Services
An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005
Cosplay X realidade: o conflito de um adolescente
Andriatte,A.M.I; De Benedetto,F.VII
Universidade Presbiteriana Mackenzie –São Paulo
IMestre em Psicologia da Saúde.Psicóloga. Pedagoga.Professora Adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie
IIEspecialista em Psicoterapia Psicanalítica. Psicoterapeuta
Em nossa experiência clínica com adolescentes tem sido notável a influência dos meios eletrônicos sobre o desenvolvimento da personalidade dos pacientes, sobretudo, do sexo masculino. Pela observação realizada há uma seqüência de hábitos que vão sendo instalados ao longo da infância, culminando na adolescência, muitas vezes se estendendo até a juventude.O interesse inicial é por desenhos que são apresentados tanto em canais livres como em canais fechados. São baseados na maioria das vezes em desenhos japoneses que misturam facetas das diversas mitologias. Tais desenhos já vão despertando nos meninos preferências que iniciam um processo identificatório. Concomitantemente eles vão associando o hábito de jogar no vídeo-game e game-boy, que muitas vezes possuem os mesmos personagens da televisão, apenas possibilitam que eles joguem, o que lhes dá ainda maior envolvimento emocional com a situação, pois podem interferir no destino do desenho. Ao atingirem a puberdade vão migrando para os jogos no computador. O computador é um recurso tecnológico ainda mais poderoso que vai absorvendo o adolescente e oferecendo-lhe cada vez mais a ilusão de que tem poder sobre o destino, a vida e a morte dos personagens. A maioria destes jogos envolvem situações de rivalidade, competição, impiedade dos personagens frente ao sofrimento dos mais frágeis e nem sempre o bem vence o mal. Há o predomínio da situação de hostilidade sem a preocupação em movimentos reparatórios. Os adolescentes trazidos para atendimento parecem simbolizar a ponta de um iceberg de um estilo de vida próprios do final da década de 90 e início do novo milênio. São representantes de famílias de classe média que possuem uma dinâmica familiar na qual predomina o individualismo. Cada membro normalmente possui sua rotina independente da do outro, com horários de alimentação, sono e lazer próprios. O que tem facilitado um maior grau de isolamento com conseqüente diminuição de atividades coletivas, o que é tão importante para o adolescente. Uma das conseqüências de tal isolamento, passa a ser a timidez e a insegurança frente aos contatos interpessoais. Mediado pelo computador o adolescente parece buscar superar seu isolamento através destes contatos com grupos de pessoas com o mesmo perfil, após meses de vivência virtual com estes "amigos", os eventos entre os cosplayers são uma solução para a saída do isolamento e a vivência com um grupo em que o adolescente vai vestido como o personagem e não como ele mesmo, tornando-se um cosplayer.
Os objetivos do presente trabalho são: discutir a dinâmica intrapsíquica de um paciente de dezesseis anos, do sexo masculino, que chegou para os atendimentos imerso no mundo de Cosplay; refletir sobre a importância da dinâmica familiar na condução do caso, associados aos novos padrões sociais.
ADOLESCÊNCIA: CONCEITUAÇÃO DE ASPECTOS PSÍQUICOS E SÓCIO – CULTURAIS
De acordo com a revisão feita por Andriatte (1992) considera-se que, uma das maiores dificuldades encontradas se refere à discussão dos conceitos de "normal" e "patológico" na adolescência, todavia, são indispensáveis para o entendimento não só do adolescente, mas de qualquer indivíduo, uma vez que favorecem uma delimitação aproximada do que é esperado para aquela pessoa, ou grupo dentro daquele contexto social em que vive.
Mc. Dougal, apud Andriatte (1995) tece várias considerações sobre o assunto, colocando o problema a respeito da amplitude do termo normalidade. À qual normalidade nos referimos? À normativa ou à estatística? Nas pesquisas realizadas por esta autora, encontramos a seguinte definição para o termo normal: "Conforme a regra, regular, comum"; o que a leva a abordar a questão de que muitos não querem ser comuns, iguais a todos, mas por outro lado não querem ser taxados de anormais, revelando a ambigüidade das pessoas. O termo normativo revela um valor subjetivo, normal em relação a que?
A família seria a primeira a esboçar as normas, ser normas é primeiramente um desejo de obter amor dos pais, um intuito narcísico que se destina num ideal do ego que modulará, segundo Mc. Dougal, os objetivos pulsionais. Desta maneira, as crianças se esforçam para se comportar normalmente.
A norma familiar revelaria uma "patogenia" ou "normalidade" em função de seu desvio em relação às normas da sociedade em que se vive.Andriatte segue citando Anna Freud (1946), que na adolescência, a estimativa de normalidade ou anormalidade de determinados fins instintivos irá depender do padrão de valores da vida adulta que está pouco, ou nada, relacionado com o ego do adolescente, sendo assim o conflito defensivo continua a se ater consideravelmente a estes valores.
Em suas descrições a respeito da puberdade, a autora compara diversas vezes às características deste período com fenômenos de uma grande doença. Para ela a base desta comparação "é o efeito que atribuímos às mudanças quantitativas na captei, Em cada caso, o aumento de captei libidinal do id amplia o perigo instintivo, fazendo com que redobre seus esforços para se defender de todos os modos possíveis" (Freud, A. 1978, p. 145-6).
De acordo com Knobel (1981) não se consegue a estabilização da personalidade sem que se atravesse um certo grau de conduta patológica o que deve ser considerado normal na evolução deste período. Acrescenta ainda, que a normalidade tem suas bases na adaptação ao meio, isto não implica submetimento a este. Mas sim, deve haver a utilização de certos dispositivos para que o indivíduo possa se satisfazer procurando modificar o inútil e o desagradável para si e para a comunidade.
Aspectos Sócio-Culturais da Adolescência
A necessidade de entrar no mundo social adulto é, para Aberastury (1980) o que há de essencial na adolescência. A inserção neste mundo com suas modificações internas e seu plano de reformas é o que vai decidindo a personalidade do jovem. A decisão da qualidade desse plano de vida de reformas seria a transposição para o mundo externo das primeiras relações objetais, e do mundo interno como representante da relação com os pais. Na medida em que for mais harmônico e feliz a vida de uma criança, mais será estável seu mundo interno e haverá menor ressentimento familiar e social. O novo plano de vida obriga o adolescente a enfrentar os valores intelectuais e enfrentar os valores intelectuais e afetivos , o levando a traçar novos ideais e adquirir a capacidade de lutar para os alcançar.
Estes valores estão ligados à forma de organização da família e da sociedade, que não se dá de maneira estática, mas possui uma dinâmica própria, sofrendo transformações através dos séculos. Com a diminuição do número de membros da família, esta passa a valorizar mais a criança e o cuidado com a socialização cresce. A sociedade burguesa sofre uma forte preocupação com os problemas físicos, morais e sexuais da infância e da adolescência. Em seu livro "Adolescência e individualidade", Gallatin (1978), traça um perfil psicohistórico da adolescência e nos mostra que pelas evidências há três ou quatro séculos a cultura ocidental não fazia distinção entre a infância, adolescência e maturidade. O conceito de adolescência como um momento entre a infância e a idadeadulta aparece em uma alusão feita por Russeau, de que a idade da razão começa por volta dos doze anos. Por suas colocações o autor acredita, que a sociedade rica separou as atividades do filho da dos pais, distanciando-os fisicamente, sendo assim, o que une a família moderna são apenas os laços emocionais criados dentro dela, e, sem um período aproximadamente físico, a intimidade necessária para a criação da ligação emocional se torna difícil.
Para Knobel (1991) a adolescência é de "per-se" um processo. Os fenômenos de identificação são fundamentais na estruturação do ego, mas também é o resultado de um meio cultural que não é só o âmbito de onde a adolescência se desenvolve, mas também, parte do processo do mesmo.
Andriatte acrescenta que, através deste breve levantamento sócio - cultural sobre a adolescência observa-se que a concepção desta, como um fenômeno social referente a uma fase do desenvolvimento, se deu a partir de século XVIII, embora, do ponto de vista psicológico sua manifestação já se faz notar na Grécia Antiga, conforme as observações de Sócrates.
No seu mesmo trabalho Andriatte cita Aberastury (1981), dizendo ser esta autora um marco do período onde os primeiros estudos sobre a adolescência começam a surgir. Esta autora, certamente, tem como referência os estudos de Granville Stanley Hall de 1904, um dos primeiros estudiosos sobre o tema. As publicações de Freud "Três Ensaios Sobre A Teoria Da Sexualidade", que contém o capítulo "Transformações na Puberdade", 1905, ou mesmo, outras citações a respeito deste assunto na própria obra de Freud, tais como: "A análise Fragmentária De Uma Histeria", 1905, "Sobre A Masturbação", 1912, "Algumas Reflexões Sobre a Psicologia Do Escolar", 1914, e "Um Distúrbio De Memória Na Acrópoles", 1936.M.Klein (1932), publica em seu livro "Psicanálise Da Criança", um capítulo sobre a análise na puberdade.Conforme Aberastury, os estudos vêm progredindo, desde considerações somente dos aspectos ligados a genitalidade, até os estudos das estruturas do pensamento que localizam os jovens no mundo de valores adulto.Ao realizar um levantamento histórico da psicanálise de adolescentes, Freitas (1989), coloca que apesar destas contribuições do início do século, foi apenas após Unidos, que houve uma preocupação maior pela adolescência. O fator desencadeante desta preocupação foi a mobilização de vastos contingentes de homens para as frentes de batalha. Por isso, mulheres foram trabalhar nas indústrias e as crianças ficaram abandonadas. Esta "orfandade", associada à forte tensão que a guerra produzia nas famílias, cria problemas que só serão sentidos em sua plenitude na década de 50. Ao atingirem a adolescência, as crianças vítimas da guerra preocupavam profissionais de saúde, como Erick Erickson e Peter Blós, quanto ao estado psicológico destes jovens.È a época das gangues de delinqüentes como os Hell’Angels e Black Knives, grupos de atuação psicopática.
Essas ocorrências despertam o interesse por um trabalho com adolescentes, categoria até então não muito valorizada pela psicanálise que os considerava, assim como os psicóticos, não analisáveis.
Na América do Sul, Arminda Aberstury,Maurício Knobel e Eduardo Kalina são os precursores da psicanálise em adolescentes. "O Mundo do Adolescente", foi à primeira publicação de Arminda Aberastury a respeito do tema em 1959, na Revista Uruguaia de Psicanálise. Pelas colocações de Castellar (1989), as décadas de 50 e 60 dão início a um movimento de contestação, aparecem as drogas a luta pela liberdade sexual, os hippies, os protestos estudantis, gerando novos hábitos, na linguagem e no vestir, influenciando a todos jovens e adultos. Esse novo momento da juventude ganha por parte da sociedade maior atenção pela força de sua própria influência. O ano decisivo para o desenvolvimento dos trabalhos acerca deste assunto no Brasil, foi 1970, onde segundo Freitas, a situação política no país é altamente repressiva e geradora de grandes problemas para os adolescentes que não possuem um canal de expressão. Embora a adolescência tenha um caráter universal, devem-se considerar características próprias e medidas específicas para os distintos meios sociais, principalmente na sociedade Latino-Americana, que sofre em diferentes graus "a transformação de uma sociedade tradicional para a sociedade moderna, técnica". (Aberastury, 1981,p.90). A classificação feita por Peter Blós (1973/1985) é composta por três grupos:
• adolescência inicial: é aquela que se estende dos 11 e 13 anos até os 15 anos;
• adolescência mediana: se inicia aos 15 anos indo até os 17 anos;• adolescência tardia: entre os 17 e 20 anos.
Parece consenso entre a maioria dos autores que estudam a adolescência que na puberdade tem início as transformações físicas, e com isso iniciam-se as mudanças do esquema corporal. Esquema corporal, segundo Shilder (1980) é a configuração do corpo Formada na mente, o modo como o corpo se apresenta para o indivíduo: é uma imagem tridimensional que todos tem de si mesmo, uma percepção do corpo. Ao tratar das distorções do esquema corporal, Paz (1980) fala que o crescimento físico tem, na adolescência, uma intensificação extrema, gerando um novo esquema corporal, e a aceitação desta nova situação elicia o conflito da imagem corporal ideal fantasiada, a qual desejava possuir. A distorção deste esquema é a vivência de deformidade da transformação puberal, que são elos a mais de confusão na modificação interna, podendo muitas vezes expressar-se por condutas hipocondríacas.
Acerca das modificações corporais do adolescente, Aberastury (1981) diz que estas, levam o jovem a um novo ego corporal, conseqüentemente existe uma perda pelo corpo infantil. O luto diante do crescimento envolve o ego e o mundo externo, e os descompassos entre o crescimento do corpo e a aceitação psicológica do fato são maiores na proporção em que a mudança do corpo for mais rápida, intensificando a angústia paranóide de ser invadido. A perda que deve ser aceita pelo adolescente ao realizar o luto pelo corpo é dupla: a perda pelo corpo da criança é a perda pela bissexualide.
Em conseqüência do processo de perdas acima citado, a atividade masturbatória pode ser intensificada, com o objetivo não somente de descarregar tensões genitais, mas também como negação onipotente de que só possui um sexo para a satisfação sexual não necessita de outra pessoa. Sentimentos de angústia e de despersonalização tendem a acompanhar a menstruação e o surgimento do sêmen, tendo significado de defesa, o que evidencia uma não aceitação da metamorfose corporal. Em função das transformações biológicas deste período, o jovem se vê obrigado a assistir passivamente toda uma série de modificações que se efetuam em sua própria estrutura, gerando um sentimento de impotência ante a realidade concreta, o que leva a deslocar a sua rebeldia à esfera do pensamento. Isso se caracteriza por uma propensão ao manejo onipotente das idéias frente ao fracasso nas experiências reais. Vive neste instante a perda de seu corpo de criança com uma mentalidade infantil e um corpo que está se fazendo adulto. Esta contradição produz um verdadeiro fenômeno de despersonalização que domina o pensamento do adolescente no início desta etapa, relacionando-se com a própria evolução do pensamento. A perda dos objetos reais vai sendo substituída por símbolos verbais que são as palavras. Estes símbolos podem ser utilizados onipotentemente em substituições fantasiadas, na medida em que o pensamento evolui, o conceitual simbólico substitui, cada vez mais, o concreto e real. No adolescente "normal" este manejo de idéias serve, também, para substituir a perda de seu corpo infantil e a não aquisição da personalidade adulta. Por símbolos intelectualizados de onipotência, reformas sociais, políticas e religiosas onde não está diretamente comprometido, enquanto pessoa física, mas como identidade pensante. Nega seu corpo infantil perdido, e em flutuações incessantes com a realidade, que o colocam em relação com seus pais, sua família e com o mundo concreto do qual depende, elabora esta perda e vai aceitando sua nova personalidade. A despersonificação do adolescente implica numa projeção de uma elucubração altamente abstrata do pensamento e explica a relação lábil com objetos reais aos quais rapidamente perde, como perde paulatina e progressivamente seu corpo infantil.
Este processo de despersonalização flutuante no adolescente "normal" pode ser por um momento de intensidade ou por fixação, adquirindo as características observadas na psicopatia. (Knobel, 1987).
A perda da infância muitas vezes é negada por defesas que tem como finalidade a elaboração do luto e conseqüente aceitação da puberdade. Nos estudos de knobel e Aberastury, cabe ainda destacar que além do luto pelo corpo infantil, mais dois processos de perda se fazem presentes, o da identidade infantil e a perda pelos pais da infância. O luto pelo papel infantil está relacionado à progressiva independência que o adolescente deve ir assumindo, acarretando uma confusão de papéis porque não pode manter a dependência infantil e simultaneamente não pode assumir a independência adulta, sofrendo um fracasso de personificação, transferindo para o grupo grande parte das obrigações e responsabilidades.
Busca por meio deste mecanismo esquizóide manter sua personalidade Fora do processo de pensamento, de forma onipotente. Deste modo isenta-se do princípio da realidade, configurando a irresponsabilidade que é típica deste período. Desta forma pode-se explicar uma característica típica da adolescência que é a "falta de caráter", produto deste fracasso de personificação, que por sua vez o leva a confrontações reverberantes com a realidade: uma contínua comprovação e experimentação com objetos do mundo real e da fantasia que se confundem, e também, possibilitam-lhe despersonificar os seres humanos, tratando-os como objetos necessários às suas necessidades imediatas. Esta descompensação por seres e coisas do mundo real faz com que todas suas relações objetais adquiram caráter, quando intenso, sumamente lábil e fugaz, o qual explica a instabilidade afetiva do adolescente, com suas crises passionais e seus momentos de total indiferença. Neste caso, a exclusão do pensamento lógico, que se origina pela perda do papel infantil, se converte na atuação afetiva, como a perda do corpo infantil se converte na atuação motora. O manejo objetal, descrito, conduz o adolescente a uma série de contínuas trocas, por meio das quais será capaz de estabelecer sua identidade. O pensamento então, começa funcionar de acordo com as características grupais, que lhe permitem uma maior estabilidade através do apoio e do agradecimento que significa o ego dos demais, com o qual o sujeito se identifica. O conflito pela perda dos pais da infância, ocasiona uma percepção distorcida da realidade, a relação de dependência infantil é abandonada lentamente e com dificuldade. A precária capacidade de lidar com as transformações físicas, o sofrimento pela identidade e expectativas sociais que surgem, fazendo com que o adolescente utilize um processo de negação destas mudanças que estão existindo no mesmo instante na figura e na imagem dos pais e no vínculo com os mesmos.
Os pais também participam deste luto tendo que elaborar a perda da relação de submissão infantil de seus filhos, produzindo-se assim, uma interação de um duplo luto, que dificulta ainda mais este aspecto da adolescência.O conflito de dependência – independência resulta em fortes contradições no processo de pensamento revelando a falta de uma elaboração conceitual.Este estado conflitivo produz no jovem um sentimento de perflexidade da ligação com os objetos parentais internalizados e favorece a dificuldade de comunicação com os pais reais, que ficam desligados do contexto da personalidade do adolescente. Por conseqüência deste processo, os pais estão substituídos por figuras idealizadas que obrigam o jovem a refugiar-se sem o mundo de meditação. Os períodos de solidão são procurados porque facilitam a conexão com os objetos internos no processo de perda substituição de imagos internas que finalmente tornaram o Eu mais rico. O adolescente "normal" deve ir aceitando as perdas do seu corpo infantil e de seu papel infantil, e mesmo ir trocando a imagem de seus pais infantis, substituindo-as por seus pais atuais, em um terceiro processo de luto.Este processo tríplice de lutos carrega consigo, dentro do processo de pensamento, uma dificuldade de discriminação da situação temporal do jovem e da identificação sexual. Ao referirem-se à percepção temporal do adolescente, Knobel e Rosenthal (1979) colocam que a criança possui um conceito fenomenológico da limitação do espaço e ausência do conceito de tempo, que é limitado para ela. Esta percepção confusa paulatinamente é substituída pelo juízo de realidade frente a elaboração dos três lutos enunciados, que permite situar o corpo, papel e pais infantis no passado, aceitando transcurso do tempo e, com este o conceito de morte como um processo irreversível a natural dentro do desenvolvimento.
Quanto a questão do sexo para o adolescente, estes autores, escrevem que o jovem "normal" passa por momentos de confusão de sexos que implicam em fantasias homossexuais, que são as que precisamente lhe permitem elaborar os lutos inerente a esta etapa do desenvolvimento.
Além dos três processos de lutos estudados anteriormente, Kalina (1979) acrescenta que o luto pelo renascimento que se caracteriza pelo incremento brusco das pulsões que provocam profundas reações na personalidade como um todo, sendo vividas como um renascimento.
Em termos psicológicos assume uma silhueta de matriz do trauma de nascimento e dos mecanismos que o seguem: Esquizo-paranóide, confusional e depressivo, contudo outras características, já que as condições que possui o adolescente para encarar o mundo adulto são diferentes daquelas que contava ao nascer. Prossegue Kalina postulando a respeito do luto, que juntamente com Rascovsky, chamaram de luto pelo exogamia que é a imposição para o adolescente do tabu do incesto, devendo este, deslocar seus interesses sexuais para as figuras que substituem os pais. O incremento progressivo das pulsões instintivas está direcionado para as figuras primárias reproduzindo a conflito edípico, mas, com especificidade própria, constituindo assim, o complexo de Édipo adolescente.
Este novo estado de complexo de Édipo proposto por Kalina, difere dos anteriormente descritos por Freud e Melanie Klein, pelos seguintes pontos: Desenvolvimento das capacidades corporais do púbere.
1)Características perversas:- polimorfas contidas nas fantasias edípicas 2)Conteúdos conscientes e inconscientes mais próximos da repressão neste período 3)Estágio do pensamento concreto em que se encontra o processo de simbolização segundo Piaget.’Estas distinções provocariam situações de persecutoriedade, contendo culpa persecutória e consequêntes punições, uma vez que o adolescente pode concretizar em decorrência do amadurecimento psicológico, o incesto e o crime edípico, o que não é possível em estágios anteriores. Ao confrontar-se com o complexo de Édipo em toda a sua amplitude, sua resolução está vinculada ao luto pela exogamia que permitirá a entrada do adolescente no mundo adulto, objetivo final do processo da adolescência.
O ADOLESCENTE E O COSPLAY
Cosplay é uma palavra composta por duas outras: Costume do Inglês que significa Fantasia e Play da mesma língua que significa Jogo, o que literalmente tem o sentido de "Brincar de Fantasia", sendo seu criador o jornalista japonês NOBUYUKI TAKAHASHI. Ao ser enviado aos EUA, para cobrir um evento Wordcon (1984), o jornalista encontrou fãs vestidos com roupas de seus personagens preferidos de séries de cinema e televisão.Inicialmente pensou em utilizar o termo "Masquerade", porém, este se aproximaria do termo que caracteriza a "festa a fantasia" oferecida pelos aristocratas e que tal termo causaria equívocos no Japão.Portanto, utilizou-se do termo Costume-Acting ou Costume-Play, quando então adaptou a palavra para Cosplay, conservando o hábito da língua japonesa de encurtar expressões longas. A primeira aparição ligada ao conceito Cosplay foi em 1982, no evento Comic Market, em que as pessoas usavam camisetas feitas por eles, com seus personagens favoritos.Nos EUA em 1984 que o costume de usar a roupa de seu personagem predileto em eventos foi descoberta pelos japoneses, foi a partir daí que o termo foi estabelecido. No Japão tal movimento ganhou notoriedade, houve uma adaptação do conceito norte-americano para seus costumes e cultura, dando ao Cosplay uma identidade próxima ao teatro NOH. Nos EUA, o conceito se aproximou da teatralidade da Broadway, na qual o Cosplayer sobe no palco para cantar uma música, dançar e até mesmo fazer uma representação inédita, sobre o personagem cosplayado. No Brasil a atividade passou a ser desenvolvida em 1996/1997, com eventos promovidos pela ABRADEMI ( Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações).
O público apreciador de Anime, Mangá e Cosplay cresceu vertiginosamente nos últimos anos, sendo que alguns são extremamente fanáticos e por isso são denominados de OTAKU, ( Venezian, 2004).
Nota-se que a população que mais se interessa pelo Cosplay é o adolescente, uma vez que é nesta faixa etária que há uma maior crise em busca do estabelecimento de uma nova identidade.
O JOGO DE SUA ORIGEM : "ATLAS".
Como num jogo, seus pais se aproximam sem grande envolvimento. O alvo foi atingido – A gravidez aconteceu. A responsabilidade do paciente desde de o início de sua vida, tem sido carregar o mundo da relação afetiva de seus pais nos ombros, fato que o aproxima da figura mitológica de Atlas que é condenado a carregar a abóbada celeste com cuidado e ódio, durante toda sua vida o que fez o personagem viver o cansaço da condenação. Por esta semelhança o paciente será chamado "Atlas".
O JOGO DE SEU DESENVOLVIMENTO: UMA MÃE QUE NÃO CONSEGUE FALAR DO FILHO.
Frente a solicitação para falar sobre o desenvolvimento de seu filho, Clímene – dá maior ênfase sobre a vida dela, havia chegado de outro estado, apaixonada por um homem com quem trabalhava, tal relação não deu certo e neste ínterim conheceu Iápeto, e após um breve namoro engravidou. Tal gravidez parece ter resolvido o conflito da mãe, que sabia que não seria aceita em sua terra natal, pois em função de valores religiosos havia cometido em imperdoável erro. Portanto, a gravidez foi a salvação de sua reputação já que com o nascimento de Atlas,sua imagem foi restabelecida, fato pelo qual a mãe parece sentir-se em dívida eterna para com o filho, não conseguindo impor-lhe limites condenando-o manter-se sobrecarregado com peso de ser o responsável pela união dos pais e manter-se eternamente o elo que os une – este peso que carrega – o peso da infantilização.
O JOGO DA ADOLESCÊNCIA: A BUSCA DESESPERADA
Um pai desesperado busca ajuda para seu filho que rompeu com a escola, rompeu com os amigos e familiares, e o grande temor do pai é que ele rompesse com a realidade e talvez com a vida.
O desespero de Atlas: Não conseguir mais continuar a carregar em seus ombros a responsabilidade pela relação dos seus pais, e simultaneamente conseguir frear o tempo para não ter que assumir uma identidade adulta. Para aliviar o peso cada vez mais insuportável e conflituoso, entre manter-se numa dinâmica já saturada ou ir de encontro a nova identidade, Atlas busca refúgio na fantasia povoada por personagens violentos, hostis, inacessíveis, distantes afetivamente que se mantém alheios a realidade – e o protegem de modo alicitório das frustrações inerentes ao processo de crescimento. Dominado pelo mundo de fantasia começou a participar de encontros COSPLAY, vestindo-se inteiramente de preto.
Estes encontros envolvem o conhecimento profundo do personagem Cosplayado tanto fisicamente como psicologicamente. Ser capaz de interpretá-lo corretamente e a roupa deve ser o mais semelhante possível a do personagem interpretado, e o mesmo valendo parar aspectos físicos.
Uma mãe desesperada quer manter uma situação em que fique garantida a manutenção da dinâmica familiar tal como sempre foi. Evitando promover o crescimento do filho, aceitar as mudanças inerentes ao fato dele ser um adolescente, dificultando o amadurecimento dele, superprotegendo-o e repetindo situações em que é estabelecido um conluio entre os dois, contra o pai – fato que incrementa as fantasias edípicas de Atlas, não facilitando o luto pela Exogamia ( Kalina ).
VÍNCULO TERAPÊUTICO
Os primeiros contatos com Atlas foram permeados de intenso silêncio e distanciamento, sendo que qualquer tentativa de aproximação era vivenciada de modo hostil, aparentando indiferença.
Frente a esta postura ensimesmada do paciente, uma alternativa possível de contato foi, o que para os pais era o motivo de tanta preocupação. Passou a relatar para a terapeuta, mediante solicitação desta, o conteúdo das histórias dos jogos que participava via internet, o que resultou num caminho de acesso ao seu mundo interno, fato que possibilitou o estabelecimento de uma relação terapêutica positiva.
Atlas por meio dos personagens interpretados, sempre misteriosos, poderosos, distantes, mostrou o quanto utilizava uma identidade alternativa para evitar o contato com seus aspectos mais sensíveis e fragilizados, frente aos quais se desorganizava.Para enfrentar tal desorganização, cria um mundo imaginário onde tudo funcionava segundo os seus desejos onipotentes de controlar as frustrações inerentes ao contato com a realidade externa, evadindo-se, deste modo, do enfrentamento da dor psíquica.Desta forma, portanto, paulatinamente o vínculo foi sendo estabelecido e o manejo terapêutico foi sendo realizado, outro recurso foi à aplicação do Teste das Relações Objetais de Phillipson – TRO, que num primeiro momento serviu como um instrumento diagnóstico e prognóstico. Ao longo dos atendimentos, no entanto, adquiriu uma função de facilitador da relação terapêutica, o que reforça as descobertas sobre o valor terapêutico em adolescentes com o TRO, segundo estudos de diversos autores entre eles ( Kalina, 1980; Osborne, 1987; Andriatte, 1995).Aos poucos o paciente foi migrando dos jogos eletrônicos para formas de contato via Internet próprios entre os adolescentes que são: MSN e ORKUT , em que há a possibilidade de a pessoa criar uma página contendo dados pessoais, fotos e preferências. Tal atividade possibilitou a Atlas que estabelecesse uma rede de contatos com outros jovens. Até que se interessou profundamente por uma jovem de outra cidade relativamente próxima à sua.Com o transcorrer do tempo vieram se comunicar por telefone e marcaram um encontro pessoal na cidade da moça. Frente a estes acontecimentos Atlas se mostrava mais motivada ir para escola, realizar atividades físicas e ampliar seus contatos interpessoais.
Durante esta fase a terapeuta conseguia aproximá-lo de aspectos mais construtivos e sensíveis dele mesmo que ele projetava e tentava estimular em sua namorada virtual. Sua relação deixou de ser tão simbiótica com a mãe e já não afrontava tanto seu pai, conseguindo, mesmo, estabelecer vínculos mais próximos afetivamente com o este, o que indicava que o processo de elaboração das angústias edípicas estava sendo enfrentado. Demonstrou nas sessões preocupações com a escolha profissional o que até então, não havia merecido sua atenção.
Revelando uma grande dificuldade de comunicar a seus pais que pretendia conhecer a jovem com quem estava se relacionando via Internet. Solicitou a psicoterapeuta uma sessão entre ele, e os pais para que pudesse falar sobre suas pretensões. O que denotou sua considerável dificuldade de transmitir para seus progenitores o desejo em conhecer a jovem; implicitamente, isto, significava assumir seus interesses heterossexuais perante estes. A presença da terapeuta, nesta ocasião foi um fator facilitador para que a família pudesse se comunicar. Deste modo, a psicoterapeuta aproveitou para apontar e levá-los a refletir a difícil dinâmica familiar que compartilhavam.
Neste sentido cabe lembrar as contribuições de Kalina (1979), no qual ressalta a necessidade de que no atendimento a adolescentes, posturas inflexíveis e ortodoxas devem ser evitadas, e algumas adaptações na técnica de atendimento por vezes são necessárias. Porém, nem tudo são flores...e um acidente de percurso veio alterar a rota ascendente de desenvolvimento de Atlas. Após, reiteradas tentativas ele conseguiu ir até a cidade na tentativa de conhecer a jovem. Qual não foi a sua surpresa ao constatar que ela havia mentido para ele, pois tinha colocado como foto na Internet um retrato de sua amiga e não dela. Portanto, ele foi vítima de uma mentira, já que a moça por quem havia se apaixonado era a de seus sonhos, e a real não. Ao tomar contato com a realidade Atlas se sentiu profundamente frustrado e frente ao episódio regrediu voltando-se novamente aos jogos de computador.Esta situação tem-se mostrado dolorosa, porém, rica para que se possa trabalhar, sobre bases reais, sua dificuldade de enfrentar a frustração. Após, reiteradas interpretações tentando aproximá-lo de seus sentimentos hostis e possibilidades de reparação , o paciente que inicialmente se recusava a dar uma nova chance para a moça , indicando rigidez e onipotência., voltou a se comunicar com a jovem demonstrando uma atitude mais tolerante o que parece ser indício de uma busca de amadurecimento.
Conclusões
Neste momento o paciente está enfrentado situações desafiadoras para sua estrutura onipotente, porém é nítido como tem solicitado mais a ajuda da psicoterapeuta e de seus pais, sobretudo, do pai. Sendo perceptível uma evolução em sua dinâmica psíquica. Ao longo do período de atendimento foi se tornando evidente que a função dos jogos eletrônicos para Atlas, variou de duas modos: o primeiro, como uma forma de isolamento e fuga da realidade externa, buscando grupos que não se apresentam com a própria identidade, vivendo a identidade de seus ídolos.O segundo, quando abandona os jogos e vai a busca de contatos reais, sendo o computador apenas um meio de aproximação entre ele e o grupo, e entre ele e o sexo feminino, deixando claro suas dificuldades de estabelecer um contato direto com o sexo oposto. De certa maneira os jogos e o próprio computador (Internet) parecem representar uma espécie de Objeto transicional, como o proposto por Winnicott (1971), apenas , que, próprio da atual adolescência.
Conclui-se, portanto, que a família deve estar permanentemente atenta para o uso que o adolescente faz destes novos recursos, pois como foi visto, eles podem adquirir tanto uma forma negativa levando o adolescente a se isolar em um mundo ilusório, afastando-o dos contatos interpessoais tão necessários nesta fase; ou sendo uma forma de aproximação e facilitação para que o jovem enfrente suas dificuldades no estabelecimento dos vínculos interpessoais. No caso exposto o desespero do pai na busca de ajuda foi um fator determinante para que o adolescente pudesse ser ajudado num momento inadiável, pois um descuido dos pais poderia ter representado uma maior complicação e comprometimento parta o desenvolvimento de Atlas.
Atualmente Atlas enfrenta tal conflito de maneira mais assistida e com maiores possibilidades para não ser tragado pelos jogos de computador, com melhores recursos para se defender. A partir de uma maior compreensão de sua dinâmica intrapíquica e do trabalho com seus pais que tem se empenhado para ajudá-lo.
Referências Bibliográficas
ANDRIATTE, A. M. Relações objetais em adolescentes luto e melancolia. São Bernardo do Campo. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clinica). Instituto Metodista de Ensino Superior. 1992.
ABERASTURY, A. e Colaborações. Adolescência, Porto Alegre. Trad. Ruth Cabral. Porto Alegre, Editora Artes Médicas. 1980.
------------ Adolescência normal, Porto Alegre. Trad. Suzana M.G.Balive. Porto Alegre, artes Médicas. 1981.
----------- Adolescência e psicopatia, Adolescência normal, Porto Alegre. Trad. Suzana M.G. Balive, Porto Alegre, Editora Artes Médicas. 1981.
BLOS, P. Adolescência. Uma interpretação psicanalítica. São Paulo. Martins Fontes. 1985.
---------- Los Comienzos de la adolescência.Buenos Aires. Amovortu Editores. 1983.
CASTELLAR, C. & FREITAS, L. Crise da adolescência: Visão psicanalítica. Rio de Janeiro. Editora Rocco Ltda. 1989.
FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro. 5ª Edição. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1956.
GALLATIN, J. E. Adolescência e individualidade, São Paulo. Harbra. 1978.
KALINA, E. Psicoterapia de adolescentes, teoria técnica e casos clínicos. Rio de Janeiro. Trad. Carlos R, Amorim da Silva. Francisco Alves Editora S/A. 1979.
KLEIN,M. Psicanálise da criança. São Paulo. Mestre Jou Editora. 1932.
KNOBEL, M. A síndrome da adolescência normal. In Adolescência normal. Porto Alegre. ABERASTURY A. e KNOBEL M.Trad. Suzana M. G. Balieve.Editrora Artes Médicas. 1981.
KNOBEL, M. & ROSENTHAL, G. El piensamiento en el adolescent e en el adolescent psicopático. In psicanálise de la mania y la psicopatia. Buenos Aires. RASCOVSKY, A. , & LIBERMAN, D. Editorial Paidos. 1979.
OSBORNE, E. The o. r. t. and adolescents whith examination anxieties.british journal of projective psychology. London. Vol 32, vol. 32, No. 45-59. 1987.
SCHILDER,P. A imagem do corpo, São Paulo. Martins Fonte e Editora ltda. 1981.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de janeiro. Imago Editora. 1971.