2Compreendendo o significado da privação de liberdade para adolescentes institucionalizadosAdolescência e resistência author indexsubject indexsearch form
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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

A banalização da mentira como uma das perversões da sociedade contemporânea e sua internalização como destrutividade psíquica. O esfacelamento do processo de individuação na adolescência

 

 

Angela Caniato

 

 


RESUMO

Na contemporaneidade a mentira constitui um dos principais atributos das relações sociais, instituindo-se como valor eticamente perverso e destrutivo em todos os níveis da vida dos homens.Manifesta-se escamoteada como ideologia ou é expressa cinicamente como"mentira manifesta"(Adorno), normatizando as relações entre os indivíduos sob o signo da hipocrisia, do impedimento de trocas entre indivíduos diferentes ( padronização narcísica) e seu poder de coerção promove a simbiose da pseudo-individuação entre os sujeitos. A mentira se revela/desvela sob diferentes matizes desde a ideologia da indústria cultural(Adorno), passando pela mentira manifesta , pelas sutilezas enganosas e opressivas da burocracia, por certas justificativas cínicas de segredo ou exigência de sigilo até às formas de impedimento ostensivamente disruptivas de manifestação de certas formas de desejar, sentir, pensar e agir e/ou de expressões de autenticidade e respeito à alteridade de indivíduos distintos . Assim, a mentira transforma a relação entre os indivíduos em mesmice e farsa.O seu caráter destrutivo assenta-se fortemente na cumplicidade dos indivíduos que, mesmo inconscientemente, dão adesão e reproduzem às suas diferentes expressões . Ela tem a sua eficácia garantida pela permeabilidade e maleabilidade da estrutura psíquica, em especial quando vulnerabilizada porque atingida pela violência social da mentira internalizada.Porém, a sua dimensão perversa e auto punitiva se explicita na falsa verdade com que é acolhida pelo indivíduo e porque interpretada por ele como oriunda de seu mundo interno ( Freud- sentimento inconsciente de culpabilidade e fragilidade egóica). O poder de difusão da mentira entre os indivíduos se constrói por meio da banalização das diferentes expressões da malignidade que atravessa a vida dos homens na contemporaneidade.(Hanna Arendt, C. Dejours) Em âmbito mundial, a mentira produz e sustenta a atribuição de periculosidade a certos grupos e/ou nações- "os terroristas"- para justificar ações bélicas contra povos com fins prioritariamente econômicos.( Noam Chomsky).O pior, tal violência vem sendo consentida por meio da cumplicidade dos homens que, prejudicados em seu processo de individuação,diferenciação e reconhecimento da realidade desde a infância ,se enganam no gozo nirvanesco do ideal adolescente da sociedade contemporânea.

Palavras-chave: mentira, indústria cultural, banalização da malignidade, normatização social, cumplicidade dos indivíduos, destrutividade psíquica e o esfacelamento da individuação na adolescência


 

 

Há duas gerações passadas crianças, adolescentes e adultos aguardavam com expectativa e regozijo a chegada do dia 01 de abril - Dia da Mentira - consagrado como tal desde o Século XIII ou XVI (Teixeira, 2002 e UFG, 02/05/04, acesso). Era o dia da "brincadeira de enganar o bobo" que, apesar de certo grau de maledicência, trazia consigo o lúdico e a desculpa pelo constrangimento causado ao outro. Neste dia era permitido trapacear com os amigos, deixá-los assustados e perplexos com notícias picantes, desastrosas e/ou de bons augúrios a fim de vê-los apavorados e /ou hilariantes e nos deliciarmos com seus desconforto e sofrimento, seus tormentos, suas euforias descabidas estando totalmente vulnerabilizados e impotentes. Eles eram ingenuamente apanhados de surpresa para serem burlados. Eram trapaças contadas como se verdades fossem, logo desmentidas pelo falseador que se divertia com a credibilidade dada pelo outro à sua mentira. A maledicência mentirosa contra o outro tinha dia permitido para acontecer porque a mentira era condenada socialmente. O mentiroso contumaz perdia a credibilidade dos demais: a mentira era punida e a verdade premiada.

Hoje, o dia 01 de abril não tem mais este glamour, pois era apenas uma trapaça inofensiva, uma brincadeira às vezes mais violenta e de mau gosto que permanece, apenas, como ingenuidade na memória daqueles que ainda se esforçam e conseguem viver sob o código de honradez da verdade. Na atualidade, ao contrário, todos os dias do ano são dias da mentira, todos estão exageradamente familiarizados com ela e poucos querem saber e viver com a verdade. Ninguém quer ouvir o testemunho/interpretação do outro que nada lhe teria a dizer e poucos querem falar o que pensam e certamente não encontrariam ouvintes.

As crianças e adolescentes perderam o oportunidade desse jogo-folguedo coletivo e ficaram proibidas de ter seu sofrimento minimizado no confronto - discernimento da verdade e da mentira porque não mais vivido sob o lúdico e o acolhimento de seus parceiros. Passam a ser, entretanto, projeto ideal de ser indivíduo numa sociedade de soturnos e regredidos "pensadores" envergonhados.

O que está acontecendo nesta parafernália de medo de ser verdadeiro, de ser si-próprio e de conviver na troca e no conflito criador com a diferença do ser-do-outro, com a sua alteridade? Por que todos estão equalizados sob o signo do esconder-se, do enganar e da evitação do contato- do "tô fora"? De fato os indivíduos estão discriminando e podendo falar/ouvir o que fizeram ou presenciaram? É-lhes permitido saber do que está ocorrendo em seu entorno, consigo e com os demais homens?

A verdade parece assustar a quem pudesse assim falar porque a punição culpabilizante de um denunciador real ou fictício o apavora e não faltam sanções sociais para aqueles que ousam dizer o que desejam, sentem e pensam. Ao contrário, a mentira se impõe como um código de conduta, não dito como tal, mas existente de fato na comunicação social, trazendo em seu bojo a plena aceitação pelos indivíduos desta ética da hipocrisia e do fingimento A força do estar escondido/atuante propicia a ampla difusão desta norma de convivência, mesmo que internalizada inconscientemente por uns, admitidas sob coação em diferentes situações por outros ou cinicamente consentida por muitos que dela se aproveitam para "levar vantagem em tudo". O poder de infiltração da mentira no âmago da vida dos indivíduos e em suas relações em sociedade, quando transformada em justicativa socialmente aceita, dá a permissão que um lese o outro sem culpa. Não existe mais a reparação do dano causado a alguém e nem pensar em exigência de retratação pública se até a palavra desculpa, mesmo que dita falsamente, já caiu em desuso Há um quase consenso e uma cumplicidade difusa na arte de esconder a ofensa e ludibriar até quem outrora fora amigo. Na mentira a gratidão e a confiabilidade se perderam como forma de troca entre os indivíduos. Às vezes o seguro comercial vem a substituir todas estas formas de contato mais respeitosas: ele paga os danos.

A fraude tornou-se norma social e a dissimulação, o enganar, o ser impostor articulam a aceitação entre os farsantes, para viverem na lógica da adulação astuciosa conduzente à conquista de benefícios oportunistas sob os quais é difícil de alguém escapar : todos se tornam condescendentes com tudo, indiferenciadamente, vivendo sob a hipocrisia. Não existe preocupação ou exigência de busca de discriminação entre verdade e mentira: a verdade vem saindo do cenário da vida entre os homens. O falsário não se constrange em apontar em si uma virtude que na prática cotidiana ele não exibe. Tudo passa a ser aceito sem julgamento nem hierarquia de valor.

Novamente a criança e o jovem são o alvo primeiro deste processo psicossocial alienador, pois adestradas desde muito precocemente "para serem criadas para o mundo",aprendem a viver o afastamento indiferente entre os indivíduos como forma " sadia" de ser tratada .Deixa de receber os cuidados de quem está próximo dela e, sob esta insensibilidade e inconstância afetivas de pais fragilizados socialmente em sua autoridade,crescem desligados do valor do convívio. Seus pais repetem entre eles e com os filhos a ética da "independência", do descompromisso e de vínculos afetivos instáveis.

Os indivíduos vivem sob a sedução embriagadora e entorpecedora que os anestesia na mentira, isto é, são jogados na onipotência e na ubiqüidade regressivas como se heróis fossem(CANIATO, 2000 e 2003), porque tem permissão social para trapacear impunemente, enganar e ser enganado numa cumplicidade perversa com o fraudar o outro e ser enovelado na farsa de si mesmo(CANIATO, 1999) As leis que orientam a vida em sociedade sob a farsa são originárias da violência que se infiltra nas relações do homem com a cultura como crueldade (ULHOA, 2001a e 2001b). Esta banalização da mentira carrega e produz identificações perversas entre os indivíduos no processo de internalização desta violência. Quando estes localizam esta destrutividade como se tivessem origem em suas vidas internas, são desencadeadas desde seu mundo inconsciente severas auto-punições (sentimento de culpabilidade-FREUD, El Malestar en la Cultura), bastante distintas da culpa consciente/reparadora interna e externamente Este rigor da consciência moral está ele próprio fundado numa mentira, isto é, numa inversão ideológica de deslocamento para os sujeitos de atribuições a si de destrutividades que lhes são impostas desde fora e sob o impacto da mais-repressão social Os vínculos entre os indivíduos se tornam perversos não havendo lugar para o acolhimento porque tudo e todos são portadores de malignidade, não - confiáveis, embora o desejo, mesmo que de forma inconsciente, insista em investir libidinosamente no outro que logo se torna distante e ignorado (CANIATO e CASTRO, 2004). Estamos vivendo, talvez, preferencialmente, no reino da impossibilidade do aconchego. A disposição psíquica para o acolhimento está sob cerceamento e os vínculos entre os indivíduos atravessados por reiteradas separações -muitas vezes identificadas positivamente como independência (ou melhor dito, indiferença) - que impedem o vínculo continuado que vem sendo substituído pelo sofrimento da solidão e do individualismo. O hedonismo prolifera na saturação de prazeres extra humanos já que cada um vazio internamente só se esfrega no vazio do outro, também farsante humano. (LIPOVETSKY, 1983). A perda de confiabilidade de um no outro, que joga a todos nesta cultura hedonista, deixa em cada um a mórbida solidão narcísica (GREEN, 1988) num mundo cercado por todos os lados de apelos para os "prazeres" do consumismo. (MARIOTTI, 2000) A ilusão da completude, a farsa de não dever/poder viver a frustração que a onipotência da mentira produz / cria, a utopia do viver sem limites ou melhor de caminhar por uma trajetória de expectativas contínuas de satisfação que nunca se realizam. (BAUMAN, 1999). Nem o corpo é poupado e talvez seja nele onde a farsa da bioascese se concretize (ORTEGA, 2002) que passa a ser usada em rituais perversos coletivos de caráter sadomasoquista na tentativa "bioquimica"de obter prazer na dor (VIEIRA, 2003) É a presentificação do nirvana buscado contínua e insanamente.

Sob a mentira o outro é

"tomado por imbecil e serve de expressão ao desrespeito. Entre os pérfidos indivíduos práticos de hoje, a mentira há muito perdeu a sua função de iludir acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem disto. Só mentimos para dar a entender ao outro que nele nada nos importa, que não temos necessidade dele, que nos é indiferente o que ele pensa de nós. A mentira, antigamente um meio liberal de comunicação, tornou-se hoje uma técnica de descaramento com cujo auxílio cada indivíduo espalha em seu redor a frieza sob cuja proteção ele pode prosperar" (ADORNO, 1993).

A expansão da mentira deve-se à atraência que ela contém de tudo nela caber, de ter a infinitude como propulsão para se espraiar nas relações entre os indivíduos e mantê-los, absortos sob este engodo. A eficiência deste esvaziamento libidinoso só se torna possível sob a sedução que tem um poder tirânico em sua promessa do gozo nirvanesco (AIDÉ, 2002) já que neste processo relacional se cria a ilusão de aceitação incondicional para ludibriar o seduzido. A sedução não só encobre o ultraje do outro, como escamoteia o que foi lesado. Ela é um poderoso mecanismo de atrair para privar o outro do que é dele, principalmente de lesá-lo sem "sofrimento" ao supri-lo do que lhe daria vigor se com ele ficasse, garantindo-lhe, apenas, a bajulação hipócrita O indivíduo sob sedução deixa de ser autônomo e se ilude em ser outro identificando-se simbioticamente com aquele que lhe afaga sob a promessa de lhe possibilitar prazer pleno (LUCCHESI, 2002).

A difusão da mentira entre os indivíduos se deve a esta atraência altamente sedutora que atua na produção de falsos desejos, de desejos que não produzem resistência ao invasor mas tem o poder de manter os indivíduos amalgamados entre si sob o engodo de serem os melhores. A sedução atua como um poderoso fomentador da mentira e impede que a verdade do sofrimento verdadeiramente vivido possa denunciar a presença desta destrutividade lambuzada de perfídia edulcorada. (CANIATO, 2003). Aliás, como diz LUCCHESI (2002), a palavra sedução vem do latim seducere (se[d] +ducere) sendo que sed significa "separação", "afastamento", "privação" e ducere queria dizer "levar","guiar", "atrair". "Em síntese, portanto, "seduzir" era o processo pelo qual se atrai para privar o outro da autonomia de si, sob a promessa de possibilitar-lhe a experiência do prazer pleno"(p. 01)

Numa sociedade em que o ideal de homem é o "ser adolescente", fácil é entender a sobrecarga que recai sobre os indivíduos desta etapa existencial quando tem de investir em muita onipotência ,onisciência e onipresença para dar conta desta atribuição social. É a custa de contínua emulsão inconscientemente do desejo que conseguem se manter sedutores, atravessando sofregamente a passarela do palco solitário da sedução no qual chegam a modificar-lesar os seus próprios corpos, no afã de encontrar alguma forma de subjetivação inimaginável para com ela desfilar glorificado e por ela se deixar devorar.

A mentira, enquanto estratégia para impedir que sejam identificadas suas facetas perversas, tem uma dimensão ético-moral que vem sendo internalizada e sustentada pelos indivíduos É acolhida no âmbito da irracionalidade e dos afetos contaminados pela indiferenciação/ inversão que o mundo atual impõe à angústia e aos sentimentos dos indivíduos (MAIA, 2001) ou pelo uso social da afetividade como estratégia manipulativo-confusional (Arendt, 2002) Esta depreciação das diferentes nuances da afetividade dos indivíduos se articula facilmente com suas consciências já deterioradas regressivamente. O mentiroso e hipócrita, enquanto indivíduo, é de fato um covarde enrustido que se mostra poderoso, apenas e apenas só por que tem a aprovação social, segue o bando, é uma "mascara mortuária" (ADORNO, 1986), enfim um covarde que, por não conseguir impor a sua dignidade por meio da verdade do que é, se esconde na massa dos desvalidos socialmente que deixam-se passar por ignorantes/ farsantes.

Os homens não precisariam deixar deteriorar/ descartar socialmente os seus afetos Eles poderiam expressá-los de forma criativa, isto é, dando significados diferenciadores às situações vividas e assim serem integrados à consciência quando e se a sua racionalidade pudesse estar disponível para integrar a historicidade e a narrativa nos episódios do dia a dia. Aos indivíduos seria permitido a diferenciação das situações vivenciadas e eles se tornariam capazes de identificar e reagir diferentemente às distintas situações que a vida cotidiana lhe propõe. A mentira não lhes retiraria a discriminação entre o que é o bem e o mal. Isto, só e apenas quando, ele pudesse usar os indicadores diferenciadores de sua vida afetiva desta forma criativa e conscientemente integradora. Na atualidade os sentimentos estão sob "condenação social" e, infelizmente, assim vividos pelos indivíduos que vem se permitindo lhes deixar ser subtraídas estas suas potencialidades diferenciadoras. A linguagem significante dos afetos está corrompida : "é obsceno falar de amor" (STENGEL, 2003) e as vivências de perda e dor devem ser sedadas por drogas legais ou ilegais para não haver quebras no afã instantaneista de um prazer sem interrupção no qual a euforia não pode nunca terminar-é proibido ficar triste. (Di LORETTO, 1997) Mas os afetos não estão mortos e sim capturados e sob manipulação do mundo do trabalho na exploração e exclusão sociais a que estão os homens sob o "capitalismo flexível" (SENNETT, 2001). Nele não existe compromisso com a sobrevivência material dos indivíduos que estão compelidos/exigidos para performances que ultrapassam as suas reais possibilidades humanas (BARBARINI, 2001) e submetidos, portanto, a viverem sob o manto acobertador e mentiroso da negação deste sofrimento (DEJOURS, 2000)

O quanto estão enganados e que danos causam nas relações entre pais e filhos aqueles psicólogos "avestruzes"que lidam com crianças e adolescentes, ignorando com seu intimismo, as contingências históricas sob as quais estão se construindo\desconstruindo os vínculos afetivos na família. Persistem em culpabilizar pai e mãe - enfraquecendo-os mais e mais enquanto modelos de autoridade-, ao lhes cobrar sedutoramente que sejam continentes e acolhedores com seus filhos.Não se dão conta da captura social dos afetos que esses pais vivem, para poderem sustentar formas modelares de ser indivíduo(padronização) que não desestabilizem o status quo ordenado pela ganância e , não, por relações de amparo entre os homens ...

Há de se acrescentar que, conforme a teoria da gestalt nos ensinou, não é possível haver uma apreensão real e verdadeira de determinado objeto se não estiverem expostos ao exame sensório-perceptivo-intelectual todas os elementos que o integram. Sob a mentira isto não ocorre: as informações são omitidas, insuficientes ou truncadas; portanto a atividade relacional da apreensão perceptivo-intelectual não se efetua e a representação simbólica do objeto é feita de forma deformada. Esta privação de informação que integra a mentira é, para Nilo Odália (1983), a fundamental característica da violência.

Pois é..., o que resta aos adolescentes em seu processo de individuação é o estar violentado e impedido de discernir, julgar, diferenciar, decidir e escolher entre diferentes formas de ser-indivíduo .Sob a privação de desenvolver as suas estruturas psíquicas da consciência, mantém-se simbiótica e regressivamente cooptados pelo estilo de vida consumista da contemporaneidade , na promessa contínua de satisfação nunca atingida e podendo, apenas, continuar nesta condição de insaciável ,sem poder contar com nada a não ser com o mais ou menos dinheiro que tenha no bolso.Solitário e sem ter vínculos estáveis e continuados, se exaure, numa procura insana de deitar raízes na qual só consegue prazeres fugazes e momentâneos:ser turista - se tem dinheiro ou viver enxotado como vagabundo – se é miserável, como demonstra Baumann.

É possível ao indivíduo acolher as restrições sábias de sua finitude e procurar se desfazer dos motivos de proibições perversas que lhe vem deformando seu viver ao lhe jogar na armadilha de que amar é ser obsceno e lhe abrir a porta da vergonha e da auto-censura quando se sente podendo se apaixonar por alguém ?É -lhe impossível reverter esta coação desumana de não poder sofrer e chorar por lamentar ter perdido alguém que ama?Afinal ele pode continuar vivendo sob o intenso "prazer"no mundo da luxuria no qual lhe são expropriados seus desejos e afetos canalizados de forma sorrateira para os objetos de consumo (MARIOTTI, 2000)As promessas são nirvanescas e as tentações demoníacas para uma vida sem limite. Como esquecer as promessas falaciosas deste mundo tentador! Não é fácil abandonar a onipotência de um inconsciente desejante que fustiga desde dentro para o gozo perene exigido pelo "sentimento oceânico’(Freud). É esta a promessa da sociedade atual e este o perigo pois a insatisfação insaciável não vem servindo de freio para a procura de um gozo mais seguro(Bauman, 1999). O indivíduo sozinho não consegue mudar este rumo e precisa do anteparo do outro que o acolha/frustre, que com sua presença lhe de o sentido de limite e a firmeza para continuar. Todos e cada um não podemos abrir mão da irreversibilidade da dependência do outro humano que é tão frágil como eu sou e que precisa do meu afago para que eu e ele saiamos do esconderijo "protetor," que nos faz sofrer, ao nos conduzir à adesão ao ethos cultural da contemporaneidade: "vazio" na saturação de prazeres tal como nos fala Lipowetsky (1983) ou na falácia de um "estilo de vida" tal como proposto por Lowen (1983). Sozinho o indivíduo é impotente para mudar a si e ser solidário com o outro para viver num coletivo que respeita e acolhe a alteridade e a diferença entre os indivíduos. A cultura contemporânea não vem dando referenciais protetores do humano dos homens, inexiste um ethos caloroso por meio do qual um pudesse se debruçar sobre o outro num enlace prazeroso verdadeiramente humanizador nas diferentes nuances que o amor pode se desdobrar, de gozos de encontro, da saída da onipotência narcísica primitiva.

Continuemos a pensar o processo de individuação do cabisbaixo-altaneiro adolescente nas contingências desta exigência de não ter limites e viver a procura de em nada se apegar sob os ditames do ser "independente".Precisamos conhecer a qualidade e a direção dos processos identificatórios que confundem a autonomia diferenciadora com a simbiose manipulativa do ideal neoliberal de ser independente...A quem serve indivíduos afastados uns dos outros, individualistas? Freud é categórico ao afirmar que a felicidade humana só é possível no enlace amoroso com o outro.Toda teoria evolutiva de Melanie Klein baseia-se no processo de viver e transpor a turbulência conflitiva e diferenciadora da integração dos afetos, experienciar e viver as nuances do afeto no(s) vínculo(s) na construção da individualidade, isto é, poder-se separar da fusão inicial que mantém os seres humanos indiferenciados e colados às suas mães. Como fica nosso adolescente - rei destronado - se é impedido de viver a dor inerente á frustração e os conflitos inerentes a vida que necessariamente geram sofrimento?Ilusão de nirvana, "doce alegria" embora viva sempre sob os ditames de thanatos : infeliz no isolamento a que foi alçado e elevado à categoria de ser-solitário que deve resplandecer e ofuscar "felicidade"para animar ,inclusive, os adultos que nele se respaldam.Certamente, solitário e sofredor....Assim debilitado – regredido, não tem forças para admitir suas imperfeições - viver a frustração - para poder procurar novas formas superiores de vinculação com o mundo .Paga um preço altíssimo pela impotência regressiva do adulto que nele depositou sua expectativa e seu ideal de ser homem.

Estas mentiras sob as quais vivemos do que é ser homem e todas as promessas vãs que elas contém trazem em seu bojo distorções difíceis- mas não impossíveis - de serem desveladas por uma ciência como a Psicanálise, se a abordagem de "visão de avestruz" (CANIATO, 1999) não prevalecer, se não forem desconsideradas as afirmativas categóricas de Freud da dimensão social do psiquismo, espalhadas em várias de suas obras e, de forma mais concentrada, naquelas consideradas de caráter social como Psicologia de las Masas (1948) e El Malestar en la Cultura (1981). A prática na Psicanálise que se mantiver intimista e negando a heteronomia na estruturação das subjetividades, além de jogar seus clientes-vítimas na violência da culpabilidade (FREUD-El Malestar en la Cultura), estará sendo cúmplice de uma cultura falaciosa, hipócrita, mentirosa e perversa, portanto de um sofrimento dos homens socialmente produzido. Já chegam os marqueteiros da mídia que dominam muito bem o conhecimento psicanalítico e nele se apóiam para melhor manipular os indivíduos incautos e desatenciosos, talvez uma grande maioria, tendo em vista o poder cada vez maior de penetração dos meios de difusão de massa, do qual nos fala Guinsberg (2001).

Como colaborar para minimizar a ação da mentira facilmente internalizável pelos indivíduos e de efeitos tão perversamente destrutivos na vida psíquica dos indivíduos como estamos podendo entender? Pior ainda, quando sabemos que a mentira vem ultrapassando o nível da palavra falada/ouvida quando seus atributos irracionais e perversos vem desembocando em atitudes concretas e observáveis dos indivíduos em suas relações com os demais. Certamente é uma questão desafiadora para os profissionais Psi, que vivemos intensamente estes sofrimentos na prática cotidiana. Talvez devamos pensar um pouco mais de forma contextual, sabendo que status quo é este no qual vivemos, que valores éticos atravessam as relações entre os homens na cultura atual para não mais dizermos aos nossos clientes "se seu namorado lhe traiu, o traia também"(sic), banalizando desrespeitosa e violentadoramente dois dos sentimentos mais dolorosos e importantes que envolvem o ser traído: a inveja e o ciúme. (Ventura, 1998 e ARREGUY, et al., 2002)

Continuemos pensando: se os afetos não estão integrados à clareza diferenciadora que a consciência lhes pode oferecer, isto é, se o cotidiano está sendo vivido sob restrições da afetividade, facilmente os homens caem nas falsificações sob as quais as mentiras florescem, em especial, não esqueçamos, porque respaldadas por sua transformação em norma social. Quando são internalizadas pela consciência moral de cada um e sancionadas pelas mentes individuais do grupo circundante, passam a serem percebidas e identificadas como originárias do mundo interno dos sujeitos, portanto naturalizadas. Se um do grupo começa a duvidar destes valores, quando vislumbra alternativas outras que não sejam as apresentadas pelo status quo mentiroso. e quando tenta viver diferente é chamado de "careta"e tem o descrédito dos demais. Mas todos estão insatisfeitos e sofrendo. Por que não conseguem trazer para si e seu grupo a tarefa de mudar, de sair da farsa de que são "homens felizes"?A dificuldade mais significativa é, não há dúvidas, que tal inversão é de caráter ideológico - indústria cultural-, (ADORNO, 1986), mas que quando internalizada pelos indivíduos são decodificadas por eles como se próprias fossem. Como ser tudo isto de maledicente, de insuportável se todos estão "felizes/entorpecidos/drogados"?Por que continuar seguindo esta forma de vida em bando, turba e até mesmo gang (PAGMAN et al., 2003), deixando que suas leis destrutivas reinem soberanas?

Pois é... a adolescência é a fase da vida na qual seria esperado um grande avanço no processo de individuação, quer seja pela secundarização de vínculos e entendimentos mais arcaicos ou quer seja pelo enfraquecimento cada vez maior de relações simbióticas com os demais. O adolescente poderia com seu ufanismo de indivíduo-diferenciado trocar com os seus iguais sem precisar imitá-los e, juntos, não fazer maiores concessões aos arbítrios da sociedade e quiçá ir mudando as normas de convivência entre os indivíduos, dentro dos limites que lhe fosse possível. Mas esta postura de resistência só vem ocorrendo de forma pontual e ainda muito pouco silenciosa.

São profundas as implicações no mundo interno dos sujeitos da perversidade das mentiras contemporâneas já que estas, enquanto violência produzidas socialmente, são internalizadas e se amalgamam às estruturas inconscientes dos sujeitos como se próprias fossem e daí exercem sua ação destrutiva, agregando-se à consciência moral dos indivíduos como auto-punição (sentimento de culpabilidade – FREUD, El Malestar en la Cultura). Fica estabelecida a primazia da heteronomia social manipulativa (pseudo-individuação/padronização - Adorno, 1985 e 1986) Todos passam a viver simbioticamente atados uns aos outros sob as promessas vãs de felicidade /mentiras da indústria cultural, sob o narcisismo de morte de que nos fala Green (1988)

Neste momento cabem algumas indagações intrigantes quando nos defrontamos com os estragos interrelacionais que a perda da credibilidade difunde entre os indivíduos e nas dificuldades que se interpõe no trânsito entre eles dos desejos, sentimentos e pensamentos que possam ser referenciais factíveis de discriminação, de julgamento, de avaliação e de decisão de forma segura para cada um e todos na orientação de suas vidas individuais /coletiva, enquanto sujeitos da cultura. É possível neste contexto que uma consciência crítica se desenvolva, que os indivíduos ascendam à autonomia exigida para as suas emancipações enquanto sujeitos da cultura para que eles se tornem verdadeiramente sujeitos sociais? (ADORNO, 1985e 1999)

Como sucintamente analisamos acima, do ponto de vista político-cultural, a ordenação social gerada sob o signo da mentira, vem produzindo diferentes formas de con-fusão nas leis que regem a vida entre os homens. Torna-se difícil, senão impossível, identificar o certo e o errado que permitiria a discriminação protetora pelos indivíduos que, ao contrário, passam a seguir cegamente leis que desconhecem, que não conseguem identificar corretamente a presença /ausência de riscos e perigos os quais teriam de ser enfrentados de maneiras distintas Em seu limite de ocultamento da verdade, a mentira funciona como segredo (ARENDT, 1973), para que os paises poderosos e, dentre eles os Estados Unidos, continuem impondo sua hegemonia, usando a mentira para escamotear o arbítrio (QUESADA, 2004; KORNBLUH, 2004 e PILGER, 2004;) e sustentar ações sócio políticas de caráter terrorífico. Sob tal coação, os indivíduos apavorados podem sucumbir nas atrocidades do horror que o forte poder violentador deste contexto social produz. (CASTRO, 2004) Sob este emaranhado de mentiras, a cultura não mais garante o acolhimento - que seria sua função primeira enquanto ethos humano -. Ao semear a descrença entre os indivíduos, a mentira retira-lhes a possibilidade de discernir o que e a quem obedecer (DUFOUR, 2001) para poder viver sob uma disciplina que lhe possa dar referenciais de segurança (LIPOVETSKY, 1983) e que os ampare. O clima angustiante de alerta tornou-se permanente na cotidianeidade dos indivíduos, alardeado pelas luzes fulgurantes de foguetes e mísseis que não param de brilhar nos céus em algum lugar do planeta Terra e trazido pela mídia para dentro das casas das pessoas, num espetáculo inusitado de "beleza resplandecente"(KEHL, 2002), esta sim expressão de um fato verdadeiro e, não apenas virtual. É. melhor admitir ser apenas virtual e não acreditar que homens estão sendo mortos e viver na mentira diante de tantos "sibilos venenosos"!! (POLO, 2004).

Bauman (1998), analisando a manutenção da barbárie do holocausto na contemporaneidade, trabalha com o conceito de moralidade técnica para tentar compreender a obediência e a adesão dos indivíduos às regras hostis de organização da vida coletiva e, dialogando com Milgram, diz:

"[...] a crueldade não é cometida por indivíduos cruéis mas por homens e mulheres comuns tentando desempenhar bem suas tarefas ordinárias; e por sua descoberta de que a crueldade relaciona-se apenas secundariamente às características individuais dos que a cometem, mas de maneira muito forte mesmo à relação de autoridade e subordinação com nossa estrutura normal e cotidiana de poder e obediência (p. 181, grifos nossos).

Para este autor a moralidade está imbricada na técnica que mediatiza a relação entre os homens quer seja a da organização burocrática de suas atividades cotidianas ou aquelas outras tecnologias que mantém os homens à distância das conseqüências de suas ações. Ele diz:

"Numa burocracia as preocupações morais dos funcionários são afastadas do enfoque na situação angustiosa dos objetos da ação. São forçosamente desviados em outra direção - a tarefa a realizar e a excelência com a qual é realizada. Não importa tanto como passam e sentem os objetos da ação. Importa, no entanto, o nível de esperteza e eficiência com que o ator executa o que seus superiores ordenaram que executasse. (idem, ibid, p. 186-187, grifos nossos)

A técnica, ao introduzir a distância entre o autor de alguma ação e as conseqüências deste ato, gera nos indivíduos a impossibilidade de acompanhar tudo que ocorre desde o início ao fim da ação; conseqüentemente, a perda da compreensão entre os atributos desta ação e suas finalidades e objetivos.

A intencionalidade do ato fica encoberta para quem age e fácil se torna deslocar a "moralidade "para a técnica que passa a funcionar como uma poderosa estratégia de manipulação e controle dos homens e/ou para encobrir ações criminosas dos poderosos. É neste sentido potencializador do encobrimento que a tecnologia vem sendo utilizada como um poderoso instrumento de mentira.

Este poder "impessoal e anônimo" da tecnologia e da burocracia que passa a gerir as relações entre os indivíduos introduz a lógica da irresponsabilidade social e moral. O fascínio à hierarquia e à insensibilidade objetiva esvazia a intencionalidade racional dos homens. quando agem e, conseqüentemente, a força sujeito de suas ações. Para o indivíduo este atributo da consciência- a intencionalidade- fica perdido por que não evidenciável sensível e psiquicamente por ele, a relação de causa-efeito no seu pensar e agir. Assim, escapa aos indivíduos a compreensão das conseqüências de seus atos. A manipulação social da distância física inerente a tecnologia e a burocracia constrói a indiferença moral para que todos espalhem a violêncIa na ordenação social sem se dar conta do processo de mutilação de si e dos vínculos com os seus pares. e, menos ainda, deste sofrimento veiculado socialmente(CANIATO e CASTRO, 2002 e SAWAIA, 1999) Se focalizamos, por exemplo, que o apertar de um simples botão, para acionar poderosos mísseis que em poucos minutos acertarão o alvo, matando milhares de homens, a máxima atribuição de responsabilidade vem sendo a de admitir que houve um " erro técnico"(sic) e quem acionou o botão permanece em paz consigo próprio. Assim

"quanto maior a distância física e psíquica da vítima, mais fácil era [é] ser cruel. [...] A razão, pela qual a separação da vítima torna a crueldade mais fácil, parece psicologicamente óbvia: o executor é poupado da agonia de testemunhar o resultado de seus atos. [...] O efeito da distância física e puramente psíquica é, portanto, ainda mais aumentado pela natureza coletiva da ação prejudicial [...] O opressor é membro de um grupo[ e esta condição] deve ser vista como um tremendo fator a facilitar os atos de crueldade"(idem, ibid, p182 a 184, grifos nossos. )

Certamente são poucos os indívíduos que diante destes poderosos instrumentos de engano conseguem uma integridade psíquica que os protejam de cair nestas armadilhas de submissão ao arbítrio, a fim de que possam desvencilhar-se do medo das conseqüências punitivas de sua desobediência solitária e seguir a sua própria consciência. Não há dúvida que a massa obediente, está vivendo sob o suposto alívio da retirada da responsabilidade moral por seus atos, o que bloqueia sua mente de qualquer CULPA verdadeira e reparadora. Torna-se cúmplice pela "facilidade com que a maioria das pessoas se encaixa no papel que requer crueldade ou pelo menos cegueira moral - bastando que este papel tenha sido devidamente fortalecido e legitimado pela autoridade superior" (idem ibid, p. 196, grifos nossos)

Preocupamo-nos bastante algumas estratégias de certas agências sociais para arrebanhar a juventude em nome de certos e confusos valores de protagonismo juvenil, empreendedorismo, cidadania e voluntariado para a "salvação dos rumos benfazejos da organização social atual", talvez, escamoteando a submissão dos adolescentes às diferentes expressões da violência nas relações entre os indivíduos - norma da sociedade atual- com ocorre sob o signo da competição que é a mais exuberantemente proclamada..Não podemos ignorar o quanto mais regredidos somos, o quanto mais estamos fragilizados pela violência social internalizada, amalgamada à destrutividade que nos é própria e, portanto, incapazes de fazermos a diferenciação entre o bem e o mal. Seria pesaroso que, a única saída para esses jovens seja a de se tornarem soldados para se juntarem a estes aliados que os convocam para combater os " inimigos da pátria"? – fomos informados que sim.

Este coletivo arbitrário e anônimo, quer seja o da organização burocrática ou o da parafernália tecnológica que rodeia o homem contemporâneo, é conduzido por uma racionalidade intrínseca a estes artefatos usados para a manipulação. Os indivíduos são comandados e apenas seguem inconscientes e passivamente as ordens deles emanadas: não identificam a inversão de posição por meio da qual o criador se transforma em submetido.

Esta violência em série tornou-se possível pela destruição da culpa do individuo que garantiria ao homem assumir que cometeu um dano a si e a seu semelhante e reverter este dano, cuidando de reparar os estragos cometidos na relação e em cada qual dos parceiros de per si. Esta forma simbiótica de seguir o outro cegamente (violência internalizada-massa), muitas vezes de forma conscientemente louvada (ARENDT, 2000), não há dúvida, expressa um dos perversos embustes que o homem está cometendo contra o que lhe é próprio, contra a sua humanidade. Falando numa linguagem psicanalítica, sem evidentemente ser intimista, esta destrutividade é a expressão de um doloroso processo de auto-mutilação punitiva inconsciente que Freud designou como sentimento de culpabilidade, que amalgama uns aos outros numa simbiose narcísica de morte: "viver" sendo apêndice/ postiço de outrem, sob o embuste de que fala e age em nome próprio. É neste embuste de si e do outro, nesta cumplicidade mórbida que cada indivíduo banaliza e sustenta a violência social da burocracia e do manejo atual perverso da tecnologia, voltado contra o próprio homem que a criou, certamente com intenções de tornar sua "vida mais fácil".

Mas não nos enganemos, não vamos mentir para nós mesmos, pois sabemos que no manejo destes artefatos de controle social está uma minoria de homens poderosos que, como diz Freud em El Malestar en la Cultura, sem ser um marxista confesso, tem permissão social para violentar os demais.

Porém a mentira é falaciosa nas suas múltiplas facetas ético-valorativas, de manipulação político-cultural e de desorganização da vida psíquica. Como sair desta culpabilidade auto punitiva se não são esclarecidos os reais motivos do caos psicossocial e da violência internalizada que sempre sabota nos indivíduos a sua capacidade de compreensão? Como recuperar a capacidade dos homens de discernir erros de acertos equalizados sob a impunidade (CANIATO, 1999) que libera as penas dos criminosos poderosos - sejam eles indivíduos, grupos ou nações (CHOAMSKY, 2002)- procurando fazer com que todos aceitem em silêncio as sanções que são imputadas a apenas alguns de menor status social, muitas vezes injustamente? (COIMBRA, 2001). Como fazer com que os homens confiem na solidariedade de seus parceiros e se desvencilhem da violência e da desconfiança que penetrou na relação entre eles e passou a sustentar a destruição da capacidade de cada um identificar o locus da verdadeira violência que lançou os homens na mudez e na surdez do não -diálogo, este sim que os poderia conduzir ao esclarecimento?Como recuperar os verdadeiros atributos psicossocias dos homens, fazendo-os passar a serem conduzidos por suas estruturas desejantes e afetivas- cognitivas, retirando-os da condição de pseudo-indivíduos e de máscaras mortuárias (ADORNO, 1985)? Isto porque

"todas estas mentiras, quer seus autores saibam ou não, abrigam um germe da violência: a mentira organizada tende sempre a destruir aquilo que decidiu negar, embora somente os governos totalitários tenham adotado conscientemente a mentira como o primeiro, passo para o assassinato’(ARENDT, 2002. p. 312}

Analisando as estratégias utilizadas pelo autoritarismo, enquanto expressão de governos que impõe às sociedades humanas seu poder de forma coercitiva, Hannah Arendt fala desta difusão oficial da mentira para justificar o arbítrio e a utilização da violência, identificada como legítima pelo estado, para supostamente proteger a nação e seus cidadãos-, para manipulá-los. Introduz, ainda, o conceito de "inimigo objetivo" para explicar a estratégia do autoritarismo para persuadir e formar convicção na sociedade e no mundo para a exigência de sua causa belicista. Estigmatiza grupos ou parte da humanidade como portadores do mal. Usando deste dualismo maniqueísta, tais estados autoritários se colocam na posição de portadores e defensores do bem perante grupos ou povos que devem ser exterminados, por que ameaçadores da humanidade (ARENDT, apud LAFER, 1979). Assim Hannah Arendt (idem, ibid) define este contexto do mundo imperialista (globalizado) contemporâneo:

"o anti-semitismo representa [...] uma das antecipações paradigmáticas do totalitarismo na medida em que, enquanto movimento, se apoiou em dois instrumentos de poder: o uso da mentira e o conceito de inimigo objetivo, que vieram definir, no século XX, a estrutura de organização desta nova forma de governo e de dominação, marcada pela ubiqüidade do arbítrio e pelo alcance ilimitado da violência.
De fato o totalitarismo, ao monopolizar a expressão da verdade procura através da propaganda e do controle dos meios de comunicação assegurar uma versão oficial dos fatos ‘desfigurando-os para adequá-los a sua ideologia" (p. 47, grifos nossos)

Ontem foi a União Soviética o inimigo objetivo por meio da qual o Império Americano freou qualquer perspectiva de transformação social no mundo, em especial, na América Latina Para justificar a "Guerra Fria", a "ameaça comunista" resultou na implantação, sob a tutela dos Estados Unidos, de ferozes ditaduras militares nos países sob seu comando-Operação Condor - (MARTORELL, 1999). Hoje, tais países continuam sob suspeição e de quando em quando infiltrações do exército americano atacam populações locais (Caso Colombia), quer seja em nome de uma suposta preservação dos direitos humanos ameaçados por estas populações nativas, quer seja por um falso propósito de combate ao narcotráfico, do qual são, de fato, grandes beneficiários econômicos(BEINSTEIN, 2000 e BRIE, 2000a e 2000b) Hoje o inimigo objetivo do Império dos Estados Unidos parece ser quase todo o resto do mundo empobrecido, vigiado e fiscalizado até na entrada em território norte-americano Porém, é sobre as populações dos países do Oriente Médio que está centralizada a fúria dos EUA. ao serem designados como os mais ameaçadores "terroristas"para justificar que, perante todo o resto do mundo, tais populações sejam atacadas belicamente, em guerras desiguais e com alto índice de mortes das populações civis. Efetivam a desova de seu poderoso arsenal de armas de guerra que lhes garante forte poder econômico de barganha e de poder político na exibição midiática da sua superioridade e de países aliados, mesmo sob a condenação da ONU (Organização da Nações Unidas) como, vem sendo os ataques ao Iraque

Assim, também, neste início do século XXI, ainda não passados os efeitos perversos ou sob o manto do extermínio genocida do holocausto (BAUMAN, 1998), o poder hegemônico mundial dos Estados Unidos e países aliados continua criando inimigos objetivos e exterminado milhões de homens, agora os povos islâmicos e outros palestinos- Afeganistão, Iraque, etc,-com o apoio ideológico, político e militar, também, de Israel -pais cujo povo é de origem judaica e que dentre eles alguns conheceram os campos de extermínio do nazismo. Entendido sumariamente como os poderosos de hoje, usam a imposição de sua força para acuar os mais fragilizados economicamente. Vejamos, pois, o que seja " inimigo objetivo"

" aquele grupo que, independentemente de sua conduta pode, a critério da liderança totalitária, eventualmente discordar da verdade oficial e, por isso, deve ser discriminado, isolado, punido e eliminado. Como todos são potencialmente suspeitos, todos são inimigos objetivos. Por esta razão, a escolha [...] de um determinado "inimigo objetivo"é sempre um ato arbitrário e gratuito que não depende da conduta daqueles que são assim identificados’’(ARENDT, apud LAFER, 1979. p. 48, grifos nossos).

Esta verdadeira arma contra a verdade, no dizer de H. Arendt (2002), conduzente ao esfacelamento das tradições, que poderiam organizar os indivíduos em torno de uma causa comum, fragmenta e isola os homens uns dos outros de tal maneira que dificilmente conseguem sair do embuste que os transformou em massa amorfa.

"A mentira política moderna lida eficientemente com coisas que em absoluto constituem segredos, mas são conhecidas por todo mundo" (idem, ibid, p. 311) [mas tem o poder de manter todos presos ao embuste que os une e, contraditoriamente,] a "verdade fatual [...] é acolhida hoje em dia com maior hostilidade que nunca [...] e o mesmo público que (os) [a] conhece pode, com êxito e, amiúde, espontaneamente, transformar em tabu sua discussão pública, tratando-a como se fossem aquilo que não são - isto é, segredos" (idem, ibid, p. 293).

O menosprezo pela realidade fatual e o apego à falsidade deliberada sobrepuja sobremaneira qualquer tentativa desavisada de examinar e expor a verdade e é este contador de verdade que se torna passível de "suspeição justificada" e pode-se pensar numa "improvável eventualidade de que sobreviva ‘. É a esta cegueira-surdez deliberadas que poucos ousam desobedecer que reforça o poder de manipulação em massa de fatos e opiniões, nesta produção desta terrível inversão ideológica-valorativa. Os tiranos embusteiros de plantão sabem muito bem usar da mentira e do engodo para guiar as mentalidades e, tratam a verdade como se ela tivesse caráter despótico, enquanto que "os fatos indesejáveis [...] (são tratados como se possuíssem) a enfurecedora pertinácia de não poder demovê-los a não ser como mentiras cabais" (idem, ibid, p. 298-299).

Os adolescentes hoje não estão antenados e podendo lidar com os dados da realidade factual- que perdeu a credibilidade e é vista sob suspeição- porque à sociedade atual não interessa indivíduos críticos e auto-determinados Esses seriam um empecilho para a difusão midiática massiva das "idéias" (ideologia) que a minoria dominante pretende imprimir nas mentes da maioria desavisada e fazê-la acreditar que tais "idéias" lhe são próprias. .A comunicação virtual e distante é muito mais eficiente do que o contato factual e sua flexibilidade muito mais mutiladora para criar o que interessa se tornar norma das relações. A preocupação está na alta audiência domesticada dos jovens nos "reality shows"e similares. Dela eles vem saindo afiados para ir reproduzindo em seu cotidiano as forma de pensar, sentir e agir dos personagens – atores – seus modeladores bem sucedidos .Se os jovens não conseguem usar de seu ceticismo para duvidar do que lhe é impingido, certamente seus violentadores estão de plantão para não lhes deixar pensar de forma diferente do desejado socialmente.

Pode-se constatar o clima de suspeição generalizada entre os homens, a exigência de vigilância sobre quem possa burlar estas normas (ABECHE, 2003) e a expectativa de poder morrer se for tido como terrorista (CHOMSKY, 2002). O embuste na sociedade se transforma na criminalização dos homens (COIMBRA, 2001 e CASTRO, 2004) que estão vivendo/sofrendo na contemporaneidade por não conseguirem vínculos confiáveis sustentados por referenciais de autoridade que lhes garanta apoio e segurança. Não existe ou não é possível esta clareza de consciência para reverter este quadro e/ou para testemunhar a impotência da não -credibilidade que "liga" a vida coletiva por meio da inexistência de modelos identificatórios verdadeiramente humanos. Permanecem cada um e todos nos porões obscuros e regredidos desta violência cruelmente destrutiva que internalizada desencadeia a mais feroz auto-punição que funciona como impedimento /proibição de testemunhar no diálogo com o outro a sua potência para elevar-se a um pensamento crítico conduzente a atitudes sujeito-emancipatórias (ADORNO, 1995). Muito ao contrário, expostos e fragilizados em laços afetivos desintegradores, o coletivo construído é o da apatia e conformismo. (MARTÍN-BARÓ, 1987 e CHAUÍ, 1993) sob o qual os indivíduos se tornam cúmplices numa solidão mórbida e, apenas, vinculados pelo ódio e/ou pelo prazer em lamber as próprias feridas.

Dizendo de outra maneira, os indivíduos quando enrustidos nesta não- reação, porque amalgamados de forma mais ou menos consciente nesta "mórbida semelhança"*, encaram a hostilidade vivida como sendo natural : é o que Hannah Arendt (2000) designa como "banalidade do mal". A esta banalização se agregam outras como ocorre com a "banalização da injustiça social" que vão sendo internalizadas pelos indivíduos como verdades irreversíveis e, pior, interpretadas como originárias nos seus mundos internos, portanto subjetivas. No entender de Dejours (2000), os indivíduos culpabilizando-se por estes desastres se tornam normopatas tal o grau de insensibilidade e negação do sofrimento que desenvolvem. O nível de degradação subjetiva pode chegar ao ponto em que os parâmetros do ser feliz e/ ou sofrer não mais estão separados e discriminados para poderem ser vividos diferentemente pelos indivíduos, confundidos pela "banalização da dor e do sofrimento" (CANIATO, 2003). Negam seus próprios sofrimentos que silenciados deixam os indivíduos insensíveis para a dor alheia.

A grande maioria se engana, não conseguindo perceber esta inversão perversa do lócus da violência social, porque vive sob a impossibilidade de usar a agressividade como proteção à vida (integração de libido e thânatos) - são obrigados a "amar ao próximo como a si mesmo" (Freud, El Malestar...) e agüentar calados serem violentados e, como num festim coletivo de auto-mutilaçào, mantém-se sob

"(...) a elogiada têmpera para a qual se é educado. significa pura e simplesmente a indiferença à dor. Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar que precisou reprimir. Esse mecanismo deve ser conscientizado, da mesma forma que deve ser fomentada uma educação que não mais premie a dor e a capacidade de suportá-la" (ADORNO, 1986, p. 39)

Esta forma de viver/ser foi analisada por Adorno em sua monumental pesquisa "A personalidade Autoritária" e seus fundamentos foram aplicados para analisar os tipos de "pseudo-indivíduos" que dão adesão ao arbítrio porque destruídos internamente(máscara mortuária)e por terem a consciência fragilizada e regredida. Embora esta forma de existir não se atenha às circunstâncias nas quais os genocídios são explícitos, tal como ocorre nas guerras (outrora no nazismo e agora na vociferação ideológica de terrorista que sustenta o extermínio de povos islâmicos pelo governo norteamericano), a cumplicidade subjetiva vem mantendo estas formas de sociabilidade autoritária Em seu texto "A Indústria Cultural,

Adorno(1986) diz;

"A idéia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do que, sem dúvida, jamais pretendeu ser Não somente os homens caem no logro, como se diz, desde que isso lhe dê uma satisfação por mais fugaz que seja, como também desejam essa impostura que eles próprios entrevêem; esforçam-se por fecharem os olhos e aprovam, numa espécie de autodesprezo, aquilo que lhes ocorre e do qual sabem por que é fabricado. Sem o confessar, pressentem que suas vidas se lhes tornam intoleráveis tão logo não mais se agarrem a satisfações que na realidade, não o são "(p 96, grifos nossos).

Essa espécie de cinismo mórbido consigo próprio que identificamos facilmente em indivíduos e grupos que vivem sob extrema penúria e sob exclusão social, fica claramente evidenciável nas expressões psicossociais dos indivíduos em momentos de maior autoritarismo social pela impregnante/adesão, mesmo que inconsciente, às atribuições de malignidade que lhes são imputadas. Quanto mais exuberantes e clamorosos forem tais apelos, mais evidenciáveis esta hostilidade nas atitudes dos indivíduos. Reportando-se à ordenação autoritária produzida pelo fascismo e à adesão dos indivíduos à vociferação do grande tirano, Carone, Iray (2004) assim se expressa:

"(...) os discursos de Hitler não escondiam os seus objetivos de dominação. , de um lado, e de intenção de extermínio dos judeus, de outro. Objetivos e intenções que foram, a despeito de seu completo irracionalismo, aceitos pelas massas, inclusive a proletária. Pela primeira vez na história a ideologia não apareceu sob camuflagem de interesses totalitários, mas como "mentira manifesta". A ideologia fascista foi, como disse Adorno, "involuntariamente sincera:"(p. 36, grifos nossos)

Sob o novo modelo econômico político neoliberal da contemporaneidade o ápice da direção da sociedade está nas mãos do capital financeiro e funciona sob o véu da democracia e, embora ainda estejam outorgados aos estados os poderes e as funções do executivo, do legislativo e do judiciário.De fato, o estado não mais realiza a mediação da relação capital trabalho, mas, sim, está totalmente subsumido aos agentes financeiros e às grandes corporações industriais. Tendo-se tornado, apenas, apêndice deste "capitalismo flexível", o estado vem levando em derrocada os indivíduos-cidadãos, intensificando-se os sofrimentos da exclusão social que são atenuados pela "indústria do entretenimento", a grande máquina da mentira na contemporaneidade (MARTÍN, E SCHUMANN, 1999). A fábrica, isto é a produção de mercadorias está à matroca do mercado, seguindo as demandas de consumo sempre renováveis. O trabalhador fica à mercê da supercompetição e para garantir seu emprego é-lhe exigido ter competências sempre mutáveis, vivendo sob alto nível de exigências de performance -ser herói- e, necessariamente, suportar muito sofrimento. (BARBARINI, 2001) para manter o emprego. A mídia tornou-se o principal orquestrador desta máquina com a tarefa de representar junto às populações os poderes instituídos pelo "capitalismo flexível". Ela exerce a grande função "educativa"de construir mentalidades que sustentem este status quo, isto é, cria e difunde massivamente os modelos identificatórios exigidos por esta organização social. Sem nenhum pudor, seus agentes transformam os indivíduos em consumidores por excelência, tornando-se os porta-vozes desta mentira esvaziadora do ser pessoa Este poderoso instrumento de manipulação social é nomeado por Adorno (1985) como indústria cultural, tendo na ideologia o seu suporte de eficiência. Isto porque, como diz Cohn (1986) :

"A ideologia além de ser um processo formador da consciência e não apenas instalado nela, opera no nível do inconsciente no sentido forte do termo: ela não apenas oculta os dados da realidade mas os reprime, deixando-os sempre prontos a retornar à consciência, ainda que de novo sob formas ideológicas. Nessas condições, o desenvolvimento da consciência pelo contato reflexivo com a realidade é um processo dolorosos, como o é a própria civilização na concepção freudiana. Trata-se de um processo difícil de ser suportado por pessoas cuja estrutura de personalidade foi moldada para reproduzir a heteronomia e fugir do esforço de defrontar-se com a diferença e o novo "(p. 17, grifos nossos)

Chegamos aqui ao ponto crucial para a compreensão da relação cultura e subjetividade, pois é a indústria cultural que mediatiza esta relação e, em especial, o faz por meio dos modelos identificatórios por ela produzidos, que portam as representações ideológicas que são internalizadas pelos indivíduos A indústria cultural é uma fábrica perversa da mentira por sua dimensão ideológica que contém o falseamento enganoso da realidade objetiva com a intenção de produzir individualidades modeladas para a sustentação do status quo. Enganosa e destrutiva porque encobre e escamoteia o foco da verdade, retirando do indivíduo a possibilidade de captura do real pela consciência ao encobrir/omitir dados objetivos. O vínculo entre o indivíduo e a cultura, mediatizado pela ideologia, põe em contato direto o inconsciente com a irracionalidade da ideologia, driblando a consciência e seus componentes cognitivos-racionais, tornando-os débeis e fragilizados, conseqüentemente, sob funcionamento regressivo. A mídia é o principal instrumento da indústria cultural, que com seu grande poder de difusão e o uso massivo da sedução, torna assimilável por todos o poder violentador da ideologia, isto é, sua força produtora da padronização de todos, vinculados assim simbiótica e indifenciadamente entre si.

Sabemos que este mecanismo de internalização inconsciente dos modelos identificatórios propostos socialmente produz uma espécie de fusão simbiótica entre os indivíduos, mas lhes dá a sensação de que suas formas de ser são autóctones, de cada um, mesmo quando se vem refletidos neste "espelho" narcisicamente nefasto. São naturalizados as formas de desejar, sentir, pensar e agir por que identificadas como se o"estilo de vida", produzido socialmente para a manipulação, tivessem sido gerados dentro dos próprios indivíduos. Pior, estes modelos identificatórios internalizados transitam livremente como verdades para os indivíduos e nas relações entre eles. Não se tornam detectáveis conscientemente os processos de identificação projetiva e introjetiva que produziram a não-diferenciação entre os indivíduos: o suposto "indivíduo rei"do individualismo contemporâneo é ele mesmo uma farsa, uma mentira, um pseudo-indivíduo na designação de Theodor Adorno.

Ou, como diz Hanna Arendt (2002), de forma categórica e trágica ao examinar a inconsciência e a persistência destrutiva da mentira:

" [...] a, longo prazo, o resultado mais certo da lavagem cerebral é uma curiosa espécie de cinismo - uma absoluta recusa a acreditar na verdade de qualquer coisa, por mais bem estabelecida que ela possa ser. Em outras palavras, o resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por mentiras não é passarem estas a ser aceitas como verdade, e a verdade ser difamada como mentira, porém um processo de destruição do sentido diante o qual nos orientamos no mundo real- - incluindo-se entre os meio mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e mentira.
[...] E
sse é o motivo por que a mentira coerente, em termos metafóricos, arranca o chão de sob nossos pés, sem fornecer outra base em que nos postemos. (pp. 317-318, grifos nossos)

Evidencia-se nas palavras de Hanna Arendt a dificuldade de identificar o agressor- e acrescentamos, em especial, quando se trata da violência simbólica da ideologia da indústria cultural, porque inconscientemente internalizada. É por ai que a mentira vai-se se tornando uma poderosa estratégia de manipulação. Como os indivíduos a acolhem sob o impacto das leis do inconsciente, passam a agir sob o signo da onipotência x impotência, onipresença x ausência, onisciência x ignorância. Não há dúvida que o narcisismo de morte (GREEN, 1988) administra o mundo interno e as relações entre os indivíduos. Inexiste o respeito da alteridade do outro e a ausência de leis culturais(ordem social) protetoras que possibilitem o compartilhar de trocas desejantes, afetivas, cognitivas entre os indivíduos. A subjetividade fica à matroca do pânico com as perdas dos referenciais de realidade e de anteparo de autoridade de um outro diferente que pudesse marcar a separação entre a verdade e a mentira, do possível e do impossível, do amigo e do inimigo. Enfim, uma certa forma de estado confusional acompanha o dia a dia dos homens, vulnerabilizados pela violência internalizada e sob a gestão do sentimento de culpabilidade inconsciente(Freud- El Malestar em la Cultura), corroendo-se neste caos interno e externo. O instinto de morte reina soberano quando os indivíduos se transformam em "máscaras mortuárias" e em pseudo indivíduos (ADORNO, 1986) ou no homem vazio da atualidade pela saturação dos prazeres consumistas disponíveis na atualidade (LIPOWETSKY, 1983)

Os nossos adolescentes não estão tão prenhes de realização prazeirosa e felicidade que justifique terem sido alçados à condição de referencial ideal de ser indivíduo a ser seguido ou, quiçá, melhor seja identificá-los como depositários da inveja de outros homens impotentes que assim colaboram para a sacralização - mortífera que deles foi feita. Vangloriados e de olhos fechados, eles não percebem o alçapão no qual lhes está sendo retirada sua autonomia e tudo mais que um ser humano necessita. Mantêm-se enganados, mas regosijantes, no altar do sacrifício solitário que lhes retirou o amparo e acolhimento que a sociedade lhe é devedora e ainda tendo a obrigação de carregar em sua mutilante simbiose social os clamores de outros impotentes homens também enjaulados.

Sintetizando: a violência social, a manipulação do indivíduo, a indústria cultural, a suspeição entre os indivíduos, a vigilância e o controle sociais, a cumplicidade mórbida subjetiva, o esfacelamento das tradições e as banalizações do mal, da injustiça social, do sofrimento e da dor e a con- fusão nas leis que regem a ordem social são alguns dos atributos da PERVERSIDADE DA MENTIRA que produzem SOFRIMENTO PSÍQUICO e convivem de mão dadas para destruir a autonomia cultural dos sujeitos. A MENTIRA vem falsamente mistificando a MORTE que se espraia no planeta Terra, DISFARSADA sob formas democráticas de governo, políticas públicas ditas equalizadoras de justiça social e direitos humanos. Ouçamos o apelo à RESISTÊNCIA na carta, em nome do povo cubana, dirigida por Fidel Castro (2004) ao senhor Bush:

"Tudo que se escreve sobre direitos humanos em seu mundo e no de seus aliados que compartilham o saque do planeta, é uma COLOSSAL MENTIRA. Milhares de milhões de seres humanos vivem com fome, sem alimentos suficientes, medicinas, roupas, sapatos, casas, em condições sub-humanas, sem os mínimos conhecimentos e suficiente informação para compreender sua tragédia e do mundo que vivem"(grifos nossos).

A saída transformadora desta barbárie e do caos na cultura só existirá se pudermos RESISTIR e sustentar a esperança utópica de uma vida melhor, pois, como diz Hannah Arendt (2002)

"a verdade, posto que impotente é sempre perdedora em choque frontal com o poder, possui uma força que lhe é própria : o que quer que possam idear aqueles que detêm o poder, eles são incapazes de descobrir ou excogitar substituto viável para ela. A persuasão e a violência podem destruir a verdade, mas não substituí-la"(p. 320, grifos nossos).

Mais animador, ainda, embora paradoxalmente sob o risco da própria vida

"(O)[o]nde todos mentem a cerca de tudo que é importante, aquele que conta a verdade começou a agir; quer o saiba ou não, ele se comprometeu também com os negócios políticos, pois, na improvável eventualidade de que sobreviva, terá dado um primeiro passo para a transformação do mundo"(idem, ibid, p. 310-311, grifos nossos)

 

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