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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

A adolescência como ideal social

 

 

Sueli de Fatima Ourique de Avila

Faculdades Integradas Maria Thereza e Centro Universitário Metodista UniBennett. Rio de Janeiro, R.J.

 

 


RESUMO

Este trabalho pretende abordar, por intermédio de uma revisão bibliográfica, como as teorias psicológicas caracterizam as mudanças vivenciadas pelos adolescentes. Vários autores se referem à adolescência como um período de "tempestade e tormenta", reforçando a visão de instabilidade do jovem. A grande maioria muda a forma de se relacionar com esse jovem, exigindo responsabilidades que nunca foram ensinadas, porém não reconhecendo esse adolescente como alguém que cresceu, que amadureceu, e que deve ser tratado com respeito quanto às suas opiniões e desejos. Portanto, tem-se por objetivo questionar a imagem de "tempestade e tormenta" imputada ao adolescente, argumentando que esse período de desenvolvimento existe em virtude de se negar em aceitar esse jovem como podendo ser responsável por seus atos; que os conflitos existenciais da adolescência normalmente aparecem como problemas entre o sujeito e a sociedade, pela indeterminação de um lugar no universo social.


 

 

No decurso do estudo de teorias psicológicas sobre a adolescência, observamos concepções diferentes sobre este estágio. Por um lado uma visão naturalista e universalizante, reforçando o comportamento patológico do adolescente, e por outro, uma concepção histórica e social, mostrando que este período só pode ser compreendido a partir de sua inserção na totalidade em que foi produzido. A representação do adolescente como aquele que apresenta comportamentos instáveis, com freqüentes crises de identidade, apresentando conflitos intensos em relação consigo e com o social, está difundida em grande parte desta literatura.

A adolescência nem sempre existiu como um período específico de desenvolvimento, que fosse necessário uma atenção especial pela constituição de uma identidade a qual, necessitaria de um intervalo de tempo, mais ou menos longo, indeterminado, para ser reorganizado em função de modificações físicas e fisiológicas, culturais e psicológicas. Reconhecia-se apenas a puberdade, momento de desenvolvimento onde ocorrem as maiores mudanças físicas: crescimento dos pêlos, crescimento do corpo (certas áreas do corpo se tornam desproporcionais), aumento do peso, espinhas, mudança de voz, e, principalmente, as características que indicam o amadurecimento sexual: a ovulação e a espermatogênese.

Segundo Airès (1986) o conceito de adolescência não aparece antes do final do século XVIII e não se difunde antes do século XX. Por muito tempo, as crianças eram introduzidas no mundo do trabalho a partir dos sete anos; poucas estudavam ou permaneciam muito tempo no sistema educativo, onde também não estavam separadas por níveis diferenciados de idade. Como a adolescência não era considerada um período particular de desenvolvimento, não existia, ainda, uma cultura adolescente. Em conseqüência da complexidade das sociedades modernas industrializadas foi-se criando um espaço intermediário entre a infância e a idade adulta, entre a maturidade bio-fisiológica e a maturidade psicossocial, sendo resultado dos padrões de mudança da nossa sociedade.

No que concerne ao ocidente, o final do século XIX marca um ponto de ruptura (...). A revolução industrial muda muitas coisas e o faz de maneira bastante notável. Começou, com a industrialização, a se tornar importante a capacitação, a formação, o estudo (PALÀCIOS, 1995, p. 264).

A permanência do adolescente na escola retardou a incorporação ao status adulto, formando-se uma nova fase de desenvolvimento com características próprias, tendo como particularidade o adiamento de assumir responsabilidades adultas. Sendo assim, este período tornou-se solidamente institucionalizado como um período de mudanças, de conflitos, onde não se é mais criança, mas ainda não se é adulto; tendo sido representado, na nossa cultura, como um período de imaturidade, produto da forma como vem sendo tratado pelo social.

Porém, deve-se ressaltar que em outras culturas, como nos mostra Mead (apud MUUSS, 1976), a transição do período da meninice para o de adulto ocorre de forma suave e harmoniosa. Não existem sinais de descontinuidade extremada entre a infância e a idade adulta. As exigências características dessa nova fase são uma continuação do que lhe era exigido anteriormente.

A pubescência parece ser único aspecto do processo de maturação que algumas sociedades primitivas reconhecem, depois da puberdade o jovem ou a jovem obtêm o status e os privilégios de adultos. O período prolongado de adolescência (algumas vezes, de quase uma década em sociedades de maior índice técnico) não é fisiológico, mas uma invenção social (MUUSS, 1976, p. 15).

Em virtude da necessidade de se justificar uma nova fase, não existente antes da sociedade industrial, lançou-se mão das modificações biológicas e etárias para se reforçar a saída desse jovem do mercado de trabalho, reforçando a importância de um amadurecimento psicológico e social do adolescente.

Desde os estudos de Stanley Hall, que escreveu Adolescence, 2vol, 1300p.em 1904, a adolescência passa a ocupar um lugar enquanto objeto de estudo, principalmente da Psicologia, caracterizada como um período de "tempestade e tormenta". Refletindo o clima científico de sua época (muito influenciado pela teoria da evolução de Darwin), Hall (apud GALLANTIN,1978) sugere que a sucessão entre a infância e a puberdade era ininterrupta e constante, obedecendo a certas leis biológicas. Concebia a adolescência como um período de turbulência e instabilidade emocional em função do surgimento da sexualidade. Para ele, o adolescente torna-se passível de receber impressões, modificações ou adquirir qualidades; capaz de repentinas mudanças de humor, alegre num momento e triste e depressivo no momento seguinte.

Muitos dos crimes e imoralidades do início da adolescência são decorrentes de um impulso cego sobre o qual a consciência é incapaz de qualquer ação. Na evolução psíquica do impulso sexual, freqüentemente há um período de perturbação geral, antes do cérebro agir sobre os órgãos sexuais (HALL apud GALLANTIN,1978, p. 35).

Hall observou que na adolescência o indivíduo tinha um aumento de sensibilidade, um fortalecimento das capacidades, tornando-se consciente dos valores que moldaria a sua vida adulta, tais como, religião, forças econômicas, moral e política. Os poderes intelectuais aumentavam, tornando-o mais apto à escolarização. Para Hall, a adolescência seria um período vital na promoção do esquema evolutivo da natureza para a humanidade.

Contrapondo-se a concepção de Stanley Hall de que a sexualidade emergia apenas no período da adolescência, Anna Freud (apud Gallantin, 1978) argumenta que a sexualidade inicia no primeiro ano de vida e que é durante o período da infância que acontecem os passos principais do desenvolvimento sexual. Porém, mesmo divergindo com relação ao período inicial da sexualidade, Anna Freud se assemelha a Hall quando caracteriza a puberdade como um momento de contradições e instabilidades emocionais. Segundo a autora, seria muito difícil reconhecer o limite entre o normal e o patológico, considerando como "anormal" a presença de um equilíbrio estável na adolescência (Knobel, 1992).

Os adolescentes são excessivamente egoístas, considerando-se o centro do universo e o único objeto de interesse. (...) Eles são capazes de travar as relações amorosas mais apaixonadas, e de terminá-las tão abruptamente quanto as começaram. Por um lado, eles se introduzem entusiasticamente na vida da comunidade e, por outro, têm uma necessidade extrema de solidão. Eles oscilam entre uma submissão cega a um líder eleito e uma rebelião desafiadora contra qualquer tipo de autoridade. São egocêntricos e materialistas e, ao mesmo tempo, cheios de idéias elevadas. (...) (ANNA FREUD apud GALLANTIN,1978 ,p. 53).

Anna Freud caracterizava a adolescência como um período de desequilíbrio psíquico e comportamento instável em virtude dos conflitos internos associados à maturação sexual. Assim, a revolução ocorrida nesta fase era apenas uma manifestação externa dos ajustamentos ocorridos internamente.

A expressão "crise de Identidade" foi apresentada por Erik Erikson (1976) para explicar o momento de incerteza quanto as mudanças que se fazem presentes na adolescência, tornando-se reconhecida como um momento característico do desenvolvimento humano. Apesar de identificar oito estágios psicossociais de desenvolvimento, onde a aquisição de novas habilidades e atitudes são vividas como crises de aprendizagem e de interação social, é na adolescência que ocorre a integração da identidade psicossocial. Essa integração reproduz as quatro crises da infância, assim como alicerça as três crises que serão vividas na idade adulta. Portanto Erikson denomina esse momento de "moratória social", período onde o adolescente pode aguardar enquanto se prepara para exercer os papéis adultos.

Erik Erikson (1976), percebendo a necessidade do estabelecimento de uma identidade relacionada à possibilidade de apresentar autonomia e independência através de trabalho produtivo, aponta as dificuldades encontradas pelos adolescentes em virtude das "identidades autoformuladas" apresentadas pela democracia industrial. Reconhece que é a impossibilidade do jovem decidir sua identidade profissional o que mais o perturba, pois se sente incapaz de "assumir um papel que lhe é imposto pela inexorável padronização da adolescência americana (...)" (p.132).

Essa mudança traz possibilidades de se compreender a adolescência não apenas em função de conflitos individuais e biológicos, mas através da constatação da influência do social na formação da identidade do Ego, pois quando pressente que o meio tenta privá-lo do desenvolvimento de uma identidade confiante em si mesmo, com possibilidades de oportunidades, de escolhas e de auto-realização, o adolescente retrai-se em estados inacessíveis e de rebeldia.

A adolescência, portanto, é menos "tempestuosa" naquele segmento da juventude talentosa e bem treinada na exploração das tendências tecnológicas em expansão e apta, por conseguinte, a identificar-se com os novos papéis de competência e invenção e aceitar uma perspectiva ideológica mais implícita (ERIKSON, 1976, p. 130).

Esta concepção de crise foi então reafirmada com predomínio que a psicanálise passou a ter no conhecimento psicológico do século XX; sendo Aberastury e Knobel importantes representantes dessa posição.

Segundo Aberastury (1992) na correspondência das mudanças corporais que ocorrem na puberdade, acontecem as mudanças psicológicas que levam a novas relações dos adolescentes com os pais e o social. Para a autora, há uma alternância entre a dependência e a independência, caracterizando um período de contradições, ambivalências e conflitos que só podem ser solucionados quando se elabora o "luto pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação dos pais de infância" (Aberastury, 1983, p. 24).

Nesse processo de crescimento corporal, a negação da dor em função do passado perdido pode levar a um comportamento estereotipado, rebelde e patológico. Corroborando com esse pensamento, Knobel (1992) relaciona o período da adolescência a uma síndrome, sendo considerada normal à conduta do adolescente quando este apresenta certo grau de patologia; onde o comportamento externo de contestação nada mais é do que um reflexo dos conflitos com relação à dependência infantil que continua a existir.

O dois autores não negam a importância do meio sócio-cultural na determinação das manifestações dos adolescentes, mas consideram que como bases dessa expressão sócio-cultural encontram-se os fatores psicobiológicos.

As condições familiares e culturais poderão mitigar, favorecer, demorar ou precipitar o desenvolvimento, mas não poderão impedir que o adolescente deva elaborar por si mesmo lutos tão importantes como os que temos assinalado (ABERASTURY, 1983, p. 27).

Por conseguinte, ao se considerar a adolescência como uma fase conturbada do desenvolvimento humano, constituiu-se uma concepção universal e naturalista, produzida e reproduzida pela cultura ocidental, incorporando-se ao pensamento social, que passa a nortear as noções das teorias tradicionais sobre a adolescência.

A análise de Calligaris (2000) traz, no entanto, elementos culturais para a compreensão da adolescência. Utilizando uma visão psicanalítica e com a percepção da influência da sociedade nas manifestações adolescentes, aponta que esse período de desenvolvimento existe porque a sociedade nega em aceitar esse jovem como podendo ser responsável por seus atos. Para o autor a adolescência é um fenômeno contemporâneo, onde se instala uma "moratória" a fim de prolongar esse período da vida, onde apesar de se encontrar pronto para o amor, para o sexo, e para o trabalho, ainda precisam ficar sob a tutela dos adultos. Na verdade o adolescente acaba tendo um papel muito pouco definido e tenta, a todo custo, saber o que querem dele.

O adolescente ao se olhar no espelho percebe que existem mudanças acontecendo, mudanças essas as quais ele não pode controlar, que o invadem e o transformam. Com todo esse crescimento vem o medo da perda da condição infantil: será que continuarei a ser amado? A insegurança entre o amor incondicional, dependência, papéis claramente estabelecidos e proteção que sempre teve quando criança e o desejo de autonomia e liberdade o levam a comportamentos contrastantes, ora se comporta como adulto, ora se comporta como criança. O que dificulta essa passagem é também a dificuldade dos pais de lidarem com as mudanças de suas "crianças". A grande maioria muda a forma de se relacionar com esse jovem, exigem responsabilidades que nunca foram ensinadas, porém não conseguem reconhecer esse adolescente como alguém que cresceu, que amadureceu, e que deve ser tratado com respeito quanto as suas opiniões e desejos.

(...) Entre a criança que se foi e o adulto que ainda não chega, o espelho do adolescente é freqüentemente vazio. Podemos entender então como essa época da vida possa ser campeã em fragilidade de auto-estima, depressão e tentativas de suicídio (CALLIGARIS, 2000, p. 25).

Na tentativa de buscar reconhecimento dos adultos, os adolescentes utilizam-se das transgressões. Transgredir talvez seja a forma encontrada para contradizer todas as expectativas que a sociedade deposita nesse jovem. Desde o início eles ouvem que ser adolescente é ser problemático, é ser inconstante, é ser indeciso, é ser o "aborrecente", aquele que ninguém tem paciência, que não quer ouvir, que só sabem cobrar e exigir; aquele que desestrutura a família e acaba com sua paz. Na verdade o adolescente tenta, a todo custo, saber o que querem dele. Sendo assim, sente-se conturbado: com cobranças constantes, com um permanente mal estar, um corpo que parece não combinar com a cabeça. É a fase em que não se é adulto para fazer certas coisas, mas se é repreendido por agir como uma criança. A constituição da identidade do jovem ocorre com sua inserção no mundo social dos adultos, através de modificações internas e reformulações.

(...) a adolescência não é só o conjunto das vidas dos adolescentes. É também uma imagem ou uma série de imagens que muito pesa sobre a vida dos adolescentes. Eles transgridem para serem reconhecidos, e os adultos, para reconhecê-los, constroem visões da adolescência (CALLIGARIS, 2000, p. 35).

No caminho de uma maior interação com o meio e buscando reconhecer as determinações sociais de fenômenos como a adolescência, a concepção sócio-histórica abandona as visões naturalizantes e concebe o homem como um ser histórico, constituído em seu movimento, nas relações sociais, fazendo parte de uma cultura.

Para Bock (2004) a adolescência é considerada como construção social e não como um período natural do desenvolvimento que se estabelece entre a infância e a idade adulta. Acrescenta que associado ao desenvolvimento físico encontram-se significações e interpretações determinadas pelo social.

A adolescência foi criada pelo homem. Fatos sociais vão surgindo nas relações sociais e na vida material dos homens; vai se destacando como um fenômeno social e vai apresentando suas repercussões psicológicas; vai sendo construído um significado social para esses fatos que vão acontecendo e, em um processo histórico, vai surgindo na sociedade moderna, ocidental, a adolescência (Bock, 2004. p.10).

A adolescência é constituída historicamente como representação, como fato psicológico e social. Este fenômeno é estudado, conceituado, registrado em teorias que descrevem suas características, as quais vão se tornando normas de condutas esperadas pelos pais e pela sociedade. Essas características são determinadas e destacadas pela sociedade constituindo significações, isto é, interpretações da realidade aonde o adolescente vai se configurando. Através dos meios de comunicação, da literatura, das relações sociais, das teorias psicológicas, vão se constituindo os modelos de adolescência, aos quais os jovens se submetem e reproduzem. A partir dessas significações sociais os jovens constroem sua identidade transformando os elementos e modelos sociais em individuais. "Os jovens que não possuíam referências claras para seus comportamentos vão, agora, utilizando essas características como fonte adequada de suas identidades: são agora adolescentes" (Bock, 2004. p.12).

Através deste estudo observa-se uma predominância da visão naturalista e universalizante, reforçando o comportamento patológico do adolescente. Esta visão encontra-se institucionalizada, arraigada em uma representação social do período da adolescência. Essa representação possui duas funções principais: primeiro convencionalizar esse período de forma definitiva, colocando como modelo determinado, distinto e partilhado por um determinado grupo social; segundo prescrever, ordenar e determinar uma estrutura que está presente antes que se pense sobre ela, é estabelecida sobre nós com o peso da tradição e é transmitida como um produto de elaborações e mudanças ocorridas de uma geração para outra. "Enquanto essas representações, que são partilhadas por tantos, penetram e influenciam a mente de cada um, elas não são pensadas por eles; melhor, para sermos precisos, elas são re-pensadas, re-citadas e re-apresentadas" (Moscovici, 2004, p.37).

A representação que temos da adolescência não está diretamente relacionada a como compreendemos essa etapa ou a como esta é vivenciada pelos jovens, mas é estabelecida por aquilo que é socialmente aceito como realidade.

Quando estudamos o sujeito adolescente estamos estudando também todo o social que o envolve. Quando analisamos o social enquanto totalidade é que podemos reconhecer e analisar os fenômenos psicossociais da adolescência e suas representações sociais. "Geralmente, reconhece-se que as representações sociais - enquanto sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os outros - orientam e organizam condutas e as comunicações sociais" (Jodelet, 2001, p. 22).

A representação social é uma atividade mental através da qual o indivíduo constitui uma idéia, pensamento, imagem ou conceito do objeto. A representação é o ato de substituir, de colocar ou estar no lugar de algum objeto ou pessoa; assim como também é apresentar novamente, tornar presente na mente. Nos dois sentidos a representação é um ato de pensamento que restaura alguma coisa ausente de forma simbólica. Enfim, a representação não significa apenas representar objetos, mas repensá-los, revivê-los, reconstruí-los, transformá-los como próprios.

A representação social é uma forma de se interpretar o social, de se relacionar com o cotidiano. É a fronteira entre o psicológico e o social. É como o jovem pode apreender os conhecimentos do cotidiano através de suas experiências, mas também, através dos códigos, valores e ideologias ligadas ao social.

É um fato que no mundo moderno a adolescência alcançou uma definição de realidade: um momento a ser vivido por cada sujeito sem que este possa evitá-lo ou possa determinar quando deseja sair dele. A adolescência é percebida como uma representação categórica na construção das histórias pessoais. Naturaliza-se a adolescência como um período essencial para o desenvolvimento do indivíduo. Não obstante os vários estudos que analisam a adolescência como um processo de construção social, esta ainda vem sendo difundida como um período de "tempestade e tormenta", da mesma forma que apresentado por Hall em 1904. A representação do adolescente como aquele que apresenta comportamentos instáveis, com freqüentes crises de identidade, apresentando conflitos intensos em relação consigo e com o social, está difundida na cultura, nas práticas sociais e nas relações interpessoais e intrapessoais.

Na sociedade moderna ocidental observam-se dificuldades em indicar direção para a transição desse estágio da vida, devido às descontinuidades de exigências e comportamentos feitos à adolescência e a idade adulta. Verifica-se que, à medida que as sociedades se tornam mais complexas, o período da adolescência também tem se tornado mais extenso. Assim os conflitos existenciais da adolescência normalmente aparecem como problemas entre o sujeito e a sociedade, pela indeterminação de um lugar no universo social. Um dos fatores que intensificam essa indeterminação está relacionado à ausência de rituais de passagem, pois a presença de símbolos torna possível a atribuição de sentido, mantendo o indivíduo no simbólico, isto é, dando-lhe possibilidades de constituir um código de referência e projetar um caminho futuro.

A adolescência portanto deve ser compreendida como um processo de transição biopsicossocial da infância para a idade adulta, onde estão presentes influências históricas e culturais na constituição do sujeito. As modificações subjetivas dos adolescentes ocorrem através da reformulação de fatores psicológicos internalizados, mas com uma forte influência dos aspectos culturais e sociais referentes ao "modelo" difundido na sociedade e, principalmente na mídia, além dos papéis atribuídos a cada gênero pela cultura. Sendo assim, parece errôneo falar-se de uma única "cultura adolescente". A adolescência é antes um processo estruturante da identidade corporal, social, sexual e afetiva, do que apenas um momento de crises e revoltas.

É necessário, como possibilidade para superar essa visão "negativista", reconhecer esse adolescente como alguém que cresceu, que amadureceu, e que deve ser tratado com respeito quanta às suas opiniões e desejos. Deve-se aceitá-lo como podendo ser responsável por seus atos, presentificá-lo como sujeito dotado de uma positividade. Deve-se, portanto, falar de adolescentes ao invés de adolescência, tornando possível investigar o modo como experimentam e interpretam as situações problemáticas, abrindo-se um espaço para o diálogo.

 

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