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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005
O narcisismo na cultura – a opressão narcísica na contemporaneidade vinculada à sociedade de consumo
Angela CaniatoI; Alessandro KapoiaII
IOrientadora
IIAcadêmico
Este trabalho apresenta resultados parciais de um PIC (projeto de iniciação científica), vinculado à Universidade Estadual de Maringá(UEM) que tem como um de seus objetivos o de fundamentar teoricamente os acadêmicos do projeto Phenix(projeto de pesquisa e intervenção ligado ao Departamento de Psicologia da UEM)no que se refere as suas práticas junto aos adolescentes do CESOMAR ( Centro Social Marista). Este projeto tem fundamentação teórica abrangente e complexa, porém articula-se e mantém um ponto de convergência com a teoria e pratica do referencial da Escola de Frankfurt e sua Teoria Critica. Assim, com a preocupação de entender o indivíduo em contato com a cultura, essa pesquisa procura respeitar os limites do funcionamento psíquico individual, bem como das produções coletivas que entendemos ser formadas ao longo da história.
O estudo do narcisismo é então contextualizado de acordo com as características específicas da sociedade contemporânea, a qual, segundo Baudrillard (1995) trata-se, essencialmente, de uma sociedade do consumo. Buscamos, então, uma melhor compreensão desta relação narcisismo-consumo na contemporaneidade, a partir da conceituação de narcisismo originalmente proposta por Freud (1981) e desenvolvida posteriormente pela Psicanálise de uma forma geral, relacionando seus elementos com aspectos culturais compreendidos por vários autores como análogos e/ou referentes a esse fenômeno do desenvolvimento psícossocial.
Segundo Freud (1981) em seu texto "Introducción al narcisismo" [1914], haveria um primeiro estágio do narcisismo permeado pelo auto-erotismo que se manifestaria como um narcisismo primário, no qual toda a energia libidinal se concentraria no Ego. Esse investimento da energia libidinal sobre o Ego primitivo serviria de proteção, além de fonte alimentadora das fantasias de grandeza e de poderes mágicos do tipo megalomaníaco, sendo, portanto, uma etapa indispensável ao desenvolvimento normal e não referente a uma patologia ou perversão como até então esse seria considerado:
"En este sentido, el narcisismo no seria ya una perversión, sino el complemento libidinoso del egoísmo del instinto de conservación: egoísmo que atribuimos justificadamente, en cierta medida, a todo ser vivo" Freud, 1981 p.2017
Essa energia libidinal no processo de desenvolvimento tenderia a permanecer no Ego até que as idéias de objeto pudessem ser investidas, transformando esta libido narcisica em libido objetal. Assim , o Ego narcísico defrontado com a existência de um outro que lhe é exterior, pode transferir parte desta energia para esse, que passa ser objeto de desejo e realização de sua satisfação. No entanto, esse objeto não é um prolongamento de si como a princípio sente o indivíduo localizando-se, portanto, exteriormente à esfera de sua onipotência narcísica, forçando-o a um reconhecimento de suas fragilidades.Dar-se-á dessa forma um desvio da libido para a constituição de uma instância psíquica denominada ideal de ego, resultado da identificação com o objeto primordial e a internalização desse e de seus valores.
O ideal de ego tornar-se o instrumento de socialização do sujeito,à medida que representa seu desejo de retornar a um estado onipotente que foi perdido na passagem do narcisismo primário para o secundário e o faz mediante a aquisição de valores culturais adquiridos no processo de identificação com o objeto. O narcisismo é a chave de processos muito específicos no desenrolar terapêutico e o aprisionamento da libido, inflando o ego resultante de deficiências no desenvolvimento impede, por exemplo, a transferência analítica que é fundamental para a clinica psicanalítica.
Para Francisco(1993) o ideal de ego, enquanto instância narcisicamente investida contém os interesses do indivíduo projetados para o mundo externo, o seu vir a ser, que a princípio é desejo de ser seus pais.Quanto mais se insere na cultura seu desejo se expande para os ideais culturais e o ideal de ego vai-se-tornando o meio pelo qual os indivíduos de uma determinada cultura se relacionam mutuamente em busca da aceitação e proteção. "Enquanto o ego obedece ao superego por medo do castigo submete-se ao ideal de ego por amor" (Nunberg,1932 citado por Francisco, 1993) exprimindo-se Eros no ideal de ego enquanto força civilizatória.
Para Costa (2003), com o surgimento do ego a energia libidinal pode tomar três direções: ser dirigida ao próprio ego, aos objetos e aos ideais.Com o investimento no ego, a libido egoíca que é guiada pelo principio do prazer procura evitar a dor e o desprazer. Assim busca inibir ou permitir uma descarga pulsional para proteger o psiquismo. Essa proteção leva o ego narcísico a se tornar resistente à alterações formando uma característica unitária própria deste modo de funcionamento. Segundo o autor, essa resistência surge não somente porque os mecanismos de defesa aqui seguem o processo primário, mas também por se instaurar a " compulsão á síntese que é marca patente do imaginário"ou seja por meio do o ego narcísico o psiquismo adquire um sistema que visa manter as coisas como estão.Esse desdobramento do narcisismo é de fácil compreensão se partirmos do pressuposto que uma mudança requer uma readequação ou reformulação devido à instabilidade que as mudanças causam.Portanto o ego narcísico, para se manter coeso e investido, faz da síntese um mecanismo que visa alcançar uma imagem da totalidade do sujeito organizada e protegida.
Também o ideal de ego assim como o ego narcísico, possui uma função sintética, mas esse se configura como uma imagem idealizada da constituição egóica, que tem a função objetiva de lidar com a alteridade, com o outro, pois "o desejo de algo que não se é ou não se tem, revela, ‘ipso facto’, uma falha no sujeito, falha esta que aparece à revelia do narcisismo psíquico, mostra a divisão do sujeito e sua dependência do desejo do outro"(........,p6) Isto faz do ideal uma importante defesa do aparelho psíquico que ajuda o indivíduo a lidar com os desejos dos outros e por vezes incorporá-los como se seus fossem. Porém, o ideal não se prende ao presente ou ao passado mas sim aponta para o futuro... Segundo Costa (2003) se a matéria de formação do ego é o suposto ser do sujeito, o vir a ser do mesmo sujeito é o material por sua vez do ideal, visando a síntese do sujeito mas de um sujeito futuro.Dessa forma o ideal obriga esse à incorporação de novos traços que busquem o idealizado.
Compreendendo o indivíduo e a cultura em interação relacional contínua, na qual o primeiro é capaz de agir no sentido de transformar o seu meio cultural, sendo, não obstante, influenciado por esse mesmo meio, destacamos que a lógica que permeia o indivíduo diverge daquela que estrutura a sociedade devido às transformações recorrentes tanto de entidades concretas(instituições, avanços tecnológicos, etc.) como das entidades simbólicas (leis, valores, mitos etc.) que são formadas anteriormente à própria existência desse indivíduo.Uma vez inserido na cultura já encontra um aparato mais que constituído e legitimado no decorrer do processo sócio-histórico, sendo que essa construção é o resultado das complexas relações travadas entre os homens no interior de uma coletividade em um tempo e lugar específicos. É essencial ressaltar que, no caso particular das sociedades ocidentais capitalistas, tais relações evoluíram no sentido de constituir uma sociedade hierárquica, permeada por relações de poder e, conseqüentemente, da exploração de uma maioria (detentora apenas de sua força de trabalho) por uma minoria possuidora do capital e dos meios de produção.
Nesse contexto compreende-se que existem duas formas pelas quais os indivíduos privados de necessidades básicas tornam-se cúmplices do sistema que os escraviza: uma delas é a mais ineficaz que é a da coação real imposta via força bruta, sob a qual facilmente o indivíduo identifica como vindo de fora tal violência, tornando-se,portanto, passível de atitude contraventora e/ou de resistência. A outra estratégia de expropriação é a mais utilizada pelos detentores do poder hegemônico(donos do capital), denominada ideológica. Sob essa forma é que a violência simbólica se manifesta e mantém subjugados os indivíduos sem que ao menos esses possam entender a violência como vinda de fora, internalizado-a inconscientemente e sentindo como se fosse originária de si mesmo. Por meio do conceito de Indústria Cultural (proposto por Adorno e Horkheimer,1985), esses filósofos descrevem todo o aparato técnico-ideológico com o qual o sistema de comunicação da sociedade moderna impõe aos indivíduos uma forma de ser ,pensar e agir, cumprindo o papel de transmissor dos valores ideológicos das classes dominantes para o restante da população que os recebe de forma passiva.
Estando evidente que o poder as classes dominantes advém do capital é que podemos compreender como o capitalismo acumulativo de riquezas se tornou o capitalismo da Sociedade de Consumo.Se nos preocuparmos com a lógica do capital entenderemos que de nada adianta produzir macissamente produtos se esses não forem consumidos.
A construção simbólica via instrumentos de divulgação em massa (Mídia), de elementos culturais de identificação por meio de modelos fabricados pela Indústria Cultural e internalizado pelos indivíduos por meio de identificações projetivas-introjetivas são incorporados ao ideal de ego. As diretrizes de funcionamento da sociedade pós era industrial ,que se mantém sob o alicerce do capitalismo e do lucro, é que para uma produção em massa de bens de consumo é necessário uma massa coesa que esteja disposta a consumir os produtos fabricados por toda espécie de companhia e conglomerados industriais. Para tanto a Indústria Cultural se coloca a serviço das classes dominantes produzindo uma padronização das subjetividades, homogeneizando a cultura e desapropriando os bens simbólicos- que agora passam a ser distorcidos via ideologia -exercendo sobre os indivíduos um aprisionamento de suas identidades.
É na sociedade do consumo que o teatro de horrores da Indústria Cultural produz suas monstruosidades deformadas de pseudo individuações ,forjadas a partir da não diferenciação de objetos de consumo e de seres humanos, como afirma Baudrillard(1995). São abolidas as reais diferenças entre homens e mercadoria e instaura-se a diferenciação pelo poder de compra, pela mercadoria consumida que ganha por meio da produção simbólica da Indústria Cultural características humanas pela energização da energia libidinal com que a mercadoria é imantada . O outro, nesse processo de captura do desejo está subalternizado, senão destituído da condição de objeto primordial no qual a libido pudesse se enovelar: com este deslocamento os vínculos entre os homens estão substituídos pela relação com a mercadoria para o consumo . A este processo de esvaziamento libidinal na relação entre os homens (Lowen,1985) caracteriza como sendo o estilo de vida atual, conduzente 'a deteriorização do psíquico humano |( Adorno,1985-máscara mortuária) mantendo-o preso à malha da lógica perversa da sociedade do consumo .( se encontra ausente a espera de um objeto que lhe traga significado.) NÕ ENTENDI ESTA FRASE
Temos ainda uma condição preponderante para que o sistema de consumo prevaleça funcionando: essa condição é a de que os objetos de consumo tenham prazo determinado de deterioração ou seja uma obsolescência programada, exigindo permanente reposição de outra mercadoria.Se o contato com tais objetos não encontra base real mas apenas níveis fantasiosos de ligação gerados pela indústria cultural e se este investimento tem prazo determinado para deixar de existir, a libido que deveria estar investida em outras pessoas só encontra o caminho de represamento no ego, mantendo os indivíduos em estados regredidos de funcionamento narcísico. Por hora , podemos, apenas, hipotetisar que esta forma relacional com as mercadorias- em detrimento do fortalecimento lidinoso-amoroso de vínculos entre os homens- esteja permitindo a liberação solta da agressividade ( não amalgamada à libido) conduzente à potencialização da violência na cultura assim como a uma destituição dos vínculos afetivos , que tem marcado a vida dos homens na contemporaneidade.
REFERÊNCIAS:
Baudrillard, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70. 1995
Costa, Jurandir F. Narcisismo em tempos sombrios. Disponível em <http://www.jurandircosta.hpg.ig.br/ciencia_e_educação/9/artigos/narcisismo.html> Acesso em 28/04/2004
Dantas Jr, Arílio. A psicanálise e as novas formas de experiencia humana determinadas pela globalização. Revista Brasileira de Psicanálise vol. 36, 2002
Francisco, B.S.S. Narcisismo: Um ideal regulador interno. Revista Brasileira de Psicanalise,vol.23/31993
Freud, S. Introduccion al narcisismo In_____________ Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981
Lasch, C. A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago, 1983
Lowen, Alexander. Narcisismo negaçao do verdadeiro "self". Ed. Círculo do livro S.A, 1983