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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

Utilização de jogo educativo para construção de conceitos relacionados a comunicação terapêutica*

 

Use of an educational game for constructing concepts related to therapeutic communication

 

 

Solânia DurmanI; Denise Costa DiasII; Maguida Costa StefanelliIII

IEnfermeira. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Mestre em Assistência de Enfermagem. Rua Expedicionário n.722 Jd Maria Luiza Cascavel, PR CEP 85807-420 durman@terra.com.br
IIEnfermeira. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Mestre Em Enfermagem Fundamental e Doutoranda da USP
IIIEnfermeira. Doutora, docente convidada na UFPR/UFSC

 

 


RESUMO

O objetivo da utilização do jogo educativo neste estudo, foi estimular a reflexão e discussão em grupo de Enfermeiros sobre a comunicação terapêutica na prática assistencial em um hospital geral. Trata-se de um estudo participativo exploratório com leitura qualitativa dos dados. O estudo foi realizado através da aplicação de jogo educativo adaptado de Stefanelli (1983) a um grupo de 5 enfermeiros de um hospital geral de 67 leitos, da cidade de Cascavel, estado do Paraná. Os dados foram coletados no período de julho a setembro de 1999, por meio de reuniões grupais onde foram expostas as regras do jogo. Este jogo é composto de cartas contendo mensagens para estimular discussões sobre comunicação terapêutica, e através das discussões e reflexões foi construído em grupo um conceito de comunicação terapêutica. Foi possível concluir que a utilização do jogo como estratégia para reflexão sobre comunicação terapêutica foi bastante válida e isso foi evidenciado na avaliação realizada.

Palavras-chave: jogo educativo; comunicação terapêutica; ensino de comunicação em enfermagem


ABSTRACT

This article aims to show the utilization of an educational game to stimulate considerations and group discussions in a group of nurses about therapeutic communication in care practice at a general hospital. This is an exploratory participative study with qualitative data analysis. An educational game adapted from Stefanelli (1993) was applied to a group of 5 nurses at a general hospital with 67 beds in Cascavel, Parana. Data were collected between July and September 1999, by means of group meeting during which the rules of the game were explained. This game is composed of cards with messages to stimulate discussions about therapeutic communication, and through discussions and reflections, a therapeutic communication concept was constructed in the group. It could be concluded that the use of the game was a valid strategy for reflecting on therapeutic communication, which was disclosed in the conducted evaluation.

Key words: educational game; therapeutic communication; nursing education teaching


 

 

Introdução

Acreditamos que a educação deve ocorrer na forma de construção, ou seja, os aprendizes devem ser os agentes de seu próprio aprendizado, mas para tanto eles necessitam ser instrumentalizados.

Freire (1983) observa que a instrumentação deve ser algo mais que a simples preparação de quadros técnicos, depende da harmonia que se consiga entre a vocação ontológica deste "ser situado e temporalizado" e as condições especiais desta temporalidade e situacionalidade.

Na pluralidade de situações vivenciasdas pelos enfermeiros em sua prática cotidiana torna-se necessário que o profissional reflita freqüentemente para situar-se para poder exercer a vocação ontológica do homem, que como Freire (1983) destaca é a de ser sujeito e não objeto, no entanto, só se pode desenvolver essa vocação na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais introduz-se nelas, de maneira crítica.

Consideramos que o jogo educativo é uma estratégia que pode estimular aos enfermeiros no desenvolvimento de reflexões críticas acerca de sua prática na assistência. Para Holzmann (1998) nos jogos emergem valores, idéias e sentimentos, e através da ação lúdica e simbólica é possível compor e recompor conceitos. Neste estudo enfocamos especificamente a comunicação terapêutica que é definida por Stefanelli (1993), como o uso de habilidades e competência interpessoal que o profissional enfermeiro necessita desenvolver, para estabelecer uma relação pessoa-a-pessoa eficaz.

Para que a comunicação seja adequada, o profissional enfermeiro, necessita adquirir habilidade em comunicar-se terapeuticamente com seus clientes, podendo esta ser desenvolvida através do processo ensino-aprendizado, com base na experiência do dia-a-dia profissional (DURMAN, 2000). E a estratégia escolhida foi o jogo educativo como propiciador de oportunidades de participação, reflexão e socialização relacionadas a comunicação terapêutica.

 

Objetivo

Utilizar jogo educativo para estimular a reflexão e discussão em grupo sobre a comunicação terapêutica na prática assistencial em um hospital geral.

 

Método

Trata-se de um estudo participativo exploratório com leitura qualitativa dos dados.

O estudo foi realizado através da aplicação de jogo educativo adaptado de Stefanelli (1993) a um grupo de 5 enfermeiros de um hospital geral de 67 leitos, da cidade de Cascavel, estado do Paraná.

Após obter autorização da Diretoria da Divisão do Serviço de Enfermagem para realização da pesquisa, a cada participante foi esclarecido o objetivo da pesquisa, a garantia de sigilo e anonimato, bem como o uso que se faria dos dados e o direito de participar ou não da pesquisa ou dela se retirar se julgasse oportuno. Um termo de compromisso foi assinado pelos enfermeiros conforme parecer 196/ 1996 lida com a pesquisa com seres humanos (Anexo 1).

A coleta de dados foi realizada por meio de reuniões grupais onde foram expostas as regras do jogo, adaptado de (STEFANELLI, 1993). Este jogo é composto de cartas contendo mensagens para estimular discussões sobre comunicação terapêutica.

Os encontros foram semanais a partir de uma agenda prévia, durante o período de 14 de Julho à 03 de Setembro de 1999, num total de nove encontros. Estes encontros foram agendados em horário de trabalho dos participantes e cada encontro teve duração de uma hora e meia a duas horas.

Takahashi e Peres (2000) observam que para o sucesso da aplicação dos jogos é necessário o preparo e o aquecimento dos participantes cabendo ao facilitador expor sobre os objetivos e procedimentos a serem adotados. Neste sentido, nos primeiros encontros os participantes foram convidados a participar, orientados sobre os objetivos do trabalho, sobre as regras do jogo e a importância da comunicação terapêutica na prática da enfermagem. E o jogo propriamente iniciou-se no quarto encontro.

 

Resultados e comentários

A relação de comunicação terapêutica entre enfermeiro e o paciente foi discutida através da estratégia do jogo educativo.

Os participantes do jogo liam a mensagem da carta sorteada, refletiam e então discutiam em grupo para que todos pudessem opinar e expor suas experiências.

Descrevemos a seguir algumas reflexões oriundas do jogo, onde os participantes expuseram suas idéias a respeito da comunicação com o paciente em sua prática assistencial.

"...essa relação (referindo-se a comunicação terapêutica) é um contínuo, e cada fase nova que você vive vai acumulando, porém o enfermeiro pode direcionar a conversa para onde ele quiser..." Mais adiante a mesma participante conscientiza-se do perigo da manipulação , "...em vez de ajudar, vai ferrar, isso é bastante complicado..."(P.2)

Foi discutido pelo grupo a carta com a mensagem sobre a abordagem do paciente pelo enfermeiro, que pode determinar o fracasso ou sucesso das interações humanas, havendo comentários dos participantes como:

"..como chegar até o paciente para conseguir tirar dele mais informação..."(P.4)

"...entrei em um quarto e dei meu Bom Dia e encontrei uma paciente tão difícil. Ela não se abria nem no Bom Dia. Bom, eu já me senti mal, porque eu cheguei para dar tudo e de repente eu não tive retorno dela. Porém eu não deixei de ser profissional, fui verificar tudo que eu precisava avaliar, fazer o exame físico... Eu consegui ser profissional, mas saí do quarto me questionando..."(P.2)

Nestas duas falas percebemos o despreparo dos profissionais para lidar com o aspecto emocional, e uma ênfase no físico, na dimensão técnica do cuidado, uma vez que o paciente é visualizado como mero repositório de "informações" e não considerado que o mesmo pode ser também um repositório de emoções, e trazer consigo vivências que podem ser favoráveis ou desfavoráveis a situação de cuidado experienciada no momento atual. Na outra colocação, onde a paciente é considera "difícil" , o profissional não esclarece em sua fala o contexto onde está inserida a paciente. Consideramos que a não receptividade desta, poderia estar relacionada a diversos fatores como dor, sono, cansaço, entre outros. E mesmo assim, o profissional priorizou o exame físico. Novamente percebemos o despreparo do profissional na abordagem da paciente, onde não foi considerada a inovação na abordagem e condução da comunicação, priorizando o lado técnico. No entanto, consideramos positivo o fato de o profissional ter se questionado sobre a situação vivenciada.

Ao comentar a carta que fala da comunicação grupal, uma das participantes comentou sobre "...uma paciente estava sozinha, parecia triste e calada, agora que está dividindo o quarto com outra paciente que tem a mesma patologia, as duas conversam todo o tempo trocando experiências..."

Outro participante observou a contradição entre a comunicação verbal e o não-verbal que é percebida pelo paciente "...quando vamos fazer um curativo fétido e o paciente pergunta se está fedido, e você com aquela cara de nojo diz: não, não está. Também aí entra a questão que o paciente acha que você não é sincero."

Ao término de cada rodada a facilitadora pede ao grupo que escolha uma carta mais significativa sobre comunicação terapêutica, sendo escolhida na primeira rodada a carta de número oito: A comunicação estabelecida com o paciente ajuda-o a sair da situação "doença" mais amadurecido, fortalecido, porque cada experiência de vida constitui uma situação de aprendizagem (STEFANELLI, 1993). Na segunda rodada a carta escolhida como mais significativa foi a de número seis: Comunicação significa enviar e receber mensagens mediante símbolos, palavras (faladas ou escritas), sinais, gestos ou outros meios não verbais (STEFANELLI, 1993).

O conceito de comunicação terapêutica obtido ao final do jogo, foi resultado da soma das mensagens contidas nas cartas do jogo educativo discutidas pelos participantes, ilustradas com exemplos das vivências de cada um. Este conceito foi o seguinte:

"Comunicação terapêutica entre enfermeiro e paciente é a troca de informações entre emissor e receptor, dentro de um contexto que engloba o processo saúde-doença, aspectos físicos, aspecto de tempo e espaço, pessoas (paciente, família e pessoal técnico), procedimentos técnicos e expressivos, éticos, sentimentos de empatia, confiança e o encontro do significado da doença".

É interessante que os participantes tenham construído um conceito tão abrangente e profundo de comunicação terapêutica, no entanto, questionamos se este é ainda uma abstração teórica ou realmente se traduz na prática assistencial. Como observamos nos comentários dos participantes durante o jogo percebemos que ainda se evidencia o despreparo dos mesmos para lidarem com a comunicação terapêutica nas suas variadas facetas. Mas acreditamos que as reflexões realizadas os ajudarão no aprimoramento de suas habilidades comunicativas.

Terminado o jogo a facilitadora solicitou ao grupo uma avaliação da estratégia utilizada, o jogo educativo, e todos foram unânimes em julgar a estratégia como válida. Uma das participantes coloca que:

"... quanto as mensagens das cartas foi interessante no sentido de reflexão. Me fez repensar o meu método de trabalho, repensar a maneira de abordar o paciente, estar mais atento as suas necessidades, fazer com que o atendimento da equipe de enfermagem seja mais humanizado."

 

Conclusões

Foi possível concluir que a utilização do jogo como estratégia para reflexão sobre comunicação terapêutica foi bastante válida e isso foi evidenciado na avaliação realizada.

Freire (1995) fala da conscientização, como apronfundamento da tomada de consciência. Através das discussões em grupo embasadas na literatura, acreditamos ter proporcionado à cada integrante do grupo, oportunidades de refletir sua prática. Não pretendemos com esta consideração, afirmar que uma discussão em grupo, poderá gerar em todos a mesma reflexão; pois cada indivíduo tem seu tempo, carrega sua bagagem de vivências e sua conscientização vai depender desses fatores. Percebemos que para cada participante deste grupo as discussões trouxeram algum benefício; cada um em seu momento distinto.

Consideramos importante o uso da criatividade para elaborar estratégias de educação continuada para abordar temas significativos para a prática assistencial, promovendo a integração dos participantes, e entre a teoria e a prática. O jogo poderá promover mudanças de atitudes e comportamentos positivas contribuindo para a melhoria da qualidade da assistência.

 

Referências bibliográficas

BRASIL, Centro Nacional de Epidemiologia. Parecer número196/96 de 10 de Outubro de 1996. Pesquisa envolvendo seres humanos. In: Informe Epidemiológico do SUS- Suplemento 3, p. 278-291. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 1996.

DURMAN, S. Enfermeiros Assistenciais Construindo a Relação de AjudaTerapêutica em Hospital Geral. Curitiba, 2000. Dissertação ( Mestrado Interinstitucional em Assistência de Enfermagem) Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do Paraná).

FREIRE, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.

_________A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1995.

HOLZMANN, M. E. F Jogar é Preciso. Porto Alegre, ArtMed, 1998.

STEFANELLI, M. Comunicação com paciente teoria e ensino. São Paulo: Ed. Robe , 1993.

TAKAHASHI,R.T.; PERES, H.H.C. Os Jogos como Estratégia Criativa Para O Ensino de Administração em Enfermagem. Rev. Paulista de Enfermagem, v.19, n.1, jan/abr. 2000p.19-23

 

 

* Este trabalho é um recorte da Dissertação de Mestrado "Enfermeiros Assistenciais construindo a relação de ajuda terapêutica em hospital geral" de Solânia Durman, 2000

 

 

ANEXO I