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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Ser, crescer e conhecer (Mesa-redonda)

 

 

Adriana Pereira Sesti1; Maria Cecília Pereira da Silva2; Sílvia Maia Bracco3; Vânia Ghirello4

 

Não quero me estender muito nos comentários para deixar tempo para o debate, já que as exposições da Adriana, da Maria Cecília e da Sílvia trouxeram contribuições muito interessantes para se pensar a questão da formação escolar, particularmente aos que participam da docência-discência no ensino fundamental. Farei inicialmente algumas observações gerais sobre os três trabalhos e, posteriormente, observações específicas sobre cada um deles.

Observações gerais: 1. Os três trabalhos foram elaborados a partir de experiências realizadas em escola pública; neles se percebe uma sensível preocupação com a melhoria da qualidade de ensino para as camadas mais necessitadas da população paulistana; assim a exposição da Adriana analisa o estudo interdisciplinar e coletivo do meio e da natureza, buscando nesse estudo contribuições para a formação dos alunos e para enriquecer as dinâmicas e conteúdos das disciplinas; a exposição de Maria Cecília se interessa pela compreensão da relação professor-aluno", a partir da contribuição da psicanálise; e a exposição de Sílvia Bracco "discute as dificuldades enfrentadas na relação professor-aluno", também a partir do olhar psicanalítico na escola; ou seja, contribuições que o estudo do meio, que o estudo da psicanálise podem trazer para fecundar a relação ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno, a formação educacional do aluno e do professor; todas as expositoras estão cientes das dificuldades quase intransponíveis pelas quais passa o ensino público: desestímulo dos docentes pelas precárias condições de trabalho, pelos baixos salários; alunos desatentos provindos de lares desajustados, com experiências trágicas de violência e de pobreza em seus lares e em seus bairros; a maioria das escolas sem condições materiais, técnicas e espirituais de ensino. E, no entanto, todos os trabalhos são expressões de uma crença de que, apesar de tudo, é possível fazer alguma coisa para mudar a educação e, quem sabe, através da educação trazer alguma contribuição para mudar a própria realidade social. Nesse sentido, os trabalhos são reflexões sobre experiências de pesquisa e/ou de intervenção no processo de formação escolar; e estão profundamente interessados no educando e no educador, portanto na pessoa humana, em seu crescimento espiritual, em sua autonomia, maioridade, no conhecimento enquanto instrumento de crescimento e de ser mais.

Observações específicas:

O trabalho da Adriana mostra o estudo do meio e da natureza, na perspectiva de uma concepção de educação voltada para a democracia e para o respeito aos direitos humanos, como uma experiência frutífera e formativa em escolas da rede pública municipal de São Paulo. É uma experiência democrática e educativa, pois que estimula um trabalho coletivo e interdisciplinar. Os aprendizados gerados nos estudos de campo, em contato com o meio ambiente, com a natureza, com outros costumes e outras maneiras de ver e lutar pela vida, podem enriquecer muito a didática e os conteúdos disciplinares, podem colocar em contato e interação disciplinas diferentes e tudo isso, certamente, traz contribuições ímpares na formação dos alunos e, por que não dizer, dos professores. O contato com outras maneiras de cultivar a vida, com gestos, expressões e manifestações artísticas diferentes, carregadas de sentimento e de existências sofridas, de significados e de lembranças, estimulam docentes e discentes a serem mais ainda responsáveis em seus afazeres educativos e científicos. A co-responsabilidade na organização e na realização do trabalho, no interior da escola e no contato com a natureza e o meio-ambiente, podem trazer, na visão de Adriana, efeitos positivos na valorização da escola enquanto espaço público, no relacionamento de docentes e alunos, na construção de gestos solidários e coletivos. E com isso, a idéia de uma educação voltada para a cidadania e para os direitos humanos se desenvolve, seja no contato com os de fora do ambiente escolar – em que se valoriza o respeito pela diferença e o cultivo da tolerância, pois se convivem com outros, que são diferentes mas não desiguais –, seja no relacionamento no interior do próprio ambiente escolar. Esses valores se tornam ainda mais fundamentais em um momento histórico em que a indiferença, o racismo, a intolerância contra povos e pessoas diferentes se fazem manchetes e realidades no dia a dia de nossas existências. As questões que eu coloco para a Adriana são as seguintes: Em sua exposição, você complementa o título de sua temática "Estudo do meio na Escola Pública", com dois substantivos complementares: "desafios e possibilidades". No desenvolvimento de seu trabalho, você ressalta diversas possibilidades formativas, mas não os desafios para a formação. Gostaria que você abordasse mais especificamente os desafios que estão surgindo dessa experiência de pesquisa feita por integrantes da escola pública fora da escola pública. Que desafios são esses e como estão sendo enfrentados? Segunda questão: Você participa de um projeto de pesquisa e de intervenção de um grupo de docentes vinculados à Faculdade de Educação da USP. Fale um pouco mais desse projeto. Como se dá na prática a tensão entre os pesquisadores que vem de fora para a escola fundamental e os docentes que vivem as tensões do dia a dia de uma escola pública de bairro paulistana?

Em relação à exposição de Maria Cecília, entre tantas coisas interessantes, fecundas e formativas apresentadas, duas me chamaram a atenção: 1. a função do professor em despertar a curiosidade e a sensibilidade do aluno para o ensino, para a pesquisa, para a vida. Para a autora, a curiosidade sexual e o desejo de saber, que se manifestam logo no início de nossa vida, estão intimamente ligados entre si e, quando atendidos adequadamente, ajudam as crianças e, posteriormente, o aluno a bem se desenvolver em suas relações afetivas e no processo escolar. È a partir da curiosidade sexual que começamos a conhecer, a pensar e a estabelecer vínculos afetivos. Daí a importância de se compreender a adolescência, quando então os jovens buscam construir a própria identidade, questionam, discordam de tudo o que lhes é proposto, para então, na tensão com a autoridade dos pais e dos mestres, construir sua própria autonomia. E para que tal processo aconteça, salienta a expositora, é necessário contar com a paixão e com a audácia dos professores. E então, entra ela no segundo ponto que me chamou a atenção: sua curiosidade pessoal em conhecer mais a fundo os "professores apaixonados", em saber "o que fazia com que alguns professores fossem entusiasmados com a arte de ensinar". O processo de formação é descrito como tensão entre os momentos de dor, de angústias, de confrontos, de não submissão e momentos de prazer, de crescimento, de abertura de novos caminhos, de aprendizagem formativa.

A partir desses pressupostos, apresento duas questões à Maria Cecília para que ela fale ainda um pouco mais sobre os pontos que destaquei em sua exposição: 1. Você deixa claro que a curiosidade de saber da criança para se desenvolver a contento precisa de condições adequadas para isso, inicialmente no lar e, posteriormente, na escola; "que o processo para sermos capazes de criar e de pensar precisa de tempo"; "que é necessário criar um espaço para a dúvida e para a reflexão". Você diz ainda que o "mundo de hoje é mais fugaz, menos estável, mais mutante, mais versátil, mais inacessível que o mundo de antigamente.(...). E que a velocidade das mudanças deixa-nos atordoados e desestabilizados". Ao mesmo tempo você faz uma afirmação da maior importância no final de seu texto: "A relação professor-aluno diante da velocidade que as coisas acontecem no mundo contemporâneo, talvez seja a relação mais subjetivante que o adolescente pode encontrar no mundo atual". A questão que lhe coloco é a seguinte: Na situação em que nascem e vivem as crianças das classes populares: pobreza ingente, lares desfeitos, pais e mães que são obrigados a trabalhar para que a família possa sobreviver; violência, sobressaltos e drogas; portanto, um ambiente que não dá às crianças condições mínimas de desenvolverem sua curiosidade sexual e nem seu desejo de conhecimento. Com essa deficiência no lar, as crianças vão para as escolas de periferia, encontram-se com docentes desinteressados, cansados, sem condições de trabalho; com os estudantes cada vez mais levados pelos valores da indústria cultural, dos jogos de internet, que acham a escola um lugar chato, também desestimulante. Você acha que, apesar de tudo isso, ainda é possível despertar o docente e as crianças para a curiosidade do saber? 2. Segunda questão: Você traz o testemunho de um docente, que assim se manifesta: "... trabalho com tudo que cai nas minhas mãos: Sílvio Santos, Freud, Heidegger, Joãozinho Trinta, escola de samba, então, peço mesmo para os alunos tudo o que forem vendo na realidade, o que tenha a ver com nosso momento ou o que tenha a ver com nossa relação, daí a gente trabalha a várias mãos". Nessa mesma página (10), um pouco antes do testemunho desse professor, você faz a seguinte observação: "É bom lembrar que, quando definem o que é formar para eles, dão maior importância ao relacionamento com os alunos do que ao conteúdo. Embora, em momento algum o conteúdo deixe de ser dado de forma eficaz". A questão que lhe faço é a seguinte: Como pode ser um autêntico formador um docente que trabalha com tudo o que lhe cai na mão, colocando num mesmo plano de ação pensadores e cientistas críticos e difíceis como Heidegger e Freud, com representantes da indústria cultural, como Sílvio Santos, Joãozinho Trinta, Escola de Samba etc.? Esses docentes não estão trocando o conteúdo formativo pela motivação exacerbada?

Sílvia Bracco apresenta, em seu texto, experiências de intervenção do psicanalista na escola, como um dos trabalhos desenvolvidos pelo Instituto Therapon Adolescência, com o objetivo de ajudar a produzir a saúde mental do adolescente. O trabalho aqui narrado trata, antes de tudo, de um encontro com professores da rede municipal de São Paulo, para discutir questões sobre alunos-problema, dificuldades de aprendizagem, sexualidade, drogas, violências etc. Se, em Maria Cecília, se privilegiavam "os professores apaixonados", em Sílvia Bracco são "os professores-problemas" o objeto de estudo e de intervenção psicanalítico-educacional. A tensão, o conflito entre professores e psicanalistas se estabelecem no decorrer do processo; surge, por parte dos docentes, um clima de mal-estar, de desconfiança, de agressividade velada, de comentários carregados de ironia, de resistência às propostas encaminhadas e, portanto, de dificuldades ingentes para o diálogo e para o trabalho de intervenção. Foi a utilização de uma carta – em que a psicanalista narrava como se sentia nesse processo de tensão com os professores, em que despiu sua alma diante de seus adversários – que abriu a possibilidade de um diálogo frutífero com o grupo. Sílvia nos mostra, de um lado, o aprendizado dos psicanalistas, que precisaram renunciar a "seu saber pronto", à interpretação anteriormente construída para constituir uma nova interpretação dos fatos; que precisaram suportar as queixas e ataques para abrir um espaço para outras conversas. E, de outro lado, o comportamento dos professores, que precisavam rejeitar tudo o que lhes era oferecido, enfrentar os que vinham de fora, para poderem se predispor a encetar outras caminhadas. Da tensão construiu-se o diálogo; do conflito fez-se a possibilidade de uma intervenção emancipatória. Os professores-problemas, na participação de uma experiência-limite, em que eles eram os atores privilegiados, aprenderam a lidar com situações complexas que remetem a aspectos primitivos do humano. Para a autora a experiência de intervenção junto a esse grupo de professores mostrou que "buscar a comunicação humana que possa por em marcha a criatividade do sujeito é condição essencial para qualquer gesto transformador". Essa expressiva experiência narrada por Sílvia nos leva a colocar-lhe as seguintes questões: A primeira se refere ao processo de intervenção. A experiência por você narrada e bem analisada nos mostra que não apenas os professores eram problemas, os psicanalistas também, pois vinham com um saber pronto, como donos da verdade, e queriam inicialmente despejar esse saber em cima dos professores. E que foi quando os psicanalistas, no enfrentamento, negaram esse saber e se colocaram como aprendizes é que se abriu a possibilidade de uma contribuição, de uma real intervenção. Então, como se pode caracterizar a tensão entre esses dois momentos: o de aprendizagem formal, escolar, os momentos de estudos, de aperfeiçoamentos, em que se aprendem as técnicas, os saberes de um bom profissional e o momento da prática em que se têm que negar esses saberes, para poder ser realmente psicanalista? A segunda questão: Você mesma diz no texto que "muitos alunos usam a sala de aula para tratar de insuficiências básicas que são anteriores àquele momento". E que, ao mesmo tempo, "nada na sociedade atual incentiva o aluno ao estudo, as normas que regem o convívio social e escolar estão frouxas e difusas e, o despreparo cada vez maior atribuído ao aluno não pode ser somente responsabilidade da escola e do professor". Qual a contribuição do psicanalista a esse professor que, a princípio, não tem nada a ver com os problemas que os alunos trazem para a escola? Que ajuda o psicanalista pode trazer a esse docente em seu trabalho formativo junto aos alunos desatentos e carentes?

O trabalho da Adriana mostra o estudo do meio e da natureza, na perspectiva de uma concepção de educação voltada para a democracia e para o respeito aos direitos humanos, como uma experiência frutífera e formativa em escolas da rede pública municipal de São Paulo. É uma experiência democrática e educativa, pois que estimula um trabalho coletivo e interdisciplinar. Os aprendizados gerados nos estudos de campo, em contato com o meio ambiente, com a natureza, com outros costumes e outras maneiras de ver e lutar pela vida, podem enriquecer muito a didática e os conteúdos disciplinares, podem colocar em contato e interação disciplinas diferentes e tudo isso, certamente, traz contribuições ímpares na formação dos alunos e, por que não dizer, dos professores. O contato com outras maneiras de cultivar a vida, com gestos, expressões e manifestações artísticas diferentes, carregadas de sentimento e de existências sofridas, de significados e de lembranças, estimulam docentes e discentes a serem mais ainda responsáveis em seus afazeres educativos e científicos. A co-responsabilidade na organização e na realização do trabalho, no interior da escola e no contato com a natureza e o meio-ambiente, podem trazer, na visão de Adriana, efeitos positivos na valorização da escola enquanto espaço público, no relacionamento de docentes e alunos, na construção de gestos solidários e coletivos. E com isso, a idéia de uma educação voltada para a cidadania e para os direitos humanos se desenvolve, seja no contato com os de fora do ambiente escolar – em que se valoriza o respeito pela diferença e o cultivo da tolerância, pois se convivem com outros, que são diferentes mas não desiguais –, seja no relacionamento no interior do próprio ambiente escolar. Esses valores se tornam ainda mais fundamentais em um momento histórico em que a indiferença, o racismo, a intolerância contra povos e pessoas diferentes se fazem manchetes e realidades no dia a dia de nossas existências. As questões que eu coloco para a Adriana são as seguintes: Em sua exposição, você complementa o título de sua temática "Estudo do meio na Escola Pública", com dois substantivos complementares: "desafios e possibilidades". No desenvolvimento de seu trabalho, você ressalta diversas possibilidades formativas, mas não os desafios para a formação. Gostaria que você abordasse mais especificamente os desafios que estão surgindo dessa experiência de pesquisa feita por integrantes da escola pública fora da escola pública. Que desafios são esses e como estão sendo enfrentados? Segunda questão: Você participa de um projeto de pesquisa e de intervenção de um grupo de docentes vinculados à Faculdade de Educação da USP. Fale um pouco mais desse projeto. Como se dá na prática a tensão entre os pesquisadores que vem de fora para a escola fundamental e os docentes que vivem as tensões do dia a dia de uma escola pública de bairro paulistana?

 

 

Bruno Pucci comentarista
1 Estudo do meio na escola pública: desafios e possibilidades
2 A função do professor no despertar da curiosidade epistemofílica
3 Psicanálise e Educação: um diálogo possível
4 coordenadora da mesa