imigrante japonês mostrou que existe uma outra barreira: a comunicação. Vários deles afirmaram ser o idioma a sua grande dificuldade.

Desta forma, do tema dificuldade para comunicar-se originaram-se as seguintes subtemas: Dificuldade para compreender a doença; Dificuldade para compreender o tratamento; Dificuldade para relacionar-se com a equipe de saúde; Sentindo desconfiança; Sentindo necessidade da ajuda dos familiares; Sofrendo por não poder comunicar-se; Sentindo segurança quando consegue comunicar-se e Percebendo o incômodo e o arrependimento por não falar o português. Subtemas estes que serão apresentados a seguir.

 

Dificuldade para compreender a doença

Muitos imigrantes japoneses têm dificuldades para dominar a língua portuguesa; outros nem chegam a aprendê-la. Essa situação faz com que sintam-se inseguros, pois a dificuldade com o idioma é um empecilho para questionarem sobre a doença e de compreenderem o que é explicado pelos profissionais de saúde. A situação agrava-se ainda mais quando a doença é complicada. As explicações contém palavras técnicas, o que torna ainda mais difícil o entendimento, mesmo para aqueles que conseguem entender um pouco o idioma.

"…Quando a gente tem doenças complicadas fica difícil de entender por causa do idioma... É melhor quando dá para falar na própria língua, se me falarem em português, eu não entendo nada…"

"… eu falo português, pois já estou há muito tempo, só não consigo entender direito quando usam palavras difíceis para explicar o que tenho e quando respondo, não sei se me entenderam…"

 

Dificuldade para compreender o tratamento

Alguns imigrantes japoneses sentem que o idioma dificulta-lhes entender os procedimentos aos quais eram submetidos durante o tratamento. Não conseguem questionar e tampouco compreender as explicações ou instruções dadas em relação aos procedimentos dos exames. A dúvida em relação a alguns cuidados é proveniente da comunicação ineficiente entre a equipe de saúde e o paciente.

"…Hoje fui fazer tomografia e tive dificuldades para entender as instruções na hora do exame, imaginei que fosse para inspirar e expirar…"

"…Estou com as mãos pretas, ninguém me falou o que aconteceu com a minha mão. Nem as enfermeiras contaram porque aconteceu isso com a minha mão. Como não sei falar direito, não pergunto…"

Observa-se o interesse desses imigrantes japoneses sobre o tratamento ao qual estão sendo submetidos. Assim, mais uma vez, sentem-se limitados pela barreira do idioma.

 

Dificuldade para relacionar-se com a equipe de saúde

A maioria desses imigrantes japoneses passa a não conversar com as pessoas ao seu redor porque entendem pouco ou quase nada do que as enfermeiras ou os médicos lhes dizem, principalmente quando usam terminologias médicas. Um deles disse sentir que as pessoas acabam se afastando dele por não compreenderem o que fala ou, até mesmo, acabam por considerá-lo um paciente difícil.

"…As pessoas que vem aqui não conversam comigo, trazem uma coisa, depois outra, mas no entanto, não conversam comigo, deve ser porque somos desconhecidos …"

"…Sempre tento falar que meu português é ruim e que não entendo o que eles me falam. Devem me achar chata…"

Um deles relata, ainda, a vontade de compreender a conversa com o médico, para saber sobre seu tratamento, para tanto desejaria contar com a ajuda da enfermeira, mas percebe que esta não tem disponibilidade para isso. Verbaliza que se o médico escrevesse o que quer lhe falar, poderia facilitar o entendimento, já que alguém poderia ajudá-lo a traduzir.

"…Às vezes não entendo o que os médicos falam e as enfermeiras não têm tempo de ajudar-nos…"

"…quando o médico fala comigo não entendo o que ele quer dizer, gostaria até de pedir para que escreva…"

Outros imigrantes japoneses tentam conversar de alguma forma, gesticulam com as mãos, para serem compreendidos. Sentem que, com o tempo, algumas enfermeiras acabavam entendendo o que tentavam pedir.

"…No começo as enfermeiras tiveram dificuldades comigo, mas agora que estou há 22 dias parece que se acostumaram comigo. Algumas enfermeiras entendem melhor o que eu falo… parecem me entender instintivamente …"

A dificuldade com o idioma reflete-se no relacionamento com a equipe de saúde, complicando a comunicação entre todos. Os imigrantes japoneses deste estudo demonstraram a necessidade de manter um contato com a equipe profissional, para que, de alguma forma, possam ser entendidos.

 

Sentindo desconfiança

Apesar da importante ajuda que recebe da família, um imigrante japonês diz perceber que o filho não está preparado para traduzir a conversa com o médico, desconfiando que as informações que recebe são incompletas.

"…Meu filho me acompanha, mas sei que o japonês que ele sabe não é o suficiente para explicar a minha situação no hospital. Fico me questionando se ele está traduzindo corretamente. Fico desconfiada se está certo mesmo…"

Outro imigrante japonês, ao tentar comunicar-se com o pouco que sabe do idioma português, desconfia se realmente entenderam o que quis dizer. O mesmo acontece quando tem dúvidas sobre o que entendeu da conversa com o médico. A desconfiança surge, também, como consequência da dúvida em relação às instruções dadas durante os procedimentos.

"…Tento me expressar com as poucas palavras que sei em português, acham graça dizendo que falo "japorguês", eu acho que falei certo, mas quando respondem vejo não entenderam. Fico desconfiada por isso…"

"…Senti-me inseguro no exame, não sabia se estava fazendo certo…"

Observa-se que esses sujeitos tentam comunicar-se por sentirem necessidade de entender e serem entendidos, mas esta tentativa é, muitas vezes, em vão. Assim, acabam deduzindo o conteúdo das conversas. No entanto, sentem-se inseguros e desconfiados pois não tem como confirmá-los. Como já salientado, a partir do momento em que ocorre a dificuldade de comunicação, diminui a confiança na assistência recebida.

 

Sentindo necessidade da ajuda de familiares

Uma das formas encontradas pela maioria dos imigrantes japoneses, ao deparar-se com a dificuldade do idioma, foi buscar a ajuda dos familiares para serem interlocutores nessa comunicação. Desse modo, a presença da família quase sempre ameniza a dificuldade com o idioma, fazendo com que sintam-se melhores e mais tranqüilos durante a hospitalização.

"…Meu filhos me acompanham aqui no hospital, por eu não entender o português. Tenho 5 filhos que se revezam aqui. Não consigo entender nada do que o médico fala. Sinto-me mais tranquila quando eles estão por perto…"

Ao receber a ajuda da família como interlocutor, esses imigrantes japoneses encontraram uma alternativa para contornar a dificuldade com o idioma. Dessa forma, podem compreender melhor sua doença e tratamento, melhorando sua comunicação com a equipe de saúde.

 

Sofrendo por não poder comunicar-se

Para vários imigrantes japoneses, o sofrimento fez-se presente ao sentirem a angústia e a tristeza de estarem impossibilitados de conversar com as pessoas, não podendo dizer o que estavam pensando ou sentindo.

"…Só o idioma que é problema. Sabe, não consigo dizer o que estou pensando… não consigo nem dizer o que quero aqui dentro (hospital). Isto me trás angústia, penso como seria feliz se soubesse falar português…

A dificuldade com o idioma, fez com que a internação se tornasse um problema para muitos imigrantes japoneses, pois não conseguiam detalhar o que sentiam.

"…Sabe, quando sinto dor eu falo "dói", mas existem várias formas de dor, o que dói em agulhada, a que sufoca, tem várias formas de dor. Não consigo falar essas coisas detalhadas, acabo só falando que "dói"…"

 

Sentindo segurança quando consegue comunicar-se

Ao deparar-se com a barreira da comunicação, um imigrante japonês manifesta a vontade de estar em um hospital onde pudesse conversar com as pessoas e saber detalhes sobre seu tratamento, o que faria com que se sentisse mais seguro. Coincidentemente, o fato do médico ser de descendência japonesa, fez com que um deles se sentisse mais tranqüilo, ficando mais motivado, pois ele poderia entender melhor seus sentimentos.

"…Quando eu fui internado aqui, aconteceu algo muito bom, o responsável por meu tratamento é um nikkey, entendendo bem os meus sentimentos, sou muito agradecido por isso. É como se o meu sangue começasse a circular de novo, senti-me bem tranquilo por conta disso…"

A felicidade de poder conversar em japonês é percebida durante a entrevista quando alguns sujeitos relataram poder expressar minuciosamente seus pensamentos.

"…Como estou feliz em conversar japonês com você. Posso falar do jeito que estou pensando, é muito bom, sinto-me feliz mesmo…"

Ao demostrarem-se mais confiantes e felizes por poderem conversar em japonês, observa-se que para esses imigrantes japoneses a comunicação é um fator importante para sua tranquilidade dentro do hospital, pois podem colaborar e participar conscientemente de seu tratamento.

 

Percebendo o incômodo e o arrependimento por não falar português

Ao estar vivenciando os problemas causados pela dificuldade de comunicação durante a hospitalização, vários imigrantes japoneses percebem-se incomodados por não falarem o idioma português, arrependendo-se.

"…Só o idioma que é problema. Sabe, não consigo dizer o que estou pensando, penso então que deveria ter aprendido antes, agora me arrependo disso, mas nesta fase da vida não consigo mais aprender..."

Vários deles tentam apresentar os prováveis motivos que os impediram de aprender o português, tentando justificar a dificuldade com o idioma.

"…Convivi sempre com os japoneses, os meus filhos me ajudavam, então não consegui aprender o português…"

"…Quando eu era pequena meus pais diziam: não precisava aprender português porque voltaríamos logo para o Japão"

Percebe-se que ao terem dificuldades com o idioma, os imigrantes japoneses desse estudo mostraram que esta situação é perturbadora. Esta deficiência afeta o seu emocional, trazendo angústia, tristeza e ansiedade. Ao citarem os motivos que justificam essa dificuldade, os sujeitos encontram uma razão para desculparem-se por não terem aprendido o idioma português.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do estudo mostraram que, para grande parte dos imigrantes japoneses, a compreensão do processo da doença e da hospitalização é prejudicada pela dificuldade em comunicar-se. Reforça-se, desta forma, que a compreensão só é desvelada por meio da linguagem, que é feita pelo pronunciamento do discurso, sendo esta a articulação da compreensibilidade.

Os imigrantes japoneses demonstraram possuir inúmeras dificuldades pelo fato do idioma ser uma barreira, impedindo-os de manter uma comunicação efetiva com a equipe de saúde, dificultando, assim, o relacionamento. Conseqüentemente, passam a ter dificuldades para compreender a sua doença e o tratamento ao qual estão sendo submetidos, levando-os ao sofrimento por não poderem expressar o que sentem.

Esta situação é contornada, em parte, pela ajuda dos filhos. Porém, percebe-se que essa ajuda é dada não só no hospital, mas ao longo de toda as suas vidas. Tal fato fez com que se acomodasse e não aprendessem português. Essa situação pode ser entendida como um cuidado em que a preocupação retirou o "cuidar" do outro, substituindo-o em suas ocupações e tornando-o dependente.

É interessante notar que somente quando experienciam este tipo de problema, em um momento difícil de sua vida, os imigrantes passam a sentir-se incomodados, dizendo-se arrependidos por não conseguirem entender o idioma. Ao mesmo tempo, que sentem-se afetados pelo problema da comunicação, também percebem que a enfermagem e os demais profissionais da equipe de saúde sentem dificuldade para prestarem um cuidado mais eficiente e adequado por causa do idioma, pois o relacionamento interpessoal fica prejudicado.

Esse estudo mostrou, também, que o imigrante japonês tem as suas falas permeadas pela influência cultural, possuindo algumas características comportamentais próprias. A começar, pelo idioma japonês, que ainda prevalece como sua língua principal e única, ainda nos dias de hoje. As primeiras gerações de imigrantes sempre foram, em sua grande maioria, etnocêntricas – acreditam que a sua cultura, raça e o país de onde vieram constituem o centro do mundo – , talvez por uma questão de sobrevivência, em ambientes tão hostis( 8).

O fato destes imigrantes japoneses não questionarem sobre a sua doença e tratamento foi percebida em relação a equipe de saúde, mas em várias entrevistas os imigrantes manifestaram a vontade de saber e participar mais dos procedimentos ao qual estavam sendo submetidos. Talvez essa situação possa ser explicada pelo fato da entrevista ter sido feita em japonês, dando mais abertura para o sujeito poder expressar os sentimentos vivenciados. Do mesmo modo, o fato da entrevistadora não pertencer ao quadro pessoal do hospital, foi, também, uma condição estimuladora na obtenção dos dados.

Foi possível, ainda, perceber que muitas falas foram marcadas pela exposição de alguns conceitos culturais japoneses, como a auto-restrição (enryo), autocontrole em suportar situações angustiantes e/ou aflitivas (gaman) e o conformar-se com a situação vivida (shoganai) (3, 12). O enryo, por exemplo, pode ser percebido no estudo quando o imigrante tem dúvidas sobre algum procedimento e acaba não pedindo esclarecimento, pelo receio de incomodar a equipe; prefere, então, conformar-se com a situação (shoganai), suportando, desta forma o seu sofrimento (gaman). Verificou-se, com freqüência, a verbalização do sentimento de shoganai, ou seja, o conformar-se com a situação, permitindo-nos perceber, com as nossas experiências vividas enquanto profissional de enfermagem, que o imigrante japonês manifesta esse sentimento com maior freqüência do que outros pacientes. Parece que isso faz com que, de alguma forma, sintam-se protegidos das situações adversas às quais eram expostos durante a hospitalização.

Compreendemos que o imigrante japonês tem sérias dificuldades para ser entendido pelos outros, pois em razão de alguns hábitos culturais específicos e pela dificuldade com o idioma, não conseguem expressar o que pensam e sentem. Assim, chamamos atenção para a falsa impressão que eles podem transmitir, de que tudo está em ordem. Ao serem entrevistados no idioma japonês, demonstraram que por detrás de seu jeito sereno de ser, escondiam, muitas vezes, a ansiedade e o interesse pelo cuidado de sua saúde, o desejo de que o olhar dos familiares, equipe de saúde e, principalmente, da enfermagem, estivesse voltado para eles.

Desta forma, o estudo mostrou que a comunicação verbal e não-verbal são imprescindíveis para o relacionamento interpessoal no processo de hospitalização do imigrante japonês. O profissional de enfermagem deve estar atento para o significado da mensagem que é transmitida pelo paciente, pois, assim, poderá oferecer um cuidado mais efetivo, centrado nas necessidades dele. Faz nos lembrar, também, que pequenos gestos, um olhar podem ser tão ou mais significativos que as palavras.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. STEFANELLI, M. C. Comunicação com o paciente: Teoria e Ensino. 2 ed. São Paulo, Robe, 1993.

2. SILVA, M. J. P. Comunicação tem remédio: A comunicação nas relações interpessoais em saúde. 5 ed. São Paulo, Gente, 1996.

3. SHIBA, G., OKA, R. Japanese americans. In: Lipson J. G., Dibble S. L, Minarik P. A. (editors). Culture & nursing care: a pocket guide. California, Regents, 1996. p. 180-90.

4. HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. 2 ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.

5. CHUBACI, R. Y. S. A experiência da hospitalização do imigrante japonês. São Paulo, 1999. 161p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

6. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis, Vozes, 1997a. Parte I (Coleção Pensamento Humano).

7. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis, Vozes, 1997b. Parte II (Coleção Pensamento Humano).

8. NOGUEIRA, A. R. Imigração Japonesa na história contemporânea do Brasil. São Paulo, Massao Ohno, 1984.

9. MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR). Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa em seres humanos. Brasília, Conselho Nacional de Saúde, 1997.

10. MARTINS, J., BICUDO M. A. V. A Pesquisa qualitativa em Psicologia: Fundamentos e Recursos Básicos. São Paulo, Moraes, 1989

11. GIORGI, A. Phenomenology and psyschological research. Pittsburg, Duschesne University Press, 1985.

12. LEBRA, T. S. Japanese patterns of behavior. Hawaii, University of Hawaii Press, 1976.

 

 

* Extraído da dissertação de mestrado "A experiência da hospitalização do imigrante japonês" apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.