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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente Mayo. 2005

 

A legislação protetiva da infância e juventude brasileira e as políticas governamentais

 

 

Rodrigo Lobato Junqueira Enout

Juiz de Direito – Presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e Adolescência 2002-2004

 

 


RESUMO

O Brasil dispõe, atualmente, de legislação moderna e atual, que segue adequadamente o paradigma mundial. Entretanto, em virtude das condições sociais, econômicas e culturais, os princípios de proteção aos direitos fundamentais da infância e juventude deixam de ser implementados. Destarte, não se consegue, por incapacitação técnica e falta de destinação adequada de recursos, cumprir satisfatoriamente o que está preconizado na Constituição Federal, em seu artigo 227, e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em cuja normatização nossos legisladores elegeram a criança e o adolescente como prioridades nacionais. As medidas sócio-protetivas do artigo 101 (ECA) praticamente não existem. Faltam também programas de atenção ao jovem em conflito com a lei, na execução das medidas sócio-educativas (artigo 112), já que nada é feito considerando a família como um todo orgânico, que merece cuidado terapêutico, a liberdade assistida é uma falácia e a internação em nada difere dos campos de concentração nazistas. Não temos escolas de formação de educadores especializados no atendimento do jovem em dificuldade, para a preparação de recursos humanos capazes de trabalhar com essa difícil e complexa realidade que é o adolescente, seu núcleo de convivência familiar e seu ambiente comunitário. A educação infantil é insuficiente para o atendimento da grande demanda, o ensino fundamental e médio são de má qualidade e, assim, o analfabetismo grassa na população sem renda para pagar escolas particulares. Programas de atenção à pessoa drogadicta, adultos e menores de 18 anos, só quem tem muito dinheiro pode pagar, de sorte que a classe média também está excluída. Da saúde nem se fala, pois até os médicos têm receio de atender os jovens, em hospitais e postos de saúde, desacompanhados dos pais ou sem ordem do juiz, temendo conseqüências imaginárias ou reais. A sexualidade é assunto que não tem recebido a atenção necessária, de modo que os jovens recebem informações as mais absurdas. Só os ricos tem acesso ao esporte, arte e lazer, que poderiam ser grande aliados na boa formação da juventude e no combate à violência. Pergunto: como iremos construir uma nação sem uma população educada e bem assistida pelos Poderes Públicos? Esse o nosso desafio.


 

A convenção da ONU e o ECA – As medidas
sócio protetivas– As medidas sócio educucativas - A realidade
brasileira atual – O jovem em dificuldade e a ausência de
políticas públicas a ele destinadas - Os operadores da
proteção integral.

 

A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA DE 1989 (ONU, 20 de novembro de 1989), ratificada pelo Brasil (Decreto 99.710/99).

Exatos trinta anos passados desde Declaração de Direitos da Criança (1959), os Estados Partes instituíram a denominada Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 (Nova Iorque), em cujos consideranda explicita-se mais uma vez que:

Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão;

Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;

Tendo em conta que a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no Artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem estar da criança;

Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração de Direitos da Criança, "a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após o seu nascimento";

................(omissis)...........

Reconhecendo que em todos os países do mundo existem crianças vivendo sob condições excepcionalmente difíceis e que essas crianças necessitam consideração especial;

Declarada a doutrina exposta no Preâmbulo, seguem os 54 Artigos da Convenção, dos quais são transcritos apenas alguns que dizem com o direito fundamental da convivência familiar inscrito no artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

Artigo 1- Para efeitos da presente convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

É proclamada reiteradamente a primazia do interesse fundamental da criança como superior a qualquer outro que possa ser considerado, inserido como prioritário do artigo 227 de nossa Constituição Federal e que muitos de nós, operadores do direito e da doutrina dos direitos humanos denominamos como os superiores interesses da criança e do adolescente, de serem eles devidamente protegidos e considerados em suas vontades (Artigo 12), segundo a respectiva capacidade de compreensão da realidade em que vivem, serem mantidos e educados em ambiente que lhes proporcione a garantia aos direitos proclamados na Convenção e nas Declarações de Direitos, todos abarcados em conceitos claros e bem definidos do que seja a proteção integral da pessoa em peculiar situação de desenvolvimento: a manutenção ou a inserção em ambiente de felicidade, amor e compreensão.

Incorporados ao direito brasileiro por força dos princípios e normas da Constituição de 88, os Tratados Internacionais referidos, não pode o intérprete fugir do valor da dignidade humana e dos direitos fundamentais como valores "dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional"1.

Importam, assim, a proteção e as garantias que possam assegurar a implementação dos direitos humanos na civilização, demanda sempre atual e cuja discussão não cessa. Em precioso escrito por homenagem ao cinqüentenário da Declaração Universal, J.A.Lindgren Alves2 cita o pensamento de Norberto Bobbio:

Como já assinalava Bobbio em 1964: "O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.3

 

O DIREITO BRASILEIRO E A ATUAL LEGISLAÇÃO PROTETIVA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. O ESTATUTO DA CRIAÇA E DO ADOLESCENTE (1990).

O desejo de os povos promoverem ações de proteção e assistência a suas crianças e a seus jovens não é recente. Desde a Declaração de Genebra, de 1924, proclamou-se formalmente a necessidade de se proporcionar à criança uma proteção especial, sentimento geral dos países acidentais que dominou discussões posteriores a respeito dos direitos humanos e que foi inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Paris, 1948), na Declaração dos Direitos da Criança (1959), no denominado Pacto de São José (1969) e mais recentemente nos atos emanados das Assembléias Gerais da ONU, de 29.11.85 (Regras de Beijing), de novembro de 1989 e de novembro de 90.

A sociedade culta brasileira sempre esteve muito sensível ao tema da proteção de que necessitam as crianças e adolescentes em nosso país. Na, década de 20 foi instalado no Rio de Janeiro o primeiro Juizado de Menores da América Latina, tendo como seu magistrado o genial juiz Mello Mattos, que escreveu e fez aprovar em 1927 a primeira lei brasileira destinada a proteger os abandonados e a reprimir comportamentos anti-sociais dos menores de 18 anos de idade.

Outras duas leis sucederam o Código Mello Mattos, o Código de Menores de 1979, revogado pela atual lei nº 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, de 13 de julho de 1990.

No Brasil, pelo Decreto Legislativo de 14/ 09/ 90 (nº 28) e pelo Decreto Presidencial de 21/11/90 (nº 99.710), foram incorporadas ao direito interno as regras da Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989.

A legislação brasileira protetiva dos Direitos da Criança e do Adolescente, fruto de evoluções legislativas desde o Código Mello Mattos, de 1927, resultou finalmente em regras inseridas na Constituição da República de outubro de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.

Verifica-se, pois, que a atual lei brasileira é contemporânea à Convenção da ONU, e tem em seu texto todas as conquistas aprovadas na Convenção Internacional. Já em 1988, em Assembléia Constituinte, a sociedade brasileira discutiu com maturidade a necessidade de se dotar o país de uma moderna lei de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes, assim chamadas todas as pessoas menores de 18 anos de idade, inscrevendo no artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil a regra programática que se fez realidade com a promulgação, em julho de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

CF, Art. 227: É DEVER DA FAMÍLIA, DA SOCIEDADE E DO ESTADO ASSEGURAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, O DIREITO À VIDA, À SAÚDE, À ALIMENTAÇÃO, À EDUCAÇÃO, AO LAZER, À PROFISSIONALIZAÇÃO, À CULTURA, À DIGNIDADE, AO RESPEITO, À LIBERDADE E À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, ALÉM DE COLOCÁ-LOS A SALVO DE TODA FORMA DE NEGLIGÊNCIA, DISCRIMINAÇÃO, EXPLORAÇÃO, VIOLÊNCIA, CRUELDADE E OPRESSÃO.

Na seqüência deste "caput" são desenvolvidos nada menos que 7 detalhados dispositivos constitucionais assegurando ao menor de 18 anos de idade e à sua mãe o direito de obter do Estado programas de assistência integral à saúde física e mental, com programas de treinamento do deficiente e seu acesso a bens e serviços coletivos, especial proteção no trabalho, garantia de direitos trabalhistas e previdenciários, acesso à escola, ao devido processo legal em caso de acusação de infração à lei penal, excepcionalidade e brevidade da medida privativa de liberdade imposta ao jovem, enfim, uma completa relação de direitos individuais e garantias de acesso a tais direitos.

São estes alguns dos dispositivos constitucionais que asseguram, na legislação brasileira, a integral proteção aos direitos da criança e do adolescente, ou seja, dos menores de 18 anos de idade, complementados pelos 267 artigos que compõem o Estatuto da Criança e do Adolescente e mais outras leis, tais como Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Lei Orgânica da Previdência Social, tudo em consonância com as regras da DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA (1959) e da CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (1989).

 

O ESTATUTO (lei 8.069/1990)

Em seu artigo 1º, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem sua autodefinição: esta lei dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente. Cuida-se de lei complementar à constituição, de declaração e de defesa de direitos fundamentais, que, embora aprovada pelo processo legislativo de lei ordinária, tem dispositivos com hierarquia constitucional, no entendimento de Nelson Nery Jr, e Martha de Toledo Machado.4

No artigo 2º define criança como a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescentes, a pessoa de 12 a 18 anos de idade.

Exemplos de dispositivos comuns entre o ECA e a Convenção estão nos artigos 3º a 7º do Estatuto, dentre outros.

Nos casos em que o menor de 18 anos de idade (criança/adolescente) encontra-se em situação de risco pessoal ou social, desatendido em seus direitos fundamentais, ou autor de ato em conflito com a lei, os agentes políticos legalmente constituídos (Conselho Tutelar, Polícia, funcionários do serviço social do Poder Executivo, Ministério Público, Poder Judiciários), dentro da esfera de competência que a cada um cabe, agirá na implementação dos direitos ameaçados ou violados.

Previram-se, como medidas sócio-protetivas e sócio educativas aquelas elencadas nos artigos 101 e 121 do Estatuto, várias das quais aplicáveis também a familiares, responsáveis pelo jovem em dificuldade.

 

A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E A REALIDADE BRASILEIRA – A aplicação da lei brasileira e o fato social - Principais problemas.

Muito embora a legislação brasileira tenha incorporado em seus textos aquilo que a humanidade tem de mais precioso, que é a defesa da liberdade e dos direitos humanos, nem sempre a realidade permite que tais conceitos e regras sejam exemplarmente cumpridas na nossa sociedade, em que há, ainda, sistemático desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa, não em virtude da convicção autoritária confessa de uma pequena minoria, mas pela falta de vivência, de convivência e de experiência democrática de nosso povo, acostumado a ser conduzido e não a conduzir os destinos de sua pátria, o que é feito não raras vezes contra os interesses da população por políticos, homens públicos não afinados com a vontade popular.

Por motivos de ordem histórica, cultural e até geográfica, podemos dizer que o brasileiro ainda não tem generalizado em seu espírito a perseguição do bem comum, a ação concreta de desenvolver atividades coordenadas que possa resultar na melhoria de vida de uma determinada comunidade. Num país como o nosso, em que até há pouco mais de 100 anos mantinha uma apenas uma economia rural, latifundiária e escravagista, no Século 20 e no início deste ainda não se livrou dos problemas sociais decorrentes do enorme contingente populacional que, finalmente livre da escravidão, não teve e ainda não tem acesso à instrução pública de qualidade, ao emprego, enfim, a condições básicas de desenvolvimento humano.

Em algumas áreas o Brasil, por seus governos federal, estaduais e municipais, têm obtido sucessos dignos de nota, embora muita ainda tenha a ser feito, como no equilíbrio fiscal das contas públicas, na educação, na habitação e na reforma agrária séria.

Embora, repita-se, pelo menos a metade da população (85 milhões) vive em precárias condições de vida, nas cidades, nos campos e nas matas.

O Brasil é um país enorme, quase do tamanho do Canadá, com uma população de 180 milhões de habitantes, dos quais cerca de 80% residentes em áreas urbanas. A Administração é dividida em 24 Estados federados e mais de 5.000 municípios, com todos os governantes eleitos pelo povo (o que, todavia não é garantia de eficiência administrativa).

Temos regiões com grande desenvolvimento econômico e cultural, com padrão de vida que pode ser encontrada em países da Europa, como nos Estados da Região Sul do País, no Estado de São Paulo, no Estado do Rio de Janeiro, Minas Gerais, No Centro-oeste, mas com desenvolvimento social restrito a determinadas cidades que tiveram boas administrações nos últimos anos.

O país é rico, tem pólos de desenvolvimento importantes, boa parte da população tem ótimas condições de vida, mas as recentes estatísticas do recenseamento do ano 2000 mostra que a maioria vive na pobreza e cerca de 30% na miséria absoluta.

Não existe nada mais sério e grave no Brasil do que a pobreza, a miséria e a falta de saúde, habitação e educação que afeta milhões de famílias, de pessoas que, vindas recentemente de áreas rurais de outras regiões do país, depois de locomoverem por milhares de quilômetros, vêm habitar as principais áreas urbanas, conglomerados urbanos tais como os de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, de Recife, etc.

São nessas grandes cidades, com 2, 3, 8 e até com 16 milhões de habitantes (como é o caso da cidade de São Paulo e demais cidades que formam a megalópole), que estão concentrados os grandes e mais urgentes problemas sociais do país, sem que, no entanto, possamos esquecer da desnutrição, da falta de atendimento médico e hospitalar, da falta de moradia e de estabelecimentos de ensino, que também assola outras populações menos numerosas.

Impossibilitados de criar na realidade uma sociedade pluralista e com oportunidades para todos, uma vez que além das elites formadas pelos senhores de engenho e pela nobreza lusitana não havia outros centros de poder, os políticos, os legisladores criaram uma organização jurídica utópica, que, nas palavras do grande sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda, era e, pode-se dizer, ainda é, uma organização que aspiravam (eles) perfeita e coerente consigo mesma, ainda que somente no papel. Não duvidaram um único momento que a sã política é filha da moral e da razão. E assim preferiram esquecer a realidade, feia e desconcertante, para se refugiarem no mundo ideal de onde lhes acenavam os doutrinadores do tempo. Criaram asas para não ver o espetáculo detestável que o país lhes oferecia.5

Leis boas, redigidas conforme o pensamento jurídico contemporâneo dos países europeus de origem latina, como da Itália e da França, ou ainda da Alemanha, principalmente, sempre tivemos, embora sem estrutura para fazer cumpri-las.

Assim, estamos ainda no caminho da superação da miséria originada pela escravidão e pela renitente incapacidade de as elites políticas e econômicas brasileiras enxergarem que os libertos faziam parte de uma só comunidade, com necessidade de reivindicarem direitos sociais assim que agrupados em organizações.

A edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, fruto de uma ampla discussão acadêmica e jurídica em torno da defesa dos direitos fundamentais da pessoa e tendo com figura central o ser humano em formação, com necessidades peculiares a seu desenvolvimento físico, social e político, foi mais um marco na evolução jurídica brasileira que sempre editou leis da mais alta qualidade, verdadeiros monumentos legislativos dignos das nações mais civilizadas do mundo.

Talvez até como sintoma da incapacidade de mudar a realidade é que as conquistas sociais ficam no plano do ideal, quando se falam em ações governamentais, programas oficiais de desenvolvimento educacional, social e familiar.

Não obstante, sempre houve ações de particulares e de organizações não governamentais de grande alcance social, as quais, todavia, não têm tido o poder de mudar a realidade de um país de 180 milhões de habitantes distribuídos em guetos de riqueza e de pobreza.

Com R$1,00 por mês destinado a cada criança a Pastoral da Criança vem há 18 anos dedicando-se a levar cuidados médicos a milhões de lares brasileiros cujas famílias não têm acesso a esses serviços públicos, ou que não os têm com boa qualidade.

A Pastoral da Criança, liderada pela doutora Zilda Arns, conseguiu significativos resultados em muitas cidades, com a redução da mortalidade infantil a zero em 2000 municípios com o trabalho de 145.000 voluntários (VEJA, 28/3/01, pág. 76). Foi ela indicada oficialmente pelo governo brasileiro como candidata ao Premio Nobel da Paz.

Ações particulares como esta, no Brasil, são abundantes, mas insuficientes para a solução de graves problemas estruturais existentes há séculos e que vitimam milhões de nossas crianças.

A aplicação da lei e as ações sociais se fazem de maneira pontual, em segmentos, mediante a iniciativa, sempre mais ou menos limitada, de um projeto ou de um programa oficial de governo ou pela ação de um grupo isolado de pessoas ou de uma entidade assistencial. Temos muitos voluntários e pessoas abnegadas que fazer excelente trabalho principalmente nas grandes cidades, como já foi dito.

No governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (95 a 2002) o Brasil iniciou uma verdadeira revolução na área educacional e da saúde, com enormes investimentos e reformulação do antiquado sistema que era fonte de grandes desperdícios e de corrupção.

Mas os resultados ainda não se fizeram sentir, não se obteve ainda uma sensível melhoria de vida da população pobre, excluída do acesso RECURSO nº 30/2005 RECORRENTE: SERMED SERVIÇOS MÉDICOS E HOSPITALARES S/C LTDA. RECORRIDO: PAULO FERNANDES ROCHA

à educação particular e aos sistemas saúde privada, ainda sem perspectiva de serem beneficiários de serviços públicos de qualidade.

E dentro desse quadro está a aplicação das normas programáticas da Constituição e do Estatuto da Criança e do adolescente.

 

O JOVEM EM DIFICULDADE E A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO À JUVENTUDE.

O adolescente cuja família supre todas suas necessidades materiais, morais, afetivas e educacionais, infelizmente, é exceção no Brasil.

O que temos são adolescentes sem moradia digna e espaços saudáveis de convivência, sem atenção dos pais e demais familiares, sem atenção da comunidade em que vive, salvo as de interesse religioso, sem acesso a bens de consumo, sem acesso ao lazer, à educação minimamente boa, às informações e aos serviços de saúde, sem emprego e, principalmente, sem possibilidade de interação política.

Podemos resumir que o jovem em dificuldades, expressão utilizada em diversas legislações, inclusive a francesa, são aqueles abandonados, sem possibilidades de exercerem os direitos que lhes são assegurados apenas virtualmente pela legislação protetiva e assistencial.

Não estão assegurados aos jovens o direito ao ensino público de boa qualidade, em escolas perto de suas casas. Não há política e serviços de assistência à gestante adolescente, o eficiente combate à criminalidade juvenil e ao tratamento da drogadição e alcoolismo. Também nada existe de política pública destinada à psiquiatria juvenil, a atendimento psicológico, a informações sobre sexualidade, às necessidades pessoais de cada um, como, por exemplo, praças desportivas, formação teatral e musical, centro de artes plásticas, centros culturais. Enfim, praticamente nada existe, na esfera governamental, para o atendimento das mais diversas demandas do jovem, em dificuldade ou não, salvo os precários sistemas da educação formal e de saúde pública para patologias convencionais.

Sequer assistência jurídica existe.

Como então, esperar da juventude mais do que aquilo que a ela oferecemos?

As exigências da tradicional cultura pequeno-burguesa das Capitais e das maiores cidades quer ver jovens limpos, saudáveis, obedientes e submissos. Daí a grande demanda para o serviço militar.

O grande contingente, entretanto, está ao inteiro abandono, seja no Grajaú, no Jardim Ângela, seja em Pinheiros ou na rua Oscar Freire. Nosso futuro depende só de nossa ação, como governo e como sociedade civil. Mãos à obra.

 

O OPERADOR DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL.

Compreender o jovem e suas necessidades é nossa primordial obrigação. Como poderemos, qualquer um de nós, falar com os jovens e trabalhar com eles sem penetrar em seu universo, ou, melhor dizendo, nos diversos mundos a que ele pertencem.

A capacitação técnica e teórica é fundamental para darmos conta do trabalho, com a desejável eficiência. Infelizmente não temos uma escola que tenha como objetivo precípuo a formação de educadores e profissionais especializados no trabalho com adolescente e, em especial, com adolescente em dificuldades.

O estudo da antropologia, das relações que permearam o desenvolvimento humano deste país, as mais variadas origens culturais da juventude, seu diálogo, suas ansiedades, o trabalho de sua auto-estima, ao que me parece têm tido pouquíssima atenção dos profissionais o demais pessoas que lidam com os adolescentes e com crianças. A reflexão que proponho, portanto, envolve a seguinte indagação: Quem somo nós, quem sou eu, como vejo o jovem e como posso superar mitos e preconceitos para posicionar-me como um terapeuta perante a problemática humana?

Primeiro trabalharmos nossas personalidades, nossos recursos internos, para depois termos possibilidade de auxiliar no desenvolvimento de personalidades saudáveis: este o meu pensamento.

 

 

1 Flávia Piovesan, A Constituição Brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos Direitos Humanos, in Direitos Humanos - Visões Contemporâneas, As Juízes para a Democracia, 2001., p. 41.
2 "A Declaração dos Direitos Humanos na pós - modernidade", in Cidadania e Justiça - Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, Ano2/nº5, 1998, p.6/23.
3 Noberto Bobbio, "A era dos direitos", trad. Carlos Nelson Coutinho, RJ, Campus, 1992, p. 24, apud J.A. LIndgren Alves, op . cit.
4 O estatuto da Criança e do Adolescente eo Novo Código Civil à luz da Constituição Federal: Princípio de Especialidade eo Direito Intertemporal, obtido no endereço eletrônico http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/DOUTRINA/NELONMARTHA.HTM, em 16/05/03.
5 RAÍZES DO BRASIL, Cia. Das Letras, 2001, pág.186.