1A legislação protetiva da infância e juventude brasileira e as políticas governamentaisDa psicose de ação à adição vazia índice de autoresíndice de materiabúsqueda de trabajos
Home Pagelista alfabética de eventos  





An. 1 Simp. Internacional do Adolescente Mayo. 2005

 

O agir criativo: o adolescente que se faz adulto

 

 

Myrna Pia Favilli

Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), Analista Didata de Crianças e Adolescentes "SBPSP" e Professora do Curso de Especialização de Psicoterapia Psicanálitica da Universidade de São Paulo (USP)

 

 

Falar da adolescência sempre foi um debate com o efêmero, com o transitório, com o momento no qual a passagem da infância à idade adulta parece assumir o caráter do estranho (do heimlich), uma vez que a adolescência envolve as perdas das identificações infantis sem que seja possível pressentir o caráter definitivo das transformações que irão ocorrer. Geralmente se descreve a adolescência pelas características observadas externamente: sua entrada no mundo social mais amplo, a perda do corpo infantil, a recusa ao amparo familiar, seus agrupamentos sociais, sua iniciação sexual, etc.

Do ponto de vista psicanalítico busca-se adaptar a estruturação mental ocorrida na infância às novas exigências do viver: as angústias postas em relativo sossego na latência voltam à tona e o adolescente vai se ver obrigado a resolver os novos problemas de identidade de gênero, escolha sexual de objeto, de controle das violências internas, de busca da realidade e da vida social contando com as formas antigas de funcionamento mental.

Desse modo a adolescência é vista como uma fase caótica, de comportamentos estranhos, quase beirando as patologias, mas que estariam fadados a desaparecer logo ao despertar do "adulto". A adolescência é vista como uma passagem, uma estranha vivência onírica que se desmancha ao longo do tempo.

Contudo, a prática clínica nos mostra que não é bem assim. Lidar com adolescentes em análise ou em (psicoterapias de base analítica) implica conter um momento turbulento, de características tão específicas que tentar interpretá-lo apenas com nova forma dos conflitos infantis forjado em seus objetos parentais (primários) parece não dar conta de toda carga posta em movimento na época adolescente. Parece não bastar, na clínica, configurar as identificações projetivas na figura do analista reviver antigos núcleos de fantasia infantis na transferência, tentar recompor a turbulência apenas em termos de crescimento linear e dentro de um setting mais ou menos liberal (porque, como sabemos, o adolescente transgride a regra de todos os modos).

O adolescente parece implodir todo esse mundo infantil; não se pode reconhecer nele a criança antiga.

Algo vai se transformar e o desconhecido começa a acontecer.

É, como sabemos, exatamente neste ponto que o adolescente pode falhar. Algo não ocorre; a passagem não pode ser vivida; a vida parece transformar-se numa busca incessante de um sentido novo, que, quando não encontrado, reverte-se em patologias graves tais como anorexia, bulimia, depressão, suicídio, tóxico-dependências, esquizofrenias, pensamentos delirantes etc.

O adolescente, pois, aprisionado num sistema inteiramente desconhecido de novas exigências vitais, internas e externas torna-se quase inatingível. Como alcançá-lo? Como fazer viver, na clínica, essa tragédia interna específica. E como imaginar o adulto possível? Que relação é essa o adolescente tendendo ao adulto que pouco é estudada? Fala-se sempre muito mais da passagem da infância para a adolescência do que da adolescência para o resto da vida. Como se ela se desfizesse no ar. E, no entanto, como podemos observar, se esta adolescência não for vivida dentro de sua especificidade suas problemáticas irão continuar em ação, reaparecendo na análise de adultos. Parecem indicar, nesse âmbito, uma lacuna, uma ignorância, uma impossibilidade. Muitas das "queixas" adultas parecem ser indícios de uma história adolescente não experimentada.

Vou tentar resumir, dentro do possível, um modo do pensar e debater a adolescência, pois daí parece decorrer sua relação com a vida adulta.

Parto de uma teoria não muito conhecida, atual, mas que introduz uma idéia inquietante e polêmica sobre o desenvolvimento mental, com visíveis conseqüências na prática clínica.

Refiro-me às idéias de A. Ferrari, em seu livro Adolescência – o Segundo Desafio (Casa do Psicólogo), que inauguram uma vertente, a meu ver original, no estudo da Adolescência. É claro, como toda hipótese teórica psicanalítica, pode ser debatida e questionada; mas quando uma idéia pode abrir novos horizontes é interessante conhecê-la.

Partindo da análise de adolescentes (principalmente dos quadros mais graves) o autor nos propõe que a Adolescência é um novo momento na história da estruturação mental. Para entender isso é preciso uma rápida visão sobre sua teoria do Objeto Originário Concreto (O Eclipse do Corpo, Ed. Imago), onde postula que a mente é chamada a funcionar, no momento do nascimento pelas emanações corpóreas: físicas, sensoriais e emocionais. É, através das vivências deste corpo inaugural que a vida mental se inicia para dar conta do caos recém-nascido, facilitada pela função catalizadora materna.

Aos poucos o mental vai pondo o corpo em eclipse, sem que ele nunca desapareça.

Assim sendo, o primeiro objeto para a mente é o próprio corpo, que ele chama OOC (Objeto Originário Concreto). E é a mãe, que através de seu próprio (OOC) corpo posto em ação novamente pela experiência corpórea da gravidez que atribui e transmite, através dos cuidados físicos (maternagem), o conhecimento mental para as funções corpóreas ,fonte das primitivas angústias. A mente se instala. É pois um conceito amplo de "rêverie" onde o corpo materno (abrangendo sensações e emoções) assim como sua mente entra em conjunção para a função catalizadora. Estabelece-se então um quadro mental onde este modelo corpo-mente cria uma relação intra-psíquica, vertical onde se originam as indagações específicas daquele indivíduo, sua vertente de originalidade pois emana daquele corpo específico.

Ao lado dessa vertente vertical o espaço mental se completa com a coordenada horizontal, que diz respeito às relações com os objetos e o mundo exterior, simbolizado nos primórdios pela relação mãe-criança (boca-seio) onde a mãe inaugura a primeira relação com esse mundo exterior. Neste nível a figura materna é o primeiro objeto da criança tal como a define as teorias das relações objetais. (Klein, Bion, etc.)

Desse modo a teoria de Ferrari sugere uma vida mental não linear, um espaço onde as coordenadas inter e intra-psíquicas vão ordenar as relações com o mundo e consigo mesmo num determinado ponto. Do relativo equilíbrio das duas vertentes, teremos uma maior ou menor harmonia psíquica.1

Partindo dessa concepção postula, então, dentro da relação analítica, a necessidade de lidar, no fenômeno observado, com as duas vertentes do funcionamento mental, fazendo com que a função do analista seja privilegiar ora a vertente intra-psíquica com interpretações que visam esclarecer o analisando quanto aos seus modos e formas de funcionamento mental, suas emoções, suas específicas teorias sobre si mesmo (função catalizadora do analista onde ele não é o objeto do clima emocional), ora analisar a relação transferencial propriamente dita, onde o analista se configura como um objeto da vida mental do paciente, anunciando e interpretando o jogo das relações objetais (posição esquizo-paranóide ou depressiva segundo Klein, por exemplo). É claro que tudo isso ocorre simultaneamente, cabendo ao analista o "timing" para o tipo de interpretação adequado ao momento.

Abri este parêntese para poder tornar mais clara a idéia proposta para a adolescência como um novo momento estruturante da vida mental.

A analogia com o nascimento é o "nascimento", na Adolescência, de um novo corpo, e a mente, agora já existente, terá que re-arranjar-se para lidar com estas angústias emergentes ocasionadas pelas metamorfoses corporais a partir da puberdade. O adolescente, pois terá de ir ao encontro de um outro corpo de si mesmo, ao qual, agora, sua própria mente deverá dar algum sentido.

É esta tarefa que, no entender do autor, vai transformar a Adolescência num segundo desafio colocando a problemática do corpo nascente como causa de novas estruturações e defesas para fazer frente às novas angústias.

Assim sendo, a mente adolescente terá que dar novas respostas ao problema da aceitação do próprio corpo, da sexualidade, do conflito edipiano, (que, para o autor, colocará, daqui para frente, o problema da identidade de gênero) e da virtualidade da força corporal complicando o problema da violência. Pode-se ver, nestes elementos, todo o trabalho psíquico necessário para fazer frente às transformações especificas dessa primeira fase adolescente: criar um espaço mental que dê sentido a este corpo emergente. Este momento, necessita um intenso investimento libidinal, capaz de ultrapassar a confusão e o terror que toda configuração biológica impõe ao crescimento. Por outro lado será necessário suportar a critica interna e externa que se estabelece segundo os padrões culturais de uma estética imaginária. Nos nossos dias, por exemplo, a aparência corporal tomou tal proporção que o corpo pode se tornar, para o adolescente, um estigma não metabolizável. Além disso, considerando-se o vértice horizontal, o adolescente vai ter que mergulhar e enfrentar o mundo extra-familiar, as exigências que a realidade vai lhe cobrar com as conseqüentes angústias quanto às suas possibilidades de viver e conviver, de realizações pessoais, de conseguir conquistar seu lugar de vida. Trata-se pois, de criar uma configuração egóica, uma identidade que deverá, necessariamente, desembocar num contrato com o social substituindo, daí para frente, a família de origem como referente fundamental. Enfim, vir a ser homem ou mulher adultos.

Como a mente adolescente vai estar diante do fato de ter que elaborar estas vivências agudas sem ter, ainda, uma função de pensamento capaz de resolver, simbolicamente, as equações vitais (passagem para o adulto) postula-se que, para o adolescente, o saber e o conhecer vai passar, necessariamente, pela experiência do fazer. O adolescente conhece enquanto faz e desse modo fica implícito que a "atuação" do adolescente não visa afastar-se do conhecimento, mas sim a busca real desse conhecimento, que, de outro modo, não poderia vir a ser incorporado como experiência mental.

A ausência deste fazer reverterá em grandes inibições na vida adulta, pois a mente não terá metabolizado as formas de enfrentar os desafios do viver. Contudo, este é, justamente, o aspecto mais assustador da adolescência, tanto para os jovens, como para os adultos ao seu redor. Ele é escalado para um jogo do qual não conhece as regras, ou melhor, onde as regras deverão ser criadas após a longa batalha com o desconhecido, com sua dose, às vezes, insuportáveis de perigos internos e externos. É este agir criativo que vai moldar a luta incansável pela identidade possível.

Assim podemos dizer que nada mais resta ao adolescente que enfrentar o desafio da adolescência. Caso ele se negue, ou ocorrerá a manutenção de formas infantis de funcionamento mental, ou uma imitação das formas adultas externas que ele apenas mimetiza.

Negar-se à experiência adolescente vai perturbar toda a vivência "adulta", uma vez que as formas eficientes e originais de resolução do viver não foram equacionadas pela dor da experiência. A vida adulta resultante dessa negação nada terá a ver com a qualidade criativa da experiência que se fez saber. É neste momento que os adultos se sentem totalmente desamparados, buscando na análise uma segunda chance de reviver as experiências.

O adolescente pois, está fundamentalmente ocupado na tarefa de construir a si mesmo, e, poderíamos acrescentar, para o resto de sua vida. Ocupado com um corpo que se transforma, afastado do mundo mágico e protegido da infância, inundado pela chamada realidade que o obriga a responder a novas perguntas, vai se debater, e é natural, com as angústias e inseguranças próprias. Sabemos, por exemplo, o quanto é problemática a aceitação do corpo sexuado quando da construção da identidade sexual. A confusão das fantasias homo e heterossexuais faz, muitas vezes, com que o adolescente se recuse a viver essas emoções, refugiando-se num corpo assexuado onde nenhuma escolha é possível. Sabemos também, que nesse momento dramático, para poder começar responder às novas exigências vitais o adolescente precisa desinvestir seus objetos primários de sua aura edípica e re-investir essa energia nos novos objetos que aparecem na cena social. Caso isso não aconteça é o vazio que se estabelece e a vida mental e emocional se vê coartada.

Ter que descobrir a realidade de seu corpo, do mundo relacional, dos projetos identificatórios sexuais, na seqüência da problemática edipiana juvenil são experiências que, muitas vezes, assumem um caráter de confrontação, não apenas no sentido de oposição mas como função de descoberta pessoal e original de si mesmo no projeto de crescimento. Podemos acrescentar que o que vai ser posto em jogo, na adolescência, ao lado da equação fazer-conhecer, será a responsabilidade pessoal pelo destino da trajetória escolhida.

As formas mentais novas, produzidas na adolescência, são, conforme a teoria, movimentos originais de individualidades específicas não referidas apenas às angústias específicas infantis. É um modo de pensar útil para ser verificado na prática clínica.

É claro que também deste ponto de vista, certas formas de funcionamento mental terão características desarmônicas (se não as quisermos chamar de psicóticas). Mas será preciso diferenciar, acuradamente, uma função própria da adolescência das verdadeiras disfunções patológicas.

Podemos rastrear, dentro da teoria, como próprias da adolescência, por exemplo, certo grau de angústias claustrofóbicas e agorafóbicas (corporalmente vividas), a proto-depressão, a fuga da função do pensamento para a área da ilusão (idéias não destinados a serem concretizadas) e suas respectivas defesas de bulimia, anorexia, isolamento, cisão e delírio. É o excesso desses fatores acima citados que irão constituir as graves patologias.

Vejamos alguns exemplos: pensemos numa jovem anoréxica, pensemos em alguém que se recusa a viver a experiência, corporal com suas especificidades femininas. Podemos imaginar sua profunda recusa em admitir um corpo feminino, algo que a aprisionaria dentro de um destino que não pode assumir a responsabilidade de ser mulher.

Pensemos numa relação corpo-mente claustrofóbica, onde a vivência mental é estar aprisionada dentro de um corpo que não é aceito e que, portanto, o aparecimento do feminino só poderá ser impedido pela recusa a alimenta-lo. A anorexia seria uma defesa ao aparecimento da feminilidade. O corpo desaparece e parece transformar-se apenas em uma entidade mental sem necessidades fisiológicas. Vai ser manipulado enquanto esta mente não for capaz de aceitá-lo na sua contingência física. A jovem anoréxica, ocupada em deter a própria feminilidade é o quadro desarmônico grave das preocupações normais dos temores femininos da adolescência, vivida com angústias de claustrofobia. Prisioneira em seu próprio corpo ela leva ao máximo o poder de detê-lo, pondo entre parênteses as funções corporais. Consegue a anulação da menstruação, da sensação de fome etc., obrigando este corpo a desempenhar ora um papel unissexual, ora um corpo infantil, desenvolvendo mentalmente uma aceitação claustrofílica: ocupar o menor lugar no espaço.

É claro que nestes casos extremos estamos beirando a morte real onde a mente aprisionada na ilusão de controle declara não só seu temor à sexualidade mas também sua intensa destrutividade voltada contra o próprio corpo.

Como interferir neste processo?

Ou neste outro, onde um quadro normal de um jovem adolescente, a proto-depressão (tédio adolescente) pode ser levado às raias da exacerbação. Sabemos que o adolescente está sempre às voltas com a angústia ocasionada pelo binômio potência-impotência nas suas atuações no mundo. Cada um terá que encontrar seus limites e capacidades potenciais lidando com suas frustrações e adequações ao seu viver possível. Esta busca dos limites é a tarefa da experiência-conhecimento adolescente. Mas nos casos extremos, onde vai entrar como coringa mortífero a ilusão de onipotência, os limites possíveis não poderão ser vividos como experiências adequadas e serão incorporadas como impotência total. Diante de experiências radicais a mente adolescente poderá não se satisfazer aos limites funcionais, qualificando então, como incapacidade total, os verdadeiros potenciais de realização. O isolamento, as tóxico-dependências ou o suicídio poderão ser a saída falsamente defensiva desse estado mortífero.

Outro exemplo destas formas adolescentes do viver está representado pela identificação sexual a ser assumida. Este destino sexual é pensado aqui como uma tarefa adolescente, portanto não apenas referido ao destino de amor e ódio às figuras parentais vivido no Édipo infantil. Neste modelo, o conflito edipiano é visto como uma constante fonte de experiências e vivências no decorrer de toda vida, com todas as figuras identificatórias que forem atraídas para o modelo afetivo do complexo, cabendo à fase adolescente o começo da responsabilidade pela assunção ou não da identidade sexual consoante ao próprio corpo. Este conflito, que às vezes assume dimensões extremas deverá ser constantemente encarado, a partir da adolescência e no decorrer de toda a vida.

Outro exemplo de desarmonias próprias da adolescência está ligado às dificuldades de assunção da realidade levando a mente a constantes cisões para não ter que lidar com os conflitos propostos pelo crescimento. Este repúdio da experiência leva também à criação de delírios para impedir a invasão dolorida da experiência real. Em quadro próprio da adolescência esta área estaria envolvida apenas com a defesa representada pela ilusão passageira capaz de manter em funcionamento o aparato mental enquanto a dor não for elaborada.

É o excesso e falha do mecanismo de ilusão que leva às defesas extremas de cisão e delírio (psicoses), impossibilitando a formação de pensamento ou aprisionando o sistema no binômio ilusão-desilusão. Em todos estes quadros agudos ficam evidentes as formas de funcionamento mental próprias da adolescência e suas patologias, (não referidas às fantasias infantis).

Fica evidente pois, que estas experiências, que irão conduzir ao futuro adulto, estão sempre beirando o perigo, o desvio, a exacerbação, mesmo na sua vivência normal. É a tarefa adolescente. A recusa em vivê-las decretará restrições a qualidade de vida adulta.

O adolescente, pois, tem que "inventar" "construir" sua própria originalidade sem refugiar-se na defesa mágica da infância, que lhe permitia o tempo lúdico para elaborar conflitos. O adolescente "age" como resultado de um impulso que, partindo do corpo, o impele a aventurar-se no perigo de viver.

Será necessário pois, na clínica de adolescentes ou dos adultos onde detectamos este vazio de sua experiência, interpretar como ponto de urgência, as angústias do ponto de vista do vértice vertical propondo ao paciente hipóteses sobre o conhecimento de si mesmo, de seu corpo, de seus modos e formas de funcionamentos mentais. Esta primazia dada à vertente intra-psíquica leva o adolescente a encontrar, rapidamente, a continência do analista, equivalente à função catalizadora materna, para poder tornar pensável as experiências internas extremamente aterrorizadoras.

Desse modo ele (analista) não se proporá, imediatamente, como objeto a ser confrontado. Quando as emoções trazidas à tona estiverem sob a possibilidade de serem metabolizadas será mais compreensível, para o adolescente, as vivências transferenciais aí envolvidas. Constrói-se assim, o espaço da transferência no "timing" justo a ser elaborada, com todo jogo das identificações projetivas incluídas.

Destacaríamos então, no primeiro caso, a necessidade de interpretar, com urgência, a dificuldade da mocinha anoréxica encarar seu ódio ao corpo da mulher, à sua feminilidade e sexualidade, vivendo neste corpo as angústias claustro e agorafóbicas de crescimento, antes de interferir no sentido de uma interpretação horizontal, visando por exemplo ataques à figura materna ou sua representação no analista.

Esta vertente horizontal, transferencial, existe mas urge priorizar e colocar primeiro sobre eclipse, o corpo-sede de sensações e emoções violentas. Acreditamos ser de maior utilidade, a esta mente totalmente ocupada em dilacerar-se numa relação corpo-mente mortífera, poder enfrentar, logo de início, sua relação com este objeto-corpo em perigo, muitas vezes, de morte sem retorno.

Em todos os outros casos, onde detectamos a relação vertical: conflitos masculinidade-feminilidade na identidade de gênero; conflito potência-onipotência-impotência nos quadros depressivos; cisão e delírio nas áreas de distúrbios do pensamento, acredito ser clinicamente mais operativo dialogar com o paciente do interior dele mesmo, tentando aos poucos, tornar passível de pensamento as experiências próprias de cada indivíduo. Neste aspecto terapêutico o analista serve apenas de interprete entre as emoções que invadem e as elaborações possíveis, fazendo com que possa ocorrer, em dado momento, a comunicação espontânea entre estas duas funções de si mesmo.

O processo envolve poder colocar em eclipse as áreas de intensa ebulição interna do paciente, facilitando o espaço para a emergência transferencial da figura do analista. É comum, nos relatos da clínica, ouvir dizer, por exemplo: "o paciente não me escuta; eu falo e parece que não adianta, que nada acontece". A hipótese é que o paciente não pode ouvir porque seu barulho interno é de tal monta que a cena psíquica não comporta, ainda, colocar sob os holofotes, a figura do analista.

Este modo de viver a relação terapêutica analítica, urgente e necessária na fase adolescente, estende-se para a análise de adultos, principalmente quando detectamos estas áreas adolescentes que invadem a chamada vida adulta em termos de fantasias e ilusões não resolvidas. A experiência adolescente não pode ser pulada, driblada ou ignorada. A recusa da aventura adolescente, com suas áreas de insegurança, rebeldia, temores vai tornar o adulto prisioneiro de um espaço limitado de vida, onde o vazio de experiência obrigaria ou a um excessivo funcionamento racional, ou a uma entrega claustrofílica ao modelo de vida que não se expande e se burocratiza.

É neste contexto de vidas falhadas ou quase totalmente destruídas que a Psicanálise nos faz falar de conhecimentos que, além da elaboração de conflitos vão implicar na assunção da própria individualidade e da própria originalidade na aventura chamada vida.

 

Myrna Pia Favilli
Rua João Moura, 647 Cj. 41- Pinheiros
Cep. 05412-011
Tel/Fax. 11 3062-3603

 

 

1 Nos desenvolvimentos recentes de sua teoria o autor parece questionar a vertente horizontal relacionada ao objeto materno primário, devido talvez, no meu entender, à dificuldade metapsicologica de intituir dois objetos como fundadores mental (corpo-mãe). Contudo essa concepção, ainda que signifique uma "aporia" teórica me parece de grande utilidae clínica pois vai poder modular as interpretações das angustias próprias de adolescência (e de outros momentos onde o corpo sai do eclipse - doença, gravidez, envelhecimento) segundo os dois vértices da mente humana-o intra e o inter-psiquico.