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An. 8. Simp. Bras. Comun. Enferm. May. 2002

 

A comunicação como cuidado de enfermagem

 

Communication as nursing care

 

 

Alyne de Medeiros AlvimI; Camila de Oliveira SantosII; Nébia Maria Almeida de FigueiredoIII; Teresa ToniniIV

IAcadêmica de Enfermagem da EEAP/UNIRIO- 7º Período
IIAcadêmica de Enfermagem da EEAP/UNIRIO- 7º Período- Bolsista do CNPq. Endereço: Av. Pensilvânia,260. Jardim Esplanada. Nova Iguaçu. RJ. CEP- 26013-340. Tel.: 2667-2020. e-mail: camoliveirasantos@ig.com.br
IIIProfessora Titular do DEF/EEAP/UNIRIO, Doutora em Enfermagem, Pesquisadora do CNPq
IVProfessora Assistente do DEF/EEAP/UNIRIO, Mestre em Enfermagem
 

 


RESUMO

Este estudo apresenta como objeto, a comunicação como cuidado de enfermagem às mães das crianças internadas; tendo como questão norteadora porque as enfermeiras em sua prática cotidiana de cuidar "não" tem como hábito se comunicar e/ou orientar as mães das crianças, quando sabemos que a comunicação é um instrumento base para a assistência de enfermagem. Os objetivos foram caracterizar os elementos utilizados na orientação/comunicação das enfermeiras que tranqüilizam ou estressam as mães das crianças internadas e ; discutir analisando os elementos de comunicação como cuidado de enfermagem. Utilizou-se abordagem qualitativa. Os dados foram obtidos por entrevista semi-estruturada. Concluiu-se que as enfermeiras se utilizam apenas da observação e da fala para a comunicação, entretanto não se comunicam de uma forma terapêutica, para diminuir o estresse, a angústia e aflição sentidos pelas mães das crianças internadas.

Palavras-chave: enfermagem, comunicação, cuidado


ABSTRACT

The object of this study is communication as a form of nursing care for mothers of interned children; research is guided by the question of why nurses, in their daily care practice, are "not" used to communicating and/or orienting the children’s mothers, in view of the knowledge that communication is a basic instrument for nursing care. The study aimed to characterize the elements used in nursing orientation/communication that tranquilize or stress the mothers of interned children, as well as to analyze communication elements as nursing care. A qualitative approach was used. Data were obtained through semi-structured interviews. It was concluded that nurses merely use observation and discourse for communication, but do not communicate in a therapeutic way, so as to decrease the stress, anxiety and affliction felt by the mothers of interned children.

Key word: nursing, communication, care


 

 

INTRODUÇÃO

Ao desenvolvermos o Ensino Clínico num Hospital Público de referência Pediátrica, no município do RJ, no setor de neurocirurgia, como cumprimento da disciplina Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente II do curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Rio de Janeiro (EEAP/UNIRIO), tivemos a oportunidade de cuidar de crianças em sua maioria acamadas, dependentes , mal-formadas anatomicamente, e de suas mães.

A princípio sentíamos emoções diversificadas traduzidas por medo do desconhecido, visto que as patologias apresentadas pelas crianças só conhecíamos dos livros ; angústia por cuidar de crianças doentes e estarmos acostumadas a pensar em crianças saudáveis, brincando nas ruas; provocou em nós impotência e ansiedade. Com o decorrer do estágio fomos adquirindo experiência em cuidar desses seres pequeninos, conhecendo o setor, as pessoas que ali trabalhavam, as crianças que ali estavam e o responsável que as acompanhavam. Fomos ficando menos dependentes no agir de aprender nossa profissão, e observando a atuação de alguns profissionais quando cuidavam das crianças e/ou orientavam/conversavam com as mães.

Pudemos perceber nos poucos dias de nossa atuação, como as mães sentem necessidade de estarem informadas sobre tudo que diz respeito ao seu filho. Os questionamentos envolviam argumentos sobre a patologia que seu filho apresentava, procedimentos e técnicas realizadas, alimentação, dentre outros, incluindo o prognóstico.

Observamos que na prática cotidiana das enfermeiras na maioria das vezes não orientam as mães da forma que aprendemos na Escola, algumas não orientam mesmo, e outras orientam mas não na linguagem leiga das mães fazendo com que elas não compreendam ou compreendam erroneamente a orientação transmitida. A partir deste fato as mães apresentavam-se aflitas, descontentes, aparentando gestos de preocupação. Elas não sabem da patologia do seu filho , os cuidados necessários que ela precisa ter com ele, o que ela pode ou não pode fazer, que pode prejudicar ou ajudar seu filho e/ou que procedimentos serão realizados nele. Através dos atos e gestos das mães percebemos que a comunicação é fundamental para prestarmos uma assistência completa; uma mãe que está com seu filho internado provavelmente já se encontra emocionalmente abalada, a comunicação funciona como um meio de desabafo, de informação, de troca; faz parte de um cuidado de enfermagem que jamais poderá ser esquecido, pelo contrário tem sempre que ser resgatado. A partir destas considerações e problemas, emerge a questão de pesquisa: Por que as Enfermeiras em sua prática cotidiana de cuidar "não" tem como hábito se comunicar e/ou orientar as mães das crianças, quando sabemos que a comunicação é um instrumento base para a assistência de enfermagem?

Assim escolhemos como objeto de estudo: a comunicação como cuidado de enfermagem às mães das crianças internadas.

Entendemos como objetivos do estudo:

1) Caracterizar quais são os elementos utilizados na orientação/ comunicação das enfermeiras que tranqüilizam ou estressam as mães.

2) Discutir, analisando os elementos de comunicação como cuidado de enfermagem.

 

Metodologia

Este estudo utiliza-se de uma abordagem qualitativa porque se preocupa:

Com nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (Minayo, 1994, p. 21).

Escolhemos como local para a construção de dados, um hospital de referência pediátrica, público, localizado no Município do Rio de Janeiro, o qual tínhamos feito estágio, por esse ser um local de melhor acesso para nós e um local de experiência nossa. Gostaríamos de registrar e agradecer a efetiva colaboração da Professora Maria Filomena de Almeida ao viabilizar o nosso encontro com as mães e as enfermeiras. Abordamos todas as mães que estavam acompanhando seus filhos e todas as enfermeiras que atuam neste setor de neurocirurgia com uma entrevista semi- estruturada e gravação, este último para melhor coleta de dados e confiança nas respostas.

O setor de neurocirurgia dispõe de oito leitos, sendo que no momento da entrevista este dispunha de nove leitos, um emprestado de outro setor; e quatro enfermeiras. Estas entrevistas foram realizadas num dia fora do estágio curricular. Vale ressaltar que no ato da entrevista estávamos com o "Consentimento Livre Esclarecido" e "Autorização" para podermos utilizar os dados colhidos, o qual todas as mães e enfermeiras entrevistadas assinaram. Escolhemos como sujeitos de nossa pesquisa as mães que se encontravam com seus filhos internados e as enfermeiras que atuam neste setor para sabermos, se acontece a comunicação como um cuidado, e como acontece. À análise dos dados emergiram duas categorias, porém neste estudo somente discutiremos uma que denominamos de A Comunicação Desvinculada do Cuidado de Enfermagem; à luz das crenças teóricas de Hohlfeldt e cols. (2001) e Stefanelli (1993).

 

DISCUSSÃO DOS DADOS

Ao trabalhar os dados construídos a partir dos depoimentos das enfermeiras e das mães, emergiu esta categoria cuja denominação é: A Comunicação Desvinculada do Cuidado de Enfermagem.

Nesta categoria estão contidos os depoimentos que retratam a inexistência da comunicação entre enfermeiro/mãe e a comunicação inadequada entre enfermeiro/mãe no espaço de cuidar.

Os depoimentos das enfermeiras nos falam ainda que estas reconhecem a comunicação como uma ação terapêutica, entretanto não conseguem colocar eficientemente em prática para o seu fazer cotidiano, escolhendo na maioria das vezes ações complementares às de outros profissionais, em especial às do médico, tais como o preenchimento adequado da prescrição de medicamentos e formulários, preparando o ambiente para que os demais profissionais possam executar seu trabalho de forma satisfatória.

Outra questão que surge é que as enfermeiras detectam as necessidades das mães, porém elegem outros profissionais como o psicólogo e a assistente social para que resolvam as emoções negativas ou insatisfação das mães, por identificarem problemas na assistência prestada. Deste forma, a enfermeira delega o ato de cuidar para estas profissionais externas à equipe de enfermagem, negando a oferta de um cuidado de enfermagem baseado na comunicação como terapêutica (Stefanelli, 1993), tal como podemos observar neste depoimento:

...Então esse apoio que eu tenho é da minha psicóloga, que graças a Deus eu arrumei uma psicóloga a altura que faz um trabalho, mas elas também tem que saber. Umas sabem e outras são mais fechadas. Agora elas se queixam muito da assistência, tem uma reunião com as mães todas as quintas feiras. Eu gostaria de participar mas estou sempre na correria. O meu objetivo é deixar a coisa armada para desenvolver melhor o serviço aqui dentro. Então, quem faz essa reunião é a psicóloga, a Regina, e a terapeuta ocupacional que nós temos aqui. Ela ajuda muito, porque ela conversa diretamente com a mãe. Como eu tenho minhas prioridades, eu tenho esse apoio aqui. Elas me ajudam muito e eu só detecto, às vezes quando eu vejo a mãe muito ansiosa ou então querendo dificultar o serviço, que às vezes acontece, eu peço auxílio da psicóloga e assistente social daqui.

Stefanelli (op.cit.) afirma que as mensagens compartilhadas no processo de comunicação e o modo como se dá esse intercâmbio exercem infuência do comportamento das pessoas nele envolvidas a curto, médio e longo prazos. A partir deste entendimento observamos que quando a enfermeira se utiliza de uma comunicação inadequada gera ruídos no seu relacionamento com as mães, maximizando sentimentos de raiva, angústia, aflição, carência, tristeza da mãe que já está vivendo a situação de doença de seu filho geradora destes sentimentos negativos.

Esta comunicação conflituosa não contribui para o cuidado sensível que é aquele da solidariedade, da escuta, do tentar se colocar no lugar do cliente, principalmente quando a enfermeira identifica as necessidades básicas afetadas em relação às psico- emocionais, de segurança e gregária da mãe da criança internada.

Assim não podemos negar a omissão por parte das enfermeiras para cuidar destas mães, o que vai de encontro ao determinado em nosso código de ética profissional que devemos:

Prestar adequadas informações ao cliente e família a respeito da Assistência de Enfermagem, possíveis benefícios, riscos e conseqüências que possam ocorrer; colaborar com a equipe de Saúde no esclarecimento do cliente e família sobre o seu estado de saúde e tratamento, possíveis benefícios, riscos e conseqüências que possam ocorrer e colaborar com a Equipe de Saúde na orientação do cliente ou responsável sobre os riscos dos exames ou de outros procedimentos aos quais se submeterá.

O enfermeiro tem um papel de educador, que para Weil (1993) o somos na hora em que nos comunicamos. Portanto, a comunicação exige relação intrínseca entre o processo comunicacional e o social, explicado por Hohlfeldt (2001) através das suas funções, dentre as quais destacamos a de "convencer, prevenir acontecimentos e, aconselhar quanto atitudes e ações", por se constituir como uma abordagem essencial quando estamos (pre)ocupadas em manter a saúde do cliente que cuidamos (lembrar que a família também é nossa cliente), prevenir quanto às doenças e aconselha-los quanto às possíveis terapêuticas de enfermagem que possam ser implementadas, preferencialmente, a partir da decisão conjunta da enfermeira/cliente.

Isto estabelece a comunicação com intrínseca relação ao cuidado de enfermagem, uma comunicação eficiente, tornando-se um dos principais meios de evolução no relacionamento com o ser humano e que gera benefícios, visando sempre englobar a maior parte de aspectos possíveis que desejam ser transmitidos e alcançados – um cimento social (Maffesoli citado por SILVA (2001)).

Martino (2001) refere que, dentre as definições mais correntes, podem ser encontradas as seguintes significações: fato de comunicar, de estabelecer uma relação com alguém, alguma coisa ou entre coisas; transmissão de signos através de um código; capacidade ou processo de trocas de pensamentos, sentimentos, idéias ou informações através da fala, gestos imagens. Neste sentido, as enfermeiras poderão estabelecer signos ou símbolos ou implementar processos decodificadores para compreender as reações e a subjetividade que emanam das mães das crianças internadas, como elementos a serem considerados. Todavia, os depoimentos nos mostram que os elementos utilizados pelas enfermeiras foram a fala, a observação e a expressão corporal, ora com conotação negativa, desarmoniosa, conflituosa e incompreensível pelas mães; ora como algo positivo, conforme estas falas:

Tem umas [as enfermeiras] que são grossas, que são ignorantes. Vem, furam e não falam nada. A gente pergunta e ninguém responde. A gente pede uma coisa e fingem que não tão escutando. Faz cara feia, fala com ignorância. M3

Tem umas [as enfermeiras] que são boas, que cuidam do seu filho direitinho e que vêem ele toda hora. Têm umas que vêm ver seu filho para ver como é que ele ta, olham a cabecinha dele. Tem um plantão aí que é bom. Que ela vem ver a criança, brinca com a criança e vem ver a gente. Aí é outra coisa, tranqüila a gente. M2

A partir disto, precisamos estar alerta par proporcionar um cuidado baseado na comunicação verbal e não verbal de forma harmônica, uma harmonia que Weil (1993) define como resultado da coligação dos valores éticos, estéticos e espirituais. Outra questão é compreender que o processo de comunicação implica na qualidade da assistência de enfermagem a ser ofertada ao indivíduo complexo – um ser que é social, histórico e estético. Deste modo, precisamos reafirmar que a enfermagem ainda hoje, em pleno milênio da alta tecnologia em informação, não está conseguindo utilizar-se da comunicação como uma ação de/no cuidar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluiu-se que as enfermeiras se utilizam apenas da observação e da fala para a comunicação, entretanto não se comunicam de uma forma terapêutica, para diminuir o estresse, a angústia e aflição sentidos pelas mães das crianças internadas. Assim o cuidado sensível não é considerado por estas enfermeiras quando cuidam das mães das crianças internadas, talvez por não a identificarem como cliente.

 

Referências bibliográficas

COFEN. Código de Ética Profissional

HOHLFELDT, A; MARTINI, L. C.; FRANÇA, V. V. Teorias da Comunicação. Petrópolis/RJ: Vozes, 2001. 277 p.

STEFANELLI, M. C. Comunicação Com Paciente – Teoria e Ensino. 2º edição. São Paulo/SP:Robe, 1993.200p.

WEIL, P. A Nova Ética. 2º edição.Rio de Janeiro/RJ: Rosa dos Tempos, 1994.110p.