2A ausência da função paterna no contexto da violência juvenilA adolescência como ideal social author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Protocolo de orientação ao adolescente multiplicador nas áreas de sexualidade, DST/AIDS, planejamento familiar e métodos contraceptivos

 

 

Arruda, Francisca Vieira de Araújo*; Okakazi, Egle de Lourdes Fontes Jardim**; Magalhâes, Irene Pereira de***

Hospital Maternidade Interlagos - Governo do Estado de São Paulo

 

 

Introdução

Segundo alguns autores, a adolescência é uma fase evolutiva do ser humano e deve ser considerada a partir de vértices biológicas, psicológicas e sociais. Nesse contexto, aparece a "crise" como algo próprio do sujeito, quando nele se operam transformações e crescimento marcados por desorganizações físicas, sociais psíquicas e por conseqüentes reorganizações. Toda crise nos coloca diante de urgências, medos, perdas, inseguranças, desafios, necessidades de enfrentamentos e superações.

Neste momento especial do ciclo da vida, o grupo social exerce papel significativo no processo de formação e desenvolvimento do adolescente. Muitas atitudes e modos de perceber o mundo, o "outro" e a si mesmo são influenciados pelo grupo, onde o adolescente está inserido e com o qual se identifica. Torna-se por si só possível multiplicador de idéias, valores e concepções, podendo ser um recurso valioso no processo educativo.

A situação grupal, por um lado, permite ao jovem diferenciar-se do mundo, satisfazendo sua necessidade de liberdade e contestação. Por outro lado, mantém sua integridade psíquica e social, uma vez que fatores como acolhimento, proteção, vínculo, confiança e igualdade são privilegiados. Num ambiente "seguro", em que deposita confiança e esperança, este sujeito singular pode vivenciar vários papéis, realizar novas "identificações", novas configurações e reestruturações de sua personalidade.

Surge aqui, a necessidade de se criar espaço salubre que estimule o sentimento reivindicatório de mudanças urgentes no âmbito pessoal e social.

Os adolescentes demonstram algum conhecimento sobre os métodos contraceptivos e as doenças sexualmente transmissíveis, porém, verifica-se a importância de se desenvolver projetos que privilegiem o exercício da personalidade inquisitivo, criativa e reflexiva da adolescência.

 

Justificativa para o projeto

As diretrizes das políticas de saúde para a adolescência, no Brasil, enfatizam a importância de ações na promoção de saúde e prevenção de agravos, concretizando-se através de intervenções educativas, com a participação efetiva dos adolescentes na elaboração, implementação e avaliação das ações.

Com a criação do SUS (1988) , oficializa-se um novo conceito de Saúde, já preconizado, anteriormente na carta de Otawa (1986).

Saúde não é mais vista apenas como "ausência de doença", destaca-se aqui a prioridade para atividades preventivas, de assistência integral ao indivíduo e de participação efetiva da comunidade no exercício de sua cidadania e melhoria de seu meio, repercutindo em seu bem estar biopsicossocial.

Assim, o projeto em questão tem como proposta primária delinear possibilidades para formação de agentes multiplicadores de informação e transformação em sua própria comunidade. As ações educativas nas áreas de Sexualidade, DST/AIDS, Gravidez na Adolescência e Métodos Contraceptivos foram escolhidas como temáticas, tendo como referência levantamento estatístico do número de adolescentes gestantes atendidas no Ambulatório do Hospital Maternidade Interlagos (HMI) e diagnóstico, realizado em 2002, de parturientes menores de 19 anos, no município de São Paulo. O estudo de Maria Cecília Comegno revela os seguintes dados:

"Mães adolescentes nas áreas periféricas correspondem a mais de 15% do total de mães."

"Em 2002, 29.600 nascimentos em São Paulo ocorreram entre mães com menos de 20 anos de idade, o que corresponde a 16% do total dos nascidos vivos no respectivo ano. A distribuição por idade detalhada entre 10 e 20 anos, mostra que em 2002, mais da metade dos nascimentos nessa faixa ocorreu aos 18 e 19 anos de idade."

Levou-se em consideração ainda o Grupo de Orientação à Adolescente Gestante e Grupo de Aconselhamento em Planejamento Familiar desenvolvidos no Ambulatório do Hospital Maternidade Interlagos, mesma instituição em que se realiza o projeto ao qual se refere esse relato.

No grupo de Adolescentes Gestantes participam em média 30 adolescentes, as reuniões ocorrem semanalmente e nelas são discutidas temáticas como: Relação Mãe-Bebê, Desenvolvimento Fetal, Amamentação, Cuidados com o Bebê, Sinais e Sintomas de Parto,

Planejamento Familiar. Cada grupo participa de 06 reuniões. Anualmente, são atendidas cerca de 240 adolescentes gestantes nos grupos de Orientação.

Com relação ao grupo de Aconselhamento em Planejamento Familiar, a população que dele participa chama a atenção pelo fato de tratar-se de casais que manifestam interesse exclusivo pelo métodos definitivos de contracepção (laqueadura ou vasectomia)

Diante dos fatos relatados, pensou-se numa proposta com caráter preventivo, destinado especificamente ao adolescente, com uma metodologia diferenciada que abarcasse o desenvolvimento de potencialidades e de possibilidades para informação mas, principalmente, para o desenvolvimento pessoal e humano.

Os adolescentes serão estimulados a refletir criativamente quanto às questões relacionadas à Sexualidade, Reprodutividade, Gravidez na Adolescência, DST/AIDS e Métodos Contraceptivos. Serão potencializados em seus recursos pessoais para promoção de ações preventivas nestas áreas, na perspectiva de que estes jovens sejam multiplicadores, em sua comunidade, das reflexões e orientações processadas durante sua participação no Projeto.

Quando o adolescente entende que está participando do Projeto com um claro propósito – o de disseminar conhecimento e mudanças – pode sentir-se motivado nas reuniões, construindo e reconstruindo formas de pensar sua realidade e desenvolver plenamente sua cidadania, numa expectativa de cooperação e integração.

 

O que é o Projeto

O Protocolo de Orientação a Adolescentes Multiplicadores nas Áreas de Sexualidade, DST/AIDS e Métodos Contraceptivos é um projeto com Adolescentes na faixa etária de 13 a 18 anos, oriundos de escolas públicas da periferia de São Paulo (região Sul 3), da rede particular de ensino e centros comunitários dos arredores onde está situado o Hospital Maternidade Interlagos. Chegam ao Projeto através de coordenadores das escolas em que estudam ou de líderes comunitários que desenvolvem com eles alguma proposta de desenvolvimento de cidadania (Programa Agente Jovem).

Delineia-se assim, possibilidades para formação de Jovens Agentes Multiplicadores de ações preventivas na área de saúde em sua própria comunidade.

São formados grupos, com no máximo 20 participantes do sexo masculino e feminino; cada grupo tem duração de 04 encontros, totalizando uma carga horária de 16 horas.

 

Objetivo Geral

Potencializar recursos pessoais de adolescentes para multiplicarem ações reflexivas nas áreas de Sexualidade, DST/AIDS e Métodos Contraceptivos...

 

Objetivos Específicos

 

Como é desenvolvida a proposta (Metodologia)

I. O Método e os Encontros

São realizados grupos fechados com 20 participantes, com os quais são realizados 04 encontros, com duração de 04 horas cada. A metodologia aplicada é a participativa, na qual sempre se propõe uma tarefa ao grupo para servir de ferramenta e "gancho" para o desenvolvimento do tema do dia.

II. Visão de Homem

Essa proposta metodológica de trabalho educativo com adolescentes multiplicadores é pautada em uma concepção otimista de Homem. Segundo a teoria de Jacob Levi Moreno (psiquiatra romeno), todo o indivíduo nasce com fatores favoráveis ao seu desenvolvimento, com potencialidades para a auto-realização, desenvolvimento pessoal e coletivo. São três as condições favoráveis, inerentes à condição humana, a saber:

Moreno entende que o Homem é um ser social, sua realidade é construída através de sua ação no mundo e significada através do outro. E é no movimento mediado pelo outro que aprende, elabora, transforma o que é e se desenvolve. As condições favoráveis podem ser perturbadas por ambientes sociais constrangedores.

Acreditando nesses fatores, técnicas educacionais serão utilizadas como recursos facilitadores para resgate e expressão destes potenciais humanos.

III. Recursos Facilitadores (Técnicas)

A. Jogos = situações lúdicas que permitem avaliar e desenvolver o grau de espontaneidade e criatividade do indivíduo, através de suas características, estados de ânimo e/ou emoções na obtenção de resolução de conflitos ligados aos objetivos propostos. Segundo Yudi, o resgate do lúdico confere aos participantes uma predisposição para jogar e, conseqüentemente, a diminuição de suas resistências para o trabalho.
B. Sensibilização = técnicas aplicadas como ferramentas facilitadoras para motivar o grupo para o trabalho; os participantes necessitam de aquecimento para trilhar assuntos, muitas vezes delicados, como sexualidade, DST/AIDS, negociar o uso da camisinha, etc.
C. Vivências = Às vezes, são utilizadas no início ou no meio do processo educativo para sensibilizar, incentivar e facilitar a assimilação do conteúdo, outras vezes são recursos aplicados no final de um encontro, após o processamento didático, como fechamento das reflexões: aquecimento – sensibilização – motivação – aprendizagem – elaboração/vivência.
D. Compartilhar = momento em que cada pessoa pode expressar sentimentos, comentários sobre o que se passou durante a atividade, o que mais a tocou. E chamou sua atenção.
E. Processamento Didático = acontece no final de cada encontro, após todo o trabalho de sensibilização, reflexão crítica, discussão, resgate e valorização do conhecimento já existente. Gradativamente, os educadores (facilitadores) vão inserindo novos elementos, num ambiente favorável (previamente preparado), onde se presume que os adolescentes estejam disponíveis para receber novas informações e realizar uma aprendizagem significativa.

IV. A Equipe de Educadores (Facilitadores)

Trata-se de uma equipe composta por psicóloga, enfermeira e assistente social. Embora, com formação técnica diferente, todo o trabalho é norteado por uma prática conjunta, onde a equipe está presente em todas as etapas do processo, sensível às necessidades gerais do grupo, distanciando-se de uma visão fragmentada do sujeito, privilegiando o conhecimento e crescimento humano, sem detrimento técnico e científico.

Os facilitadores utilizam-se do conteúdo trazido pelo grupo, nas apresentações, para inserir novas informações e ampliar as percepções das pessoas, provocando inquietações pessoais em busca de novas estruturações e conhecimento. A premissa básica é a de se criar um clima favorável à motivação para a aprendizagem significativa.

V. Conteúdo Programático

Primeiro Encontro

1) Apresentação do Grupo
2) Integração / Aquecimento para as temáticas do dia
3) Sexualidade / Introdução à
4) Anatomia e Fisiologia do Aparelho Reprodutor
5) Saúde Reprodutiva
6) Cuidados com o Corpo
7) Questões de Gênero (papéis sociais e sexuais)
8)Mudanças físicas e psicológicas na Adolescência

Recursos utilizados: Jogos, massa de modelar, discussão em subgrupos, apresentação em plenário, álbum seriado, aula expositiva

Segundo Encontro

1) Aquecimento
2) Continuando Discussão sobre Sexualidade
3) Negociando o Uso da camisinha
4) Gravidez e DST na Adolescência – Situações de Risco
5) Vivência para sensibilização e reflexão sobre o uso da camisinha

Recursos utilizados: Jogos, Dinâmica de Grupo, Discussão em subgrupos e apresentação, preservativos masculinos para vivência, música, álbum seriado, aula expositiva

Terceiro Encontro

1) Planejamento Familiar (Questões de Reprodutividade)
2) Métodos Contraceptivos

Recursos utilizados: Discussão em subgrupos, Dramatização, Explanação teórica sobre Métodos Contraceptivos e legislação à respeito de Planejamento Familiar

Quarto Encontro

1) Continuando a explanação sobre os métodos
2) Respondendo às dúvidas
3) Despedindo-se do grupo (preparando-se para o desligamento)
4) Reflexões finais
5) Avaliação Qualitativa
6) Encerramento, entrega de Certificados

Recursos utilizados: Jogos, Música, Avaliação Qualitativa, Certificados

VI. Avaliação Qualitativa

A Avaliação Qualitativa dos encontros é solicitada no último dia, é pedido aos adolescentes que se manifestem, anonimamente, à respeito das seguintes questões:

1) O que mais gostaram
2) O que menos gostaram
3) O que faltou
4) O que poderia mudar (sugestões)

 

Resultados:

Com relação à questão sobre o que mais gostaram:
68% referiu-se à metodologia aplicada, destacando os jogos, dinâmicas e postura dos profissionais.
19% revelou que gostou mais de ter aprendido coisas novas
13% relatou que gostou de tudo
"Tudo, tirei esses dias para aprender me conhecer, conhecer pessoas diferentes...que pensa diferente."
"Gostei de tudo, foi muito significativo em minha vida, aprendi muito, gostei das dinâmicas, pois além de ensinar, fazia as pessoas se unir."
"Gostei do jeito que vocês trataram a gente.";
"...principalmente da experiência da camisinha, mostrando que não tira a sensibilidade do homem."

Sobre o que menos gostaram:
19% não manifestou-se à respeito
23% manifestou-se sobre a carga horária, entendendo que foi curta
02% não gostou do primeiro encontro
02% não gostou de realizar apresentações
47% não identificou nenhum item de que não houvesse gostado
05% lembrou o dia que faltou nas oficinas
02% revelou que não gostou da aula sobre anatomia do aparelho reprodutor
"Do tempo... os encontros foram muito curtos, queria ficar mais."
"De ter acabado."

À respeito do que faltou nos encontros:
34% manifestou o desejo de que houvesse mais encontros
04% disse que faltou lanche
11% referiu que faltou mais participação dos adolescentes durante as oficinas
41% revelou que nada faltou
02% entendeu que faltou respeito por parte de alguns colegas
06% relatou que faltou distribuição de preservativos
02% comentou sobre a falta de apresentações em vídeo

Sobre o que poderia mudar:
66% informou que não é necessário nenhuma mudança
09% sugeriu o acréscimo de outras temáticas
21% manifestou o desejo de que aumentasse o número de encontros
02% sugeriu que se gravasse os encontros
02% solicitou a entrega de apostila com o conteúdo dos encontros

 

Considerações Finais

No período de junho de 2001 a maio de 2005 houve a participação de 480 adolescentes no projeto, estes foram originários de escolas estaduais da região sul de São Paulo (centros periféricos), Circo Escola Grajaú (programa sócio-educativo do governo de São Paulo) e Centro Comunitário Jd. Autódromo (favela Vila da Paz). A faixa etária prevalecente foi de 15 e 17 anos.

Os adolescentes chegam ao grupo, aparentemente, assustados e defensivos. Os mecanismos de defesa, naturalmente, ativados pelo medo e insegurança frente à situação desconhecida, se manifestam através da timidez, da resistência quanto à participação e comunicação, nos "risinhos"...

Gradativamente, o grupo vai adquirindo forma, "corpo integrado". O adolescente começa a perceber o grupo não como algo ameaçador, mas como espaço em que pode ser "sujeito", "agente" de sua História... instrumento fundamental para construção de uma nova sinfonia histórica e social.

Percebe-se com poder de fala , pedido tão eloqüente traduzido nas frases de alguns dos participantes dos grupos::

"Ah tia foi legal... porque a gente não gosta de mulher que fica lá na frente só falando e agente ouvindo...Cansa muito..."

"A gente pensou que a hora não ia passar quando a gente ficou sabendo que ia ser 4 horas, mas sabe que eu nem vi a hora passar... já é essa hora?"

"Adolescente quer ser ouvido!"

Pressupõe-se que os adolescentes atendidos nesse projeto não diferem de sua maioria, apesar do baixo poder aquisitivo. Parecem ter as mesmas turbulências, inquietações, necessidade, medos... Ansiedades aguçadas pelo contexto sócio-cultural em que estão inseridos e que não lhes oferece muitas perspectivas.

Outro aspecto observado diz respeito às conservas culturais trazidas pelo grupo, alguns padrões de comportamento e idéias continuam se perpetuando, principalmente com relação aos papéis sexuais e sociais de homem-mulher.

Os adolescentes referem que homens tem mais vantagens do que mulher, sugerem que os meninos "tudo podem ... meninas não..."

"Para o pai se o filho transa é motivo de satisfação, se for a filha é pura decepção" (frase de um adolescente participante do projeto)

"Imagine, a mina que deixa logo passar a mão é vagabunda mesmo" (frase de adolescente participante do projeto)

"O menino se sai com um monte de menina é legal, é garanhão, as meninas até disputam para ficar com ele, mas se a menina fica com vários meninos é chamada de galinha, até pelas outras garotas" (frase de adolescente participantes do projeto)

Quanto às questões sobre Planejamento Familiar, esta concepção parece muito distante para o adolescente presente em nossos grupos. Sua atemporalidade inerente talvez lhe dificulte projetar-se no futuro. Os grupos referem, geralmente, que Planejamento Familiar é algo para se pensar após o casamento, quando for solidificado o relacionamento.

O sentimento de urgência e impulsividade, a dificuldade de postergar o prazer, a intolerância à frustração, o "aqui e agora" parecem presentes no desenvolvimento da sexualidade do Adolescente. A Sexualidade aparece, muitas vezes, como uma atividade exploratória do seu e do corpo do parceiro. Os jogos de erotismo e sedução têm caráter lúdico, confundindo-se com as brincadeiras inconseqüentes e ingênuas da infância. Neste entrelace de auto erotismo, sedução, exploração e descontrole, parece tornar-se difícil a percepção real do outro e a interferência deste em sua vida futura ou as conseqüências indesejadas: gravidez , DST...

"Eu pensei que não ia acontecer comigo" (frases comuns a diversas adolescentes gestantes do Ambulatório da Maternidade Interlagos)

Contudo, é motivo de muita esperança quando se observa, durante as oficinas, o crescimento do grupo. Por exemplo, o encontro inicia-se e o grupo parece agitado, revela aspectos de agressividade e intolerância entre os participantes. O coordenador sugere a realização de um jogo, no qual os participantes recebem a mensagem de que estão numa cidade em que a qualquer momento lançarão sobre ela um ácido corrosivo e só se salvará quem estiver dentro de um espaço predeterminado (quadrado desenhado pelo coordenador). Na primeira vez em que o grupo recebe a mensagem sobre o lançamento do ácido, todos saem correndo para entrar no espaço, é um momento de euforia, mas também de certa tranqüilidade, pois embora pequeno, o local comporta a todos.

Sucessivas mensagens são dadas e a cada uma delas o espaço em que os moradores da cidade ficarão a salvo, vai sendo, propositadamente, diminuído.

A gritaria e o "empurra e empurra" prevalecem. Ouvem-se as seguintes frases: "Aqui não cabe você"; "Salve-se quem puder" ...

O coordenador encerra o jogo e pergunta ao grupo: "O que aconteceu ?"

Respostas: "É a realidade, é assim mesmo que acontece." "É a lei da vida, cada um por si."; "Cada um tem que salvar a sua pele."; "Melhor ele morrer do que eu."

E de repente ecoa uma voz, que sugere uma esperança :

"Mas, poderia ser diferente."

Coordenador: "Como?"

Adolescente 1: "Poderia caber todo mundo"

Adolescente 2: "Se tivesse união poderia ser diferente"

Adolescente 3: "Faltou organização"

Adolescente 4: "Pensando bem, eu acho que daria para caber todo mundo"

Coordenador: "Como poderia ser feito, você não quer tentar?"

Um dos adolescentes dirige-se então com o grupo ao espaço predeterminado e dá sugestões de como caberia todos eles e troca idéias com todos os integrantes; pede para a coordenadora "começar de novo" as instruções, porém com o espaço já bem reduzido. E assim é feito, continuam a andar pela sala e quando a mensagem é ouvida sobre a vinda do ácido corrosivo, organizados e unidos, todos se dirigem ao lugar em que estarão a salvo, o qual vai sendo diminuído cada vez mais.

Ao término, a coordenadora pergunta novamente: "O que aconteceu?"; "O que mudou?"

Respostas:

"União, respeito"; "Cooperação"; "Objetivo comum"; "Apoio"; "Solidariedade"; "Amor"; "Confiança"; "Organização"; "Acreditar que é possível mesmo sendo difícil."

A última frase reflete o eixo norteador dessa experiência de trabalho. O próprio grupou encontrou uma solução criativa à situação de conflito, utilizou-se de sua espontaneidade e sensibilidade (recursos pessoais), dando uma resposta inovadora a uma dada realidade.

A metodologia de trabalho em grupo proposta tem se mostrado um campo fértil nas ações educativas e preventivas com adolescentes. A participação efetiva destes, discutindo, refletindo criticamente sobre cada assunto, apresentando seminários e dramatizando situações, são fatores que facilitam o envolvimento e comprometimento com o trabalho em desenvolvimento. Os profissionais realizam sua intervenções e objetivos, na medida em que motivam e reforçam positivamente as discussões, propondo finalmente o processamento didático do conteúdo trazido pelo grupo.

Essa experiência revela também o quanto é possível e imprescindível a interdisciplinaridade, principalmente, numa proposta cujo enfoque é o desenvolvimento da cidadania e esta só poderá ser pensada numa perspectiva de cooperação e integração. A adolescência é um período em que, muitas vezes, os educadores substituem os pais idealizados da infância e configuram-se aqui, novas possíveis figuras de identificações.

A percepção de pessoas que conseguem trabalhar conjuntamente, respeitando e aproveitando positivamente o conhecimento do outro, abdicando de interesses pessoais em prol do crescimento coletivo, poderá, quiçá, influenciar favoravelmente na formação de cidadãos multiplicadores de atitudes transformadoras e inovadoras no âmbito pessoal e social.

Atualmente, o projeto está sendo ampliado com a proposta de capacitar educadores, profissionais e universitários da área de saúde para trabalhar com adolescentes sobre as temáticas apresentadas.

 

Referências Bibliográficas:

CASTILHO, Áurea; A Dinâmica do Trabalho de Grupo, Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1998.

COMEGNO, Maria Cecília; Mulheres em São Paulo: Um perfil da Cidade, São Paulo:Fundação Seade, 2002.

COMISSÃO, Saúde do Adolescente; Adolescência e Saúde, São Paulo: Paris Editorial/Secr.de Estado da Saúde, 1988.

GRÁVIO, Iara C., OLIVEIRA, Sandra W.; Apostilas:Introdução ao Psicodrama, São Paulo,2000.

LEIF, Joseph, BRUNELLE, Lucien; O jogo pelo jogo, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

MAY, Rollo; A Coragem de Criar, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

WINNICOTT, D.W.; O Brincar e a Realidade, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.

YOZO, Ronaldo Yudi K.; 100 jogos para grupos, São Paulo: Ágora, 1996.

 

 

* Psicóloga do Hospital Maternidade Interlagos (SES), especialista em Psicologia Hospitalar e ludoterapia, atuou em projeto sócio-educativo para adolescentes em situação de risco (Projeto Clube da Turma ), realizou supervisão técnica à monitores do Programa Parceiros do Futuro (SES), destaque em trabalho de militância e projetos junto ao Ministério da Saúde para portadores de HIV/AIDS. Possui vasta experiência em trabalho clínico e com grupos de adolescentes, elaborou projeto de Aconselhamento Familiar na rede pública de saúde, participante em equipe multidisciplinar em grupo de orientação a adolescente gestante
** Obstetriz do Hospital Maternidade Interlagos (SES), atua como enfermeira na Secretaria Municipal de Saúde de SP e em clínica particular de reprodução humana; especialista em Saúde Pública e Administração Hospitalar, Mestre em Saúde Materno-Infantil, Doutoranda em Psicopedagogia, pioneira na realização de grupos educativos em Planejamento Familiar e orientação à adolescentes gestantes (HMI)
*** Assistente Social do Hospital Maternidade Interlagos (SES), especialista em Educação em Saúde Pública, atuou como assistente social em Unidades Básicas de Saúde, realização de grupos de orientação e prevenção ao câncer ginecológico e mama, aconselhamento em Planejamento Familiar, participação efetiva junto à comunidade usuária da Maternidade – Conselho Gestor