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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005
TRABALHO PARA O I SIMPÓSIO INTERNACIONAL DO ADOLESCENTE
MESA10: SER, CRESCER E CONHECER
A função do professor no despertar da curiosidade epistemofílica
Maria Cecília Pereira da Silva
Psicanalista, Membro Efetivo e Docente da Sociedade Brasileira de Psicanális de São Paulo. Professora convidada do Instituto SEdes Sapientae. Mestre em Psicologia da Educação e Doutora em Psicologia da Educação e Doutora em Psicologia Clínica pela PUCSP. Membro Fundador do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual e do INstituto Therapon Adolescência (ONG). Autora dos livros A Paixão de Formar (Artes Médicas) e A Herança Psíquica na Clínica Psicanalítica (Casa do Psicólogo)
RESUMO
De onde vem nossa curiosidade de conhecer? E como o professor pode contribuir nesse processo vital e apaixonante?
Este trabalho apresenta uma contribuição da psicanálise para a compreensão da dinâmica da relação professor-aluno, discutindo as características psíquicas do aluno-adolescente e as características psíquicas do professor que são favorecedoras para o despertar da curiosidade epistemofílica.
Reflete sobre a função do professor no processo de aprendizagem, desde sua importância ao atender adequadamente a curiosidade sexual da criança até às demandas advindas da maturação sexual na adolescência. Mostra que quando se encontra desde pequeno alguém próximo, de confiança, que pode responder verdadeiramente às questões de cada um, é possível manter vivo dentro de si a esperança e o desejo de sempre poder vir a conhecer.
Diz o professor a seus alunos:
- Oh! Capitão, meu capitão! Walt Withman escreveu em homenagem a Abraham Lincoln. É assim que eu quero que vocês me chamem.
...CARPE DIEM. gozem o seu dia, juntem os botões de rosa enquanto estão vivos, um dia todos morreremos. Aproveitem a vida, tornem-a extraordinária!!!
...Isto é uma barricada, uma guerra. Exponham seu coração! A guerra é um ato acadêmico, medindo a poesia, nada de métodos.
...Na minha aula vocês vão aprender a pensar por vocês, não importa o que as pessoas digam, palavras e idéias não mudam o mundo!!
...Tenho um segredo para contar a vocês! Aproximem-se:
-Não escrevemos poesias porque é bonitinho; lemos e escrevemos poesias porque somos parte da raça humana e a raça humana é repleta de paixão. E medicina, direito, engenharia e administração têm outro objetivo: o de sustentar a vida. Mas, a poesia, a beleza, o romance, o amor é para o que vivemos, para entender Withman ou a mim. A vida pergunta como acontecem cargas de fracassos, cidades cheias de bobos. A resposta é que vocês estão aqui. Que a vida e vocês existem. Que o poder do jogo continua e vocês estão nele. Que o poder continua e vocês podem contribuir com um verso. Qual seria o seu verso?
Sociedade dos Poetas Mortos
Diretor Peter Weir
Peter Weir torna viva a paixão pelo educar na tela do cinema. Não só na "Sociedade dos Poetas Mortos", mas na Sociedade dos Poetas Vivos, dos professores apaixonados; a curiosidade, o segredo, a paixão, o Carpe Diem, o poder do jogo tomam substância, quando a vida faz sentido e cada um pode criar o seu verso, sustentando a vida, dando alicerce à alma.
De onde vem nossa curiosidade de conhecer? O que nos torna criativos e conhecedores? Como despertar no adolescente esse prazer que nos toma conta quando conseguimos descobrir algo novo ou quando pesquisamos e investigamos as coisas do mundo? Como diz a coluna do Rubens Alves do Caderno Sinapse da Folha o "Sabor de saber", o que faz brotar dentro de nós essa coisa saborosa de conhecer e que gera tanto prazer?
Os psicanalistas nos falam que essa condição humana tem suas origens na nossa vida muito precoce, nas nossas primeiras relações com o mundo e na forma como somos recebidos por ele.
Winnicott (1971) propõe, que a condição para a criatividade e para o desejo de conhecer se origina nos primeiro mês de vida, num campo de ilusão que se estabelece na relação da mãe com o bebê, em que o olhar apaixonado da mãe encontra o olhar do bebê e este se espelha. Este é o momento em que o bebê vive a dependência absoluta para aos poucos ir se desiludindo e ir vivendo a dependência relativa. Desde pequenos buscamos ser amados, e é na primeira relação com a mãe que encontramos a primeira relação de amor.
"Esse primeiro estádio do desenvolvimento, em que se constitui o campo de ilusão, só é possível pela capacidade especial, por parte da mãe, de efetuar adaptações às necessidades de seu bebê, permitindo-lhe assim a ilusão de que aquilo que ele cria existe realmente". (Winnicott, 1951, pp. 406-7)
Winnicott (1951) coloca que "A tarefa final da mãe consiste em desiludir gradativamente o bebê, mas sem esperança de sucesso, a menos que, a princípio, tenha podido propiciar oportunidades suficientes para a ilusão".(p. 402)
Esse autor descreve o objeto transicional, como aquele objeto que emerge do campo de ilusão, presente na relação mãe-bebê, fundamental para desenvolver a curiosidade e a criatividade do bebê. É aquele objeto intermediário e necessário do mundo de fantasias do bebê, que fica na zona intermediária entre o objeto subjetivo e o objeto real, e que como tal, o ajudará a lidar com a separação e a ausência da mãe, e sobreviver a essa desilusão, tão sofrida e frustrante que envolve o crescimento emocional. É impossível aprender a separar-se, sem a ilusão de novos reencontros gratificantes. (Winnicott,1951)
"Essa área de experiência, incontestada quanto a pertencer à realidade interna ou externa (compartilhada), constitui a parte maior da experiência do bebê e, através da vida, é conservada na experimentação intensa que diz respeito às artes, à religião, ao viver imaginativo e ao trabalho científico criador". "O objeto transicional de um bebê normalmente se torna gradativamente descatexizado, especialmente na medida em que se desenvolvem os interesses culturais." (Winnicott, 1951, p. 406-7)
Winnicott (1975) ainda vai nos dizer que: "É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou adulto fruem sua liberdade de criação" (...)e "pode ser criativo e usar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)". (pp. 79-80)
Melanie Klein (1940) acredita que a possibilidade de lidar com sentimentos de perda e de culpa dá origem ao desejo de restaurar e recriar as relações com os objetos amados perdidos, fora e dentro do ego. Para Klein, este desejo de restaurar e recriar é a base da sublimação e da criatividade futura. A sublimação é o resultado de uma renúncia bem-sucedida a um alvo instintual que só pode ocorrer mediante o luto. Assim, Klein (1946) propõe o conceito de reparação como um mecanismo psíquico que busca a restauração dos objetos amados, introjetados, atacados pelas pulsões destrutivas. "O êxito da reparação supõe a vitória das pulsões de vida sobre as pulsões de morte." (p.17)
As fantasias depressivas dão origem ao desejo de reparar e de restaurar, tornam-se um estímulo para um desenvolvimento ulterior, "somente na medida em que o ego pode tolerar a ansiedade depressiva e manter o senso da realidade psíquica". (Segal, 1982, p. 248) A formação de símbolos é o resultado de uma perda, é um ato criador que envolve a dor e todo o trabalho do luto.
Já Bion (1962a, 1962b) valoriza muito a capacidade da mãe em tolerar o choro e a angústia do bebê. Essa capacidade da mãe em ficar com seu bebê, sem se desesperar, é que dará a ele condições de desenvolvimento mental. Bion chama essa capacidade de rêverie, que é o estado mental de acolhimento a qualquer emoção que venha da pessoa amada e, portanto, capaz de aceitar qualquer emoção do bebê.
O ato de nascer, de sair da tranqüilidade do útero materno – lugar protegido onde nada falta – para um mundo estranho e frustrador no qual vai se sentir molhado, com fome, calor e frio, é uma transformação assustadora para o bebê. A capacidade de rêverie da mãe é que possibilitará ao filho lidar com suas fantasias e medos catastróficos, pois ele nasce com poucos recursos para lidar com essa situação de total desamparo. Se a mãe é capaz de rêverie, ela suporta a aflição do bebê e, pela sua capacidade de "tolerar a angústia", faz com que o bebê suporte melhor a própria ansiedade. Tendo a mãe esta capacidade, aos poucos a criança também a desenvolve, criando dentro de si mesma os meios para tolerar a frustração e a dor.
Pela rêverie, a mãe desintoxica a turbulência da experiência emocional do bebê. Tolerando em si a angústia do filho, a mãe permite que ele receba de volta, de forma mais tranqüilizadora, as fantasias anteriores. Essa troca permite à criança desenvolver tolerância à dor e é o embrião da capacidade de pensar. Assim, ele vai alfabetizando os sentimentos.(1962b)
Então, segundo Bion, é a partir da capacidade de tolerar frustrações que o bebê cria as condições para desenvolver o pensamento, a predisposição para a aprendizagem, a memória, a simbolização e os conceitos de espaço e tempo.
Bion (1965) vai nos falar que para sermos capazes de aprender é necessário sermos capazes de manter o problema na mente. Nossa tendência é procurar eliminar o que nos angustia via processo de negação, onisciência ou projeção (expulsão, colocar para fora). Para sermos capazes de reunir elementos para pensar é necessário estabelecermos vínculos entre os elementos e para isso precisamos de tempo e o tempo da mente é diferente do tempo das coisas contemporâneas. Para um bebê nascer leva 9 meses, para elaborarmos um luto leva 12 meses ou mais, muito diferente do tempo da Internet, por exemplo. A juventude é protagonista e autora de uma história em movimento constante. Como o Tear de Penélope a história se tece e se desfaz alternadamente. O processo para sermos capazes de criar e de pensar precisa de tempo. Ele é resultado de liberdade e de um trânsito interno descongestionado. Para isso é necessário um campo de ilusão, um espaço de acolhimento e continência, é necessário criar um espaço para a dúvida e para a reflexão. Se tivermos essas condições, será possível desenvolvermos nossa capacidade de pensar e dar lugar ao nosso desejo de conhecer.
Freud relacionou a capacidade de conhecer à sexualidade. Descreveu a teoria da sexualidade caracterizando-a em várias fases de desenvolvimento, uma depois da outra, mas todas elas de uma forma ou de outra vão compor a nossa sexualidade adulta. Ele propõe a fase oral, anal, fálica, latência e genital (Freud, 1905).
Vou me deter na fase fálica por ser a responsável pelo despertar da curiosidade epistemofílica. É por volta dos 3 anos que surge o que o Freud chamou de fase fálica. É a fase dos por quês, quando as crianças não param de nos fazer perguntas: o que é isso? Para que serve aquilo? Como faz isso? De onde vem isso? E como é aquilo? É quando a criança é capaz de manifestar sua curiosidade sexual. Se estivermos atentos em algum momento ela vai querer saber como veio parar nesse mundo. Se essa curiosidade sexual puder ser atendida, respondida, toda a curiosidade epistemofílica será despertada e a capacidade de aprendizagem poderá se desenvolver com facilidade. É nessa fase que a criança viverá mais intensamente a frustração de perceber que a mamãe, no caso de menino, pertence ao pai e que o pai pertence à mãe no caso da menina. A isto Freud chamou de vivências e conflitos ligados ao complexo de Édipo.
Freud, ao longo de toda a sua obra, recorre à noção de sublimação para explicar, do ponto de vista dinâmico e econômico, certos tipos de atividades alimentadas por um desejo que não visa, de forma manifesta, a um alvo sexual: por exemplo, a criação artística, a investigação intelectual e, em geral, atividades a que uma dada sociedade confere grande valor. É numa transformação das pulsões sexuais que Freud (1923) procura a causa última desses comportamentos: "A pulsão sexual põe à disposição do trabalho cultural quantidades de força extraordinariamente grandes, e isto graças à particularidade, especialmente acentuada nela, de poder deslocar o seu alvo sem perder, quanto ao essencial, a sua intensidade. Chama-se a esta capacidade de trocar o alvo sexual originário por outro alvo, que já não é sexual, mas que psiquicamente se aparenta com ele, capacidade de sublimação". (Laplanche & Pontalis, 1977, p. 637)
O campo das atividades sublimadas nunca foi bem delimitado por Freud. Deverá incluir-se nele o conjunto do trabalho do pensamento ou apenas certas formas de criação intelectual?
Com a introdução da noção de narcisismo e com a última teoria do aparelho psíquico, surge a idéia de uma transformação de uma atividade sexual numa atividade sublimada dirigida para objetos exteriores, necessitando de um tempo intermediário, a retratação da libido pelo ego, que torna possível a dessexualização. "Se esta energia de deslocamento é libido dessexualizada estamos no direito de lhe chamar também sublimada, porque, servindo para instituir este conjunto unificado que caracteriza o ego ou a tendência deste, ela harmonizar-se-ia sempre com a intenção principal do Eros, que é unir e ligar" (Dantas Jr., 1991)
Tanto para se atingir um estado sublimatório como para se efetivar as reparações psíquicas é necessário que o indivíduo possa lidar com fantasias de perda, isto é, luto das primeiras identificações, das primeiras relações de objeto, do paraíso perdido na infância. Este é o resultado de uma renúncia bem-sucedida, de um alvo instintual que só pode ocorrer mediante o luto. A formação de símbolos é também o resultado de uma perda; é um ato criador que envolve a dor e todo o trabalho de luto.
Trago essas contribuições desses autores psicanalistas para apontar a importância dos aspectos do desenvolvimento emocional tanto no aluno como no professor no processo de aprendizagem. Os professores trazem sua contribuição à sociedade na medida em que puderam alcançar a sublimação e a reparação, e desenvolveram sua capacidade de simbolização e conhecimento.
Apesar de todos os trabalhos desenvolvidos por Freud, ainda no início do século passado, constatarem a existência da sexualidade infantil, da curiosidade natural das crianças a respeito de sua origem e das dificuldades emocionais decorrentes quando elas não conseguem ter essas questões respondidas, alguns preconceitos e tabus têm impedido pais e educadores de lidarem com as questões sexuais inerentes ao desenvolvimento infantil e da adolescência.
Nesse momento gostaria de chamar a atenção de vocês para a importância da sexualidade no despertar da curiosidade epistemofílica, com a qual os psicanalistas estão de pleno acordo. A curiosidade sexual e o desejo de saber se manifestam logo no início da nossa vida. Quando a curiosidade sexual não é atendida adequadamente pode desencadear dificuldades no processo escolar e no desenvolvimento afetivo e emocional. É por meio da curiosidade sexual que compreendemos de onde e como viemos ao mundo e isso nos leva a querermos entender como é que funciona e o que é o resto das "coisas" do mundo. Assim começamos a conhecer e a pensar. Quando podemos levantar hipóteses, unir as idéias, construir teorias, podemos pensar. Quando podemos pensar podemos conhecer e a estabelecer relações afetivas. Os vínculos afetivos também são ligações relacionadas ao desejo de saber.
E como despertar essa curiosidade junto aos nossos alunos-adolescentes? Para isso é necessário primeiramente compreendermos a adolescência.
A adolescência é o caminho no qual o jovem vai adquirindo os atributos de que necessitará na vida adulta, como maturidade cognitiva, capacidade de argumentação, autonomia e independência, ao mesmo tempo em que constrói sua identidade e evolui em maturidade hormonal para uma vida plena em todos os campos - sexual, afetivo e profissional.
É um momento de perda e ansiedade diante do novo, de vivência de várias crises emocionais. Os adolescentes sentem a dor de deixar para trás a infância, o corpo infantil, a dependência. Ao mesmo tempo, temem não conseguir corresponder às expectativas do mundo adulto e se inquietam diante do futuro, o eterno desconhecido. Mas todas estas crises são transitórias, como um caleidoscópio sempre em movimento.
Nesta busca da própria identidade, os jovens questionam, discordam e rejeitam quase tudo que lhes é ordenado e proposto, porque querem desbravar o seu caminho a seu modo. A construção de si mesmo passa por esta contestação das coisas que estão ao seu redor, muitas vezes num movimento sofrido. Mas o crescimento e as mudanças só ocorrerão desta forma, se os conhecimentos puderem ser desafiados.
Nesse processo de descoberta, é comum que os adolescentes, repletos de ideais e sonhos, movidos pela paixão e entusiasmo típicos da idade, se deixem arrebatar pelo desejo de mudar radicalmente o mundo à sua volta. Podem buscar ativamente um palco mais amplo para tentar promover estas mudanças e expressar suas personalidades, ou apenas imaginá-las, infinitamente, da coxia. Podem canalizar esta energia para o objetivo de fazer do mundo um lugar melhor, ou para seus projetos de êxito individuais.
Os sentimentos de onipotência, vigor e autenticidade levam os jovens a enfrentarem e mobilizarem forças de forma que seria impossível sob a ótica dos adultos. Eles não se deixam limitar, por exemplo, por questões de lógica ou coerência. Mas o exercício destas paixões e a descoberta da generosidade e cooperação só desabrocha quando os jovens se inserem em atividades sociais, indo além do ambiente familiar. Tais sonhos e idealizações são germes fundamentais para os sentimentos e possibilidades de satisfação e de realização na vida adulta.
A construção da identidade para o adolescente implica em conquistar sua emancipação em diferentes níveis: sexual, psicológico, social, econômico, intelectual e profissional.
Na busca de experimentar, exercitar e descobrir a sexualidade, os adolescentes "ficam", às vezes namoram. Nem sempre são capazes de estabelecer vínculos afetivos mais profundos e duradouros. Isso se dá justamente porque há um universo muito amplo a ser descoberto ....
Como lembra Meltzer, a passagem da sexualidade adolescente para a sexualidade adulta, envolve a convicção de que uma relação entre corpos se traduzirá mais tarde num encontro entre mentes, e que esse poderá transformar-se num encontro prazeroso entre corpos. Essa transição implica poder tolerar gradualmente, "vários sentimentos depressivos". (Meltzer, D. Y., Harris, M., 1998)
Todo este processo de ser adolescente pode se revestir de diferentes facetas. Há aqueles que criam heróis e amigos inseparáveis, vivem de forma expansiva em grupos de iguais ou tribos ou gangues e os mais tímidos, que se desenvolvem solitariamente. Há os eufóricos e os deprimidos, os divertidos e os chatos, os gordos e os magros... O importante é que cada um sinta liberdade para expressar seus pontos de vista, nortear suas escolhas e assumir seus sentimentos nos relacionamentos afetivos.
Essa enorme diversidade se explica pela labilidade emocional típica da adolescência, não só em função das mudanças hormonais, mas também pela complexidade subjetiva dessa trajetória. É comum, os jovens mudarem de humor de um minuto para outro: ora se sentem radiantes de felicidade, ora tristes como se o mundo fosse acabar. Podem num momento se sentir poderosos e onipotentes, decididos a resolver tudo sozinhos, para pouco depois mergulharem na insegurança e pedirem ajuda. Passam em pouco tempo do ensimesmamento e da retração à vontade de estar com os amigos o tempo todo. É por isto que a convivência com adolescentes pode ser ao mesmo tempo enriquecedora, complexa, paradoxal e até cruel, tanto para eles quanto para os adultos.
O mundo de hoje é mais fugaz, menos estável, é mais mutante, mais versátil, mais inacessível que o mundo de antigamente. Hoje vivemos a desinvenção da infância e a adolescentalização da sociedade. A velocidade das mudanças deixa-nos atordoados e desestabilizados. Vivemos a cultura da urgência e do ilimitado com passagens ao ato (agressões sóciopáticas) ou passagens ao corpo (drogadicção, transtornos alimentares) quadros que expressam ou traduzem a crise de uma relação des-harmônica entre o sujeito e seu mundo. Há uma falta de códigos (Viñar, 2005). Vivemos num mundo hipercomunicável em que há uma fugacidade da experiência que não deixa marcas, que não faz história.
Os adolescentes da nossa classe social falam por seus atos e suas produções culturais, por suas condutas de risco, por seus estilos de se vestir e musicais que em geral desconcertam, fascinam ou desagradam o establishment, por suas tatuagens e piercings, por suas atitudes e rapidez adaptativa ao mundo da informática. Por seu tempo interminável – quiçá aditivo – ao computador e ao Cybercafé. (Viñar, 2005)
Neste contexto, cheio de sutilezas e desafios, o que os adolescentes mais necessitam é que os adultos, pais e educadores, confiem neles, acompanhem seus sonhos, fiquem ao seu lado e, sem perder a esperança, sem se sentirem atacados por sua rebeldia e acreditem que eles serão capazes...
Antigamente o final da adolescência era marcado pelo casamento e pelo início da vida profissional. No século XXI, esses marcos não são mais característicos do final da adolescência. Hoje, o final da adolescência é dado pela capacidade de autonomia e pela possibilidade de uma atividade reflexiva. Isso só pode ser conquistado a partir de um trabalho de integração de tudo que vem da infância, que não é nem repressão nem satisfação direta dos desejos, mas resultado de uma transformação. (Jeammet, 2002) O educador é peça fundamental nesse processo.
Na puberdade e na adolescência as conversas sobre sexualidade são importantes para deixá-los mais informados, atender suas dúvidas e curiosidades, preveni-los das dsts/aids e gravidez não-planejada, e, também, para protegê-los de abuso sexual.
E como o professor pode contribuir para que o aluno possa aprender e se tornar um sujeito capaz de se apropriar e de construir conhecimento? Acredito que seja necessário contarmos com a paixão e a audácia dos professores.
Sempre fui muito curiosa em saber o que é que fazia com que alguns professores fossem entusiasmados com o ensinar e outros não. Então fui estudar o mundo psíquico daqueles professores que eram eficazes na transmissão do conhecimento e entusiasmados pela arte de formar e que apesar de todas as vicissitudes externas nunca desistiam dela e os chamei de professores apaixonados. Aprendi com esses professores que formar é: levar o aluno a achar seu próprio caminho, a transformar-se, a evoluir, a refletir, a mover-se, a relacionar-se. É aquele que vai de encontro aos temas de interesse do aluno. Nesse processo, o educador se coloca como mediador, facilitador ou catalisador do processo de formação e, ao mesmo tempo, como alguém também se formando, movimentando-se, transformando-se, evoluindo, relacionando-se com trocas enriquecedoras e significativas. Como um processo que se dá internamente, isto é, para dentro e não para fora, tanto por parte do aluno como do professor. Há algo de misterioso aí. (Silva, 1994)
Ao lado do prazer, o processo de formação é descrito como uma passagem sofrida, dolorosa, que envolve ultrapassar umbrais, ficando evidente a angústia da formação, vivida por ambas as partes: aquela de criar um movimento. A disponibilidade para o inesperado, para que o desconhecido tenha lugar na atividade formativa, implica uma qualidade do professor no manejo das diferenças, das divergências, presentes em todas as relações humanas.
Muitos professores e alunos buscam de forma lúdica, como um jogo que não termina nunca, a reparação, na qual o outro figura com primazia, oferecendo conhecimento e proporcionando o desenvolvimento deste outro. A diferença se impõe como algo que vem a complementar, enriquecer, trazer a discórdia para que o novo, o desconhecido, se desvele e possa emergir a criação. Para o professor apaixonado, mais importante que buscar discípulos submissos, trata-se de encontrar curiosos fiéis à investigação na tentativa de que o conhecimento se movimente, se desarranje e, então, como na arte, se represente e adquira novos significados.
Isso nos faz lembrar as palavras de Winnicott (1975) já citadas: "é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou adulto fruem sua liberdade de criação".
A situação de aula, descrita pelos professores, que a identificam como paixão, está muito próxima da primeira relação de amor. É como se reencontrassem o olhar da mãe nos alunos, que desencadeia a ilusão e proporciona ao bebê a introjeção do objeto bom e a confiança neste objeto. Esta ilusão, que se origina da primeira relação boa com a mãe, relaciona-se com esta paixão de formar tendo como fonte os desejos ilusórios infantis, e se mantém viva internamente no professor apaixonado, apesar de todas as vicissitudes externas. Poderíamos afirmar que na "paixão de formar" se reatualizam as primeiras relações ilusórias do professor.
A multiplicidade de emoções envolvidas na formação gera uma pluralidade de debates e polêmicas, possibilitando encontros, reconhecimento, ao invés de gerar uma relação de aprendizagem desvitalizada e vazia. Em função do encontro apaixonante, das diferenças e do envolvimento das instâncias ideais, a criação e o conhecimento podem emergir positivamente. "Que a paixão seja bem-vinda, filha do desejo." (Kaës, 1984, p.2)
O professor procura despertar nos alunos a mesma constelação intelectual, curiosidade epistemofílica que produziu nele o impacto para aprender. E o processo de reparação dos objetos primitivos perdidos na infância repete-se, sendo recriado no reinício de cada ano, a cada turma de novos alunos.
O estilo de dar aula dos professores apaixonados tem um movimento de constante mudança do e no vínculo professor-aluno. O caráter de constante transformação e o componente de criatividade fazem parte dos recursos de que os professores se utilizam a cada aula. Cada professor relata um estilo próprio de dar aula, caracterizando um campo metamórfico.
Metamórfico, de metamorfósico, é um adjetivo derivado do substantivo metamorfose, que, por sua vez, significa modificação, transformação, mutação. (A..B. H. Ferreira, 1986, p. 1127, C. Aulete, 1958, p. 3243)
O campo metamórfico tem a propriedade de delimitar a atividade daquele professor que privilegia a relação com os alunos, no sentido de transformar-se e transformá-los - criativamente. O dar aula não é vivido como estático, é caracterizado como um movimento que dá passagem, que abre caminho.
Nesse sentido, Kaës, também, descreve tal propriedade, chamando-a de "efeito Pigmalião": "Tornar apto a um conhecimento sobre o desejo e o mundo é para o professor possibilitar uma transformação, através do trabalho, da busca de uma forma, onde formar é organizar, estruturar, configurar, tornar possível uma escolha e uma diferenciação. O desejo do professor é o motor do trabalho, e o prazer é sentido dentro do trabalho: desejo que o outro desenvolva suas capacidades de vida otimistas. Este é o sentido do efeito Pigmalião. A riqueza das experiências pré-genitais do professor asseguram sua capacidade empática, sua atitude a regressar, sua permeabilidade à vida fantasmática, pedestal da sua paixão de formar. Mas não é o professor que é capaz de fornecer e de assumir as garantias simbólicas da relação pedagógica. Não se trata de ser o pai, nem a mãe, nem de ser pai e mãe, na mesma hora, sem fracasso: trata-se de não conhecer a necessidade destas duas dimensões e de sua ligação com a formação do ser humano" (p. 44). O efeito pigmalião dá o caráter de constante mudança do professor tanto intrapsíquica quanto no estilo de dar aula.
A ruptura deste campo ocorre quando não há mais mudança e o professor se repete perdendo a criatividade, tornando o vínculo professor-aluno empobrecido e desvitalizado.
P2 "... Participação... envolve uma outra coisa que não é a sedução, é uma provocação, ... como fazer seduzir, esse movimento de levar o aluno a sair do lugar onde ele está, tem um aspecto de sedução, tem outro de provocação, quer dizer, desafiar as pessoas, em suma fazer os conflitos ali latentes aparecerem ... fazer com que insatisfações que estão ali, meio difusas, ganhem voz..."
P3 "... pensar com a própria cabeça, esse é o segredo. Não tenho nenhuma convicção didática ou pedagógica; eu acredito nesta espécie de vocação, nessa inquietude pessoal e é com ela que eu conto."
"Uma aula para mim, antes de tudo, é um pretexto, um tema; um tema que faz parte de um determinado curriculum, que está desdobrado num certo programa... Para mim, é absolutamente irrelevante qualquer um daqueles itens do programa, é um tema que, obviamente, me causa inúmeras inquietações, inúmeras perplexidades. O meu modo de preparar aula é simplesmente pensar onde é que está a minha fronteira de noções a respeito disso e onde é que estão as dimensões mais obscuras, menos compreensíveis. Onde é que estão as instabilidades, onde é que estão as certezas feitas, onde é que estão os clichês desse assunto, é meio o que organiza um pouco esses repertórios na minha cabeça e quando vou à sala de aula, o processo é um pouco assim".
"... O mais comum é usar um texto como um deflagrador de um debate. Se dá um texto para os alunos, depois pede a alguns alunos que reformulem, ponham os pontos de vista do autor, chequem com os próprios pontos de vista e fico meio na expectativa de que aquilo por si só acarrete um debate, na medida em que é pouco comum hoje em dia ... Há aulas em que falo menos do que a classe toda, outras em que falo mais, não há nenhuma necessidade que eu domine. Me aborrece muito quando eu falo demais. Gosto mais de ouvir do que de falar... Me interessa absolutamente o outro..."
Os professores relatam que mesclam aulas expositivas e filmes, músicas, jogos dramáticos, poesia, textos, discussões, teatro. Afirmam que em cada aula há sempre um momento de participação do aluno e um momento de participação do professor, ora para expor, ora para concluir, ora para organizar o tema trabalhado.
A ação tem um lugar importante na aula: ou a ação corporal como o jogo ou teatro, ou a ação do movimento de pensar, de refletir, de questionar.
P5 "... O raciocínio é como se fosse um corpo e se você treiná-lo ele pode fazer milhões de coisas: ele pode dançar, patinar, esquiar, lutar, correr, resistir, ser elástico. O raciocínio tem estas propriedades como se a gente pudesse imaginar ginástica para o raciocínio. Então, de certa maneira, todo o meu modo de falar tem, no fundo, uma ligação com a questão do raciocínio e não com a questão da teoria."
Esta característica de uma certa mobilidade, "jogo de cintura", parece ser uma qualidade interna do professor na eficácia da transmissão do conhecimento, que aparece dando um tom e um colorido diferente a cada aula.
Um outro aspecto descrito pelos professores é que, dentro de um tema a ser trabalhado, eles sempre mesclam suas aulas com conteúdos da atualidade e do cotidiano. Falam de um passado, de uma teoria ou fato acontecido e, de certa forma, buscam reatualizar o tema, trazendo uma vivência mais próxima do aluno. (Contudo, é bom lembrar que, quando definem o que é formar para eles, dão maior importância ao relacionamento com os alunos do que ao conteúdo. Embora, em momento algum, o conteúdo deixe de ser dado de forma eficaz.)
P2 "... eu acho que isso é uma aula que está escrita depois de um esforço, mas que busca o movimento dessa aula, por exemplo: na construção do texto que vai do século XII e se permeia com coisas do século XX, isto encanta a platéia... repercurte na platéia sob a forma de adesões apaixonadas ou suspeitas ou recusas ou desconfortos ... de certa forma, provoca a platéia... mas, ao mesmo tempo, pode provocar um encantamento, que se faça um percurso que tenha essa amplitude, onde o texto do século XII pode ser lido numa qualidade que depois vai ressoar."
P3 "... Por mais que o assunto seja remoto e abstrato, por exemplo: barroco do século XVII na Alemanha, obviamente o tipo de crise psicológica que o barroco procurava enfrentar não é muito diferente do tipo de crise psicológica que a gente vive hoje. Logo, ao invés de usar exemplos de lá, a gente usa um de lá, rebate com um daqui, depois puxa uma situação daqui, rebate com a de lá e tenta fazer as pessoas entrarem em ciclo com esta questão fundamental que transcende a especificidade do tema e que passa por dentro da vida dele. É o modo pelo qual você pode dar às pessoas a possibilidade de fazer um engate emocional com a questão, é importante para mim não só porque ele traz um envolvimento energético maior, mas, particularmente, porque, ao tocar nas histórias de vida de cada um e como as histórias de vida de cada um são diferentes, ele consegue por esse modo construir respostas diferentes, de cada um."
P4 "... trabalho com tudo que cai nas minhas mãos: Silvio Santos, Freud, Heidegger, Joãozinho Trinta, escola de samba, então, peço mesmo para os alunos tudo o que forem vendo na realidade, o que tenha a ver com nosso momento ou o que tenha a ver com nossa relação, daí a gente trabalha a várias mãos..."
Essa busca de relacionar o passado com o presente, envolvendo o educando nesta viagem pelo tempo, demonstra uma preocupação com seu interlocutor, o aluno, no sentido de se aproximar e possibilitar maior empatia com este e com o tema da aula. E é fundamental nos tempos de hoje - tempo volátil.
O estilo de cada professor é mesclado com algum componente singular e próprio deste, que surge espontaneamente e de forma autêntica durante a aula, como em declarações e confidências pessoais. Isto de certa forma também dá um caráter de proximidade e de mistério à relação professor-aluno.
P4 "... adoro, então eu declaro...procuro estar muito atenta a devolver às pessoas aquilo que elas produziram, ...e não perder o máximo de possibilidades de dizer para o outro: -Você é capaz, porque eu acredito que é, ou eu vejo que é ... Eu tenho nos meus trabalhos me colocado... procuro ser solidária com as pessoas no momento de dor que é difícil ... eu sou um bicho igual a todos vocês, vocês são uns bichos iguais a mim, quer dizer, somos seres humanos muito parecidos ... acho que isso também facilita..."
É uma paixão, expressá-la faz parte do trabalho crítico, faz parte da atitude intelectual, ela se torna pertinente e busca um lugar dentro da situação de aula. Isso me remete às palavras de Alberoni sobre estado nascente, enamoramento, uma relação verdadeira e autêntica. É uma busca, no diálogo com o outro, do reconhecimento, da aceitação, da aprovação, do restabelecimento de um passado não mais perigoso, do libertar-se, pois, a verdade, como diz Alberoni (1988), "somente a verdade os torna livres. Por isso cada um se redime dizendo a verdade e se mostrando completamente transparente ao falar de si ao outro".
Outro aspecto que se ressalta é a disponibilidade interna do professor de se colocar diante da situação de aula, tendo esta como uma situação desconhecida com caráter de surpresa e novidade, e de uma certa forma se despojando das idéias e dos planejamentos feitos para a preparação da aula propriamente dita.
P1 "... A aula é todo dia uma surpresa, embora pensada, planejada, proposta, por mais que você leve esta proposta já estruturada, a comunicação, a inter-relação com os alunos, muitas vezes, segue um caminho completamente novo..."
É uma preocupação dos professores que a situação de aula provoque um movimento em si mesmo e nos alunos.
P2 "... A relação professor-aluno precisa ser descentralizada, proporcionar uma reflexão no sentido de vencer todas as resistências que são necessárias para experimentar uma nova compreensão, um novo pensamento..."
A capacidade de atuar entre o campo da arte e o campo da terapia parece ser uma qualidade do professor para permitir o emergir de situações criativas.
O dar aula seria, então, uma atividade de reparação contínua e, ao mesmo tempo, de criação para aquele professor apaixonado pela formação, em que o ódio ficaria mitigado pelo amor.
O que caracteriza o desejo de formar? Que conflitos estão presentes? Qual é a fantasmática da formação?
A formação é uma atividade atravessada por tensões poderosas. Há uma luta permanente entre as pulsões de vida e as pulsões destrutivas que organizam e estabilizam toda a atividade educativa. Em Quatre Études sur la Fantasmatique de la Formation et le Désir de Former, Kaës (1984) aponta que a formação é, como o amor, um grande tema passional: muitas forças atravessam seu objeto, seus personagens, seus objetivos. Várias forças permeiam essa ação do homem, forças opostas de amor e ódio, vida e morte. Envolvem questões políticas, sociais, religiosas e psicológicas, mas é no que concerne aos aspectos psíquicos que desenvolve suas idéias.
No que se refere à relação formativa, no professor e no aluno afloram sentimentos de amor e ódio, desejos contra as angústias e tendências destrutivas, há uma paixão que os anima.
A paixão de formar trata de assegurar o suporte, a transmissão e o desenvolvimento da vida contra as forças da destruição e da morte, sempre presente no centro e no horizonte do projeto de formação. Na sua função primitiva, a fantasia assegura primeiramente o triunfo da pulsão de vida contra a pulsão de morte, que instala a angústia no coração do homem. A fantasia de formar é uma das modalidades específicas da luta contra a angústia e contra as tendências destrutivas, e é por isso que, na sua forma mais pura, ela é uma fantasia de onipotência e de imortalidade, e em sua outra face encontramos a destruição, a angústia e a culpa.
O educador deve ser capaz de na relação formativa manejar estes conflitos entre as pulsões de vida e de morte, que são necessários para que ocorra a formação, e, portanto, para que o aluno se desenvolva. As fantasias de formação não provêm de uma única fonte, quer esta fonte seja uma determinação extrapsíquica ou um desejo de independência, um desejo de não deformar o outro, quer seja de uma série de representações ligadas a todo mundo psíquico consciente e inconsciente do sujeito.
No momento da aula, o professor apaixonado está identificado com o bebê que recebe o alimento bom (o olhar e o interesse do ouvinte), recebe amor, e, então, deixa fluir seus recursos mais primitivos e criativos que se originaram nos primeiros momentos da relação mãe-bebê.
O educador cumpre a tarefa de ser a mãe suficientemente boa, ilude e desilude, e ainda possibilita, transferencialmente, a superação da dependência do aluno em relação a suas figuras parentais, movimento este necessário desde o início da vida e, por extensão, em relação ao seu professor. O professor apaixonado seria a segunda mãe suficientemente boa, assim como a mãe que permite que o filho seja mãe, professor que permite que o aluno seja professor. Aqui, também, está presente a concepção de Freud sobre o que seria uma educação acabada e bem-sucedida.
Propiciar um campo de ilusão na relação professor-aluno, em que se dê vazão ao sonhar, à criatividade, à curiosidade e à espontaneidade, mantém vivo o processo de aprendizagem.
Para isso é necessário que a instituição formadora, como representante parental, dentro de uma visão pluralista e democrática, ofereça um ambiente acolhedor e estimulante para as idéias ainda incipientes de seus alunos, auxiliando o desabrochar do potencial de cada um.
Para concluir, gostaria de destacar que não encontrei no relato dos professores apaixonados nem regras nem métodos que garantissem a eficiência de sua pedagogia. Tratam-se de recursos inconscientes, de sonhos infantis, de fontes de desejos infantis que não secam nunca, que nascem de si mesmos. E isto todos nós temos, só que para alguns isto está mais às mãos para instrumentalizar suas aulas, isto é, a via do inconsciente-consciente está menos obstruída e, então, podem tomar posse desses recursos internos e tornar suas aulas apaixonantes, talvez suas vidas apaixonantes.
Há nos professores corações apaixonados, onde é possível a paixão de formar ter lugar, dar vazão e ser criativa, contribuindo para uma práxis educativa que desperte a curiosidade epistemofílica. Um lugar onde o aluno pode emergir como um ser pensante, assim como o professor também pode se manter criativo e pensante. Sem que ambos se tornem escravos da paixão, sem cair no narcisismo escravizante da institucionalização, dando vazão a um saber livre e criativo.
O professor apaixonado é, então, aquele cuja chama se mantém; sua paixão não se apaga pelo fator idealização, não se entrega a erotização da relação professor-aluno, atuando a libido da pulsão do saber-paixão, que o esvaziaria e o levaria a sair da posição de mediador do saber. Permite que o outro se diferencie, se discrimine, sem ter necessidade de tê-lo à sua imagem e semelhança. E, ainda assim, mantêm vivos dentro de si e no aluno a pulsão de saber, o entusiasmo, a curiosidade e o respeito pelas possibilidades de desenvolvimento e conhecimento de ambos, professor e aluno.
Nos momentos criativos, reencontramos momentos de ilusão vividos nas primeiras relações infantis, e uma fonte infantil inconsciente faz jorrar sua criatividade. Mas, concomitantemente a estes momentos, o professor toma posse de sua relação com a realidade, torna pública e compreensível sua criação, compartilhando-a na sua relação com o aluno. Desencadeia este mesmo processo no aluno, que também expande sua criatividade, tornando a relação professor-aluno mutuamente criativa.
Quando se pensa na importância do desenvolvimento afetivo-emocional e da curiosidade sexual para o processo de aprendizagem e para a elaboração dos conflitos que envolvem a chegada da adolescência, faz-se mister que o aluno encontre um professor apaixonado e um trabalho sistemático de orientação sexual em sua escola. Quando encontramos desde pequenos alguém próximo a nós, seja ele um familiar, amigo ou educador de nossa confiança, que pode responder verdadeiramente nossas questões, mantemos vivos dentro de nós a esperança e o desejo de sempre poder vir a conhecer.
Quando conversamos sobre questões ligadas à sexualidade com os jovens possibilitamos a elaboração de dúvidas que muitos carregam desde a infância e elaboramos tabus e preconceitos relacionados a ela. Assim há mais possibilidade de incluir o prazer na vida e conseqüentemente toda energia bloqueada, em função tanto dos tabus quanto das dúvidas, pode ser liberada para a construção de diversos conhecimentos, reencontrando o desejo epistemofílico. Então a todo o momento da vida, seja quando criança, adolescente ou adulto, um trabalho voltado para os temas ligados à sexualidade é fundamental, pois a construção da sexualidade e da aprendizagem se dão intersubjetivamente e na relação do sujeito com sua família, escola, amigos, comunidade e meio sócio-cultural. Os jovens e as crianças que têm Orientação Sexual na escola ampliam sua capacidade de interesse e aprendizagem na sala de aula.
A relação professor-aluno diante da velocidade que as coisas acontecem no mundo contemporâneo, talvez seja a relação mais subjetivante que o adolescente pode encontrar no mundo atual. O professor de hoje tem mais para aprender com os adolescentes. O conhecimento transmitido na sala de aula torna-se rapidamente obsoleto. Diante deste momento de mutação civilizatória, cabe ao educador a função de re-humanizar os vínculos.
O professor sensível a estas questões e que mantém vivos dentro de si seus aspectos infantis e de juventude, pode empatizar com seus alunos e deixar jorrar sua paixão de formar, resultando na curiosidade e no prazer de aprender por parte de seus alunos.
Manter vivo o prazer da descoberta, com toda a diversidade dos conflitos que envolvem a sexualidade humana, é um desafio para aquele educador que tem a paixão de formar, como um jogo ou brincadeira, em que vai se dando a aprendizagem e o conhecimento se faz.
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Maria Cecília Pereira da Silva
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