2Da vulnerabilidade social à vulnerabilidade psíquica: uma proposta de cuidado em saúde mental para adolescentes em situação de rua e exploração sexualHiper e hipo proteção: condições cuidadoras?- Uma leitura analítica dos vínculos na adolescência atual author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Pensando a leitura em sala de aula: literatura e alfabetização

 

 

Pryscila Germini Bilato; Flávia Merigue Valenciano

Faculdade de Educação (FE). Universidade de São Paulo (USP). São Paulo – SP

 

 

Considerações Iniciais

O Projeto Pensando a leitura em sala de aula nasceu há cerca de um ano para dar início às atividades de estágio da disciplina de Metodologia do Ensino do Português, na Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo (USP), e se desenvolveu, posteriormente, sobre os alicerces do Projeto Acolhendo, elaborado e coordenado pela Profa. Dra. Nilce da Silva (FEUSP). Tal projeto teve seu início no ano de 2002 e atua na área de alfabetização de crianças, jovens e adultos através de "espaços de criação"1 que envolvem as mais diversas formas de expressão artística, como a literatura, as artes plásticas e o teatro. O Projeto Acolhendo é baseado na teoria do psicanalista inglês D. Winnicott e atua em escolas da rede pública e privada da cidade de São Paulo.

Este projeto foi construído com o intuito de capacitar os alunos pertencentes ao ciclo II da EMEF Nilo Peçanha no conhecimento dos itens da escrita e da leitura mínimos para um aluno em determinada fase de escolarização. Optamos por montar uma classe intermediária de alfabetização, já que os alunos de 5ª a 8ª séries que precisavam ser alfabetizados contavam vinte e seis.

O método de alfabetização utilizado foi o já conhecido sintético2 ou das "famílias silábicas". Porém, como o projeto visa introduzir a literatura no universo dessas crianças, unimos ao método sintético de alfabetização o método analítico3, aquele que parte de uma unidade de significação maior, como o texto, por exemplo.

Acreditamos, apoiadas na opinião de Maria do Rosário Magnani (1989), que para se ter um bom relacionamento com os textos e para que se possa formar o gosto e preparar leitores, é necessário, antes de tudo, se construir, no mundo dos alunos, o hábito da leitura. Para tanto, deve-se levar em conta não só o que tais alunos deverão aprender, e sim aquilo que já aprenderam, mudando a direção do que se faz na escola tradicionalmente. Ela nos diz:

Como se vê, solicita-se do aluno uma atitude meramente passiva e reprodutora frente a um texto dado como ‘exemplar’, ao mesmo tempo em que se trabalha com os aspectos estáticos da literatura, passíveis de serem operacionalizados e comportamentalizados, propiciando o desenvolvimento de uma trivialidade no trabalho com a leitura e a literatura e o estabelecimento de normas que reorientarão a produção encomendada de livros e textos escolares, num moto contínuo de auto-reprodução. A escola se torna, assim, o intermediário privilegiado na sistematização da trivialidade, na medida em que, como instância ao mesmo tempo legislativa e executiva, exerce uma censura velada estabelecendo para que, por que, como, o que, quando, onde e quem lê. Mas a leitura não é um ato isolado de um indivíduo frente ao escrito de outro indivíduo. Implica não só a decodificação de sinais, mas também a compreensão do signo lingüístico enquanto fenômeno social (...) (MAGNANI, 1989:34, grifo nosso).

É consenso que para se edificar o hábito da leitura, bem como um leitor crítico, é preciso que este tenha sido escolarizado e alfabetizado. Porém, o que se vê é cada vez um maior número de alunos que passam pela escolarização sem adquirir um mínimo de capacidade para tal tarefa. É no intuito de minimizar esse fato que o projeto Pensando a Leitura em Sala de Aula foi criado.

No entanto, há um outro aspecto importante para a escolarização e que, freqüentemente, é ignorado pelos agentes escolares: um aluno, mesmo não alfabetizado, traz consigo um conhecimento de mundo que deve ser considerado para que a atividade de leitura aja de maneira considerável sobre ele. Citamos, novamente, Magnani:

(...) ao entrar na escola, a criança traz consigo um conhecimento empírico em termos da leitura e escrita do mundo e da literatura. Via de regra, porém, principalmente as crianças de estratos sociais mais baixos, que freqüentam a escola pública, enfrentam dupla dificuldade: o aprendizado da técnica de escrita e leitura, em decorrência do pequeno contato anterior com o material impresso em geral, (...) e o aprendizado de um registro lingüístico, ‘a norma culta urbana’ que, embora seja uma abstração, é imposta como parâmetro para julgar errado ou inconveniente o modo de falar dessa criança. Por não levar em conta a linguagem como forma de interação social e ignorando o contexto da enunciação, a alfabetização fica restrita ao aprendizado (indispensável) de uma técnica, consistindo apenas na codificação e decodificação dos sinais gráficos descontextualizados. Sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos, a insistência quantitativa num tipo de leitura mecânica e memorizadora acaba passando uma visão mágica da palavra escrita (Idem, p. 36).

Para que isso se construísse com relação aos nossos alunos, propusemos, como atividade inicial, uma adaptação do que fazia Paulo Freire com os seus: a "pesquisa" sobre aquilo que faz parte do mundo em que vivem4. Para isso, levamos para a sala de aula poemas, prosas e artigos que tratem da importância da palavra, de se ler e de ser alfabetizado, para que os alunos discutam sobre tais temas e, dessa maneira, nos mostrem o que pensam e o que conhecem. Esse diálogo é enriquecedor ao nosso trabalho, bem como à experiência dos alunos com a palavra escrita, e faz da relação professor-aluno um momento distinto daquele que estão acostumados a viver nas aulas tradicionais de português. Além disso, proporcionamos a eles a oportunidade de ouvirem textos literários escritos alheios à norma padrão para que possamos trazer à luz a discussão acerca das diferenças lingüísticas, que não comprometem a comunicação, já que, mesmo escritas de modos "diferentes" da norma considerada culta, fazem sentido quando analisadas em seu tema e propósito.

Como última colocação, consideramos importante discorrer acerca do que nos motiva a ter essa visão do poder de transformação que possui a literatura, seja na sala de aula, seja na vida, através das reflexões de Antonio Candido em seu texto "A Literatura e a Formação do Homem" (1972).5 Segundo o autor, a principal função da literatura é "confirmar a humanidade do Homem", ou seja, ter em seu bojo uma "função humanizadora". Para que se entenda completamente isso, façamos um passeio breve na demais funções, mais específicas: "satisfazer a necessidade universal de fantasia, contribuir para a formação da personalidade"; ela é ainda "uma forma de conhecimento do mundo e do ser", já que é apenas na ficção que encontramos a essência humana, seus medos, suas problematizações e reflexões mais importantes; possui também a "função educativa", que consiste no fato de impactar indiscriminadamente a própria vida, além de responder às necessidades humanas. Para finalizar, recorreremos às palavras de Maria do Rosário Magnani sobre o mesmo texto de Candido: "De acordo com esse ponto de vista, a literatura é algo que exprime o Homem e depois atua na própria formação do Homem" (MAGNANI, 1989:51).

É importante reiterar que, principalmente no caso da criança e do adolescente, a todas essas funções que Candido nos apresenta se acrescentam as funções de educação do gosto e de identificação, que lhes permite avançar no processo de amadurecimento (Idem, p.51). Mas, para que a literatura seja tão transformadora, deve, primeiramente, fazer sentido à vida do aluno, falar de coisas que o emocionem e que referenciem seu mundo. Se a escolha de uma obra literária aos nossos alunos se resumisse ao fato de ser um clássico ou importante pro aprendizado – condições interessante, mas não exclusivas –, o gosto não seria formado e o hábito não chegaria a ser construído. É com o intuito de possibilitar essa construção que criamos o projeto e o aplicamos como base para a alfabetização.

 

Forma de trabalho

Antes de dar início às considerações acerca da metodologia do presente projeto, torna-se necessária a explanação de algumas conjecturas referentes à perspectiva crítica que serviu como base para a nossa postura em sala de aula: as noções de "comparatismo de solidariedade", de Benjamin Abdala Junior (2003), que defende o descentramento hegemônico em literatura comparada e a busca de "simetrias socioculturais" entre os países de língua oficial portuguesa e entre os países da América Hispânica, e de "preconceito lingüístico", de Marcos Bagno (2000a e 2000b).

A mestiçagem essencial e não-uniforme, presente na cultura dos países hispano-americanos e dos países de língua oficial portuguesa implica a seu povo a qualidade de crioulo, que engloba características de diversas culturas e que nos permite pensar em uma "comunidade cultural ibero-afro-americana" (ABDALA, 2003:66).

Dessa maneira, ao comparar as literaturas dos países de língua oficial portuguesa, devemos estar atentos à principal característica que envolve essas literaturas e que as coloca dentro de um macrossistema, ou seja, dentro de uma mesma área de contato: a tradição histórico-cultural comum entre essas produções literárias, que possibilita um olhar sobre nossas culturas a partir de um ponto de vista próprio (ABDALA, 2003:103).

Partindo dessa busca de valores peculiares e comuns entre os países de língua oficial portuguesa e entre os países hispano-americanos, assim como da idéia de descentramento da óptica hegemônica, principalmente européia e norte-americana, surge uma nova proposta:

Esse descentramento solicita uma teoria literária descolonizada, com critérios próprios de valor. Em termos de literatura comparada, o mesmo impulso nos leva a enfatizar estudos pelos paralelos – um conceito mais amplo que o geográfico e que envolve simetrias socioculturais. Assim, os países ibéricos situam-se em paralelo equivalente ao de suas ex-colônias. Em lugar de um comparatismo da necessidade que vem da circulação norte/sul, vamos promover, pois, o comparatismo da solidariedade, buscando o que existe de próprio e comum em nossas culturas (ABDALA, 2003:67, destaque nosso).

O comparatismo da solidariedade defende a circulação intensa de nossa cultura, valorizando a literatura específica presente no contexto sócio-político-cultural de cada país e excluindo, assim, o comparatismo da necessidade, que se trata de uma visão de comparação em literatura onde há a predominância de uma fonte influenciadora sobre a literatura influenciada, ou seja, a literatura "menor" (dependente) que imita a literatura "maior" (principal).

Um exemplo bastante pertinente da valorização de cada literatura dentro de um macrossistema literário pode ser encontrado em muitos dos poemas de escritores como Zé da Luz, onde é constante a presença da linguagem oral trazida da prática cotidiana, o que resulta em uma forma de expressão que se torna um das únicas capazes de revelar a realidade do sertão paraibano do início do século XX. Utilizamos o seguinte poema de Zé da Luz em uma de nossas aulas para apresentar aos alunos uma literatura que, sem dúvida, não ocupa um lugar hegemônico entre as demais: "Se um dia nóis se gostasse / Se um dia nóis se queresse / Se nóis dois se impariasse / Se juntinho nóis dois vivesse / Se juntinho nóis dois morasse / Se juntinho nóis dois drumisse / Se juntinho nóis dois morresse... / Se pro céu nóis assubisse / Mas porém, se acontecesse / di São Pedro não abrisse / a porta do céu e fosse / te dizê quarqué tulice? / E se eu me arriminasse / e tu cum eu insistisse / prá qui eu me arresorvesse / e a minha faca puxasse / e o buxo do céu furasse?... / Tarveiz qui nóis dois ficasse / tarveiz qui nóis dois caísse / e o céu furado arriasse / e as virge todas fugisse!"

As reflexões de Abdala estão diretamente relacionadas às de Marcos Bagno na medida em que ambos discutem a marginalização: da literatura, no caso do primeiro, e da língua portuguesa, no caso do segundo. Pautaremo-nos em algumas reflexões importantes desse autor acerca do que ele denomina como "preconceito lingüístico", que se relaciona às diferentes formas de expressão do português não-padrão: a de Zé da Luz é um bom exemplo disso. Segundo Bagno:

Fala-se um certo número de variedades de português, das quais algumas chegaram ao posto de norma-padrão por motivos que não são de ordem lingüística, mas histórica, econômica, social e cultural. Existe, portanto, um português padrão, que vamos apelidar de PP, que é essa norma oficial, usada na literatura, nos meios de comunicação, nas leis e decretos do governo, ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas, definidas nos dicionários (...) [O conjunto das demais variedades] pode ser chamado (...) português não-padrão, PNP para nós. Esse PNP, logicamente, apresenta variedades de acordo com as diferentes regiões geográficas, classes sociais, faixas etárias e níveis de escolarização em que se encontram as pessoas que o falam (BAGNO, 2000a:28).

O autor esclarece que o PNP é a língua dos analfabetos e daqueles com pouca escolarização, das crianças carentes, bem como da maioria daquelas que freqüentam a escola pública. Por ser empregado por pessoas marginalizadas social e culturalmente, o PNP é vítima dos mesmo preconceitos que recaem sobre essas pessoas. Segundo Bagno, "ele é considerado ‘feio’, ‘deficiente’, ‘pobre’, ‘errado’, ‘rude’, ‘tosco’, ‘estropiado’" (Idem:idem).

Dessa maneira, nos apoiamos em tais teorias para contrastar, em sala de aula, os dois tipos de português – padrão e não-padrão –, e para esclarecer aos alunos que a maneira exclusiva de cada um deles de se expressar não é errada: é apenas diferente e bastante compreensível, bem como comunicativa. Além disso, o corpus escolhido é importante na medida em que permite a comparação entre os dois lados da literatura6: o canônico, utilizado tradicionalmente nas salas de aula, e o marginal, que tem como uma de suas fonte a cultura popular e a forma de expressão das minorias sociais. É claro que, ao fim, deixamos claro qual a importância de se saber a norma considerada culta, já que, em nosso dia-a-dia, existirão contextos situacionais nos quais a forma mais adequada de expressão será o português padrão.

Para que possamos explanar o nosso método de trabalho, é muito importante reiterar que este projeto foi construído essencialmente para estimular a leitura e o ensino da língua portuguesa por meio de textos literários. Assim, escolhemos como corpus fábulas, poesias e crônicas com a intenção de trabalhar o imaginário e proporcionar reflexões críticas. Acreditamos que tal método possa nos auxiliar na condução das aulas, já que não separa a língua da literatura, sua manifestação mais significativa, além de tornar possível um diálogo distinto daquele que encontramos nas salas de aula atualmente, pois leva em conta o conhecimento de mundo que o aluno traz consigo. Por meio desse corpus, trabalhamos o sistema lingüístico, ou seja, a gramática ideal para o ciclo em questão, reforçando aspectos do ciclo anterior, além das características literárias pertinentes à narrativa em prosa e à poesia, da construção do imaginário, do gênero e da produção de textos. Quanto a esta última, nos guiamos pelo que chamamos de contar e recontar histórias, para, com isso, levar o aluno a utilizar a oralidade e a escrita para, dessa forma, explorarmos os aspectos descritivos, temporais, de causa e efeito, espaciais, a interpretação de textos e a metáfora, além da segmentação dos textos em frases e palavras para que o aluno possa compreender a coesão e a coerência textuais.

A metodologia do projeto terá como base as estratégias de leitura e compreensão de textos propostas por Joan Serra e Carles Oller (apud TEBEROSKY, 2003), que, segundo os próprios autores, podem e devem ser ensinadas pelos professores de ensino fundamental II e médio. São elas: o aluno deve procurar sempre a acepção correta das palavras para a compreensão do texto (Idem, p.38); o aluno deve desenvolver uma atitude crítica diante do texto, confrontando informações que recebe com as que já possui (Ibidem, p.39); o aluno deve saber distinguir a informação essencial daquela suplementar que todo texto contém (não distingui-las pode levar ao aluno a distorção do significado global do texto) (Ibidem:ibidem); o aluno deve saber hierarquizar e resumir informações para construir o significado global do texto (Ibidem:ibidem); elaborar e testar inferências de tipos diferentes, como interpretações, hipóteses e conclusões (a relação texto / leitor deve ser ativa, portanto) (Ibidem:ibidem); conhecer a organização retórica de um tipo de texto auxilia no aprofundamento da leitura e na compreensão do mesmo (por isso decidimos colocar textos estruturalmente diferentes no corpus literário de nosso projeto) (Ibidem, p.40); conhecer os objetivos da leitura, o que conferirá sentido e significado à atividade de leitura (Ibidem:ibidem); estabelecer relações significativas entre as experiências e o texto (Ibidem:ibidem); avaliar e controlar se a compreensão do texto ocorre partindo da revisão e recapitulação, que deve ser contínua no processo de leitura (Ibidem, p.41); o aluno deve relacionar os conhecimentos prévios com a informação do texto, o que pode levantar questões quanto ao conteúdo do que se lê (Ibidem:ibidem); o aluno deve refletir sobre a informação recebida, contrastá-la com seus conhecimentos e, caso necessário, as idéias que tinha (Ibidem:ibidem). Estas estratégias possibilitam a construção paulatina do que vários autores denominam como "leitura compreensiva".

O acesso aos textos literários e uma leitura compreensiva dos mesmos pode não só ampliar o conhecimento dos alunos, mas também o referencial teórico-crítico dos mesmos, pois um poema, uma crônica ou um conto trazem informações que podem ser utilizadas em outras áreas disciplinares, como as ciências sociais e a filosofia. Assim sendo, acreditamos que este projeto pode ser de grande valia não só no que se refere à disciplina de língua portuguesa, mas também à sua relação com todas as demais áreas de conhecimento do ensino fundamental II e médio.

Faz-se necessário, após as considerações feitas acerca de nossa metodologia, esclarecermos o conteúdo que desenvolvemos no âmbito do ensino previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental I e II de Língua Portuguesa.

Primeiramente, exploramos os aspectos literários dos textos pertencentes ao corpus selecionado, como os aspectos narrativos (tempo, espaço, personagem e enredo)7, os gêneros literários e suas particularidades8 e as figuras de linguagem9 (o sentido conotativo e o denotativo das palavras), além de estimular a produção de textos a partir da reescrita, da reflexão acerca da ortografia (feita por nós, após a entrega dos textos, analisando cada uma das particularidades da classe), da redação e do resumo. O segundo passo foi a interpretação de textos10, levando em consideração os conceitos de intertextualidade11 e de coesão e coerência12.

O terceiro passo pressupõe a alfabetização a que nos propomos inicialmente e foi trabalhado juntamente com os mencionados anteriormente, porém com mais vagar e cuidado, visando a construção da competência lingüística ou, segundo Artur Gomes de Moraes (1998), a internalização13. No que se refere à gramática, mais propriamente à ortografia, abordamos conceitos como: a consoante muda; a cedilha; os dígrafos (CH / LH / NH); a letra M antes das letras P e B; as diferenças fonética e ortográfica das palavras grafadas com S e SS intervocálicos; as diferenças fonética e ortográfica entre as palavras grafadas com S, Z e X; a diferença fonética entre as letras L e U finais; terminações de palavras em AM e ÃO; o uso do SC, do QU e do GU, do CH e do X, do G e do J; a diferença ortográfica entre os masculinos e femininos terminados em EZ / ES e ESA / EZA; as diferenças fonética e ortográfica entre R e RR intervocálicos.

No que se refere à morfologia, abordamos os conceitos de substantivo e seus tipos e flexões; de palavras primitivas e derivadas; de numeral; de artigo; de pronome; de verbo; além dos mais diversos tipos de frases e de concordância.

 

Considerações Finais

Este projeto foi formulado tendo como objetivo principal proporcionar o conhecimento aos alunos do ciclo II dos aspectos essenciais da escrita e da leitura, por meio da literatura. Para isso, os métodos de alfabetização utilizados foram o sintético e o analítico, já que sempre nos propusemos unir a literatura ao ensino da língua portuguesa. Acreditamos que, para preparar leitores, é necessário construir o hábito da leitura e, para tanto, deve-se levar em conta o conhecimento de mundo dos alunos.

Traça-se, assim, uma nova relação ensino-aprendizagem, já que os métodos tradicionais de ensino da língua em nosso país visam a formação de professores de português, e não de pessoas capacitadas para ler e escrever. O ensino restrito da gramática normativa não serve para formar um bom usuário da língua em sua variante culta: em vez de reproduzir a gramática tradicional e ter em seu foco apenas o português padrão e as literaturas canônicas, o professor deve produzir seu próprio conhecimento da gramática, tornando-se um orientador da busca pelo conhecimento dentro da sala de aula, junto a seus alunos.

Assim, tendo como base as teorias de Benjamin Abdala Junior e Marcos Bagno, apresentamos aos nossos alunos os dois tipos de português, padrão e não-padrão, para esclarecer-lhes que a maneira de cada um deles de se expressar lingüisticamente não é errada: é diferente, mas compreensível e eficaz. Tal perspectiva encontra-se, inclusive, no Parâmetro Curricular Nacional (PCN) de 1998 para quintas a oitava séries, como se pode constatar no trecho seguinte:

(...) muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado às variedades não padrão, consideradas inferiores ou erradas pela gramática. Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, são objeto de avaliação negativa. Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma ‘correta’ de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de outras, o de que a fala ‘correta’ é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso ‘concertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas crenças insustentáveis produziram uma prática de mutilação cultural (Ministério da Educação e do Desporto)14.

Assim sendo, é importante que nós, professores de língua portuguesa, tenhamos em mente que, para ensinarmos a nossa língua, necessitamos, além de seus próprios mecanismos, de uma fonte essencial: a literatura. É dentro dela que a língua faz sentido e pode ser ensinada de maneira mais eficaz, democrática e livre de preconceitos. Portanto, esperamos que este projeto sirva não apenas como crítica ao ensino tradicional nas escolas públicas, mas sim como um instrumento de mudança do modo de se ensinar a língua portuguesa dentro de uma sala de aula.

 

Referências bibliográficas

BARROS, D. L. P.; Fiorin, J. L. (Org.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: EdUSP, 2003.

BRAIT, B. A personagem. São Paulo: Ática, 2000.

BRANDÃO, C. R. (1986). "O ABC do método". In: O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1986, pp. 21-42.

CANDIDO, A. "A literatura e a formação do homem". Ciência e Cultura, 24 (9): 803-809, set. 72.

____________. O estudo analítico do poema. São Paulo: USP/FFLCH, s/d. (Terceira leitura, 2).

FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2000.

LINS, O. "A degradação do espaço". In: Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1984.

MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2000, p.173 e p. 229.

MORAES, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 1998.

MORTATTI, M. do R. L.. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Editora Unesp, 2000.

NUNES, B. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 1988.

ROSENFELD, A. "A teoria dos gêneros". In: O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1965, pp. 3-26.

TEBEROSKY, Ana, et alii (orgs.). (2003) Compreensão de Leitura: a língua como procedimento. Porto Alegre: Artmed. pp. 17 - 52.

 

 

1 Estes "espaços", inspirados na teoria de D. Winnicott, são vivências significativas que proporcionam, aos envolvidos no processo, o ato criativo. Para saber mais sobre a teoria de Winnicott e sobre o conceito de "espaço de criação", ver: SILVA, N. Exclusão social: espaço de criação como alternativa educacional. 1. ed. São Paulo: Ieditora, 2004.
2 MORTATTI, M. do R. L.. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
3 Idem. Ampliaremos, posteriormente, o uso de textos, transformando o nosso método de alfabetização e de ensino de leitura numa ramificação do método analítico de alfabetização, já que utilizaremos mais a frente textos literários (método historiado). Desse modo, teremos como forma de trabalho um método "analítico-sintético".
4 Para saber mais a respeito do método Paulo Freire, consultar: BRANDÃO, C. R. "O ABC do método". In: O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1986, pp. 21-42.
5 CANDIDO, A. "A literatura e a formação do homem". Ciência e Cultura, 24 (9): 803-809, set. 72.
6 Em nossa primeira aula do projeto, apresentamos aos alunos o poema "Navio Negreiro", do poeta Castro Alves, e "Ai, se sesse", citado anteriormente, do poeta Zé da Luz. Dessa maneira, procuramos mostrar as semelhanças e diferenças entre os poemas, autores e contextos para, assim, promover a desierarquização entre tais manifestações literárias, a primeira considerada culta e a segunda, popular.
7 Pesquisamos acerca de tais conceitos, respectivamente, nos seguintes autores: NUNES, B. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 1988; LINS, O. "A degradação do espaço". In: Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1984; BRAIT, B. A personagem. São Paulo: Ática, 2000; MOISÉS, M. Verbete "Enredo". In: Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2000, p.173.
8 Para saber mais a respeito, consultar: ROSENFELD, A. "A teoria dos gêneros". In: O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1965, pp. 3-26.
9 Para saber mais a respeito, consultar: MOISÉS, M. Verbete "Figuras (de linguagem)". In: Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2000, p.229.
10 Para saber mais a respeito, consultar: CANDIDO, A. O estudo analítico do poema. São Paulo: USP/FFLCH, s/d. (Terceira leitura, 2).
11 Para saber mais a respeito, consultar: BARROS, D. L. P.; Fiorin, J. L. (Org.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: EdUSP, 2003.
12 Para saber mais a respeito, consultar: FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2000.
13 Para saber mais a respeito, consultar: MORAES, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 1998.
14 Para maiores informações, acessar a página eletrônica http://www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pdf/portugues.pdf