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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Dissertando com saúde: redação e promoção de saúde na sala de aula

 

 

Rodrigo Moura Lima de Aragão

FGV-EAESP (Especialização em Administração) FFLCH-USP (Bacharelado em Letras) UF: SP

 

 

Introdução

A acepção de educação vem migrando de uma perspectiva notadamente teórica para uma perspectiva prática, visando a formação para a vida. É preciso que a atuação dos agentes educacionais extrapole os limites dos conteúdos exigidos em vestibulares, exames e mercado de trabalho, preparando o indivíduo para superar os obstáculos do cotidiano. Destacam-se, no conjunto de conhecimentos essenciais para uma vida de qualidade, as informações sobre saúde, sobretudo, as formas de prevenção de doenças relacionadas aos hábitos/comportamentos de um indivíduo.

Com o objetivo de disseminar informações de saúde e conscientizar adolescentes, vem sendo implementado na ong Grupo Humanista Educação Além da Escola, zona leste de São Paulo, desde fevereiro de 2005, o projeto Dissertando com Saúde. Voltado a estudantes de 13 e 14 anos, em sua maioria da rede pública de ensino, o projeto visa inserir, no contexto das aulas de redação (focadas na dissertação), a promoção de saúde. Neste trabalho, serão analisadas as três primeiras aulas da turma de fevereiro1 do projeto, compondo um panorama prático da proposta. Na primeira aula, foram aplicados questionários visando identificar comportamentos danosos ao organismo dos alunos e foi trazida uma proposta de redação que buscou delinear a opinião deles sobre esse tipo de iniciativa. As duas aulas seguintes tiveram suas propostas de redação baseadas nos resultados da primeira, colocando em discussão temas que abrangessem questões de saúde e trazendo informações importantes para a prevenção do câncer de pele e informações relacionadas à importância da água para o corpo humano. Ao final do trabalho, são expostos os principais pontos e conclusões do projeto, além de recomendações para mudanças em maior escala e pontos falhos/dificuldades encontradas.1

Aula 1 - "O que eu aprendi sobre saúde na escola e minha opinião sobre o que foi feito" e pesquisa de comportamento. A primeira aula teve, em sua proposta de redação, o seguinte tema: "O que eu aprendi sobre saúde na escola e minha opinião sobre o que foi feito". Procurou-se descobrir o que os alunos pensavam a respeito de iniciativas desenvolvidas na intersecção da saúde com a educação e dois pontos principais foram extraídos de seus textos: a ênfase dada pelas escolas nas questões da AIDS e das drogas; a boa receptividade dos alunos quanto a esse tipo de trabalho.

São exemplos que demonstram o primeiro ponto os seguintes excertos:

"Hoje em dia as escola costuma muitas vezes a falar sobre o assunto da AIDS e drogas e o modo de prevenção, mais poucas vezes ouvi falar sobre câncer ou tivemos palestras com médicos." C.G.P.2

"Nas escolas, atualmente, o tema mais discutido é a Aids..." D.L.D.

"Na minha escola tivemos no ano que se passou, aulas muito bem preparadas e informativas com vídeos, e, diálogos diretos e claros sobre DST's." A.N.S.C.

"Tivemos palestras sobre doenças sexuaumente transmissíveis como a AIDS, Herpes genital, sífilis. Aprendi como prevenir e tratar essas doenças..." G.I.F.

"Bom, na escola sempre tiveram várias palestras falando sobre AIDS, drogas, acho que isso é muito importante para mim, pois..." C.C.

Nota-se a ênfase dada à AIDS e às drogas nas escolas. Isso foi importante por mostrar que não seria interessante trabalhar esses temas nas aulas de redação, uma vez que já haviam sido bastante desenvolvidos nos cursos regulares. Essa ênfase ainda trouxe à tona outra questão: a atuação das escolas se limita às doenças sexualmente transmissíveis e drogas ou deve abranger uma formação básica em saúde, mais ampla?

Já estes excertos referem-se à receptividade dos alunos:

"...a professora, esta querendo fazer um trabalho sobre Aids e doenças sexuaumente transmísivas com os alunos, então ela encinou algumas coisas sobre a Aids, não foi muitas coisas porque o sinal ia bater, mas eu acho muito legal ela querer encinar..." R.P.S.

"Na minha opinião estes assuntos não deveriam ser dados uma vez ou outra, em palestras e sim pelo menos uma vez na semana estes assuntos serem debatidos em sala de aula e com todos os professor..." C.C.

"Tudo depende de nós pois, se médicos, nutricionistas e até mesmo psicólogos tomarem a iniciativa de dar palestras nas escolas (públicas principalmente) tudo ficaria bem... melhor!" A.N.S.C.

Percebe-se uma boa receptividade dos alunos quanto às iniciativas de saúde na educação. Isso é também importante, pois, sem o interesse pela atividade, dificilmente aquilo que for transmitido por ela será bem assimilado pelos alunos. Essa turma mostrou-se receptiva a este projeto, o que foi favorável quanto a esse ponto.

Além da proposta de redação, foi aplicado um questionário (em anexo) com 10 perguntas sobre os hábitos/comportamentos dos alunos. Duas perguntas foram selecionadas para o trabalho das aulas seguintes: "Quando você fica ao ar livre na cidade, você passa protetor solar? " e "Quantos copos de água você costuma beber por dia?". Os resultados foram os seguintes:

Figura 1 - Porcentagem de respostas (de um total de 20 respondentes)3

Figura 2 - Porcentagem de respostas (de um total de 20 respondentes)4

Ambos os resultados serviram de base para a elaboração das propostas de redação das aulas seguintes.

Aula 2 - "Saúde ou mídia? O que você suportaria pelos padrões de beleza divulgados pela televisão, revistas e demais meios de comunicação?" Segundo a pesquisa realizada, 60% dos alunos não faziam uso de protetor solar na cidade, sendo que a incidência dos raios ultravioletas não se limita ao litoral. "A radiação ultravioleta é a principal responsável pelo desenvolvimento do câncer e o envelhecimento da pele." e "...se concentra nas cabines de bronzeamento artificial e nos raios solares." (Sociedade Brasileira de Dermatologia). A partir disso, estabeleceu-se como objetivo dessa aula conscientizar os alunos sobre o câncer de pele, suas principais causas e formas de prevenção.

Entretanto, o tema proposto não poderia ser "Câncer de pele", pois seria de difícil desenvolvimento em um texto dissertativo. Então, optou-se por um tema maior - "Saúde ou mídia? O que você suportaria pelos padrões de beleza divulgados pela televisão, revistas e demais meios de comunicação?" -, questionando a busca pelo padrão de beleza difundido pela mídia, padrão esse que, no que se refere à pele, no Brasil, prega uma pele bronzeada como sinônimo de saúde e/ou beleza. Junto da proposta de redação, foram inseridas informações que esclareciam: (1) o que é o câncer de pele; (2) principais responsáveis pelo desenvolvimento desse câncer; (3) como se proteger dos raios ultravioletas; (4) grupos de maior risco.

Foram realizadas a leitura e a discussão do texto em sala de aula. Os alunos se manifestaram não apenas com relação à pele, mas também quanto aos implantes de silicone e cirurgias (que visam, muitas vezes, ajustes em direção aos padrões de beleza da mídia). Um ponto importante é que, embora o tema tenha sido previamente estudado, os alunos fizeram perguntas que exigiram um conhecimento mais profundo sobre o câncer. Foi mencionado que a hereditariedade é um fator importante a ser ponderado quando o assunto é câncer, entretanto, não foi possível responder se "todos os tipos de câncer são hereditários?". O básico foi transmitido, porém, para o esclarecimento de dúvidas maiores, a visita a um médico foi recomendada.

Aula 3 - "Água, um bem raro, e políticas públicas e sociais: o que o governo poderia fazer para otimizar o uso da água no Brasil?" Segundo os dados coletados, pelo menos 60% dos alunos não bebiam a quantidade mínima de água recomendada para o bom funcionamento do organismo. A partir desse dado, estabeleceu-se como objetivo dessa aula conscientizar os alunos sobre a importância da água para o corpo humano.

Novamente, o tema a ser abordado não poderia ser "Ingestão de água", tendo-se optado, então, por "Água, um bem raro, e políticas públicas e sociais: o que o governo poderia fazer para otimizar o uso da água no Brasil?". Foram trazidas algumas previsões da Unesco, com relação ao acesso à água em escala mundial, e foram contrastadas essas estimativas com as informações sobre a importância da água para o corpo humano - problemas de saúde decorrentes da ingestão insuficiente de água e funções da água no organismo.

O texto foi lido e o tema, discutido. Frisou-se a importância de se beber bastante água, principalmente, no verão. Os alunos trouxeram sugestões para acabar com o desperdício da água em São Paulo, como, por exemplo, o uso de um sistema de cotas de água, com o qual cada casa poderia gastar uma quantidade X de água, previamente estabelecida. Além disso, a menção sobre a prisão de ventre, como possível resultado de uma ingestão insuficiente de água, causou certo alvoroço na turma, com muitos risos, sendo um ponto interessante a ser pensado é que

algumas doenças devem ser discutidas, com os adolescentes, de forma descontraída, dando liberdade a brincadeiras, pois estas facilitam a abordagem (por desinibirem a turma).

 

Conclusões

Dissertando com Saúde foi o primeiro projeto na intersecção da saúde com a educação realizado no Grupo Humanista Educação Além da Escola. É importante destacar que a ong recebeu bem a proposta, contribuindo para a sua realização a flexibilidade permitida aos professores em sala de aula pela ong. Outro ponto que merece menção é a importância da pesquisa para esse tipo de ação. Se não se conhecessem os comportamentos danosos ao organismo dos alunos, não seria possível realizar um trabalho direcionado a esses comportamentos. Entretanto, faltou base teórica para a composição da pesquisa. As perguntas foram formuladas de forma aleatória, com base em pesquisas em sites de saúde da internet. Grande parte das perguntas foram deixadas de lado, em decorrência de sua falta de adequação à proposta de trabalho. O ideal seria ter uma base de conhecimentos fundamentais em saúde, a partir da qual se identificassem comportamentos danosos ao organismo, para, então, verificar se os alunos têm esses comportamentos e realizar ações dirigidas de acordo com os resultados.

Um ponto negativo do projeto foi a descontinuidade com a primeira turma. Isso impossibilitou realizar uma avaliação de conhecimentos, após o seu término, com os participantes. Assim sendo, não foi possível verificar o grau de assimilação dos participantes com relação ao que foi transmitido. Esse é um problema específico da ong, que provavelmente não estaria presente em outros lugares. A alta rotatividade de alunos é um problema enfrentado pelo cursinho como um todo e vem sendo foco de discussões na ong.

A receptividade dos alunos ainda merece ser frisada. Pôde-se perceber, nas aulas, que eles têm consciência da importância desse tipo de ação para suas vidas. Entretanto, como colocado antes, será que são suficientes as ações das escolas direcionadas apenas para a AIDS, demais doenças sexualmente transmissíveis e drogas? Ou uma formação em saúde seria o ideal, principalmente no que se refere aos problemas decorrentes de determinados maus hábitos/comportamentos? Existe bastante trabalho a ser feito nesse campo, sendo sugerido o desenvolvimento de ações voltadas para a alimentação saudável, postura correta, prática de atividades físicas e demais componentes preventivos. Além de mais inteligente, a prevenção também é mais barata. Porém, um trabalho com maior escala e de maior abrangência exigiria tanto a articulação do estado nas escolas, quanto uma formação diferenciada nas universidades para os professores. A questão é bastante abrangente, envolvendo, portanto, a longo prazo, o governo e o meio acadêmico; e, a curto prazo, como paliativos, organizações não-governamentais e mesmo o setor privado.

 

Sites consultados

Sociedade Brasileira de Dermatologia - http://www.sbd.org.br/

Boa Saúde - http://boasaude.uol.com.br/ (site no qual consta o artigo da eHealth Latin America, do Dr. João Roberto D. Azevedo, publicado em 2000)

 

Sobre o Grupo Humanista Educação Além da Escola

E-mail para contato: gheae.educ@bol.com.br

Local, dia e horário das atividades: as atividades do cursinho são realizadas na Escola Estadual Nagib Izar, Rua Rego Barros (paralela à Rua Rio das Pedras), 995, Vila Antonieta (a 20 minutos do metrô Carrão), zona leste da cidade de São Paulo. As aulas são ministradas aos sábados, nos períodos da manhã e tarde.

 

Anexos

Encontram-se em anexo o questionário aplicado e a proposta de redação da primeira aula, ambos formatados de acordo com os padrões do simpósio. Na proposta, foram extraídas 5 linhas do espaço reservado para a redação, a fim de adaptá-la ao formato requerido.

 

PESQUISA DE COMPORTAMENTO

ATENÇÃO: responda a esta pesquisa com seriedade, pois ela servirá de base para a preparação das aulas de redação do primeiro semestre letivo de 2005. Assinale com um "X", à caneta, apenas 1 resposta para cada questão.

Exemplo:

Quantos chocolates você come por dia?

( ) nenhum ( X ) 1 chocolate ( ) até 4 chocolates ( ) 5 ou mais

1. Quantos copos de água você costuma beber por dia?

( ) 2 ou menos ( ) entre 2 e 4 ( ) entre 4 e 6 ( ) entre 6 e 8 ( ) mais de 8

2. Você come frutas todos os dias?

( ) sim ( ) não

3. Você come alimentos integrais, como pães e arroz integral, todos os dias?

( ) sim ( ) não

4. Você costuma ficar muito tempo (mais de 3 horas) sem comer?

( ) sim ( ) não

5. Quantas vezes por semana você costuma praticar atividade física?

( ) nenhuma ( ) 1 vez por semana ( ) 2 vezes por semana ( ) 3 vezes por semana

6. Antes de praticar atividade física, você faz aquecimento?

( ) não ( ) quando lembro ( ) quando o professor orienta ( ) sempre

7. Quando você fica ao ar livre na cidade, você passa protetor solar?

( ) nunca ( ) às vezes ( ) quando o sol está forte ( ) sempre

8. Você tem o costume de examinar sua pele?

( ) sim ( ) não

9. Quantas vezes por ano você costuma ir a um médico?

( ) nenhuma ( ) 1 vez por ano ( ) mais de 1 vez por ano

10. Você tem algum tipo de receio em ir a um médico?

( ) sim ( ) não

Se você respondeu sim, por quê?

 

PROPOSTA DE REDAÇÃO - AULA 1

Escreva, à caneta, um texto dissertativo em prosa de cerca de 20 linhas sobre o seguinte tema:

"O que eu aprendi sobre saúde na escola e minha opinião sobre o que foi feito".

Fale sobre as experiências de aprendizado em saúde que teve nas escolas onde estudou, dando sua opinião sobre o que foi feito. Aulas sobre a prevenção da Aids ou sobre o efeito das drogas no corpo são exemplos dessas experiências, assim como palestras com médicos e especialistas sobre formas de diagnóstico e prevenção do câncer. Qual a sua opinião sobre o que foi feito na sua escola? Você acha importante esse tipo de ação? Por quê? O que mais você acha que poderia ser feito nas escolas para ajudar os alunos a ter mais saúde?

Escreva em linguagem formal, procurando compor criatividade e coerência no seu texto. Não se esqueça do título. Você tem até 40 minutos para elaborar a sua redação. Boa prova!

 

 

1 - A primeira turma teve início em fevereiro de 2005, permanecendo junta até abril do mesmo ano. A partir de maio, o projeto foi iniciado em uma nova turma, pois aquela primeira foi diluída em outras duas turmas antigas. Esse processo tem se tornado comum no cursinho, em decorrência da alta rotatividade de alunos. Se, por um lado, há um grande número de estudantes que deixam o cursinho, por outro, continuam procurando a ong diferentes pais durante todo o ano.
2 - Foram utilizadas apenas as iniciais dos alunos, a fim de preservar suas identidades.
3 - Embora exista uma falha na escala construída - "às vezes" pode equivaler a "quando o sol está forte" -, isso não anula o fato de que 60% dos alunos nunca passam protetor solar na cidade.
4 - Nessa questão, houve uma falha no estabelecimento dos intervalos, pois, como o mínimo recomendado de água por dia é 1,5 litros (7 copos e 1/2) - de acordo com o Dr. João Roberto D. Azevedo (eHealth Latin America, 2000) -, o ideal seria ter inserido uma alternativa como "7 copos e 1/2 ou mais", para identificar a porcentagem de alunos que bebe a quantidade mínima recomendada ou mais. Entretanto, isso não impede que, a partir dos dados obtidos, afirme-se que, pelo menos, 60% dos alunos não ingerem a quantidade mínima recomendada de água, havendo outros 20% que podem, ou não, beber essa quantidade.