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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Hiper e hipo proteção: condições cuidadoras?- Uma leitura analítica dos vínculos na adolescência atual

 

 

Burgos, R. A.; Lacerda, N.I.; Goulart, D. R.; Marques,C.S.; Xavier, R.P.

 

 

INTRODUÇÃO

Globalização. Esse é um assunto que vem fazendo parte integrante das discussões que permeiam nosso cotidiano. Já, há algum tempo, o Fórum Social Mundial (2001-2005) tem como tema: "Um outro mundo é possível". Em meio a tantas pessoas diferentes, de tantos países distintos e idiomas os mais variados possíveis, a fala comum que se estabelecia era: um outro mundo é necessário, ou melhor, é indispensável. O impasse frente ao cotidiano estava colocado.

Visando partir exatamente do mundo de relações em que vivemos decidimos tecer breves considerações sobre algumas formas cuidadoras – Hipo e Hiperproteção – de jovens adolescentes buscando refletir sobre a lógica psíquica produtora das mesmas.

Esse caminho de investigação que nos aproximou das particularidades de duas situações do cotidiano: da escola e da clínica, deixou surgir de suas representações certa lógica de produção dos vínculos na adolescência atual. Atentas ao que diz o mundo em que vivemos, buscamos, por meio dele, refletir outros possíveis "mundos" para o adolescer.

Nosso cotidiano delimita um campo de relações vividas pelo adolescente. Neste sentido, o processo de globalização, mais particularmente a Midiologia, essa poderosa rede de comunicação instantânea com novas tecnologias ligadas à informática tem produzido profundas transformações para a sociedade contemporânea, com decisiva influência no psiquismo de todos, notadamente nas crianças e nos adolescentes (ZIMERMAN, 2000, p.23).

A rapidez no desenvolvimento tecnológico e cultural, principalmente na área da comunicação vem evidenciando desafios contraditórios a serem pensados nos mundos da cultura, do trabalho, da Educação, da Clínica.

Levando em consideração o contexto de predomínio da visibilidade e evidenciando o controle sobre o outro pela mídia, é que este trabalho se propõe a pensar na prática os cuidados do adolescente.

Somos então tomados por um incômodo sobre a imposição de formas de cuidados com os jovens em duas situações específicas, que serão descritas afim de nos guiar neste campo de investigação.

O impasse na relação aluno/professor

Uma professora estava vivendo uma situação-limite com seus alunos adolescentes. O trabalho não deslanchava pois os alunos não paravam de falar e nesse sentido, não a ouviam. O sentimento da mesma era de solidão, levando a um desespero. A partir de seu desespero, a professora e mãe perguntou à sua filha adolescente:

" - Filha, como fazer para que os meus alunos percebam que eu estou na sala?

A resposta veio rápida, num discurso proveniente da experiência de quem compartilhava da mesma vivência, mas do outro lado da carteira.

" - Escreva no quadro, escreva, escreva muito, funciona, eles vão parar para ouvir".

A professora-mãe, operando uma escuta psicanalítica, surpreende-se diante da resposta-dica que revela o não-pensar por meio da falação/fazeção. Mesmo contrariada, a princípio, mas imersa na situação, acata a sugestão da filha.

Depois de muito escrever e de muita dor concreta – no braço – e na alma, algo fez sentido naquela relação A professora-mãe-analista, buscando saídas, descobriu pela experiência da fazeção, que a partir do momento em que ela tomou em consideração o fazer/falar sem parar, abriu-se um espaço para a comunicação. Os alunos começaram a re-clamar do que a professora estava fazendo. Rompeu-se um campo – o da não-comunicabilidade e, atônita, ela percebeu que funcionava mesmo, pois o incômodo já não era mais só dela.

Num ato analítico, a professora pôde considerar a forma de apresentação do impasse em si, que chamamos aqui de falação/fazeção e através da mesma fazeção, pôde, com eles, re-significar a relação ensino-aprendizagem diante das reclamações de se copiar tanto. Questões como: Por que estar ali? , por que copiar? surgiam ao sujeito, agora do próprio desejo. Aquele que se apresentava disfarçadamente fazendo como se o soubesse revela o des-cuidado, a Hipoproteção, o desconhecimento do sujeito sobre si mesmo.

Queremos dizer com isso, que a falação do adolescente pode representar uma forma possível ou um modo desesperado de conter e até mesmo de dar contornos, a uma tentativa falhada de ser sujeito (AMARAL, 2001,p. 1013).

Ainda no âmbito da incomunicabilidade, da alienação do pensamento e do desconhecimento do sujeito perante si mesmo, surge uma outra situação, que agora se processa no Setor de Atendimento Psicológico para alunos universitários.

O impasse de ser e não-ser

Numa primeira entrevista, o jovem universitário relata:

"Fico ocupando o meu tempo com muitas coisas. Antes era 100% para os estudos. Agora, 40% divido entre o coral, piano, aula de teologia, monitoria, projeto de iniciação científica..."

Ufa, quanta coisa! Pensa a analista.

O paciente que se ocupa de 100% de atividades surge como se ele fosse as próprias atividades. Neste caso, a fazeção se aproxima muito da idéia sustentada por Lacan (AMARAL, 2001, p.1013) de expulsão do sujeito e a conseqüente redução de si mesmo à condição de mero objeto do que de uma mera equivalência entre o ser e o fazer, como forma, seja de experimentação de uma nova condição de sujeito, seja como modo de proposição interativa como sustenta FERRARI(1996) a propósito da adolescência.

Seus colegas faziam chacota, listando, no quadro, todas suas atividades.

Surge à analista uma questão-inquietante: porque fazer tanta coisa ao mesmo tempo? Mas prossegue a escuta.

"Desde pequeno só me relaciono com livros, não me lembro de ter brincado quando criança. Minha mãe me programou para ser assim e agora não consigo fazer diferente. Ela me programou para não ter necessidade, necessidade humana (beber, fumar...). Nunca bebi. Não sou anjo, mas não me sinto humano. Estou na transição".

Surge o impasse de ser e não-ser.

A forma materna de cuidado que programa, pré-determina, cuida exacerbadamente – hiperprotege – apresentada pelo paciente na verdade, não o humaniza, o faz tender a agir e repetir no lugar de rememorar ou de elaborar; a prevalência, portanto, da atuação em detrimento da fantasia, o ataque ao pensamento e não propriamente a evitação do pensar, o primado pré-genital, o insight sobre o funcionamento psíquico, mais do que a revelação de sentido. Segundo André Green, não se trata de desejo, mas de uma tendência à excitar a pulsão em direção à descarga e à repetição; processo que curto-circuitam a elaboração psíquica"(AMARAL, 2001, p. 1013).

Esse pequeno estudo da análise das formas cuidadoras na atualidade nos possibilitou refletir como Hipo e Hiperproteção são faces de uma mesma moeda que revelam um sujeito não-pensante, preso no desejo do Outro, no desejo dos pais, da mãe, do professor, da lógica da Globalização.

De acordo com Amaral, não acontece propriamente uma evitação do pensar, mas um ataque ao pensamento, à possibilidade de fantasiar, de permitir-se viver o desconhecido em si mesmo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A afirmativa "Um outro mundo é possível" nos levou ao mundo em que vivemos. Sua constituição tanto no discurso dos alunos na escola quanto dos adolescentes na clínica revelou o desconhecimento do Ser da inconsciência. Uma autonomia disfarçada ou uma pré-programação de sobrevivência psíquica pode determinar a necessidade de um outro mundo.

A priori, a desconsideração pelo que não é visto, percebido, gera um mundo de alienação, de pura consciência. O mundo de pura consciência, ou seja, a consideração dessa lógica nos permite ter acesso ao o que está acontecendo atualmente, onde temos que nos haver com seu reverso, com um mundo que insistimos em manter desconhecido. Seria "Um outro mundo é possível" uma afirmativa ou a possibilidade de uma indagação ?

Ambos – Hipo e Hiperproteção – formas-cuidadoras que durante o próprio caminho deste estudo revelaram ser faces de uma mesma moeda também evidenciaram uma condição restritiva de vinculação emocional, de contato legítimo, autêntico, genuíno com o Outro e consigo mesmo.

As autoras entendem ser importante manter, como no início deste trabalho, a indagação: "Hipo e HiperProteção: condições cuidadoras? ".

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL,M.G.T. Adolescentes sem limites ou "funcionamentos-limite" diante de uma existência que exige a demissão do sujeito? Revista Brasileira de Psicanálise, v.35, n.4, p. 1001-1021, 2001.

FERREIRA,M. Globalização,Trabalho e Psicologia. Jornal do Psicólogo, n. 69, ano 18, p.7-9, 2001.

ZIMERMAN, D. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. ArtMed: Porto Alegre, 2000.